segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot, Cap 4

Não falei com Jesse sobre Paul.
Provavelmente devia ter falado. Tinha muita coisa que eu provavelmente devia ter contado a Jesse, mas ainda não tinha conseguido exatamente.
Só que eu sabia o que aconteceria se contasse: Jesse ia querer entrar num tremendo confronto com o cara, e o resultado seria alguém sendo exorcizado de novo... e esse alguém seria Jesse. E eu realmente não me achava capaz de suportar. Isso não. De novo, não.
Por isso fiz segredo da matrícula súbita de Paul na Academia da Missão. Bom, as coisas estavam esquisitas entre mim e Jesse, verdade. Mas isso não significava que eu estivesse ansiosa por perdê-lo.
- Então, como foi na escola? - perguntou ele.
- Legal. - Eu estava com medo de dizer mais alguma coisa. Por um lado, me sentia preocupada com a hipótese começar a abrir o bico sobre o Paul. E por outro, bem, eu tinha descoberto que, quanto menos fosse dito entre Jesse e mim, no geral, melhor. Afinal, eu tinha uma tendência a entrar num blábláblá nervoso. Ainda que eu tivesse descoberto que geralmente o papo furado impedia Jesse de se desmaterializar (como ele tendia a fazer com mais freqüência agora, com um rápido pedido de desculpas, sempre que qualquer silêncio incômodo surgisse entre nós) isso não parecia provocar um desejo semelhante da parte dele, de ficar falando. Jesse estivera quase insuportavelmente quieto desde ...
Bem, desde o dia em que nós nos beijamos.
Não sei o que acontece com os caras, num dia dão um beijo de língua e no outro fingem que a gente não existe. Mas esse era o tratamento que eu vinha recebendo de Jesse ultimamente. Puxa, há menos de três semanas ele tinha me pego nos braços e me dado um beijo que eu senti por toda a espinha. Eu me derreti no seu abraço, pensando que finalmente, depois de tanto tempo, poderia revelar meus verdadeiros sentimentos, o amor secreto que senti por ele desde o minuto - bem, pelo menos quase - em que entrei no meu quarto novo e descobri que o lugar já estava ocupado.
Não importava que o ocupante tivesse respirado pela última vez há mais de um século e meio.
Eu deveria saber, acho, que não era uma boa se apaixonar por um fantasma. Mas esse é o negócio com os mediadores. Para nós os fantasmas têm tanta matéria quanto qualquer ser vivo. A não ser pela coisa imortal, não havia motivo no mundo para Jesse e eu, se quiséssemos, não termos o caso tórrido com o qual eu vinha sonhando desde que ele se recusou pela primeira vez a me chamar de outra coisa que não fosse meu nome inteiro, Suzannah, o nome que ninguém, além do padre Dom, jamais usava.
Só que não aconteceu nenhum caso tórrido. Depois daquele primeiro beijo - que foi interrompido pelo meu meio-irmão mais novo - não houve outro. De fato, Jesse pediu desculpas profusas, depois pareceu me evitar intencionalmente - mesmo eu tendo feito questão de lhe dizer que, por mim, tudo estava bem ... mais do que bem.
Agora eu não podia deixar de ficar pensando se tinha cedido muito. Jesse provavelmente achava que eu era fácil, ou algo do tipo. Quero dizer, na época em que ele era vivo, as damas davam tapas em homens que fossem tão ousados como ele tinha sido.
Até mesmo homens que se pareciam com Jesse, com olhos escuros brilhantes, cabelo preto e grosso, barriga parecendo uma tábua de esfregar roupa e sorrisos irresistivelmente sensuais.
Ainda acho difícil acreditar que alguém possa ter odiado um sujeito desses o bastante para matá-lo, mas foi exatamente assim que Jesse acabou assombrando meu quarto, o quarto em que foi estrangulado há 150 anos.
Dadas as circunstâncias, eu realmente não achei que houvesse sentido em contar a Jesse os detalhes do meu dia. Só entreguei o Teoria crítica desde Platão e disse:
- O padre Dominic mandou lembranças.
Jesse pareceu satisfeito com o livro. Azar o meu estar apaixonada por um cara que se sentia mais atraído pela teoria crítica do que pela idéia da minha língua em sua boca.
Jesse folheou o livro enquanto eu jogava na cama o conteúdo da minha mochila. Já estava lotada de dever de casa, e era só o primeiro dia de aula. Dava para ver que a décima-primeira seria cheia de diversão e aventura. Puxa, com Paul Slater e trigonometria, o que poderia ser mais empolgante?
Eu deveria ter dito alguma coisa a Jesse sobre o Paul. Deveria ter dito: "Ei, adivinha só. Lembra aquele cara, o Paul, cujo nariz você tentou quebrar? Pois é, agora ele estuda na minha escola."
