segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot - Cap 10

Eu nem precisava virar a cabeça para saber quem era. - Oi, Craig - falei com o canto da boca. Neil e Jorge estavam absorvidos demais com pedido de bebidas que estavam terminando de discutir, para prestar atenção a mim.
- E então? - Craig se acomodou no banco ao lado do meu. - E assim que os mediadores trabalham? Arrebentam os pés todos, depois conseguem carona com os irmãos dos falecidos?
- Geralmente não - murmurei discretamente.
- Ah. - Craig brincou com uma caixa de fósforos do bar. - Porque eu ia dizer. Sabe. Grande técnica. Realmente está fazendo um progresso fabuloso no meu caso, não é?
Suspirei. Fala sério, depois de tudo que eu tinha passado, não precisava das piadinhas de um defunto.
Mas acho que merecia.
- Como você vai? - perguntei, tentando manter o tom leve. - Sabe, com o negócio de estar morto?
- Ah, tudo bem. Adorando cada minuto.
- Você vai se acostumar - falei, pensando em Jesse.
- Ah, tenho certeza de que vou. - Craig estava olhando para Neil.
Claro que eu deveria ter captado a dica. Mas não captei. Estava envolvida demais nos meus problemas... para não mencionar meus pés.
Então Neil entregou a prancheta a Jorge, apertou a mão dele e se virou para mim.
- Esta pronta, Susan?
Não me incomodei em corrigir meu nome. Só assenti e desci do banco do bar. Precisei olhar para garantir que meus pés tinham encostado no chão, porque não podia senti-lo. O chão, quero dizer. A pele embaixo dos pés tinha ficado totalmente dormente.
- Você realmente deu um show - foi o comentário de Craig.
Mas ele, diferentemente do irmão, passou solicitamente um braço pela minha cintura e me guiou para a porta, onde Neil estava esperando, com as chaves do carro.
Devo ter parecido especialmente estranha enquanto me aproximava - eu estava apoiando parte do peso em Craig, o que deve ter me dado uma aparência esquisita, já que, claro, Neil não podia ver Craig - porque Neil falou:
- Hm, Susan, você tem certeza de que quer ir direto para casa? Talvez fosse bom dar um pulinho na emergência do hospital...
- Não, não - falei tranqüilamente. - Estou bem.
- Certo - zombou Craig no meu ouvido.
Mesmo assim, com sua ajuda, consegui chegar ao carro de Neil. Como Paul, Neil tinha um BMW conversível. Diferentemente do de Paul, o de Neil parecia ser de segunda mão.
- Ei! - gritou Craig ao ver o veículo. - Esse é o meu carro! Imaginei que essa era a reação natural de um cara que encontrasse o carro com outro. Sem dúvida Jake teria dito a mesma coisa. E repetiria sem parar.
Craig superou a indignação por tempo suficiente para me colocar no banco da frente. Eu estava para lhe dar um sorriso agradecido quando ele pulou no banco de trás. Mesmo então, claro, eu não deduzi. Só presumi que Craig queria ir junto. Por que não? Ele não tinha nada melhor a fazer, pelo que eu soubesse.
Neil ligou o motor, e Kylie Minogue começou a uivar no CD player.
- Não posso acreditar que ele está ouvindo esse lixo - disse Craig enojado no banco de trás. - No meu carro.
- Eu gosto dela - falei meio na defensiva.
Neil me olhou.
- Você disse alguma coisa?
Percebendo o que tinha feito, falei rapidamente que não.
-Ah.
Sem outra palavra - aparentemente ele não era muito conversador - Neil tirou o carro do estacionamento do Sea Mist Café e foi pela Scenic Drive em direção ao centro de Carmel, através do qual tinham os de passar para voltar a minha casa. Passar pelo centro de Carmel nunca foi fácil, porque geralmente está apinhado de turistas, e os turistas nunca sabiam onde estavam indo, porque nenhuma rua tinha nome... nem sinais de trânsito.
Mas pode ser especialmente perigoso passar pelo centro de Carmel quando por acaso há um fantasma homicida no banco de trás.
