segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot, Cap 6

Bom, pelo menos agora eu sabia por quê Neil tinha ficado meio quieto durante o jantar: tinha perdido o único irmão.
- O cara não conseguia nadar nem até o outro lado da piscina sem ter um ataque de asma - insistiu Craig. - Como pode ter se agarrado à lateral de um catamarã durante sete horas, em ondas de três metros, antes de ser resgatado? Como?
Eu também não podia explicar. Assim como não sabia como iria explicar a Craig que era a sua crença de que o irmão deveria estar morto que mantinha sua alma na Terra.
- Talvez você tenha sido acertado na cabeça - sugeri hesitante.
- E daí? - Craig me encarou furioso, fazendo-me saber que tinha acertado na mosca. - O otário do Neil, que não seria capaz de fazer uma flexão na barra nem se fosse para salvar a vida, ele conseguiu se segurar. E eu, o cara cheio de troféus de natação? É, fui eu que me afoguei. Não existe justiça no mundo. E é por isso que eu estou aqui, e Neil está lá embaixo comendo a droga das fajitas.
Jesse ficou solene.
- Então seu plano é vingar sua morte tirando a vida do seu irmão, como achou que a sua foi tirada?
Eu me encolhi. Pela expressão de Craig dava para ver que nada do tipo lhe havia ocorrido. Lamentei a sugestão de Jesse.
- De jeito nenhum, cara - disse Craig. Em seguida, parecendo ter pensado bem, acrescentou: - Eu posso fazer isso? Quero dizer, matar alguém? Se eu quisesse?
- Não - falei ao mesmo tempo em que Jesse dizia:
- Sim, mas você estaria arriscando sua alma imortal...
Craig não me ouviu, claro. Só ouviu Jesse.
- Legal! - disse ele, olhando para as mãos.
- Nada de mortes - falei em voz alta. - Não vai haver fratricídio. Não no meu turno.
Craig me olhou, aparentemente surpreso.
- Eu não vou matar Neil.
Balancei a cabeça.
- Então o que é? O que está segurando você? Houve ... não sei. Alguma coisa ficou sem ser dita entre vocês dois? Quer que eu diga a ele, por você? O que quer que seja?
Craig me olhou como se eu fosse pirada.
- Para o Neil? Está brincando comigo? Eu não tenho nada para dizer ao Neil. O cara é um panaca, olha só, andando com um sujeito que nem o seu irmão.
Ainda que eu não tenha meus meios-irmãos em grande estima - com a exceção de David, claro - isso não significava que pudesse ficar ali parada enquanto alguém falava mal deles na minha cara. Pelo menos não do Jake, que, na maior parte do tempo, era bem inofensivo.
- O que tem de errado com meu irmão? - perguntei meio acalorada. - Quero dizer, meu meio-irmão?
- Bom, na verdade não tenho nada contra ele. Mas sabe ... bem, quero dizer. Eu sei que Neil é só um calouro, impressionável e coisa e tal, mas eu avisei, não se chega a lugar nenhum na NoCal a não ser que você ande com os surfistas.
Nesse ponto eu já tinha ouvido tudo que podia suportar de Craig Jankow.
- Certo - falei, indo até a porta do quarto. - Bem, foi um prazer conhecer você, Craig. Você terá notícias minhas. Ah, e teria mesmo. Eu saberia como encontrá-lo, bastaria procurar Neil e podia apostar dez contra um que acharia Craig andando atrás.
Craig pareceu ansioso.
- Quer dizer que você não vai tentar me levar de volta à vida?
- Não. Quero dizer, bom, eu vou descobrir por que você ainda está aqui, e não onde deveria estar.
- Certo - disse Craig. - Vivo.
- Acho que ela quer dizer no céu - disse Jesse. Jesse não curtia muito o papo de reencarnação, como eu.
Craig, que tinha ficado olhando Jesse cheio de nervosismo desde o incidente perto da porta, pareceu alarmado.
