segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot, Cap 14

- Vá embora.
Porque a verdade era que eu meio que ainda estava chorando, e Paul Slater era praticamente a última pessoa no mundo que eu queria que me visse assim. Esperava totalmente que ele não notasse.
Não tive essa sorte. Paul falou: - Por que a choradeira?
- Nada - falei, enxugando os olhos com a manga da jaqueta. Tinha usado todos os lenços de papel que a secretaria do padre Dom tinha me dado. - Só alergia.
Paul puxou a minha mão. - Aqui, use isso.
E me passou, imagine só, um lenço branco que tinha tirado do bolso.
Engraçado como, com tudo o mais que estava acontecendo, eu só conseguia me concentrar naquele quadrado de pano branco.
- Você anda com um lenço? - perguntei numa voz de taquara rachada.
Paul deu de ombros.
- Nunca se sabe quando a gente vai ter de amordaçar alguém.
Era uma resposta tão diferente da que eu esperava que não pude deixar de rir um pouco. Quero dizer, Paul me amedrontava um pouquinho... certo, muito. Mas mesmo assim ainda conseguia ser engraçado de vez em quando.
Enxuguei as lágrimas com o lenço, mais consciente da proximidade do dono do que desejava. Paul estava particularmente deleitável naquela manha, com um suéter de cashmere cor de carvão e um casaco de couro marrom late. Não pude deixar de olhar para sua boca e lembrar da sensação dela na minha. Boa. Mais do que boa.
Então meu olhar foi para seu olho, o que eu tinha acertado. Sem marcas. O cara não se machucava facilmente.
Desejei que o mesmo fosse verdade para mim. Ou pelo menos para o meu coração.
Não sei se Paul notou a direção do meu olhar - acho que tinha sido bem óbvio que eu estivera olhando sua boca. Mas de repente ele levantou os braços e as duas mãos na coluna de um metro de largura em que eu estava encostada - uma das colunas que sustentam o teto da passagem coberta - meio que me prendendo entre eles.
- Então, Suze - disse ele em voz amigável. - O que o padre Dominic queria falar com você?
Mesmo que eu estivesse definitivamente à caça de um namorado, tinha toda certeza de que Paul não era o cara certo para mim. Quero dizer, é, ele era um gato e coisa e tal, e ainda tinha a coisa de ele também ser mediador.
Mas também tinha a coisa de ele ter tentado me matar.
É meio difícil deixar algo assim de lado.
De modo que eu estava meio indecisa ali, presa entre os braços dele. Por outro lado, eu não teria me importado em levantar as mãos, puxar sua cabeça e bancar o desentupidor de pias com sua boca.
Por outro lado, dar um chute rápido na virilha parecia ter um apelo igual, dado o que ele tinha me feito passar no outro dia, com a calçada quente, o Hell's Angel e tudo o mais.
Terminei não fazendo nem uma coisa nem outra. Só fiquei ali parada, com o coração batendo meio forte dentro do peito. Afinal de contas aquele era o cara com quem eu vinha tendo pesadelos nas últimas semanas. Esse tipo de coisa não vai embora só porque o cara passou a língua na boca da gente e a gente meio que gostou.
- Não se preocupe - falei numa voz que não parecia minha, de tão rouca por causa do choro. Pigarreei e depois disse: - Eu não contei nada sobre você ao padre Dom, se é com isso que você está preocupado.
Paul relaxou visivelmente quando as palavras entraram na sua cabeça. Ele até levantou uma das mãos da parede e segurou uma mecha do meu cabelo, que tinha se enrolado no ombro.
- Gosto mais do seu cabelo solto - disse aprovando. Você devia sempre usar solto.
Revirei os olhos para esconder o fato de que meus batimentos cardíacos, quando ele me tocou, se aceleraram consideravelmente e comecei a me abaixar sob o braço que ele ainda estava usando para me prender.
- Onde você acha que vai? - perguntou ele, movendo-se para me acuar de novo, desta vez dando um passo mais para perto, de modo que nossos rostos estavam separados por apenas uns oito centímetros. Seu hálito, eu estava suficientemente perto para notar, ainda cheirava a pasta de dentes que ele tinha usado de manhã.
O hálito de Jesse nunca cheirava a nada, porque, claro, ele não está vivo.
- Paul - falei no que esperava que fosse uma voz calma, totalmente inexpressiva. - Verdade. Aqui não, certo?