Não percebi imediatamente, claro. Estava tentando fazer, você sabe, um pouco de mediação. Achei que, enquanto estivesse com os dois irmãos juntos, poderia tentar resolver as coisas entre eles. Na ocasião não fazia idéia de como o relacionamento deles tinha se desintegrado, claro.
- Então, Neil- falei em tom ameno, enquanto seguíamos pela Scenic Drive a uma boa velocidade. A brisa do oceano sacudia meu cabelo e dava uma sensação deliciosamente fresca depois do modo como o sol tinha me golpeado antes. - Ouvi falar do seu irmão. Sinto muito.
Neil não afastou o olhar da estrada. Mas vi seus dedos apertando o volante.
- Obrigado - foi tudo que ele disse em voz baixa. Geralmente é considerado grosseiro se meter nas tragédias pessoais dos outros - particularmente quando a vítima da tal tragédia não foi quem puxou o assunto - mas, para um mediador, ser grosseiro faz parte do serviço. Falei: - Deve ter sido medonho lá no barco.
- Catamarã - Craig e Neil me corrigiram ao mesmo tempo. Craig em tom de desprezo, Neil gentilmente.
- Quero dizer, catamarã. Quanto tempo você ficou agarrado? Umas oito horas?
- Sete - disse Neil em voz baixa.
- Sete horas – falei. - É muito tempo. A água devia estar bem fria.
- Estava - disse Neil. Ele era claramente um homem de poucas palavras. Mas não permiti que isso me dissuadisse da missão.
- E, pelo que eu soube, seu irmão era campeão de natação ou algo do tipo, não e?
- Claro que sim - disse Craig no banco de trás. - Ganhei o cam...
Levantei a mão para silenciá-lo. Não era Craig que eu queria ouvir naquele momento.
- Campeão de natação - disse Neil, com a voz não muito mais alta do que o ronronar do motor do BMW. - Campeão de vela. E só dizer o nome de qualquer esporte, Craig era melhor do que qualquer um.
- Está vendo? - Craig se inclinou para a frente. - Esta vendo? Ele é que deveria estar morto. Não eu. Até ele admite!
- Shhh - falei com Craig. Para Neil, disse: - Isso deve ter surpreendido as pessoas, então. Quero dizer, quando você sobreviveu ao acidente, e Craig não.
- Desapontado as pessoas, isso sim - murmurou Neil.
Mesmo assim eu ouvi.
E Craig também.
Ele se recostou de novo no banco, parecendo triunfante. - Não disse?
- Tenho certeza de que seus pais estão tristes com a perda do Craig - falei, ignorando o fantasma no banco de trás. - E você vai ter de dar um tempo a eles. Mas eles estão felizes em não ter perdido você, Neil. Você sabe que sim.
- Não estão - disse Neil em tom casual, como se estivesse falando que o céu é azul. - Eles gostavam mais do Craig. Todo mundo gostava. Eu sei o que eles estão pensando. O que todo mundo esta pensando. Que deveria ter sido eu. Que eu é que deveria ter morrido. Não o Craig.
Craig se inclinou para a frente de novo.
- Está vendo? - disse ele. - Até Neil admite. Ele é que deveria estar aqui atrás, não eu.
Mas agora eu estava mais preocupada com o irmão vivo do que com o morto.
- Neil, você não pode estar falando sério.
- Por que não? É a verdade.
- Não é verdade – falei. - Há um motivo para você ter sobrevivido, e Craig não.
- É - disse Craig sarcasticamente. - Alguém fez confusão. Uma tremenda confusão.
- Não - falei balançando a cabeça. - Não é isso. Craig bateu a cabeça. Pura e simplesmente. Foi um acidente, Neil. Um acidente que não foi sua culpa.
Por um momento Neil pareceu alguém sobre quem o sol tinha começado a brilhar depois de meses de chuva... como se mal ousasse acreditar.
- Você realmente acha? - perguntou ansioso.
- Totalmente. É só isso.
Mas enquanto essa noticia parecia ter feito Neil ganhar o dia - possivelmente a semana - ela fez com que Craig desse um muxoxo.
- O que e isso? - perguntou ele. - Neil é que deveria ter morrido! Não eu!