- Ah - disse ele, com as sobrancelhas escuras levantadas. - Ah.
- Ou em sua próxima vida - falei, com um olhar significativo para Jesse. - Nós não sabemos de verdade. Não é, Jesse?
Jesse, que tinha se levantado porque eu me levantei - e Jesse era nada menos do que um cavalheiro diante das damas - falou com óbvia relutância:
- Não. Não sabemos.
Craig foi até a porta, depois olhou para nós dois.
- Bem - disse ele. - Vejo vocês por aí, acho. - Depois olhou para Jesse e falou: -E, é ... desculpe ter chamado você de pirata. Verdade.
Jesse respondeu, carrancudo: -Tudo bem.
Então Craig foi embora. E Jesse soltou os bichos.
- Suzannah, esse garoto significa encrenca. Você deve entregá-lo ao padre Dominic.
Suspirei e me sentei no banco perto da janela, de onde Jesse tinha acabado de se levantar. Spike, como era seu costume quando eu me aproximava e Jesse estava por perto, rosnou para mim, para deixar claro a quem pertencia ... ou seja, não a mim, ainda que fosse eu que pagasse por sua comida e pela caixa de areia.
- Ele vai ficar bem, Jesse - falei - Vamos ficar de olho nele. Ele só precisa de um tempinho. Puxa, o cara acabou de morrer.
Jesse balançou a cabeça, com os olhos escuros relampejando.
- Ele vai tentar matar o irmão.
- Bem, é. Agora que você pôs a idéia na cabeça dele.
- Você precisa ligar para o padre Dominic. - Jesse foi até o telefone e o pegou. - Diga que ele precisa se encontrar com esse garoto, o irmão, e avisar a ele.
- Epa! Vá com calma, Jesse. Eu posso cuidar disso sem ter de arrastar o padre Dominic.
Jesse me olhou duvidando. O negócio é que, mesmo quando parece duvidar, Jesse é o cara mais gato que eu já vi. Quero dizer, ele não tem uma aparência perfeita nem nada assim - tem uma cicatriz atravessando a testa do lado direito, limpa e branca como um risco de giz, e, como já observei antes, ele é meio fora de moda.
Mas em todos os outros sentidos o cara é o próprio tesão, desde o topo dos cabelos pretos cortados curtos ate as botas de montaria, e com mais de um metro e oitenta de músculos nem um pouco cadavéricos entre uma ponta e outra.
Uma pena que seu interesse por mim pareça ser completamente platônico.
Talvez, se eu beijasse melhor ... Mas qual é, eu não tive muita oportunidade de treinar. Os caras - os caras normais - não vêm exatamente aos bandos até a minha porta. Não que eu seja uma baranga ou coisa assim. De fato, eu me acho bem passável, quando estou toda maquiada, com o cabelo muito bem escovado com secador. Só que é meio difícil ter uma vida social quando a gente está sendo constantemente solicitada pelos mortos.
- Acho que você deveria ligar para ele – disse Jesse, estendendo o telefone para mim outra vez. - Eu estou dizendo, mi hermosa. Esse Craig tem mais coisa do que dá para ver.
Pisquei, mas não por causa do que Jesse tinha dito sobre Craig. Não, foi pelo modo como tinha me chamado. Hermosa, em espanhol. Ele nunca tinha me chamado assim, nem uma vez, desde que tínhamos nos beijado. Fala sério, eu sentia tanta falta da palavra em seus lábios que fiquei curiosa com o que significava e procurei no dicionário de espanhol do Brad.
"Formosa." Num sentido de "minha bela". Era isso que significava.
E esse não era exatamente o modo de chamar alguém por quem você sente simples amizade.
Pelo menos era o que eu esperava.
Mas não dei a entender que sabia o significado da palavra, assim como não dei a entender que tinha notado que ele a deixara escapar.
