segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot - Cap 13

Não demorei muito ate descobrir para onde Jesse tinha desaparecido.
Quero dizer, não demorei muito no vasto espectro das coisas. Na verdade levei mais outro dia e meio. Foi o tempo de o inchaço nos pés diminuir, e eu poder enfiá-los num par de chinelos Steve Madden e voltar à escola.
Onde fui imediatamente chamada à sala do diretor. Sério. A coisa fez parte dos anúncios matinais do padre Dom. Ele disse pelo alto-falante:
- E vamos todos nos lembrar de lembrar aos pais sobre a festa do padre Serra, que vai acontecer na Missão amanhã, a partir das dez horas. Vai haver comida, jogos, música e diversão. Suzannah Simon, depois da reunião matinal, poderia vir por favor ao escritório do diretor?
Assim.
Eu presumi que o padre Dom quisesse ver como eu estava. Sabe, eu tinha ficado fora da escola durante dois dias, graças aos pés. Uma pessoa legal naturalmente quereria saber se eu estava bem. Uma pessoa legal estaria preocupada com meu bem-estar.
E por acaso o padre D. estava totalmente preocupado com meu bem-estar. Mas mais espiritual do que físico.
- Suzannah - disse ele, quando andei até sua sala. Bem, andei talvez seja uma palavra muito forte para o modo como eu circulava. Ainda estava meio mancando. Felizmente meus chinelos eram super-almofadados, e a larga faixa preta que os prendia aos meus pés cobria completamente a maioria dos horrorosos band-aids.
Eu ainda me sentia meio andando sobre cogumelos. Algumas daquelas bolhas nas solas tinham ficado duras como pedras.
- Quando você ia me contar sobre você e Jesse? - perguntou o padre Dominic.
Meu queixo caiu. Estava sentada na cadeira dos visitantes, na frente da mesa dele, onde sempre me sentava quando tínhamos nossas conversas. Como sempre, eu tinha pego um brinquedo na gaveta de baixo do bom padre, onde ele guarda a parafernália juvenil que os professores confiscam dos alunos. Dessa vez era um pouco de geleca.
- O que é que tem sobre mim e Jesse? - perguntei inexpressiva, porque genuinamente não tinha idéia do que ele estava falando. Quero dizer, por que eu suspeitaria de que o padre Dominic sabia sobre mim e Jesse ... sobre a verdade entre mim e Jesse? Quero dizer, quem contaria a ele?
- Que você ... que vocês dois ... Acho que a expressão hoje em dia e estão ficando - disse ele finalmente.
Num instante fiquei vermelha como o manto do arcebispo, que baixaria na nossa escola a qualquer momento.
- Nos ... nos não estamos - gaguejei. - Ficando, quero dizer. Na verdade, nada poderia estar mais distante da verdade. Não sei como ...
E então, num jorro de intuição, eu soube. Soube exatamente como o padre Dom tinha descoberto. Ou pelo menos pensava que sabia.
- Paul lhe contou isso? Porque estou realmente surpresa com o senhor, padre, por ouvir um cara daqueles. Sabia que ele é parcialmente responsável pelas minhas bolhas? Quero dizer, ele deu em cima de mim ... - Não achei que fosse necessário, nas circunstâncias, acrescentar que eu não tinha resistido. De jeito nenhum. - E quando tentei ir embora, ele mandou seu HeIl’s Angel me pegar ...
O padre Dom me interrompeu. Coisa que o padre Dominic não faz com freqüência.
- Foi o próprio Jesse que me contou. E que negocio é esse sobre você e Paul?
Eu estava tão ocupada ficando boquiaberta que não prestei atenção à pergunta.
- O quê? - exclamei. - Jesse contou? - Senti como se o mundo que eu conhecia subitamente plantasse bananeira, desse uma cambalhota e virasse pelo avesso. Jesse tinha contado ao padre Dom que a gente estava ficando? Antes mesmo de ter se incomodado em me contar? Isso não podia estar acontecendo. Não comigo. Porque coisas incrivelmente boas assim nunca me aconteciam. Nunca.
