segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot, Cap 16

Paul. Eu tinha me esquecido dele. Dele e do quê, exatamente, ele e eu tínhamos feito nesses últimos dias. E era um monte de coisas que eu particularmente não queria que Jesse ficasse sabendo.
- Bateu muito na porta? - perguntei a Paul, esperando que ele não notasse o pânico na minha voz enquanto Jesse e eu nos separávamos.
- Bem - disse Paul, parecendo bastante convencido para um cara que tinha sido suspenso da escola naquele dia. - Eu ouvi toda a balburdia e achei que você estava com convidados. Não percebi, claro que você estava recebendo o Sr. De Silva.
Jesse, eu vi, estava encarando o olhar irônico de Paul com uma expressão bastante hostil.
- Slater - disse Jesse numa voz não particularmente agradável.
- Jesse - disse Paul em tom ameno. - Como vai, esta noite?
- Estava melhor antes de você entrar.
As sobrancelhas escuras de Paul se levantaram, como se ele estivesse surpreso em ouvir isso.
- Mesmo? Então Suze não contou as novidades?
- Que no... - Jesse começou a perguntar, mas eu interrompi rapidamente.
- Sobre os deslocadores? - Eu entrei na frente de Jesse, como se ao fazer isso pudesse protegê-lo da coisa pouco agradável que achava que Paul ia fazer. - E a coisa de transferência de almas? Não, ainda não tive chance de contar isso a Jesse. Mas vou contar. Obrigado por ter passado aqui.
Paul só riu para mim. E alguma coisa naquele riso fez meu coração acelerar de novo...
E não porque alguém estava tentando me beijar.
- Não é por isso que eu estou aqui - disse Paul, mostrando todos os seus dentes muito brancos.
Senti Jesse ficar tenso ao meu lado. Ele e Spike estavam se comportando com antagonismo extraordinário com relação a Paul. Spike tinha pulado no banco da janela e, com todo o pêlo eriçado, rosnava alto para Paul. Jesse não estava sendo tão óbvio em seu desprezo pelo cara, mas eu achei que era apenas questão de tempo.
- Bem, se você veio para a festa do Brad - falei rapidamennte - parece meio perdido. É lá embaixo, e não aqui.
- Eu também não estou aqui pela festa. Vim para devolver isso. - Ele enfiou a mão no bolso dos jeans e tirou uma coisa pequena e escura. - Você deixou no meu quarto no outro dia.
Olhei para o que ele segurava na mão estendida. Era o prendedor de cabelo, de tartaruga, o que tinha sumido. Mas não desde que eu tinha estado no quarto dele. Eu tinha sentido falta dele desde a segunda-feira de manhã, o primeiro dia de aula. Devo ter deixado cair, e ele pegou.
Pegou e segurou a semana inteira, só para poder jogar na cara de Jesse, como estava fazendo agora.
E arruinar minha vida. Porque Paul era isso. Não um mediador. Não um deslocador. Um arruinador.
Um rápido olhar para Jesse me mostrou que aquelas palavras faladas em tom casual - Você deixou no meu quarto no outro dia - tinham acertado no alvo, sem dúvida. Jesse parecia ter levado um soco no estômago.
Eu sabia como ele se sentia. Paul provocava esse efeito nas pessoas.
- Obrigada - falei, pegando o prendedor na sua mão. Mas eu perdi na escola, e não na sua casa.
- Tem certeza? - Paul sorriu para mim. Era espantoso como ele parecia inocente quando queria. - Eu podia jurar que você deixou na minha cama.
O punho veio de lugar nenhum. Juro que não vi chegando. Num minuto eu estava ali parada, imaginando como explicaria isso a Jesse, e a próxima coisa que vi foi o punho de Jesse entrando na cara de Paul.
Paul também não tinha visto. Caso contrário teria se desviado. Apanhado totalmente desprevenido, ele foi girando direto até minha penteadeira. Frascos de perfume e de esmalte de unha choveram quando o corpo de Paul colidiu pesadamente com a penteadeira.
- Certo - falei, entrando rapidamente entre os dois de novo. - Certo. Chega. Jesse, ele só esta tentando pegar no seu pé. Não foi nada, certo? Eu fui a casa dele porque ele disse que sabia umas coisas sobre algo chamado transferência de almas. Pensei que talvez fosse alguma coisa que poderia ajudar a você. Mas juro, foi só isso. Nada aconteceu.
- Nada aconteceu - disse Paul, com a voz cheia de diversão enquanto ficava de pé. Sangue pingava de seu nariz em toda a frente da camisa, mas ele não parecia notar. - Diga uma coisa, Jesse. Ela suspira quando você a beija, também?