- Você está exagerando, Jesse. Craig não vai fazer nada com o irmão. Ele adora o cara. Só parece que ainda não se lembrou disso. E, além do mais, mesmo que não adorasse, mesmo que realmente tivesse intenções homicidas com relação ao Neil, o que faz você achar subitamente que eu não posso cuidar disso? Quero dizer, qual é, Jesse! Até parece que eu não estou acostumada com fantasmas sedentos por sangue.
Jesse pôs o fone no gancho com tanta força que eu pensei que ele tinha quebrado o plástico do aparelho.
- Isso foi antes - disse ele rapidamente.
Encarei-o. Lá fora tinha fica do escuro, e a única luz no meu quarto era a pequenina, sobre a penteadeira. Em seu brilho dourado Jesse parecia ainda mais fantasmagórico do que o usual.
- Antes do quê?
Só que eu sabia. Eu sabia.
- Antes de ele chegar - disse Jesse, com uma certa quantidade de ênfase amarga no pronome. - E não tente negar, Suzannah, você não dormiu uma noite inteira desde então. Eu vejo você se revirando. Algumas vezes você grita no sono.
Eu não precisava perguntar quem era ele. Eu sabia. Nós dois sabíamos.
- Isso não é nada - falei, mesmo que, claro, não fosse verdade. Era alguma coisa. Era definitivamente alguma coisa. Só que não o que Jesse aparentemente achava. - Quero dizer, não estou falando que não fiquei apavorada quando nós dois achamos que estávamos presos naquele ... lugar. E, é, algumas vezes eu tenho pesadelos com isso. Mas vou superar, Jesse. Vou superar.
- Você não é invulnerável, Suzannah - disse Jesse franzindo a testa. - Por mais que pense que é.
Fiquei um bocado surpresa com o fato de ele ter notado. Na verdade, eu tinha começado a me perguntar se isso talvez fosse porque eu não agia de modo suficientemente vulnerável - ou feminino, certo - para ele só ter me agarrado e beijado aquela vez, e nunca ter tentado de novo.
Só que, claro, assim que ele me acusou de ser vulnerável, eu precisava negar que isso fosse verdade.
- Eu estou bem - insisti. Não havia sentido em dizer a ele que Paul Slater quase tinha me causado um ataque cardíaco. - Eu disse, eu já superei, Jesse. E mesmo que não tivesse superado, isso não vai me impedir de ajudar Craig. Ou Neil.
Mas parecia que ele não estava escutando.
- Deixe o padre Dominic cuidar desse. - Jesse olhou para a porta através da qual Craig tinha acabado de passar. Literalmente. - Você ainda não está preparada. É cedo demais.
Nesse momento eu adoraria ter contado a ele sobre Paul... contado em tom casual, como se não fosse nada, para provar que era exatamente isso que significava para mim ... nada.
Só que, claro, não era. E nunca seria.
- Sua solicitude é apreciada, mas desnecessária - falei sarcástica para esconder o desconforto com aquilo tudo, com o fato de que estava mentindo para ele. Não somente sobre Paul, mas sobre mim também. - Eu posso cuidar de Craig Jankow, Jesse.
Ele franziu a testa de novo. Mas dessa vez dava para ver que Jesse estava realmente chateado. Se algum dia nós realmente namorássemos, eu sabia que seria necessário assistir a um monte de programas da Oprah antes que Jesse superasse seu machismo do século XIX.
- Eu vou pessoalmente contar ao padre Dominic - disse ele em tom ameaçador, com os olhos escuros parecendo negros como ônix à luz de minha penteadeira.
- Ótimo. Esteja à vontade.
O que não era o que eu queria dizer, claro. O que eu queria dizer era: Por que? Por que nós não podemos ficar juntos, Jesse? Eu sei que você quer. Nem se incomode em negar. Eu senti quando você me beijou. Posso não ter muita experiência nesse departamento, mas sei que não estou errada. Você gosta de mim, pelo menos um pouquinho. Então qual é o problema? Por que você esteve me dando gelo desde aquele dia? POR QUÊ?