- O que exatamente Jesse lhe contou, padre Dom? - perguntei com cautela, porque queria me certificar de que, antes de aumentar esperanças, entendia direito a história.
- Que vocês se beijaram. - Padre Dominic disse a palavra de modo tão desconfortável que era de pensar que havia tachinhas no assento de sua cadeira. - E devo dizer, Suzannah, que estou perturbado por você não ter me contado nada disso no outro dia, quando nos conversamos. Eu nunca fiquei tão desapontado com você. Faz-me pensar no que mais você está escondendo de mim ...
- Eu não contei porque foi só uma porcaria de um beijo. E aconteceu há semanas. E desde então, nada. Sério, padre D. - Eu imaginei se ele poderia ouvir a frustração na minha voz, e descobri que nem me importava. - Nada mesmo. Um nada enorme.
- Eu achava que nós éramos suficientemente próximos para que você compartilhasse comigo uma coisa dessa magnitude - disse o padre Dominic, todo carrancudo.
- Magnitude? - ecoei, esmagando a geleca no punho. - Padre D., que magnitude? Não aconteceu nada, certo? - Para o meu eterno desapontamento. - Quero dizer, não o que o senhor está pensando.
- Sei disso - disse o padre Dominic, sério. - Jesse é um rapaz honrado demais para se aproveitar da situação. Mas você deve saber, Suzannah, que não posso, em boa consciência, permitir que isso continue ...
- Permitir que o que continue, padre D.? - Eu nem podia acreditar que estava tendo essa conversa. Era quase como se eu tivesse acordado no Mundo Bizarro. - Eu lhe disse, nada ...
- Eu devo aos seus pais cuidar do seu bem-estar espiritual, tanto quanto do físico - prosseguiu o padre Dominic, como se eu não tivesse falado. - E tenho uma obrigação para com Jesse, como confessor dele ...
- Como o quê dele? - gritei, sentindo que ia cair da cadeira.
- Não precisa gritar, Suzannah. Creio que tenha me ouvido perfeitamente bem. - O padre Dom parecia tão arrasado quanta eu estava começando a me sentir. - O fato é que, à luz da ... bem, da situação atual, eu aconselhei Jesse a se mudar para a reitoria.
Agora eu realmente cai da cadeira. Bem, não cai exatamente. Tombei. Tentei pular, mas meus pés estavam machucados demais para isso. Conformei-me em saltar para cima do padre Dom. Só que havia uma mesa enorme nos separando, por isso eu não podia, como desejava, agarrar sua batina e gritar por quê? Por quê?, na sua cara. Em vez disso tive de segurar a beira da mesa com muita força e dizer, no tipo de voz aguda, de menina, que eu odeio mas que naquele ponto não consegui evitar:
- A reitoria? A reitoria?
- Sim, a reitoria - disse o padre Dominic defensivamente. - Ele vai ficar perfeitamente bem lá, Suzannah. Sei que vai ser difícil para ele se ajustar a passar o tempo em outro lugar que não ... bem, o lugar onde ele morreu. Mas nós vivemos com simplicidade na reitoria. De muitas maneiras, será parecido ao que Jesse estava acostumado quando era vivo ...
Eu realmente estava tendo muita dificuldade para processar o que ouvia.
- E Jesse concordou? - ouvi - me perguntando naquela mesma voz aguda de menina. E afinal, de quem era aquela voz? Certamente não era minha. - Jesse disse que vai fazer isso?
O padre Dominic me olhou de um modo que só posso descrever como penalizado.
- Disse. E lamento mais do que posso dizer por você ter descoberto deste modo. Mas talvez Jesse sentisse ... e devo dizer que concordo ... que uma cena daquelas poderia ... bem, uma garota do seu temperamento poderia ... Bem, talvez você pudesse ter tornado difícil...
E então, do nada, as lágrimas vieram. O único aviso foi uma coceira forte no nariz. A próxima coisa que eu soube foi que estava lutando para controlar os soluços.
Porque sabia o que o padre Dom estava tentando dizer.
Estava tudo ali, em odioso preto-e-branco. Jesse não me amava. Jesse nunca tinha me amado. Aquele beijo ... aquele beijo tinha sido uma experiência, afinal de contas. Até mesmo um erro. Um erro terrível, miserável.