Eu queria me matar. Como ele podia fazer isso? Como podia?
A verdadeira pergunta, claro, era: como eu podia? Como eu podia ter sido tão estúpida a ponto de deixar que ele me beijasse assim? Porque eu tinha deixado - tinha até retribuído o beijo. Nada disso teria acontecido se eu tivesse tido um pouco mais de controle.
Naquele dia eu estava magoada, estava com raiva, e estava - encaremos os fatos - solitária.
Como Paul.
Mas nunca tinha pretendido magoar ninguém de propósito.
Dessa vez o punho de Jesse mandou-o girando até o banco da janela, onde Spike, não muito feliz com o que estava acontecendo, soltou um chiado e pulou pela janela aberta até o teto da varanda. Paul aterrissou de cara. Quando levantou a cabeça, eu vi sangue em cima das almofadas de veludo.
- Já chega - falei de novo, pegando o braço de Jesse enquanto ele preparava outro soco. - Meu Deus, Jesse, você não vê o que ele está fazendo? Está tentando deixar você maluco. Não lhe dê essa satisfação.
- Não é isso que eu estou tentando fazer - disse Paul no chão. Ele tinha rolado a cabeça para trás, perto da almofada suja de sangue e estava beliscando o nariz para estancar a maré de sangue que jorrava mais ou menos livremente. - Estou tentando deixar claro para o Jesse que você precisa de um namorado de verdade. Puxa, qual é! Quanto tempo você acha que isso vai durar? Suze, eu não disse antes, mas vou dizer agora porque sei no que você esteve pensando. A transferência de almas só funciona se você arrancar a alma que estiver ocupando um corpo e depois jogar a alma de outro dentro. Em outras palavras, é assassinato. E sinto muito, mas você não me parece uma assassina. Seu garoto Jesse vai ter de entrar na luz um dia desses. Você só esta segurando o cara...
Senti o braço de Jesse se mover convulsivamente, por isso joguei todo o meu peso nele.
- Cale a boca, Paul – falei.
- E você, Jesse? Quero dizer, que diabo você pode dar a ela? - Agora Paul estava rindo, apesar do sangue que continuava pingando do rosto. - Você nem pode pagar um café para ela...
Jesse explodiu da minha mão. É o único modo como posso descrever. Num minuto ele estava ali, no outro estava em cima de Paul, e os dois estavam com as mãos apertando o pescoço um do outro. Foram batendo no chão com força suficiente para sacudir toda a casa.
Não que alguém pudesse ouvi-los, eu tinha certeza. Brad tinha ligado o som lei embaixo, e agora a música pulsava pelas paredes. Hip-hop, a predileta de Brad. Eu tinha certeza de que os vizinhos gostariam de ser acalentados a noite toda por aquelas doces melodias.
No chão, Jesse e Paul rolavam. Pensei em bater na cabeça deles com alguma coisa. O fato era que os dois eram tão cabeças-duras que provavelmente não adiantaria nada. Argumentar com eles não tinha ajudado. Eu precisava fazer alguma coisa. Eles iam se matar e seria tudo minha culpa. Minha estúpida culpa.
Não sei o que pôs a idéia do extintor de incêndio na minha cabeça. Eu estava ali parada, olhando perplexa Jesse jogar Paul com força contra minha estante, quando de repente foi tipo: ah, sim. O extintor. Virei-me e sai do quarto, desci correndo a escada com a pulsação da música ficando cada vez mais alta (e os sons da briga no meu quarto ficando mais distantes) a cada passo.
Embaixo, a festa de Brad estava no pique total. Dezenas de corpos pouco vestidos apinhavam a sala de estar, girando e dançando no ritmo. Metade deles eu nem reconhecia. Então percebi que eram os amigos de Jake, da faculdade. Na pressa vi Neil Jankow segurando um daqueles copos de plástico azul que Debbie Mancuso tinha empilhado com tanto cuidado no balcão da cozinha. Neil derramou espuma em toda parte quando passei esbarrando nele.
Então Jake tinha chegado com o barril, agora eu sabia. Tive de me achatar na parede só para passar pelas pessoas apinhadas no corredor para a cozinha. Assim que cheguei, vi que lá também estava cheio de gente que eu nunca tinha visto. Um olhar pela porta deslizante de vidro revelou que a piscina, projetada para poucas pessoas, estava com umas trinta, na maioria montadas umas nas outras. Era como se minha casa tivesse virado subitamente a Mansão da Playboy. Não dava para acreditar.