Porque se eu tivesse sido casual a respeito, talvez não fosse grande coisa. Quero dizer, é, Jesse odiava o cara; e com bons motivos. Mas eu poderia ter tirado a importância do fato de que Paul poderia ser o filho de Satã. Quero dizer, o cara usa um relógio Fossil. Até que ponto ele poderia ser maligno?
Mas no momento em que eu estava juntando coragem para dizer "Ah, é, e aquele tal de Paul Slater, lembra? Ele apareceu na minha sala de reuniões hoje de manhã", Brad gritou para cima, dizendo que o jantar estava pronto.
Como meu padrasto dá uma tremenda importância a esse negócio de todo mundo se juntar como uma família na hora das refeições e de partirmos o pão juntos, eu fui obrigada a sair de perto de Jesse (não que ele parecesse se importar), descer e conversar com a família ... um tremendo sacrifício, considerando o que poderia estar fazendo: disponibiIizando-me para mais beijos do homem dos meus sonhos.
Mas já que a noite, como na maioria das noites, não parecia a ponto de render nenhum abraço apaixonado, desci a escada num tremendo mau humor. Andy tinha preparado bife fajitas, um dos seus melhores pratos. Eu precisava dar crédito à minha mãe por ter achado um cara que não somente resolvia tudo em casa, mas que além disso era praticamente um chef de cozinha. Como mamãe e eu tínhamos vivido praticamente de comida para viagem antes de ela se casar de novo, esta era sem dúvida uma evolução.
Mas o fato era que o Sr. Conserta-tudo tinha vindo com três filhos adolescentes. Essa parte ainda me deixava meio na dúvida.
Brad arrotou quando eu entrei na sala de jantar. Só que ele havia dominado a arte de arrotar palavras. A palavra que ele arrotou quando eu entrei foi: "Babaca."
- Olha só quem fala - foi minha resposta espirituosa.
- Brad - disse Andy com severidade. - Vá pegar o creme azedo, por favor.
Revirando os olhos, Brad se levantou de seu lugar à mesa e foi de má vontade para a cozinha.
- Oi, Suzinha - disse minha mãe, aproximando-se e desalinhando meu cabelo afetuosamente. - Como foi o primeiro dia de aula?
Só minha mãe, de todos os seres humanos do planeta, tem permissão de me chamar de Suzinha. Felizmente eu já havia deixado isso abundantemente claro para meus meios-irmãos, de modo que eles nem davam mais risinhos quando ela falava assim.
Não achei que seria adequado responder com sinceridade à pergunta de minha mãe. Afinal de contas ela não sabe que sua filha única é um elemento de ligação entre os vivos e os mortos. Ela não conhecia Paul, nem sabia que ele tentara me matar uma vez, nem sabia da existência de Jesse. Minha mãe acha simplesmente que eu estou demorando a acontecer, que sou uma garota tomando chá de cadeira, que logo vai tomar tino e arranjar namorados de montão. O que é surpreendentemente ingênuo para uma mulher que trabalha como jornalista de TV, ainda que seja apenas uma emissora local afiliada.
Algumas vezes invejo mamãe. Deve ser legal viver no planeta dela.
- Meu dia foi maneiro - foi como respondi à pergunta de mamãe.
- Não vai ser tão bom amanhã - observou Brad enquanto voltava com o creme azedo.
Minha mãe tinha ocupado seu lugar numa cabeceira da mesa e estava desdobrando o guardanapo. Nos só usamos guardanapos de pano. Outro Andyismo. É mais ecologicamente correto e torna a apresentação da comida mais Marrtha Stewart.
- Verdade? - disse mamãe, e suas sobrancelhas, escuras como as minhas, subiram. - Por quê?
- Amanhã é o dia em que a gente faz as indicações para o diretório estudantil - disse Brad, sentando-se de novo. - E Suze vai perder o cargo de vice-presidente da turma.
Sacudindo meu guardanapo e colocando-o delicadamente no colo - junto com a cabeça gigantesca de Max, o cachorro dos Ackerman, que passava cada refeição com o focinho apoiado na minha coxa, esperando o que caísse do meu garfo no colo, uma prática a qual eu agora estava tão acostumada que nem notava mais - falei, respondendo ao olhar interrogativo de mamãe:
- Não faço idéia do que ele está falando. Brad pareceu inocente.
- Kelly não pegou você depois da escola?
Não exatamente, dado que eu tinha ficado de castigo depois da aula, algo que Brad sabia perfeitamente bem. Mas ele pretendia me torturar sobre isso durante um tempo, dava para ver.
- Não - falei - Por quê?