- Parece que não - falei suficientemente baixo para que só Craig pudesse ouvir.
Mas essa não foi a resposta certa. Não porque não fosse verdade - porque era - mas porque Craig não gostou. Craig não gostou nem um pouquinho.
- Se eu tenho de estar morto - declarou Craig - ele também deve estar.
E com isso ele saltou para a frente e agarrou o volante. Neil estava dirigindo por uma rua particularmente bonita, sombreada por árvores e apinhada de turistas. Galerias de arte e lojas com colchas de retalhos (do tipo que faziam minha mãe guinchar de deleite, e que eu evitava como se fosse a peste) ladeavam-na. Estávamos indo a passo de lesma porque havia um motor home na nossa frente e um ônibus de turistas na frente dele.
Mas quando Craig agarrou o volante, a traseira do motor home pareceu subitamente enorme no nosso campo de visão. Isso porque Craig também tinha conseguido passar uma perna por cima do banco de trás e enfiar o pé em cima do de Neil, no acelerador, coisa que Neil não pode sentir. Ele só sabia que não tinha apertado o pedal. Se Neil não tivesse reagido pisando no freio com o outro pé - e se eu não tivesse mergulhado no meio da confusão, puxando o volante para o outro lado - nós teríamos ido direto na traseira daquele veículo - ou pior, num monte de turistas na calada - matando-nos, para não mencionar que levaríamos juntos alguns pedestres.
- O que há de errado com você? - gritei para Craig. Mas foi Neil que respondeu, abalado:
- Não fui eu, juro. O volante virou sem que eu fizesse nada...
Mas eu não estava ouvindo. Estava gritando com Craig, que parecia tão pasmo quanto Neil com o que tinha acontecido. Ele ficou olhando para as mãos, como se elas tivessem agido sozinhas, ou algo assim.
- Nunca mais faça isso - gritei para ele. - Nunca mais! Entende?
- Desculpe - exclamou Neil. - Mas não foi minha culpa, eu juro.
Com um pequeno gemido doloroso, Craig de repente tremeluziu e desapareceu. Assim. Desmaterializou-se, deixando Neil e eu para lidar com a confusão.
Que felizmente não foi tão ruim. Quero dizer, um monte de gente estava olhando para nós, porque tínhamos parado no meio da rua e gritado feito doidos. Mas nenhum de nós estava machucado - e ninguém mais, felizmente. Nem havíamos encostado na traseira do motor home. Um segundo depois ele começou a se adiantar, e nós fomos atrás, com o coração na garganta.
- É melhor eu levar este carro para a revisão - disse Neil, segurando o volante com os dedos brancos. - Talvez tenha de trocar o óleo, ou algo assim.
- Ou algo assim - falei. Meu coração estava martelando nos ouvidos. - Seria boa idéia. Talvez você devesse começar a andar de ônibus durante um tempo. - Ou até eu deduzir o que fazer com seu irmão, acrescentei mentalmente.
- É - disse Neil em voz débil. - Talvez o ônibus não seja tão ruim.
Não sei quanto ao Neil, mas eu ainda estava meio abalada quando ele parou na frente da minha casa. Tinha sido um dia e tanto. Não era sempre que eu ganhava um beijo de língua e era quase assassinada no decorrer de apenas algumas horas.
Mesmo assim, apesar de como me sentia, quis dizer alguma coisa a Neil, algo que o encorajasse a não ficar tão deprimido por ser o irmão sobrevivente... e também para colocá-lo de guarda contra Craig, que tinha parecido mais furioso do que nunca quando desaparecera há alguns minutos.
Mas na hora só consegui um débil "Bem. Obrigada pela carona".
Verdade. Foi isso. Obrigada pela carona. Não é de espantar que eu estivesse ganhando todos aqueles prêmios de mediação. Não.
No entanto Neil não parecia estar prestando muita atenção. Aparentemente só queria se livrar de mim. E por que não? Quero dizer, que rapaz de faculdade quer ficar com uma garota de segundo grau, meio maluca, com bolhas gigantes nos pés? Nenhum, que eu saiba.