Achei o extintor de incêndio debaixo da pia, onde Andy o mantinha para o caso de a gordura pegar fogo no fogão. Precisei gritar "com licença" até ficar rouca, antes de alguém se mexer o suficiente para me deixar voltar ao corredor. Quando finalmente cheguei, fiquei chocada ao ouvir alguém gritando meu nome. Virei-me e ali, para minha absoluta perplexidade, estava Cee Cee com Adam.
- O que vocês estão fazendo aqui? - gritei para eles.
- Nós fomos convidados - gritou Cee Cee de volta. Meio sem graça, notei. Achei que talvez os dois estivessem recebendo alguns olhares estranhos. Eles não circulavam no mesmo meio social do meu meio-irmão Brad, de jeito nenhum.
- Olha - disse Adam, levantando um dos panfletos de Brad. - Nós viemos legalmente.
- Bem, fantástico – falei. - Divirtam-se. Escutem, eu estou com uma complicação lá em cima...
- Nós vamos com você - gritou Cee Cee. - Aqui embaixo está barulhento demais.
Eu sabia que não estaria mais tranqüilo no meu quarto.
Além disso havia toda a coisa de Paul Slater lutando com o fantasma de meu suposto namorado lá em cima.
- Fiquem aqui – falei. - Eu volto num minuto.
Mas Adam notou o extintor e disse:
- Legal! Efeitos especiais. - E partiu atrás de mim.
Não havia nada que eu pudesse fazer. Quero dizer, eu tinha de voltar para cima se quisesse impedir Paul e Jesse de se matarem - ou pelo menos impedir Jesse de matar Paul, já que Jesse, claro, já estava morto. Cee Cee e Adam teriam de enfrentar o que quer que vissem, caso fossem atrás de mim.
Eu esperava despistá-los na escada, mas essas esperanças foram destruídas quando, depois de finalmente chegar a escada, vi Paul e Jesse rolando por ela.
Pelo menos foi o que eu vi. Os dois atracados numa luta de vida ou morte, rolando escada abaixo um em cima do outro, cada um segurando a roupa do outro.
Não foi o que Cee Cee e Adam - ou qualquer outra pessoa que estivesse olhando na hora - viram. O que viram foi Paul Slater, sangrando e machucado, cair pela minha escada e aparentemente batendo... bem, em si mesmo.
- Ah, meu Deus - gritou Cee Cee, enquanto Paul (ela não podia ver que Jesse também estava ali) caía com estrondo aos seus pés. - Suze! O que está acontecendo?
Jesse se recuperou antes de Paul. Ficou de pé, abaixou-se, pegou Paul pelos braços e puxou-o, para poder bater nele de novo.
Não foi o que Cee Cee, Adam e todos os outros que por acaso estavam olhando na direção da escada naquele momento viram. O que viram foi Paul ser puxado para cima por alguma força invisível e depois jogado, por um soco invisível, para o outro lado da sala.
Boa parte dos giros pararam. A música continuou batucando, mas ninguém dançava mais. Todo mundo só estava ali parado, olhando Paul.
- Ah, meu Deus - gritou Cee Cee. - Ele está drogado?
Adam balançou a cabeça, dizendo:
- Isso explicaria muita coisa sobre o cara.
Enquanto isso Jake, aparentemente alertado por alguém, entrou na sala de estar, deu uma olhada para Paul se retorcendo no chão (com as mãos de Jesse em volta do pescoço, ainda que eu fosse a única que pudesse ver isso) e disse:
- Ah, meu Deus.
Então, me vendo com o extintor de incêndio, Jake se aproximou, tirou-o de mim e mandou um jato de espuma branca na direção de Paul.
Mas não adiantou muito. Só fez com que os dois rolassem para a sala de jantar - fazendo um bocado de gente pular do caminho - e depois se chocar contra o armário de louças de mamãe - que, claro, balançou e caiu, despedaçando todos os pratos de dentro.
Jake ficou pasmo.
- O que está acontecendo com esse cara? Está doido? Neil Jankow, que estivera parado ali perto com seu copo de cerveja ainda na mão, disse:
- Talvez ele esteja tendo um ataque. É melhor alguém chamar uma ambulância.
Jake ficou alarmado.
- Não - gritou. - Não, nada de policia! Ninguém chame a polícia!
Pelo menos foi o que ele estava dizendo até o momento em que Jesse jogou Paul para o deque, através da porta deslizante.
Foi a chuva de vidro que finalmente alertou todas as pessoas da piscina para a batalha de vida ou morte que estivera acontecendo dentro da casa. Gritando, lutaram para sair do caminho do corpo de Paul que se sacudia, mas descobriram que a rota de fuga estava perigosamente impedida por cacos de vidro quebrado. Descalças, as pessoas da piscina não tinham para onde ir enquanto Paul e Jesse trocavam socos no deque.
