terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Mediadora - Crepúsculo, Meg Cabot - Cap 14

Estava quente no sótão. Quente e seco e não somente por causa de todo o feno. Não. Também porque Paul e eu estávamos sentados bem próximos um do outro — para a finalidade de compartilharmos somente o calor do corpo, eu informei a ele, quando ele me mostrou o buraco na pilha gigante de feno na extremidade do sótão.

-Porque eu não quero morrer de hipotermia - era o que eu havia dito, porque a manta de cavalo não parecia estar fazendo o seu trabalho. Pelo menos, meus dentes não tinham deixado de vibrar. Minhas calças jeans não estavam secando tão rápido quanto eu queria.

-Eu manterei minhas mãos longe - Paul me assegurou.

E tão longe estava, a verdade em suas palavras.

-O que eu não entendo - eu disse enquanto a chuva caia do lado de fora, ocasionalmente relampejando raios, entretanto parte do temporal da noite parecia ter acabado -É o que você está fazendo aqui. Você não está procurando o Felix Diego? Para o impedir?

-Sim.- Na escuridão do sótão, eu só poderia ver o perfil de Paul pela luz que passava dentro de rachaduras e buraquinhos na madeira que formavam as paredes do celeiro.

Eu somente teria que impedir Paul, isso era tudo. Impedir o Paul e mantê-lo longe de Diego. Talvez eu nem mesmo veja Jesse. O que provavelmente seria bom. Porque se eu o visse, o que eu diria a ele?E se ele fosse, como a Sra. O' Neil, e me confundisse com alguma dama da noite?

Eu não pensava que podia agüentar isto...
Que me lembrou...

-As pessoas vão notar nossa ausência? - eu perguntei - Em nosso tempo, quero dizer? Ou quando nós voltarmos, será como se nenhum tempo tivesse passado?

-Eu não sei - Eu achei que Paul tinha ficado com um pouco de sono, ele demonstrava isto. Ele parecia estar ansioso para dormir e minhas perguntas infinitas só estavam servindo para o irritar. Por que você não perguntou para meu avô? Vocês dois estão tão íntimos e tudo...

-Eu não tive exatamente uma chance, ora, eu tive? - Eu o encarei - ou tentei, de qualquer maneira - na escuridão. Eu ainda não acreditava que o Dr. Slaski tinha me escolhido como confidente ai invés do próprio neto. Bem, a não ser pelo fato de Paul ser um usuário de drogas. Ou um ladrão. E, Ah sim, possivelmente tê-lo drogado de forma intencionada.

-Ele não é o que pensa você que ele é, Paul - eu disse me referindo a Dr. Slaski. - Ele não é seu inimigo. Ele é como nós.

-Não diga isso. Os olhos azuis e afiados de Paul me encararam repentinamente na escuridão. - Nunca.

-Por quê? Ele é um mediador, Paul. Um deslocador. E tudo que você sabe, provavelmente aprendeu com ele. Ele sabe muito. E uma coisa que ele sabe é que não se deve brincar com o tempo. . . com nossos poderes. . . Ou teremos chances de terminar como ele.

-Eu te disse para não dizer isso - Paul disse entre dentes friccionados.

-Mas se você lhe der apenas uma chance, em vez de chamá-lo de vegetal e intencionalmente.

-Nós não somos como ele, certo? Você e eu? Nós não somos nada como ele. Ele era estúpido. Ele tentou falar para as pessoas. Ele tentou falar para as pessoas que mediadores — deslocadores — não importa qual — que nós existimos. E todo o mundo riu dele. Meu papai teve que mudar o seu nome, Suze, porque ninguém o levaria a sério, sabendo que ele era parente de alguém que todos achavam que era um impostor. Não, mas você sempre – sempre - diz que nós somos como ele ou que terminaremos como ele. Eu já sei como vou terminar.

Eu pisquei para ele.

-Ah, é mesmo? E como você vai terminar?

-Não como ele - Paul me assegurou. - Eu terminarei como meu pai.

-Seu pai não é um mediador - eu o lembrei.