- Bem, Kel já pediu a outra pessoa para entrar na chapa dela este ano. Aquele cara novo, Paul Não-sei-das-quantas. - Brad encolheu os ombros, dos quais seu grosso pescoço de lutador brotava como um tronco de arvore entre dois pedregulhos. - De modo que eu acho que o reino de Suze como vice-presidente é finito.
Minha mãe me olhou com ar preocupado.
- Você não sabia disso, Suzinha?
Foi minha vez de dar de ombros.
- Não. Mas é legal. Eu nunca me vi realmente como membro da diretoria estudantil.
Mas essa resposta não teve o efeito desejado. Minha mãe apertou os lábios e disse:
- Bem, eu não gosto disso. Um garoto novo chega e toma o lugar de Suzinha. Não é justo.
- Pode não ser justo - observou David - mas é a ordem natural das coisas. Darwin provou que os mais fortes da espécie tendem a ter mais sucesso, e Paul Slater é um espécime físico soberbo. Cada pessoa do sexo feminino que entra em contato com ele, pelo que eu notei, tem uma propensão nítida a exibir o comportamento de ajeitar as penas.
Minha mãe achou um tanto divertido esse ultimo comentário.
- Minha nossa – falou em tom ameno. - E você, Suzinha? Paul Slater faz com que você exiba um comportamento de ajeitar as penas?
- Nem de longe - respondi.
Brad arrotou de novo. Dessa vez, quando fez isso, disse: "Mentirosa."
Encarei-o, irritada.
- Brad. Eu não gosto de Paul Slater.
- Não foi o que me pareceu quando vi vocês dois no corredor coberto hoje de manhã.
- Errado - falei acalorada. - Você não poderia estar mais errado.
- Ah - disse Brad. - Desista, Suze. Definitivamente estava acontecendo uma exibição de penas. Só que você estava com tanto fixador no cabelo que seus dedos ficaram presos.
- Chega - disse minha mãe enquanto eu tomava fôlego para negar isso também. - Vocês dois.
- Eu não gosto de Paul Slater - falei de novo, só para o caso de Brad não ter me ouvido da primeira vez. - Certo? Na verdade eu o odeio.
Minha mãe pareceu incomodada.
- Suzinha? Estou surpresa com você. É errado dizer que odeia alguém. E como já poderia odiar o pobre coitado? Você só o conheceu ontem.
- Ela conhece ele de antes - disse Brad. - Do verão em Pebble Beach.
Encarei-o furiosa mais um pouco. - Como você sabe isso?
- Paul me contou - disse Brad dando de ombros.
Com uma ponta de pavor - seria bem o estilo de Paul abrir o bico com minha família sobre o negócio de eu ser mediadora, só para mexer comigo - perguntei, tentando parecer casual:
- Ah, é? O que mais ele disse?
- Só isso - disse Brad. Então sua voz ficou sarcástica. - Por mais que possa ser uma surpresa, Suze, as pessoas têm outras coisas para conversar, além de falar de você.
- Brad - disse Andy num tom de alerta, enquanto saia da cozinha carregando uma bandeja com tiras de carne chiando e outra com tortilhas macias e fumegantes. - Cuidado. - Depois, baixando as bandejas, seu olhar se fixou na cadeira vazia ao meu lado. - Cadê o Jake?
Todos nos entreolhamos com expressão vazia. Eu nem tinha registrado a ausência de meu meio-irmão mais velho.
Nenhum de nós sabia onde Jake estava. Mas todos sabíamos, pelo tom de voz de Andy, que quando Jake chegasse em casa seria um homem morto.
- Talvez ele tenha ficado retido numa aula - disse minha mãe. - Você sabe que é a primeira semana na faculdade, Andy. Talvez o horário dele não seja muito regular durante um tempo.
- Eu perguntei a ele hoje cedo se ia chegar a tempo para o jantar, e ele falou que sim - disse Andy irritado. - Se ia se atrasar, no mínimo deveria dar um telefonema.
- Talvez ele esteja preso em alguma fila de registro - disse mamãe, querendo tranqüilizá-lo. - Venha, Andy. Você fez um jantar magnífico. Seria uma pena não se sentar e comer antes que fique frio.
Andy sentou-se, mas não parecia muito ansioso para comer.
- É que quando alguém se dá ao trabalho de fazer uma bela refeição, é educado que todo mundo apareça na hora certa ... - disse ele, num discurso que já tínhamos ouvido aproximadamente duzentas vezes.
Enquanto Andy estava dizendo isso à porta da frente bateu, e a voz de Jake soou no saguão:
- Pode ficar de camisa, eu já estou aqui - Jake conhecia bem o pai
Mamãe lançou um olhar para Andy por cima das tigelas de alface picada e queijo, que estávamos passando. O olhar dizia: Está vendo? Eu falei.
