segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot, Cap 7

- Me deixa em paz - falei com mais calma do que sentia.
- Ah, qual é, Suze Simon - disse Paul, pegando uma cadeira ali perto, girando-a e depois montando nela. - Admita. Você não me odeia tanto quanto diz.
- Eu não apostaria nisso. - Bati o lápis no caderno, com o que esperava que fosse irritação mas que, na verdade, era tensão nervosa. - Olha, Paul, eu tenho muito trabalho para fazer ...
Ele puxou o caderno das minhas mãos. - Quem é Craig Jankow?
Espantada, percebi que tinha rabiscado o nome na margem da folha.
-Ninguém.
- Ah, isso é bom. Eu achei que talvez ele tivesse me substituído no seu afeto. Jesse sabe? Quero dizer, sobre esse tal de Craig?
Encarei-o irritada, esperando que ele confundisse meu medo com fúria e fosse embora. Mas Paul não pareceu captar a mensagem. Eu esperava que ele não pudesse ver como minha pulsação estava batendo rápido na garganta ... ou que, se visse, não confundisse com alguma coisa que não era. Paul não ignorava sua boa aparência, infelizmente. Estava usando jeans pretos que se ajustavam em todos os lugares certos e uma camisa pólo verde-oliva, de mangas curtas. Ela fazia destacar a profundidade de seu bronzeado do tênis e do golfe. Dava para ver que as outras garotas no laboratório de informática - Debbie Mancuso, por exemplo - estavam espiando Paul especulativamente, depois olhavam de volta para os monitores, tentando fingir que não tinham ficado de olho nele há um minuto.
Provavelmente ferviam de ciúme porque ele estava falando comigo, logo eu, a única garota da turma que não deixava Kelly Prescott lhe dizer o que fazer e que não considerava Brad Ackerman um tesão.
Mal sabiam o quanto eu teria gostado se Paul Slater não tivesse me escolhido para me brindar com sua companhia. - Por acaso Craig está morto - sussurrei, só para o caso de alguém estar ouvindo.
- E daí? - Paul riu para mim. - Eu achava que você gostava deles.
- Você é insuportável. - Tentei arrancar o caderno dele, mas ele o segurou fora do meu alcance.
Paul pareceu meditativo enquanto examinava os problemas da minha folha.
- Há algo a ser dito sobre se ter um namorado morto, acho - disse Paul. - Quero dizer, você não precisa ficar apresentando-o aos pais, já que eles não podem vê-lo mesmo ...
- Craig não é meu namorado - sibilei, com raiva por me ver numa situação em que precisava explicar alguma coisa a Paul Slater. - Eu estou tentando ajudá-lo. Ele apareceu na minha casa ontem ...
- Ah, meu Deus. - Paul revirou seus olhos azuis expressivos. - Não é outro daqueles casos de caridade do qual você e o bom padre estão sempre falando ...
Falei com alguma indignação:
- Ajudar as almas perdidas a achar o caminho é o meu trabalho, afinal de contas.
- Quem disse isso? Fiquei sem resposta.
- Bem ... só ... só é - gaguejei. - Quero dizer, o que mais eu deveria fazer?
Paul pegou um lápis numa mesa próxima e começou a resolver, rápida e facilmente, os problemas da minha folha.
- Fico imaginando. Não me parece justo que entreguem a gente esse negócio de mediador no nascimento sem ao menos um contrato ou uma lista de benefícios. Quero dizer, eu nunca assinei um contrato para ser mediador. Você assinou?
- Claro que não - falei, como se isso não fosse uma coisa da qual eu reclamasse, com quase exatamente as mesmas palavras, sempre que via o padre Dominic.
- E como você sabe em que consistem as suas responsabilidades profissionais? Eu sei, você acha que deve ajudar os mortos a ir para o seu destino final porque assim que faz isso eles param de pegar no seu pé, e você pode continuar com a vida. Mas eu tenho uma pergunta. Quem lhe disse que essa era a sua obrigação? Quem lhe disse como isso era feito, ao menos?