- Ótimo. - Mas ele não se mexeu. - Então onde?
- Ah, meu Deus, Paul. - Levei a mão a testa. Estava quente.
Mas eu sabia que não estava com febre. Por que eu me sentia tão quente? Estava fresco na passagem coberta. Era o Paul? Era o Paul que estava fazendo com que eu me sentisse assim? - Olha, eu tenho... eu tenho de pensar em um monte de coisas agora. Você poderia... você poderia me deixar sozinha um tempo, para pensar?
- Claro. Você recebeu as flores?
- Recebi – falei. O que quer que estivesse me deixando tão febril também me forçou a acrescentar, mesmo que eu não quisesse, já que só queria fugir e me esconder no banheiro feminino ate a hora da mudança de aulas. - Mas se acha que vou esquecer o que você fez comigo só porque mandou um punhado de flores idiotas...
- Eu pedi desculpas, Suze. E lamento mais pelos seus pés do que posso dizer. Você deveria ter me deixado levá-la em casa. Eu não teria tentado nada. Juro.
- Ah, é? - Encarei-o. Ele era bem mais alto do que eu, mas seus lábios estavam a apenas centímetros dos meus. Eu poderia alcançá-los com os meus sem o menor problema. Não que fosse fazer isso. Achava que não. - De que você chama o que está fazendo agora?
- Suze - disse ele, brincando de novo com meu cabelo.
Seu hálito pinicava meu rosto. - De que outro modo vou conseguir que você fale comigo? Você ficou com uma impressão totalmente errada à meu respeito. Acha que eu sou algum tipo de bandido. E não sou. Sério. Eu sou... bem, de fato eu sou muito parecido com você.
- Não sei por que, mas duvido seriamente disso – falei. Sua proximidade estava tornando difícil conversar. E não porque ele estivesse me amedrontando. Ele ainda me amedrontava, mas agora de modo diferente.
- É verdade. Quero dizer, nós temos muito em comum. E não somente o negócio de ser mediador. Acho que nossa filosofia de vida é a mesma. Bem, a não ser na parte em que você quer ajudar pessoas. Mas isso é somente culpa. Em todos os outros sentidos, você e eu somos idênticos. Quero dizer, nós dois somos cínicos e desconfiamos dos outros. Quase ao ponto de sermos misantropos, eu diria. Somos almas velhas, Suze. Nós dois já estivemos por aí. Nada nos surpreende, e nada nos impressiona. Pelo menos... - seu olhar azul gélido se cravou no meu - nada até agora. Pelo menos no meu caso.
- Pode ser, Paul - falei, do modo mais paternalista possível; o que não foi muito, acho, porque sua proximidade estava tornando muito difícil respirar. - o único problema é: sabe quem é a pessoa de quem eu mais desconfio no mundo? Você.
- Não sei por quê. Porque nós fomos claramente feitos um para o outro. Quero dizer, só porque você encontrou Jesse primeiro...
- Não. - A palavra saiu de mim como uma explosão.
Eu não podia suportar, não podia suportar ouvir o nome dele... pelo menos saindo daqueles lábios. - Paul, eu estou avisando...
Paul colocou um dedo sobre minha boca.
- Shhh. Não diga nada de que possa se arrepender mais tarde.
- Eu não vou me arrepender de ter dito isso - falei, com os lábios se movendo de encontro ao dedo dele. - Você...
- Você não está falando sério - disse Paul, cheio de confiança, tirando o dedo de perto da minha boca, passando pela curva do queixo e descendo pela lateral do pescoço. - Você só está amedrontada. Com medo de admitir seus verdadeiros sentimentos. Com medo de admitir que talvez eu saiba algumas coisas que você e o sábio Gandalf, vulgo padre Dominic, talvez não saibam. Com medo de admitir que talvez eu esteja certo, e que você não está tão completamente comprometida com seu precioso Jesse quanto gostaria de pensar. Anda, confessa. Você sentiu alguma coisa quando eu a beijei no outro dia. Não negue.
Se eu senti alguma coisa naquele dia? Eu estava sentindo alguma coisa agora, e tudo que ele estava fazendo era passar a ponta do dedo pelo meu pescoço. Não era certo que esse cara que eu odiava - e eu o odiava, odiava mesmo - pudesse fazer com que eu me sentisse assim...
... enquanto o cara que eu amava podia fazer com que eu me sentisse uma absoluta ...