No minuto em que eu tinha saído do carro ele partiu para longe de nossa entrada de veículos cheia de sombras, ladeada por pinheiros, aparentemente sem se preocupar com o acidente que quase tinha sofrido há alguns instantes.
Ou talvez estivesse tão feliz par se livrar de mim que nem se incomodou com o que tinha lhe acontecido no carro.
Só sei que ele foi embora, me deixando com a caminhada comprida, comprida, até a porta da frente.
Não sei como consegui chegar. Não mesmo. Mas indo lentamente - como uma mulher muito, muito velha - subi a escada até a varanda, depois passei pela porta.
- Estou em casa - gritei, para o caso de haver alguém que se importasse. Só Max veio correndo me cumprimentar, me farejando inteira com a esperança de eu ter comida escondida nos bolsos. Como não tinha, ele foi logo embora, me deixando para subir a escada até o quarto.
Subi, agonizando passo a passo. Demorei, sei lá, uns dez minutos. Normalmente eu subia correndo de dois em dois degraus. Hoje não.
Sabia que teria de dar um monte de explicações quando encontrasse finalmente alguém além de Max. Mas a pessoa que eu menos queria encarar seria, eu tinha certeza, a primeira que iria ver: Jesse. Jesse provavelmente estaria no meu quarto quando eu entrasse mancando. Jesse que, para começar, não entenderia o que eu estava fazendo na casa de Paul Slater. Jesse, de quem eu achava difícil esconder o fato de que tinha acabado de bancar o desentupidor de pia com outro cara.
E disso eu meio que gostei.
Era culpa de Jesse, falei comigo mesma, parada com a mão na maçaneta. O fato de eu ter saído e ficado com outro cara. Porque se Jesse tivesse me mostrado o mínimo fiapo de afeto nessas últimas semanas, eu jamais ao menos consideraria retribuir o beijo de Paul Slater. Nem em um bilhão de anos.
É, era isso. Era tudo culpa de Jesse.
Não que eu fosse lhe dizer isso, claro. De fato, se eu pudesse evitar, nem tocaria no nome de Paul. Precisava inventar alguma história - qualquer história que não fosse a verdade - para explicar meus pobres pés dilacerados...
... para não mencionar os lábios machucados.
Mas, para meu alívio, quando abri a porta do quarto Jesse não estava. Spike estava sentado no parapeito da janela, lavando-se. Mas não seu dono. Não desta vez.
Graças a Deus.
Joguei longe a sacola de livros e os sapatos e fui para o banheiro. Eu tinha uma coisa e apenas uma coisa em mente: lavar os pés. Talvez eles só precisassem de uma limpeza bem feita. Talvez, se eu os encharcasse por tempo suficiente em água quente com sabão, parte da sensação neles voltaria...
Abri as torneiras totalmente, pus o tampão no ralo e, sentando-me na beira da banheira, passei os pés dolorosamente por cima e enfiei na água.
Durante um ou dois segundos ficou tudo bem. De fato, foi um alívio.
Então a água acertou nas bolhas, e eu quase dei uma cambalhota de dor. Nunca mais, prometi, agarrando a lateral da banheira num esforço para não desmaiar. Nunca mais sapatos de grife. De agora em diante, para mim era estritamente Aerosoles. Não importava que fossem horrendos. Nem mesmo ficar bonita valia isso.
A dor diminuiu o suficiente para eu fazer uma tentativa com uma barra de Cetaphil e uma esponja. Só quando eu tinha esfregado suavemente durante quase cinco minutos consegui tirar a última camada de sujeira e vi porque as solas dos pés estavam tão insensibilizadas. Porque estavam cobertas - literalmente cobertas - de bolhas vermelhas, algumas cheias de sangue e todas ficando maiores a cada minuto. Percebi, com horror, que iriam se passar dias - talvez até uma semana - antes que o inchaço diminuísse o bastante para eu andar normalmente de novo, quanto mais calçar sapatos.
Eu estava ali sentada xingando Paul Slater (para não mencionar Jimmy Choo) feito uma doida quando ouvi Jesse falar um palavrão que, mesmo sendo em espanhol, queimou meus ouvidos.
- Mi hermosa, o que você fez?

Nenhum comentário:

Postar um comentário