-Eu quero dizer que eu vou ser rico, como meu pai - Paul disse.

-Como? - Eu perguntei com um riso. - Roubando das pessoas que você deveria estar ajudando?

-Lá vem você novamente - Paul disse, balançando sua cabeça.
 - Quem lhe falou que você deveria estar ajudando os mortos, Suze? Hã? Quem?

-Você sabe perfeitamente bem que foi errado você levar aquele dinheiro. Não era seu.

Sim - Paul disse - Bem, há mais de onde veio e, ao contrário de você, eu não sofro nenhum remorso fazendo isto. Eu vou ser rico um dia, Suze. E ao contrário do vovô vegetal, não vou perder o controle.

-Não se você está matando todas suas células do cérebro viajando no tempo - eu assinalei.

-Sim, bem - Paul disse. – Esta é uma viagem no tempo. Depois dessa, eu não vou precisar viajar no tempo outra vez.

Eu olhei fixamente seu perfil. Somente nossos lados estavam se encostando debaixo do cobertor de cavalo que nós compartilhamos. Ainda, Paul radiava muito calor. Eu estava um pouco quente sob o cobertor.

Foi quando eu percebi que o único outro sujeito que eu alguma vez tinha ficado tão perto era Jesse, e que calor ele deu? Sim, tudo estava na minha mente. Porque os fantasmas não transmitem calor. Nem mesmo para os mediadores. Nem mesmo para os mediadores que estão apaixonados por eles.

-Isto está errado - eu disse calmamente a Paul quando eu vi os olhos dele fechados. - O que você está fazendo a Jesse. Ele não quer isto.
Os olhos de Paul abriram por isto. - Você falou com ele?

-Claro que eu falei - eu disse. - E ele não quer isto. Ele não o quer interferindo, Paul. Ele estava indo para a Missão para o impedir quando eu vim. - Paul olhou para mim durante alguns segundos, os olhos azuis dele estavam ilegíveis na escuridão.

 -Você está dormindo com ele? – ele perguntou abruptamente.

Eu fiquei boquiaberta com ele, ao mesmo tempo senti minhas bochechas queimando.

-Claro que não – Eu disse gaguejando – N-não que isso seja da sua conta.


Mas Paul, em vez de sorrir, como eu esperava que estivesse, estava me olhando muito sério.

-Eu não consigo entender - ele simplesmente disse. - Por que ele? Por que não eu?

Ah. Isso.

-Porque ele é honesto - eu disse. - E ele é amável. Ele me coloca acima de tudo.

-Eu também seria assim - Paul disse. - Se você me desse a chance.

-Paul - eu disse. - Se nós estivéssemos em um terremoto ou algo parecido, e você tivesse uma chance para me salvar, mas se sua vida também estivesse em perigo, você se salvaria, não me salvaria.

-Eu não faria isso! Como você pode dizer que eu não te salvaria?

-Porque é verdade.

-Mas você está dizendo que seu Jesse perfeitinho a salvaria, arriscando a sua própria vida?

-Sim - eu disse com certeza absoluta. -Porque ele arriscou. No passado.

-Não, ele não arriscou, Suze - Paul disse com a mesma certeza.

-Sim, ele arriscou, Paul. Você nem mesmo sabe.

-Sim, eu sei. Jesse certamente nunca poderia ter arriscado a própria vida para salvar a sua, porque durante todo o tempo em que você o conhece, ele estava morto. Assim ele nunca arriscou nada, em todas essas vezes em que ele a salvou. Ele arriscou?

Eu abri minha boca para negar a isto, então percebi que Paul tinha razão. Era a verdade. Uma versão confusa da verdade, mas mesmo assim, a verdade.

-Como você conseguiu ficar tão nojento desse jeito? - Eu reclamei ao invés. - Você sempre teve tudo o que você quis a sua vida inteira. Você só teve que pedir e conseguia. Mas tudo o que você tem nunca foi o bastante para você.

-Eu não consegui tudo o que eu quero – Paul disse sugestivamente –Embora eu esteja trabalhando para corrigir isso.