Brad, um dos que estavam presos na piscina - com Debbie Mancuso pendurada nele como um peixe piloto - olhava incrédulo para o buraco enorme onde estivera a porta de vidro. Então trovejou:
- Slater! Você vai pagar uma porta nova, seu escroto! Mas Paul não tinha condições de prestar muita atenção.
Porque estava lutando apenas para respirar. Jesse o havia agarrado pelo pescoço e estava segurando-o por cima da borda da piscina.
- Você vai ficar longe dela? - perguntou Jesse, enquanto as luzes do fundo da banheira os envolviam num brilho azul fantasmagórico.
Paul gorgolejou:
- De jeito nenhum!
Jesse enfiou a cabeça de Paul debaixo d'água e segurou-a ali.
Neil, que tinha seguido Jake para 0 deque, apontou e gritou:
- Agora ele esta tentando se afogar! Ackerman, é melhor você fazer alguma coisa, e rápido.
- Jesse! – gritei. - Solte-o. Não vale a pena. Cee Cee olhou em volta.
- Jesse? - ecoou ela, confusa. - Ele está aqui?
Jesse se distraiu o suficiente para afrouxar um pouco o aperto, e Jake, com a ajuda de Neil, pôde puxar Paul para cima, ofegando, agora com o sangue misturado a água clorada em toda a frente de sua camisa.
Eu não podia mais suportar.
- Vocês têm de parar com isso - falei para Jesse e Paul. - Já chega. Vocês arrebentaram com minha casa. Arrebentaram um com o outro. E... - acrescentei a última frase enquanto olhava em volta e via todos os olhares curiosos e meio apavorados apontados para mim -...acho que praticamente destruíram a pouca reputação que eu já tive.
Mas antes que Jesse ou Paul pudessem responder, outra voz interveio.
- Não acredito que vocês tinham um barril de cerveja e ninguém me convidou - disse Craig Jankow, materializando-se a esquerda do irmão. - Sério - continuou Craig, enquanto eu lançava um olhar incrédulo -, isso é bem legal. Vocês, mediadores, realmente sabem dar uma festa.
Mas Jesse não estava prestando qualquer atenção ao recém-chegado. Ele disse a Paul: - Nunca mais chegue perto dela de novo. Entendeu?
- Vá se catar - sugeriu Paul.
E estava de volta a banheira, espirrando água. Jesse o arrancou das mãos de Jake.
A surpresa foi que dessa vez Neil afundou com Paul.
Porque Craig, aprendendo rapidamente, tinha decidido ir em frente e seguir com seu negócio de “se eu estou morto meu irmão também deveria estar", agora que Jesse tinha mostrado como.
- Neil! - gritou Jake, tentando puxar Paul e seu amigo (que, pelo que ele sabia, tinha mergulhado inexplicavelmente de cara na água) do fundo da banheira. O que ele não sabia, claro, era que mãos fantasmagóricas estavam segurando os dois no fundo.
Mas eu sabia. Também sabia que não havia nada que qualquer um de nós pudesse fazer para que elas os soltassem. Os fantasmas tem força sobre-humana. Não havia como nenhum de nós conseguir que eles desistissem das vítimas. Pelo menos até elas estarem mortas como... bem, como seus assassinos.
E por isso eu sabia que teria de fazer uma coisa que realmente não queria fazer. Só não via outra saída. As ameaças não tinham dado certo. A força bruta não tinha dado certo. Só tinha um jeito.
Mas eu realmente, realmente não queria usá-lo. Meu peito estava apertado de medo. Eu mal podia respirar, de tão apavorada. Quero dizer, na ultima vez em que estivera naquele lugar, quase morri. E não tinha como saber se Paul tinha me dito a verdade ou não. E se eu tentasse fazer o que ele disse e terminasse num lugar ainda pior do que onde havia parado antes?
Se bem que seria difícil imaginar um lugar pior. Mesmo assim, que opção eu tinha? Nenhuma. Só que realmente, realmente não queria fazer.
Mas acho que a gente nem sempre tem o que quer. Com o coração na garganta, enfiei as mãos na água quente e borbulhante e agarrei duas camisas. Nem sabia de quem eram as roupas que tinha segurado. Só sabia que esse era o único modo que eu conhecia para impedir um assassinato.
Então fechei os olhos e visualizei aquele lugar que nunca esperava ver de novo.
E quando abri os olhos, estava lá.

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