- Oi - disse Jake entrando na sala de jantar em seu passo lento de sempre. - Desculpe o atraso. Fiquei preso na livraria. As filas para comprar livros estavam inacreditáveis. O olhar de "não falei?" de mamãe se aprofundou. Tudo que Andy fez foi resmungar.
- Você teve sorte. Desta vez. Sente-se e coma. - Então, para Brad, falou: - Passe o molho.
Só que Jake não se sentou para comer. Em vez disso ficou ali parado, com uma das mãos no bolso da frente dos jeans, e outra ainda segurando as chaves do carro.
- Ah - disse ele. - Escutem...
Todos nós olhamos, esperando que alguma coisa interessante acontecesse, como Jake dizer que a pizzaria tinha bagunçado com o horário dele de novo e que ele não poderia ficar para o jantar. Isso geralmente resultava em grandes fogos de artifício da parte de Andy.
Mas em vez disso Jake falou:
- Eu trouxe uma pessoa. Espero que esteja tudo bem. Como meu padrasto preferiria ter mil pessoas apinhadas em volta da mesa de jantar do que a ausência de um único de nós, disse em tom magnânimo:
- Ótimo, ótimo. Tem o bastante para todo mundo. Pegue pratos e talheres na bancada.
Então Jake foi pegar um prato, garfo e faca, enquanto a "pessoa" surgia, numa postura meio frouxa, aparentemente tendo esperado na sala de estar, sem dúvida pasmo com a quantidade enorme de fotos de família que minha mãe tinha posto em todas as paredes de lá.
Infelizmente a pessoa que Jake tinha trazido não era da variedade feminina, por isso não poderíamos pegar no pé dele mais tarde. Mesmo assim, como diria David, Neil Jankow, como foi apresentado, era um espécime interessante. Era bem arrumado, o que o destacava da maioria dos amigos de Jake. Seus jeans não pendiam frouxos em algum ponto no meio das coxas, mas estavam adequadamente presos a cintura com um cinto, fato que o colocava um ponto acima da maioria dos rapazes de sua idade.
Mas isso não significava que fosse um gato. De jeito nenhum. Era quase dolorosamente magro, com pele oleosa, e tinha cabelos louros meio compridos. Mesmo assim pude ver que minha mãe o aprovava, já que era cuidadosamente educado, chamando-a de senhora - "Muito obrigado por me deixar ficar para o jantar, senhora"- se bem que a dedução de que minha mãe tinha feito o jantar era meio machista, já que Andy tinha preparado tudo.
Mesmo assim ninguém pareceu se ofender, e foi aberto o espaço para o jovem Sr. Neil à mesa. Ele se sentou e, acompanhando Jake, começou a comer ... não com muito empenho, mas com uma apreciação que parecia não ser fingida.
Logo ficamos sabendo que Neil freqüentava com Jake as aulas de Introdução à Literatura Inglesa. Como Jake, Neil estava entrando na NoCal - a gíria da cidade para a Faculdade Estadual do Norte da Califórnia. Como Jake, Neil era da região. Na verdade, sua família vivia no vale. Seu pai era dono de vários restaurantes na área, inclusive um ou dois onde eu já tinha comido. Como Jake, Neil não tinha muita certeza de que carreira seguiria, mas, também como Jake, esperava curtir a faculdade muito mais do que o segundo grau, já que tinha programado o horário para não ter nenhuma aula de manhã, por isso podia passa-la dormindo ou, se por acaso acordasse antes das onze, aproveitar algumas ondas na praia de Carmel antes da primeira aula.
No fim do jantar eu tinha muitas perguntas sobre Neil.
Tinha uma grande, sobre uma coisa específica. Era algo que, com toda a certeza, não havia incomodado ninguém além de mim. No entanto eu realmente sentia que merecia algum tipo de explicação, pelo menos. Não que eu pudesse dizer algo a respeito. Não com tantas pessoas em volta.
E isso era parte do problema. Havia muita gente em volta. E não só as pessoas reunidas à mesa. Não, havia o cara que tinha entrado na sala e ficado ali durante todo o jantar, bem atrás da cadeira de Neil, olhando-o em silêncio completo, com um ar maligno.
Esse cara, diferente de Neil, era bonito. De cabelos escuros e covinha no queixo, dava para ver que, por baixo dos jeans Dockers e da pólo preta, ele era ... ele tinha malhado muito, sem qualquer dúvida, para cultivar aqueles tríceps, para não mencionar o que eu achava que seria uma barriga com músculos parecendo uma tábua de lavar roupa.
Esta não era a única diferença entre esse cara e o amigo de Jake, Neil. Também havia o pequeno detalhe de que Neil, pelo que eu sabia, estava notavelmente vivo, ao passo que o cara atrás dele estava, bem ...
Morto.

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