terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Mediadora - Crepúsculo, Meg Cabot - Cap 15

Não sei quanto tempo fiquei deitada lá daquele jeito.Tempo bastante para começar a me perguntar se eu poderia apenas fechar meus olhos e aparecer em casa. Quem sabe onde eu acabaria? Algum lugar no quintal, de qualquer maneira. Possivelmente num grande arbusto de sumagre venenoso, já que não havia celeiro lá agora. Mas alguma coisa tinha que ser melhor do que ficar deitada numa posição desconfortável no chão de um celeiro com feno, com quem sabe o que engatinhando no meu cabelo e o sangue jorrando da minha têmpora.

Mas um mundo sem Jesse? Porque isso é o que eu estava garantindo a mim mesma se desistisse agora. Um mundo sem a minha razão de viver. Bem, mais ou menos. Quero dizer, eu sei que as mulheres precisam de homens assim como peixes precisam de água, e tudo mais.

Exceto…

Exceto que eu o amo…

Eu não poderia fazer isso. Eu sou muito egoísta. Eu não desistiria. Ainda não. Ainda restavam muitas e muitas horas de luz do dia, ou pelo menos, restavam quando Paul tinha saído. As sombras, eu não podia evitar reparar, estavam crescendo.

Ainda, que a Sra O’Neill tenha contado a verdade ao Paul, e Jesse fosse chegar aquela noite, ainda havia tempo. Paul poderia não achar Diego. Ele poderia ter que voltar sem sua missão cumprida.E quando ele chegasse, e me desamarrasse…

Bem, ele iria aprender muito sobre dor, disso eu tinha certeza. Porque desta vez, eu estaria pronta para ele.

Eu não sei quanto tempo se passou enquanto eu estava deitada lá, arquitetando minha vingança contra Paul Slater. A morte era bom demais para ele, claro. Uma eternidade como fantasma – flutuando prá lá e prá cá, desta dimensão para a outra - era o que combinava mais com ele. Dar um pouquinho do gosto de como tinha sido para o Jesse todos esses anos. Isso ensinaria a ele...

 Eu poderia fazer isso também. Eu poderia puxar para fora do corpo sua alma e de tal forma que ela nunca pudesse retornar…

...Dando seu corpo para outro alguém. Outro alguém que merecesse uma chance de viver novamente.

Mas eu não poderia. Eu sabia que não poderia. Eu não poderia beijar os lábios do Paul, mesmo se eu soubesse que era o Jesse dentro dele, me beijando. Isso era tão… nojento.

Isso é o que eu estava pensando deitada lá quando ouvi um som que meus ouvidos ficaram tão afiados em reconhecer no último ano, que eu poderia ir a qualquer programa de auditório, milhões de vezes, e ainda assim reconheceria.

A voz do Jesse.

Ele estava chamando alguém. Eu não podia ouvir o quê, exatamente, ele estava dizendo. Mas ele parecia, não sei… Diferente de algum modo.

Ele estava chegando mais perto também. A voz dele, quero dizer.

 Ele estava vindo na direção do celeiro. Ele me achou. Não sei como – Dr Slaski não tinha dito nada sobre fantasmas serem capazes de viajar no tempo, mas talvez eles pudessem. Talvez eles pudessem como os deslocadores e o Jesse tinha feito isso, tinha voltado no tempo me procurando. Para me salvar. Para me ajudar a salvá-lo.
Eu fechei os olhos, pensando no nome dele tão forte quanto podia. Isso funcionava mais vezes do que não funcionava. Jesse se materializaria na minha frente, se perguntando que diabos seria tão urgente.

Só que ele não se materializou. Não dessa vez. Abri os olhos e… nada.

Só que eu ainda conseguia ouvir sua voz abaixo de mim. Ele estava dizendo:

-Não, não tudo bem Sra O’Neill.

Sra O’Neil. Sra O’Neil podia ver o Jesse?

A porta co celeiro abriu. Eu ouvi a porta ranger. Então…

Passos.

Mas como poderia ouvir passos do Jesse? Ele é um fantasma.

Rastejando no feno, tanto quanto conseguia, estiquei meu pescoço, tentando ver o que eu só conseguia escutar. Mas a corda que o Paul tinha usado para amarrar meus pés na viga não deixava que eu me arrastasse mais que uns centímetros da minha posição original. Eu podia ouvi-lo agora – realmente ouvi-lo. Ele estava falando num tom carinhoso e gentil com… com…

Com seu cavalo.