E agora que Jesse sabia que eu tinha mentido a ele com relação a Paul - sabia que eu tinha mentido para ele, e pior, provavelmente tinha adivinhado por que eu mentira ... porque eu o amava, sempre iria amá-lo, e não queria perdê-lo ia se mudar, em vez de dizer a verdade: que não sentia o mesmo que eu. Mudar! Ele preferia se mudar a passar outro dia comigo! Para ver que tipo de fracassada patética eu sou!
Cai de novo na cadeira diante da mesa do padre Dom, chorando. Nem me importei com o que o padre Dom pensava - você sabe, sobre eu estar chorando por causa de um cara. Eu não podia simplesmente parar de amar Jesse agora que sabia - com certeza absoluta, de uma vez por todas - que ele não me amava.
- Eu n ... não entendo - falei nas minhas mãos. - O que ...
O que eu fiz de errado?
A voz do padre Dominic pareceu ligeiramente abalada. - Nada, Suzannah. Você não fez nada de errado. Só que é melhor assim. Sem dúvida você consegue entender.
Na verdade o padre Dominic não é muito bom em lidar com questões amorosas. Com fantasmas, sim. Com garotas que tiveram o coração pisoteado? Sem chance.
Mesmo assim fez o melhor possível. Chegou a se levantar de trás da mesa, rodeou-a, pôs as mãos no meu ombro e deu uns tapinhas meio desajeitado.
Fiquei surpresa. O padre Dom não era realmente um sujeito do tipo sensível daqueles de oferecer um ombro amigo pra você chorar.
- Pronto, pronto, Suzannah. Pronto, pronto. Vai ficar tudo bem.
Só que não ia. Nunca ia ficar tudo bem. Mas o padre Dom não tinha terminado.
- Vocês dois não podem continuar como estavam. Jesse tem de partir. É o único modo.
Não pude evitar um riso sem humor.
- O único modo? fazê-lo ir embora de casa! - perguntei, enxugando irritada os olhos com a manga da jaqueta de camurça. Para ver até onde eu tinha ido. - Não acho.
- Não é a casa dele, Suzannah - disse o padre D. com gentileza. - É a sua casa. Nunca foi a casa de Jesse. Era a pensão em que ele foi assassinado.
Ouvir a palavra assassinado, sinto muito dizer, só me fez chorar mais. O padre D. reagiu batendo mais um pouco no meu ombro.
- Vamos - disse ele. - Você tem de ser adulta com relação a isso, Suzannah.
Falei alguma coisa ininteligível. Nem eu soube o que era. - Não tenho dúvida de que você vai conseguir enfrentar essa situação, Suzannah - disse o padre Dom -, como enfrentou todas as outras na sua vida, com ... bem, se não com graça, pelo menos com autodomínio. E agora é melhor você ir. O primeiro tempo quase acabou.
Mas não fui. Só fiquei ali sentada, ocasionalmente soltando uma fungadela patética enquanto as lágrimas continuavam a descer pelo meu rosto. Fiquei feliz por estar usando rímel à prova d'água naquela manhã.
Mas em vez de ficar com pena de mim, como um homem de batina deveria fazer, o padre D. só me olhou de modo um tanto suspeito.
- Suzannah, eu espero ... não acho que eu tenha de ... bem, eu me senti obrigado a alertá-la ... Você é uma garota cabeça-dura, e eu espero que se lembre do que eu lhe disse uma vez. Você não deve usar seus ... hm ... atributos femininos com o Jesse. Falei sério na época e estou falando sério agora. Se precisa chorar por causa disso, resolva tudo aqui na minha sala. Mas não chore diante do Jesse. Não torne mais difícil para ele do que já é. Entende?
Bati com o pé no chão, mas quando a dor subiu pela perna eu lamentei instantaneamente o ato.
- Meu Deus - falei sem muita graciosidade. - O que o senhor acha que eu sou? Acha que eu vou implorar que ele fique, ou alguma coisa assim? Se ele quer ir, por mim tudo bem. Mais do que bem. Eu estou satisfeita por ele estar indo. - Então minha voz se travou em outro soluço traidor. - Mas só quero que o senhor saiba que isso não é justo.