Eu balancei minha cabeça, eu sabia o que ele quis dizer.

-Você só me quer porque você não pode me ter – eu disse - E você sabe disto. Eu quero dizer, meu Deus. Você tem Kelly. Todos os caras da escola a querem.

-Todos os caras da escola - Paul disse – São uns idiotas.

Eu ignorei isso.

Você estaria em uma melhor situação - eu disse - Se você já estivesse feliz com o que você tem, Paul, em vez de querer o que você nunca poderá ter.

Mas o Paul continuou forçando o riso. Rindo e rolando para que assim ele pudesse dormir. - Eu não estaria tão segura disso, se eu fosse você, Suze - ele disse em um tom que soou de modo muito seguro para mim.

-Você

-Vá dormir, Suze -Paul disse.

-Mas você.

-Nós temos um longo dia à frente. Só durma.




Por incrível que pareça, eu fiz. Dormi, eu quero dizer. Eu não esperava que eu fosse capaz disso. Mas talvez Dr. Slaski tivesse razão. Viajar no tempo cansa. Eu penso que eu não teria dormido caso contrário. . . Você sabe, por causa do feno, dos cavalos, da chuva, e, ah sim, por causa do sujeito quente-mas-totalmente-mortal que estava próximo de mim.

Mas eu deitei minha cabeça, e próxima coisa que eu soube, foi que as luzes tinham se apagado.
Eu acordei renovada. Eu nem mesmo percebi que eu tinha adormecido. Mas havia luz passando pelas rachas entre as tábuas de madeira que formam as paredes do celeiro. Não a luz cinzenta do alvorecer, não isso. Era a quantidade de luz solar, que revelava que eu havia dormido até depois das 8:00...

E ajoelhado na minha frente, estava Paul com o café da manhã.

-Onde você conseguiu isso? - Eu perguntei, ao mesmo tempo em que me sentava. Porque nas mãos de Paul tinha uma torta. Uma torta inteira. Maçã, era o cheiro disto. E ainda estava quente.

-Não pergunte - ele disse, puxando de seu bolso dois garfos. -Apenas coma.

-Paul - Eu pude ouvir o passo adiante. Paul estava falando em voz baixa. Eu sabia porque agora.

Nós não estávamos sós.
A voz de um homem disse:

-Se dê bem lá. – Ele pareceu estar conversando com os cavalos.

-Você roubou isto? - Eu perguntei, enquanto levava o garfo à boca.Volta no tempo não o deixa só cansado, o deixa faminto também.

-Eu já disse para não perguntar – Paul disse, enquanto também comia uma garfada de torta, roubado ou não, era boa. Não a melhor que eu já comi, de qualquer jeito - Eu não sei se, fora do Oeste Selvagem, eles têm realmente acesso ao melhor açúcar e material.

Mas preencheu o buraco no estômago... E logo meu deu outro desejo...

E logo me fez ficar ciente de outra urgência.

Paul pareceu ler meu pensamento.

-Há um banheiro atrás do celeiro - ele me informou.

 -Um banheiro?

-Você sabe - Paul sorriu. – Guardado por aranhas.

Eu pensei que ele estava brincando.

Ele não estava. Lá tinha aranhas. Pior, o que eles usavam como papel higiênico? Vamos dizer que hoje em dia aquilo não seria considerado adequado para limpar... Bem, você sabe...
Eu tinha que me apressar, para que ninguém me visse nas minhas roupas do século XXI e me fizesse perguntas.
Mas foi duro porque uma vez que eu saí do celeiro, eu fiquei pasma com o que eu vi em volta...


Que não tinha nada.


Realmente. Nada. Nada, em nenhuma direção. Nenhuma casa. Nenhum orelhão. Nenhuma rua pavimentada. Nenhum “In-N-Out Burger”. Nada. Só arvores. E um caminho sujo que eu supus que fosse uma rua.
Eu pude, de todo jeito, ver a cúpula vermelha da basílica. Lá estava ela, em um vale embaixo de nós, com o mar atrás dela. Isso é uma das ultimas coisas que não mudou nos últimos 150 anos.