Fiquei perplexa na hora. Ninguém tinha me dito isso.
- Bem, meu pai tinha dito, mais ou menos. E depois uma para-normal que minha melhor amiga, Gina, tinha me apresentado, na cidade onde nasci. E depois o padre Dom, claro ...
- Certo - disse Paul, venda pela minha expressão que aparentemente eu não tinha uma resposta direta. - Ninguém lhe disse. Mas e se eu dissesse que sei? E se eu dissesse que descobri uma coisa, uma coisa que data dos primeiros tempos da comunicação escrita, que descrevia exatamente os mediadores, ainda que não fossem chamados assim na época, e dizendo qual é o verdadeiro propósito deles, para não mencionar as técnicas?
Continuei perplexa diante dele. Paul parecia tão ... bem, convincente. E certamente parecia sincero.
- Se você realmente tivesse alguma coisa assim - falei hesitante. - Acho que eu diria ... me mostre.
- Ótimo - disse Paul, parecendo satisfeito. - Venha hoje à minha casa depois das aulas, e eu mostro.
Eu me levantei da cadeira tão rápido que praticamente virei-a.
- Não - falei, pegando meus livros e agarrando-os com força diante do coração que batia loucamente, como se quisesse ao mesmo tempo escondê-lo e protegê-lo. - De jeito nenhum.
- Hmmm. Foi o que pensei. Você quer saber, mas não quer arriscar sua reputação.
- Não é com minha reputação que eu estou preocupada - informei, conseguindo manter a voz mais acida do que trêmula. - É com minha vida. Você tentou me matar uma vez,lembra?
Falei essas palavras um pouco alto demais, e notei várias pessoas me olhando curiosamente por cima dos monitores.
Mas Paul só pareceu entediado.
- Não vem com isso de novo. Escute, Suze, eu lhe disse ... Bem, acho que não importa o que eu disse. Você vai acreditar no que quiser. Mas, sério, você poderia ter saído de lá quando quisesse.
- Mas Jesse não - rosnei. - Poderia? Graças a você.
- Bem - disse Paul dando de ombros, desconfortável.
- Não. Jesse não. Mas, verdade, Suze, você não acha que está exagerando? Puxa, qual é o problema? O cara já está morto ...
- Você é um porco - falei, com a voz trêmula dando uma convicção meio fajuta à declaração.
Então comecei a me afastar. Digo que comecei porque não fui muito longe antes que a voz calma de Paul me fizesse parar.
- Ah, Suze. Você não está esquecendo alguma coisa?
Virei a cabeça para encará-lo furiosa.
- Ah, quer dizer, eu me esqueci de dizer para você não falar de novo comigo? Sim.
- Não - disse Paul com um sorriso torto. - Aqueles sapatos ali embaixo não são seus? - Ele apontou para os meus Jimmy Choo, sem os quais eu ia sair da sala. Como se a irmã Ernestine não fosse ter um derrame cerebral se me visse andando descalça pela escola.
- Ah - falei, furiosa porque minha saída dramática tinha sido estragada. - É. - E voltei à mesa para enfiar os pés nos sapatos.
- Antes de ir, Cinderela - disse Paul, ainda sorrindo -, talvez você queira isto. - Ele estendeu meu dever de trigonometria. Dava para ver, com um único olhar, que ele havia terminado tudo e, pelo que se podia presumir, sem erros.
- Obrigada - falei, pegando o caderno, sentindo-me mais sem graça a cada segundo. Quero dizer, por que, exatamente, eu sempre perdia o controle com esse cara? É, ele tinha tentado me matar, e matar o Jesse, uma vez. Pelo menos foi o que pensei. Mas ele ficava dizendo que eu estava errada. E se eu estivesse errada? E se Paul não fosse o monstro que eu sempre pensei? E se ele fosse ...
E se ele fosse como eu?
- E quanto a esse tal de Craig - acrescentou Paul.