Agora Paul estava tão perto de mim que seu peito roçou a frente do meu suéter.
- Quer tentar de novo? - perguntou ele. Sua boca se moveu até estar a uns dois centímetros da minha. - Uma pequena experiência?
Não sei por que não deixei. Quero dizer, ele me beijar de novo. Não havia um nervo em meu corpo que não quisesse. Depois de ter levado um fora tão tremendo na sala do padre Dom, seria legal saber que alguém - qualquer um - me queria. Até um cara de quem eu já havia sentido um medo mortal.
Talvez houvesse uma parte de mim que ainda o temesse.
Ao o que ele poderia fazer comigo. Talvez isso estivesse fazendo meu coração bater tão rápido.
O que quer que fosse, não deixei que ele me beijasse. Não podia. Pelo menos naquela hora. E pelo menos ali. Inclinei o pescoço tentando manter a boca fora do seu alcance.
- Não vamos - falei tensa. - Eu estou tendo um dia muito ruim, Paul. Realmente agradeceria se você recuasse...
Junto com a palavra recuasse eu pus as duas mãos no seu peito e o empurrei com o máximo de força possível.
Não esperando isso, Paul cambaleou para trás.
- Epa - disse ele quando recuperou o equilíbrio. E a compostura. - Qual é o seu problema, afinal?
- Nada - falei torcendo seu lenço nos dedos. - Eu só... eu só recebi uma noticia ruim. Só isso.
- Ah, é? - Essa tinha sido claramente a coisa errada para dizer a Paul, já que agora ele parecia positivamente intrigado, o que significava que talvez nunca fosse embora. - Tipo o que? O chicanozinho deixou você na mão?
O som que saiu de mim quando ele disse isso foi um cruzamento entre um ofegar e um soluço. Não sei de onde veio. Parecia ter sido rasgado de meu peito por alguma força invisível. Aquilo espantou Paul tanto quanto a mim.
- Epa - disse ele de novo, desta vez num tom diferente. - Desculpe. Eu... ele fez isso? Fez mesmo?
Balancei a cabeça, não confiando em mim mesma para falar. Queria que Paul fosse embora - que calasse a boca e fosse embora. Mas ele parecia incapaz das duas coisas.
- Eu meio que pensei - disse ele - que talvez houvesse um problema no paraíso quando ele não apareceu para me dar umas porradas depois, você sabe, do que aconteceu na minha casa.
Consegui achar minha voz. Ela saiu áspera, mas pelo menos funcionou.
- Eu não preciso do Jesse para lutar minhas batalhas.
- Quer dizer que você não contou a ele. Quero dizer, sobre você e eu.
Quando eu desviei o olhar, Paul disse:
- É isso. Você não contou a ele. A não ser que tenha contado e ele não tenha se importado. Foi isso, Suze?
- Eu tenho de ir para a aula - falei, e me virei rapidamente para fazer isso.
Só que a voz de Paul me fez parar.
- A questão é: por que você não contou? Poderia ser porque, talvez, no fundo, você tenha medo? Porque talvez, bem no fundo, você tenha sentido alguma coisa... alguma coisa que não quer admitir, nem para si mesma?
Girei.
- Ou talvez - falei - porque bem no fundo eu não quisesse ficar com um assassinato nas mãos. Você já pensou nisso, Paul? Porque Jesse já não gosta muito de você. Se eu contasse a ele o que você fez, ou pelo menos tentou fazer comigo, ele iria matá-lo.
Eu sabia bem demais que isso era uma completa viagem.
Mas Paul não sabia.
Mesmo assim não recebeu do modo como eu queria.
- Sei - disse Paul com um riso. - Você deve gostar de mim um pouquinho, caso contrário teria ido em frente e contado.
Comecei a dizer alguma coisa, percebi a inutilidade e girei de novo para ir embora.
Só que dessa vez as portas das salas de aula em toda volta estavam se abrindo, e alunos começaram a sair para a passagem coberta. Não existe sistema de campainha na Academia da Missão - os conselheiros não querem perturbar a serenidade do pátio ou da basílica com um barulho soando de hora em hora - de modo que nós simplesmente trocamos de salas sempre que o ponteiro grande chega no 12. Percebi que o primeiro tempo tinha terminado quando as hordas começaram a circular em volta de mim.
- E então, Suze? - perguntou Paul, ficando onde estava, apesar do mar de humanidade passando rapidamente por ele. - Foi isso? Você não me quer morto. Quer que eu fique por perto. Porque gosta de mim. Admita.