Jesse estava falando com um cavalo. Eu ouvi o cavalo relinchar gentilmente em resposta.

Foi quando finalmente percebi. Esse não era o fantasma do Jesse, vindo me salvar. Esse era o Jesse vivo, que nem me conhecia. O Jesse vivo iria encontrar seu destino no meu quarto esta noite.
Eu gelei, sentindo agulhadas e fisgadas por todo corpo – e não era somente por que tinha estado numa posição tão incômoda por tanto tempo.Eu tinha que vê-lo. Eu Precisava vê-lo. Mas como?

Então ele se moveu e eu virei a cabeça, seguindo o som…

E vi, através de uma fenda nas tábuas do mezanino, um pedaço de cor. O cavalo dele. Era o cavalo dele. Eu vi suas mãos se movendo na cela, desamarrando-a. Era o Jesse. Ele estava exatamente abaixo de mim. Ele estava…

Porque eu fiz o que fiz a seguir, eu nunca saberei. Eu não queria que o Jesse soubesse que eu estava lá. Se ele me achasse, isso poderia estragar tudo. Quem sabe, ele poderia nem ser morto esta noite. E aí eu nunca o conheceria. Mas a necessidade de vê-lo – vivo- era tão forte, que sem nem pensar eu bati meus pés no chão do mezanino tão forte quanto pude.

As mãos se movendo na cela de repente pararam. Ele me ouviu.

Eu tentei chamá-lo, mas tudo que saiu, graças a mordaça do Paul, foi gnnh, gnnh.

Bati meus pés mais forte.

-Tem alguém aí? - ouvi Jesse perguntar.

Bati novamente.

Desta vez ele nada falou. Começou a subir a escada para o mezanino. Ouvi a madeira ranger sob seu peso.
Seu peso. Jesse tinha peso.

E aí vi suas mãos – suas mãos grandes,morenas,capazes- na última barra da escada, seguida um segundo depois, por sua cabeça…

A respiração congelou nos meus pulmões.

Porque era ele. Era o Jesse.

Mas não o Jesse como eu sempre havia visto antes.Porque ele estava vivo. Ele estava… lá. Ele estava tão solidamente e indubitavelmente lá, ocupando espaço como se ele possuísse espaço, como se fosse melhor o espaço sair do caminho dele, e não ao contrário. Ele estava brilhando. Ele estava radiando. Não o brilho espectral que eu estava acostumada a ver ao seu redor, mas ao invés disso uma inegável aura de saúde e vitalidade. É como se o Jesse que eu conhecia fosse uma pálida réplica – ou reflexo - daquele que eu agora via. Nunca estive tão consciente do jeito que seu cabelo escuro se enrolava na sua nuca bronzeada, o profundo castanho de seus olhos, a brancura de seus dentes, a força naquelas longas pernas ao se ajoelhar ao meu lado, os tendões nas suas mãos morenas, os músculos em seus braços nus…

-Senhorita?

E sua voz. Sua voz! Tão profunda, que parecia reverberar minha espinha abaixo. Era a voz do Jesse, certamente, mas de repente, era envolvida, era estéreo, era…

-Senhorita? Você está bem?

Jesse estava olhando para mim, seus olhos escuros cheios de preocupação. Uma de suas mãos alcançou sua bota, e a próxima coisa que vi, foi uma longa e brilhante lâmina em sua mão. Eu assistia com fascinação enquanto a lâmina se aproximava pouco a pouco da minha bochecha.

-Não tenha medo - Jesse dizia - Vou te desamarrar. Quem fez isso com você?

De repente a mordaça se foi. Minha boca estava em carne viva onde a corda estava. E então minhas mãos estavam livres. Doloridas, mas livres.

-Você consegue falar? - As mãos do Jesse estavam nos meus pés agora, sua faca cortando as cordas com as quais Paul tinha me amarrado.
-Tome.

Ele deixou a faca de lado e levantou alguma coisa na direção do meu rosto. Água.
De um cantil. Peguei de sua mão e bebi gulosamente. Eu não tinha idéia de quanto estava com sede.

-Devagar - disse Jesse naquela voz – naquela voz! - posso pegar mais. Fique aqui e eu vou arrumar ajuda-

Na palavra ajuda, entretanto, minhas mãos , como de vontade própria, deixaram cair o cantil e voaram na direção de sua camisa, agarrando-a.