Agradeça Deus que por tudo que tem, de qualquer forma.

Quando eu me aproximei o sótão novamente, não havia nenhum sinal do Sr. O'Neil. Ele parecia ter levado os cavalos dele e ido fazer tudo que os homens como ele faziam todo o dia em 1850. Paul estava esperando por mim com um olhar estranho na face dele.

-O que? - Eu perguntei, pensando que ele ia zombar de mim por causa do banheiro externo.

-Nada, - era tudo que ele disse, porém. – É só. . . Eu tenho uma surpresa para você.

Pensando que isto era outra coisa relacionada à comida, embora eu esteja bastante cheia da torta, eu disse:

 -O que é? E não fale que é Egg McMuffin, porque eu sei que eles não têm isso por aqui.

-Não é - Paul disse.

E então, movendo-se mais rápido que eu já o tinha visto se mover, ele pegou uma coisa no bolso de trás dele - um pedaço de corda. Então ele me agarrou.

Pessoas, é claro, já me amarraram antes. Mas nunca alguém cuja língua esteve uma vez em minha boca. Eu realmente não estava esperando que o Paul fizesse algo tão baixo. Salvar a vida de meu namorado e assim eu nunca o conheceria, sim. Mas amarrar minhas mãos para trás?

Não tanto.

Eu lutei, é claro. Eu dei algumas cotoveladas. Mas eu não podia gritar, eu não queria que a Sra. O'Neil aparecesse e fosse ir correndo chamar o xerife. Eu não poderia ajudar Jesse da prisão.

Mas parecia que eu não poderia dar muita ajuda a ele.

-Acredite em mim - Paul disse quando ele apertou a corda que já estava parando praticamente minha circulação. –Isto dói mas em mim do que em você.

-Não dói - eu disse, enquanto lutava. Mas era duro lutar porque meu estômago estava em cima do feno, e o joelho dele estava em cima de minhas costas.

-Bem - ele disse, indo agora amarrar meus pés. - Você tem razão, eu sei. De fato, isto não dói em mim. E a manterá ocupada enquanto eu for procurar Diego.

Há um lugar especial para pessoas como você, Paul, - eu o informei, cuspindo feno. Eu estava realmente aborrecida com feno.

-A escola reformatória? - ele perguntou rindo.

-O inferno - Eu informei pra ele.


-Agora, Suze, você não está mais no caminho - Ele amarrou os meus pés e claro, eu não podia mexer a minha cabeça, eu não sei. Eu estava amarrada fora do feno do celeiro, ele prendeu a corda em um poste ali perto. - Eu voltarei logo para desamarrar você quando eu matar o Felix Diego. Então nós poderemos ir pra casa.


-Onde eu nunca mais falarei com você - Eu informei.


-Claro que vai - Paul disse alegre. - Você não se lembrará de nada. Porque você não saberá nem mesmo quem Jesse é.


-Eu odeio você - Eu disse realmente sentindo e demonstrando isso dessa vez.


-Agora - Paul concordou - Mas não quando você acordar amanhã em sua própria cama. Porque sem Jesse eu serei a melhor coisa que te aconteceu. Será apenas você e eu, dois deslocadores ao encontro do mundo. Não vai ser divertidíssimo?


-Porque você não vai...


Mas eu não consegui terminar a frase, porque Paul tirou mais alguma coisa do bolso. Um lenço branco e limpo. Ele me disse uma vez que sempre carrega um porque nunca sabe quando vai ter que amordaçar alguém.


-Não me desafie - Eu sussurrei pra ele.
Mas era tarde. Ele colocou o pano limpo na minha boca e amarrou com outro pedaço da corda.


Eu nunca tinha odiado Paul assim antes. Eu odiei então. Odiei com cada osso do meu corpo, cada batida do meu coração. Especialmente quando ele levantou uma das mãos e disse:

- Até daqui a pouco.


Então ele desapareceu pelas escadas de assoalho do celeiro.

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