Balancei a cabeça, incrédula. Percebi que era inútil discutir com o cara. Ele era simplesmente muito cheio de si para ao menos ouvir o ponto de vista de outra pessoa.
E, claro, havia o pequeno detalhe de que ele estava certo. - Ah, Paul, aí está você! - Kelly Prescott veio até ele, balançando seu cabelo cor de mel. - Procurei você em toda parte. Escuta, eu estive pensando, sobre a eleição, você sabe, na hora do almoço. Por que você e eu não damos uma volta pelo pátio, distribuindo chocolates? Você sabe, para lembrar as pessoas. De votar, quero dizer.
Mas Paul não estava prestando absolutamente nenhuma atenção em Kelly. Seu olhar azul-gelo continuava grudado em mim.
- E então, Suze? - gritou ele, acima do barulho de portas de armários e do burburinho (ainda que supostamente nós devêssemos ficar em silêncio durante as trocas de salas, para não perturbar os turistas). - Vai admitir ou não?
- Você esta precisando de psicoterapia intensiva - falei balançando a cabeça.
Então comecei a passar por eles.
- Paul. - Agora Kelly estava puxando o casaco de couro de Paul, o tempo todo lançando olhares nervosos para mim. - Paul, olá. Terra para Paul. A eleição. Lembra? A eleição? Esta tarde?
Então Paul fez uma coisa que, como percebi logo depois, entraria para os canais da Academia da Missão - e não somente porque Cee Cee viu também e anotou para informar mais tarde no jornal estudantil. Não, Paul fez uma coisa que ninguém, com a possível exceção de mim, tinha feito em todos os 11 anos em que Kelly freqüentava a escola.
Deu um fora nela.
- Por que você não pode me deixar sozinho por cinco minutos, droga? - falou arrancando o casaco de entre os dedos dela.
Kelly, tão pasma como se tivesse levado um tapa, ficou dizendo:
- O... o quê?
- Você ouviu - disse Paul. Ainda que ele não parecesse ter consciência disso, todo mundo na passagem coberta tinha parado subitamente para ver o que eles estavam fazendo, só para saber o que ele faria em seguida. - Eu estou de saco cheio de você, dessa eleição estúpida e dessa escola estúpida. Sacou? Agora saia da minha frente, antes que eu diga alguma coisa de que possa me arrepender.
Kelly ficou boquiaberta, como se estivesse no consultório do dentista.
- Paul! - disse ela, perplexa. - Mas... mas... a eleição... os chocolates...
Paul apenas olhou para ela.
- Pegue seus chocolates e enfie no...
- Sr. Slater! - Uma das noviças encarregadas de patrulhar a passagem entre as aulas, para se certificar de que nenhum de nós fizesse barulho demais, bateu com o punho em Paul. - Vá para a sala do diretor, imediatamente!
Paul sugeriu a noviça alguma coisa que eu tinha bastante certeza que iria lhe garantir uma suspensão, se não a expulsão. Na verdade o negócio foi tão exagerado que até eu ruborizei por ele, e eu tenho três meios-irmãos, dois dos quais usam esse tipo de linguagem regularmente quando seu pai não esta por perto.
A noviça irrompeu em lágrimas e foi correndo procurar o padre Dominic. Paul olhou a pequena figura de habito preto correndo, depois olhou para Kelly, que também estava chorando. Depois olhou para mim.
Havia muita coisa naquele olhar. Raiva, impaciência, nojo.
Mas acima de tudo - e não acho que estivesse enganada - havia mágoa. Sério. Paul estava magoado pelo que eu tinha dito.
Nunca me ocorreu que Paul pudesse ficar magoado. Talvez o que eu disse a Jesse - que Paul era solitário - estivesse certo, afinal de contas. Talvez o cara realmente só precisasse de um amigo.
Mas certamente não estava fazendo muitos na Academia da Missão, isso era certo.
Um segundo depois ele havia rompido o contato visual comigo, virado e saído da escola. Pouco depois ouvi o motor de seu conversível e depois o guincho dos pneus no asfalto do estacionamento.
E Paul tinha ido embora.
- Bem - disse Cee Cee não pouco satisfeita quando chegou perto de mim. - Acho que isso cuida da eleição, não é?
Depois segurou meu punho, estilo vitória em luta de boxe.
- Uma salva de palmas para a senhora vice-presidente!

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