Qualquer que fosse o motivo,Jesse não iria revelar naquela hora. Em vez disso trincou o maxilar e disse: - Ótimo, eu vou.
- Vá - ataquei de volta.
Um segundo depois ele tinha sumido. Puf, assim. Bem, quem precisava dele?
Certo. Eu. Admito.
Mas tentei decididamente tirá-lo da cabeça. E me concentrei no dever de trigonometria.
Ainda estava me concentrando nele quando chegou o quarto tempo de aula - laboratório de informática, para mim - no dia seguinte. Estou dizendo: não existe nada mais devastador para a capacidade de estudo de uma garota do que um fantasma bonito que acha que sabe tudo.
Claro, eu deveria estar trabalhando num texto de quinhentas palavras sobre a Guerra Civil, que originalmente tinha sido passado para toda a 11º série por nosso orientador, o Sr. Walden, que não tinha apreciado o comportamento de alguns de nós durante as indicações para os cargos no diretório estudantil naquela manhã.
Em particular, o Sr. Walden não tinha apreciado meu comportamento, quando depois de Kelly ter indicado Paul para vice-presidente e recebido a aprovação, Cee Cee levantou a mão e me indicou também para vice-presidente.
- Ai - gritou Cee Cee quando eu lhe dei um chute, com força, por baixo da carteira. - O que há de errado com você?
- Eu não quero ser vice-presidente - sibilei para ela. - Baixe o braço.
Isso resultou em muitos risinhos, que só morreram quando o Sr. Walden, que jamais fora o professor mais paciente do mundo, jogou um pedaço de giz na porta da sala e disse que era melhor todos nós colocarmos em dia o conhecimento sobre história americana - quinhentas palavras sobre a Batalha de Gettysburg, para ser exato.
Mas minha objeção chegou tarde demais. A indicação feita por Cee Cee foi confirmada por Adam, e aprovada um segundo depois, apesar de meus protestos. Agora eu estava concorrendo à vice-presidente da turma (Cee Cee era minha gerente de campanha, e Adam, cujo avô tinha lhe deixado uma bela poupança, o principal colaborador financeiro) contra o aluno novo, Paul Slater, cujo modo blasé e aparência estonteante já haviam garantido quase todos os votos femininos da turma.
Não que eu me importasse. Não queria mesmo ser vice-presidente. Já estava com as mãos suficientemente ocupadas, com o negócio de ser mediadora, com a trigonometria e meu suposto namorado morto. Não precisava me preocupar com política, além disso tudo.
Não tinha sido uma boa manhã. As indicações já haviam sido bem ruins e trabalho passado pelo Sr. Walden foi um belo complemento.
E, claro, ainda tinha o Paul. Ele havia piscado sugestivamente para mim na sala de reuniões, como se para dizer olá.
E se tudo isso não bastasse, eu tinha optado estupidamente por usar um sapatinho Jimmy Choo novo em folha, comprado por uma fração do preço normal numa ponta de estoque no verão. Era lindo, e combinava perfeitamente com a saia de brim Calvin Klein que eu tinha vestido com uma blusa de gola rulê rosa-choque.
Mas é claro que o sapato estava me matando. Eu já tinha bolhas dolorosas, em carne viva, em volta da base de todos os dedos, e os band-aids que a enfermeira tinha me dado para cobri-los, para ao menos cambalear entre as aulas, não estavam exatamente cumprindo seu papel. Meus pés pareciam a ponto de cair. Se eu soubesse onde Jimmy Choo morava, teria cambaleado direto até a porta dele e lhe dado um soco no olho.
Por isso estava ali sentada no laboratório de informática, sem os sapatos e com os dedos latejando dolorosamente, trabalhando no dever de trigonometria quando deveria estar fazendo a redação, quando uma voz que eu tinha passado a conhecer tão bem quanta a minha própria me deu um susto dizendo, perto do ouvido:
- Sentiu falta de mim, Suze?

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