Não era a camisa que eu costumava ver jesse usando. Era parecida, o mesmo macio e branco linho. Só que essa era mais alta no pescoço. Ele esta usando um colete também – acho que é assim que chamavam naquela época – de um tipo de seda amassada.

-Não - balbuciei e me espantei em quão metálica minha voz soou. - Não vá.

Claro que não era porque eu estivesse preocupada que ele fosse chamar a Sra O’Neil, que me reconheceria como o estrupício que ela achou vagando em frente a sua loja no dia anterior. Mas porque eu não podia suportar a idéia dele sair da minha vista. Não agora. Nunca.

Esse era o Jesse. Esse era o Jesse real. Era esse que eu amava.

E que iria morrer em breve.

-Quem é você? - Jesse perguntou, pegando o cantil que eu deixara cair, vendo que ainda não estava vazio e me devolvendo.

-Quem fez isso – deixou você aqui desse jeito?

Bebi o que restava da água. Eu conhecia Jesse o suficiente para saber que ele estava enfurecido – enfurecido com quem quer que tenha me deixado naquela situação.

-Um… um homem - disse eu. Porque evidentemente, Jesse – esse Jesse – não saberia quem é Paul… e claramente não sabia quem eu era.
Suas sobrancelhas franziram, aquela com a cicatriz parecia particularmente adorável. Percebi que a cicatriz não era tão óbvia no Jesse vivo, como era no Jesse fantasma.

-E esse mesmo homem colocou você nessas roupas de forasteira? - quis saber Jesse, olhando criticamente para meu jeans e minha jaqueta de motociclista.

De repente quis gargalhar. Ele parecia um Jesse completamente diferente – ou melhor, cem vezes mais real do que o Jesse que eu tinha conhecido - mas o seu desgosto com meu guarda-roupa? Esse não tinha mudado nada.

-Sim - disse eu. E imaginei que isso pareceria mais acreditável do que a explicação verdadeira.

-Ele será chicoteado - disse Jesse como se pessoas fossem chicoteadas todos os dias por vestir garotas com roupas estranhas e deixa-las amarradas em celeiros toda semana.

-Quem é você? Sua família deve estar te procurando...

-Hum - disse eu - Não, não estão. Quer dizer… duvido que estejam. E meu nome é Suze.

Suas sobrancelhas franziram novamente - Soose?

-Suze - disse com uma gargalhada. Não pude evitar. Gargalhar, quero dizer. Era tão maravilhoso vê-lo assim. - Susannah como em “Oh Susannah não chores mais por mim”.

Era o que tinha dito a ele, caí na real, com uma pontada no peito, lá no meu quarto, na primeira vez que o encontrei, no dia que cheguei a Carmel. Eu não sabia então, o que sei agora – aquele momento tinha sido um divisor de mares na minha vida - tudo antes era AJ – Antes do Jesse. Tudo depois, DJ: depois do Jesse. Eu não sabia então, que aquele cara na camisa bufante, com calça preta apertada seria um dia significar mais para mim do que minha própria vida… seria um dia o meu tudo.

Mas eu sabia agora, assim como sabia uma outra coisa: Se eu estivesse enganada nisso, estaria enganada em todo o resto.

Mas eu sabia também, que ainda não era tarde demais para consertar tudo. Graças a Deus.

-Susannah - disse o Jesse, enquanto sentava ao meu lado, no feno. -Susannah O’Neil, talvez? Você é parente do Sr. e da Sra O’Neil? Deixe-me chamá-los. Sei que vão querer saber que você está em segurança.

Não - disse eu, balançando a cabeça - minha, hum, família está longe. Realmente longe. Você não tem como falar com eles quer dizer, obrigada, mas não dá para falar com eles.

-Então esse homem… - Jesse parecia agitado. E Porque não? Provavelmente não era todo dia que o cara esbarrava numa garota de 16 anos que tinha sido amarrada, amordaçada e largada num celeiro - Quem é ele? Vou buscar o xerife. Ele tem que pagar pelo que fez.

Por mais que eu tivesse gostado de atiçar o Jesse - Jesse vivo - contra Paul, isso não parecia a coisa apropriada a fazer. Não quando Jesse estava prestes a encarar tantos problemas em tão pouco tempo. Paul era problema meu, não dele.

-Não - disse eu - Não, tudo bem - Então vendo sua cara de interrogação, disse:

-Quero dizer, tudo bem mesmo. Não chame o xerife...