- Muito pouca coisa na vida é justa, Suzannah - disse o padre Dominic com simpatia. - Mas eu não deveria ter de lembrar que você tem muito, muito mais bênçãos na vida do que a maioria das pessoas. Você é uma garota de muita sorte.
- Agora você parece estar melhor, Suzannah. Então talvez não se incomode em ir andando depressa. Eu tenho um bocado de trabalho por causa da festa de amanhã ...
Pensei no quanto eu não tinha lhe contado. Quero dizer, sobre Craig e Neil Jankow, para não mencionar Paul, o Dr. Slaski e os deslocadores.
Eu deveria ter contado sobre o Paul. No mínimo deveria ter contado sobre toda a sua teoria do recomeço. Mas talvez não. Paul definitivamente não estava a fim de boa coisa, como meus pés doloridos podiam ate estar.
Mas admito que estava meio chateada com o padre Dominic. Era de pensar que ele deveria ter demonstrado um pouquinho mais de compaixão. Puxa, ele simplesmente me deixou de coração partido. Pior, fez isso por ordem de Jesse. Jesse nem teve coragem de dizer na minha cara que não me amava. Não, tinha mandado seu "confessor" falar isso. Beleza. Realmente me fez lamentar não ter vivido em 1850. Devia ser um barato - todo mundo andando por aí e mandando os padres fazerem seu serviço sujo.
Eu não podia, claro, ir andando depressa, como o padre Dom tinha sugerido. Praticamente nem podia andar. Mas sai mancando de sua sala, sentindo uma pena extrema de mim mesma. Ainda estava chorando - tanto que, quando a secretária do padre D. me viu, falou com uma preocupação maternal:
- Ah, querida! Você está bem? Aqui, pegue um lenço de papel.
O que foi muito mais reconfortante do que tudo que o padre D. tinha feito par mim na última meia hora.
Peguei o lenço e assoei o nariz, depois peguei mais alguns para viagem. Tinha a sensação de que estaria com o berreiro aberto até pelo menos a terceira aula.
Quando saí no caminho coberto que atravessava o pátio, tentei me controlar. Certo. Então o cara não gostava de mim. Um monte de caras não tinham gostado de mim no passado, e eu nunca perdi a estribeira desse jeito. E, certo, aquele era o Jesse, a pessoa que eu mais amava no mundo. Mas, ei, se ele não me queria, tudo bem. Sabe de uma coisa? Pior para ele, é isso.
Então por que eu não conseguia parar de chorar?
O que eu ia fazer sem ele? Puxa, eu tinha me acostumado totalmente a ter Jesse por perto o tempo todo. E o gato dele? Spike também ia morar na reitoria? Acho que teria de morar. Quero dizer, aquele gato horroroso gostava de Jesse tanto quanta eu. Gato de sorte, ia viver com Jesse.
Andei por todo o caminho coberto, olhando o pátio encharcado de sol sem ver realmente. Talvez, pensei, o padre D. estivesse certo. Talvez fosse melhor assim. Quero dizer, digamos, só por um minuto, que Jesse gostasse de mim também. Aonde a coisa iria? Era como Paul tinha dito. O que nos iríamos fazer? Namorar? Ir ao cinema juntos? Eu teria de pagar, e seria apenas um ingresso. E se alguém me visse, aparentemente sentada sozinha, pareceria a maior otária do mundo. Que mico!
O que eu precisava, percebi, era de um namorado de verdade. Não somente de um cara que as pessoas, além de mim, pudessem ver, mas um cara de quem eu gostasse, que gostasse de mim também. Era disso que eu precisava. Era exatamente disso que eu precisava.
Porque quando Jesse descobrisse, talvez percebesse que erro colossal tinha acabado de cometer.
É meio engraçado que, enquanto eu estava pensando nisso, Paul Slater tenha pulado subitamente para perto de mim, saindo de trás de uma coluna, e dito:
- Ei!

Nenhum comentário:

Postar um comentário