- Paul. - Deixei-me cair na cadeira ao lado dele. Eu tinha sentido o olhar da Sra. Tarentino, a professora designada para supervisionar o laboratório de informática, cravado em mim. Ficar se levantando e sentando de novo no laboratório não era considerada uma coisa adequada, a não ser que você estivesse indo à impressora e voltando.
Mas esse não foi o único motivo para eu ter me sentado de novo. Admito. Também estava curiosa. Curiosa com o que ele diria em seguida. E essa curiosidade era quase mais forte do que o meu medo.
- Sério - falei - Obrigada. Mas não preciso da sua ajuda.
- Acho que precisa. O que esse tal de Craig quer, afinal de contas?
- O que todo fantasma quer - falei, cansada. - Estar vivo de novo.
- Bem, claro. Quero dizer, o que ele quer além disso?
- Ainda não sei - falei, dando de ombros. - Craig tem uma coisa com o irmão mais novo ... acha que ele é que deveria ter morrido. Jesse acha ... - parei de falar, subitamente consciente de que Jesse era a última pessoa sobre quem eu queria falar com Paul.
Mas Paul pareceu apenas educadamente interessado.
- Jesse acha o quê?
Vi que era tarde demais para manter Jesse de fora. Suspirei e disse:
- Jesse acha que Craig vai tentar matar o irmão. Você sabe. Por vingança.
- O que, claro, vai levá-lo exatamente a lugar nenhum - disse Paul, sem parecer nem um pouco surpreso. - Quando é que eles vão aprender? Agora, se ele quisesse ser o irmão, já seria diferente.
- Ser o irmão? - Olhei-o com curiosidade. - O que você quer dizer?
- Você sabe. - Paul deu de ombros. - Transferência de alma. Ocupar o corpo do irmão.
Isso era um pouco demais para uma manhã de terça-feira. Quero dizer, eu já tivera uma noite péssima graças a esse cara. Depois, ouvir uma coisa assim sair de sua boca ... bem, só digamos que eu não estava num momento de inteligência máxima, de modo que o que aconteceu depois não pode ser descrito como minha culpa.
- Ocupar o corpo do irmão? - ecoei. Eu tinha baixado os livros até ficarem no meu colo. Agora estendi a mão e segurei os braços da cadeira do computador, com as unhas se cravando na espuma barata. - Do que você está falando?
Uma das sobrancelhas escuras de Paul subiu.
- Não soa familiar, hein? O que o bom padre andou ensinando a você? Não muito, aparentemente.
- De que você está falando? Como alguém pode tomar o corpo de outro?
- Eu lhe disse. - Paul se recostou na cadeira e cruzou as mãos na nuca. - Há um monte de coisas que você não sabe em relação a ser um mediador. E muito mais que eu posso lhe ensinar, se você me desse a chance.
Encarei-o. Realmente não fazia idéia do que ele estava falando, com esse negócio de troca de corpo. Parecia algo do canal de ficção científica na TV a cabo. E eu não tinha certeza se Paul estava só jogando conversa fora, alguma coisa, qualquer coisa, para conseguir que eu fizesse o que ele queria.
Mas e se não estivesse? E se houvesse realmente um meio de ...
Eu queria saber. Meu Deus, eu queria saber mais do que jamais quis alguma coisa na vida.
- Certo - falei, sentindo o suor que tinha brotado nas palmas das mãos, deixando os braços da cadeira escorregadios com a umidade. Mas não me importava. Meu coração estava na garganta, e mesmo assim eu não me importava. - Certo, eu vou à sua casa depois das aulas. Mas só se você me contar sobre ... sobre isso.
Alguma coisa relampejou nos olhos azuis de Paul. Só um brilho, e eu o vi só por um momento antes de aquilo sumir de novo. Era uma coisa animalesca, quase feroz. Eu não podia dizer exatamente o que tinha sido.
Só soube que no minuto seguinte Paul estava sorrindo para mim - sorrindo, e não rindo.
- Ótimo - disse ele. - Eu pego você no portão principal às três. Esteja lá na hora certa, senão eu vou embora sozinho.

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