-Você não precisa mais ter medo, Susannah - disse Jesse gentilmente. Ele claramente não sabia que estava falando com uma garota que já havia chutado muitas bundas por aí a fora. Bundas de fantasmas, na maioria, mas mesmo assim… - Não vou deixar esse homem machucá-la de novo.
-Eu não tenho medo dele, Jesse.

-Então - seu rosto enevoou de repente.

-Espera aí. Como você sabe o meu nome?
 - Ah , bem…esse era o ponto, não era?

Jesse estava me olhando curiosamente, seus olhos castanhos - escuros me encarando. Tenho certeza que estava um modelo de beleza. Que garota não estaria depois de passar horas com a cabeça no feno e a boca amordaçada? Claro que não fazia diferença o que Jesse pensasse de mim. Mas eu me sentia encabulada do mesmo jeito. Afastei meu cabelo dos olhos e tentei enfiá-lo atrás da orelha. Para minha sorte, a primeira vez que encontro meu namorado - enquanto ele ainda está vivo - estou parecendo um trem amassado.
-Você me conhece? - Jesse perguntou, seu olhar procurando uma resposta. - Já nos encontramos? Você é… Você é uma das garotas Anderson?

Eu não tinha idéia de quem as garotas Anderson poderiam ser, mas senti uma ponta de inveja delas, quem quer que elas fossem. Porque eram Garotas que conheciam o Jesse – Jesse vivo. Fiquei me perguntando se elas sabiam o quanto tinham sorte.

-Nós nunca nos encontramos - disse eu - Ainda, mas… eu te conheço. Quer dizer, já vi você.

-Verdade? - reconhecimento finalmente pairou em seu olhar. - Espere aí… sim, já sei. Você é amiga da escola de uma das minhas irmãs? Mercedes? Você conhece a Mercedes?"

Neguei com a cabeça, futucando o bolso da minha jaqueta de couro.

-Josefina, então? - Jesse estudou meu rosto mais um pouco. - Você ter quase a mesma idade dela, 15 anos, certo? Você não conhece a Josefina? Você não deve conhecer a Marta, ela é mais velha…

Neguei novamente, e aí tirei do bolso o que estava procurando. Ele olhou para o que eu segurava em minha mão.

- Nombre de Dios - disse ele gentilmente enquanto o tirava de mim.



Era o retrato miniatura do Jesse, aquele que eu tinha furtado da Sociedade Histórica de Carmel. Eu via agora o quanto era ruim aquela pintura. Ah, o pintor tinha acertado o formato da cabeça do Jesse e a cor dos olhos e a expressão estavam bem parecidas.

Mas ele tinha falhado completamente em captar o que fazia do Jesse… bem… ser o Jesse. A inteligência aguçada nos seus olhos castanhos escuros. O contorno confiante da sua larga e sensual boca. A gentileza de suas mãos fortes. A força – agora acorrentada, mas tão próxima da superfície, que poderia estourar a qualquer momento – de seus músculos, talhados em anos de trabalho braçal no rancho do pai, embaixo daquela camisa de linho e calça preta.
-
Onde você conseguiu isso? - perguntou ele, com o retrato fechado em seu punho.

Faíscas pareciam sair de seus olhos castanhos, ele estava enraivecido.

-Só uma pessoa tem um retrato como esse.

-Eu sei - disse eu - Sua noiva, Maria. Você está aqui para casar com ela. Ou pelo menos esse é o plano. Você está a caminho de vê-la , mas o rancho do pai dela ainda está longe, então você vai passar a noite aqui antes de partir para a casa dela pela manhã.
Raiva tornou-se espanto enquanto Jesse levantou sua mão livre e passou seus dedos pelo seu cabelo grosso e escuro – um gesto que eu o tinha visto fazer tantas vezes quando estava completamente frustrado comigo. Lágrimas caíram dos meus olhos, isso era tão familiar… e tão adorável.

-Como você sabe de tudo isso? - perguntou ele desesperadamente - Você é… você amiga da Maria? Ela te deu isso?

-Não exatamente - disse eu.

Respirei fundo.

-Jesse, meu nome é Susannah Simon - disse apressadamente, querendo que tudo saísse antes que eu mudasse de idéia - Eu sou o que se chama de mediadora. Sou do futuro e estou aqui para evitar que você seja assassinado hoje à noite.

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