segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Mediadora - Assombrado, Meg Cabot - Cap 9

Não vou mentir para você. Foi um beijo bom. Senti até nos coitados dos dedos dos pés cheios de bolhas.
O que não quer dizer que devolvi o beijo. Definitivamente não ...
Bem, certo. Pelo menos não muito.
Foi só que, você sabe, Paul beijava muito bem. E eu não era beijada há muito tempo. Era bom saber que alguém, pelo menos, me queria. Mesmo que esse alguém fosse uma pessoa que eu desprezava. Ou pelo menos alguém que eu tinha bastante certeza de que desprezava.
A verdade é que foi meio difícil lembrar se eu desprezava Paul ou não. Pelo menos enquanto ele me beijava de modo tão completo. Quero dizer, não é todo dia - infelizmente - que há um gato me agarrando e me beijando. Na verdade isso só havia acontecido um punhado de vezes.
E quando Paul Slater fez isso ... bem, só digamos que a última coisa que eu esperava era gostar disso. Puxa, era o mesmo cara que tinha tentado me matar não fazia muito tempo ...
Só que agora ele estava dizendo que isso não era verdade, que eu nunca tinha corrido perigo.
Mas eu sabia que era mentira. Estava correndo bastante perigo - não de ser morta, mas de perder completamente a cabeça por um cara que era ruim para mim em todos os sentidos e ainda pior para o cara que eu amava. Porque era exatamente assim que Paul Slater me deixava sentindo. Como se fosse capaz de fazer qualquer coisa - qualquer coisa - para ser beijada por ele mais um pouco.
O que era simplesmente errado. Porque eu não estava apaixonada por Paul Slater. Certo, o cara por quem eu estava apaixonada ...
a) estava morto, e
b) aparentemente não tinha um interesse real num relacionamento comigo.
Mas isso não significava que eu achasse que podia me jogar em cima do primeiro gostosão que por acaso aparecesse. Quero dizer, uma garota tem de ter princípios ...
Como o de se guardar para o cara de quem ela gosta de verdade, mesmo que por acaso ele seja estúpido demais para perceber que os dois são perfeitos um para o outro.
Assim, mesmo que o beijo de Paul tivesse feito com que eu sentisse vontade de passar o braço pelo seu pescoço e beijá-lo de volta - o que, no calor do momento, eu posso ter feito ou não - isso teria sido errado, errado, ERRADO.
Por isso tentei me afastar.
Só que deixa eu dizer: lembra aquela mão segurando o meu pulso? Era como ferro. Ferro.
E pior ainda, graças a eu tê-lo encorajado devolvendo o beijo um pouquinho, metade de seu corpo terminou em cima do meu, pressionando-me na cama e provavelmente amarrotando tremendamente a tese do Dr. Slaski. Sabia que aquilo não estava sendo nada bom para a minha saia Calvin Klein.
Então eu estava com uns oitenta quilos de um cara de 17 anos em cima de mim, o que, você sabe, não é nenhum piquenique, quando não é o cara que você quer que esteja em cima de você. Ou mesmo que seja, mas com você fazendo o maior esforço para permanecer fiel a outro ... a alguém que, pelo que você saiba, nem mesmo a quer. Mas tanto faz.
Consegui afastar os lábios dos de Paul por tempo suficiente para dizer numa espécie de voz estrangulada, já que ele estava esmagando meus pulmões:
- Me larga.
- Qual é, Suze. Não diga que você não esteve pensando nisso durante toda a tarde - disse ele num tom de voz que, sinto muito dizer, pareceu carregado. De paixão. Ou pelo menos de alguma coisa. Lamento ainda mais dizer que aquele som empolgou cada nervo do meu corpo. Puxa, aquela paixão era por mim. Eu, Suze Simon, sobre quem nenhum cara já havia se sentido tão passional. Pelo menos que eu soubesse.
- Na verdade - falei satisfeita em poder responder sendo sincera. - Na verdade, não. Agora saia de cima de mim.
Mas Paul só continuou me beijando - não na boca, porque eu tinha virado a cabeça totalmente para o lado, mas no pescoço e, num determinado momento, numa parte da minha orelha.
- Isso tem a ver com o negócio do diretório estudantil? - perguntou ele entre os beijos. - Porque eu não ligo a mínima para ser vice-presidente da sua turma estúpida. Se está furiosa com isso, basta dizer, e eu abandono a disputa.
- Não, isso não tem nada a ver com o negócio do diretório - falei, ainda tentando arrancar o pulso dos dedos dele e também manter o pescoço longe de sua boca. Seus lábios pareciam ter um efeito curioso na pele da minha garganta. Faziam com que ela parecesse pegar fogo.
- Ah, meu Deus. Não é o Jesse, é? - Eu podia sentir o gemido de Paul reverberar por todo o meu corpo. - Desista, Suze. O cara está morto.
- Eu não disse que tinha alguma coisa a ver com Jesse. - Eu parecia na defensiva, mas não me importei. - Você me ouviu dizendo que tinha alguma coisa a ver com o Jesse?
- Não precisava. Está escrito em seu rosto. Suze, pense bem. Aonde a coisa iria dar, com esse cara? Quero dizer, você vai ficar mais velha e ele vai continuar exatamente com a idade que tinha quando bateu as botas. E mais, ele vai levar você ao baile de formatura? E ao cinema? Vocês vão ao cinema juntos? Quem dirige o carro? Quem paga?
Agora eu estava realmente furiosa com ele. Mais porque Paul estava certo, claro, do que por qualquer outra coisa. E também porque ele estava presumindo que Jesse ao menos compartilhava meus sentimentos, o que, infelizmente, eu sabia não ser verdadeiro. Por que outro motivo ele ficaria longe de mim com tanta assiduidade nessas últimas semanas?
Então Paul enfiou a faca mais fundo.
- Além disso, se os dois fossem realmente certos um para o outro, você ao menos estaria aqui? E estaria me beijando como beijou há um minuto?
Isso deu resultado. Agora eu estava furiosa. Porque ele estava certo. Era verdade. Ele estava certo.
E isso partiu o meu coração. Pior do que Jesse já havia feito.
- Se você não me largar - falei com os dentes trincados -, eu vou enfiar o dedo no seu olho.
Paul deu um risinho. Mas notei que ele parou de rir quando meu polegar apertou o canto de seu olho.
- Ai! - gritou ele, rolando depressa para longe de mim. - Que diab ...
Eu estava de pé e fora da cama mais rápido do que você poderia falar atividade paranormal. Peguei os sapatos, a bolsa e o que restava de minha dignidade e me mandei.
- Suze! - gritou Paul do quarto. - Volta aqui! Suze!
Não prestei atenção. Continuei correndo. Passei pelo quarto do avô - ele ainda estava assistindo à uma velha reprise de Family Feud - depois desci a escada circular até a porta da frente.
E teria conseguido chegar se um Hell's Angel de 150 quilos não tivesse se materializado subitamente entre mim e a porta.
Isso mesmo. Num minuto meu caminho estava livre, e no outro estava bloqueado por Bob Motoqueiro. Ou devo dizer, pelo fantasma de Bob Motoqueiro.
- Epa - falei enquanto quase trombava com ele. O cara tinha bigode virado para cima e braços muito tatuados, cruzados diante do peito. Além disso estava (e eu não deveria ter de dizer) muito morto. - De onde você veio?
- Não importa, mocinha - disse ele. - Acho que o Sr. Slater ainda quer trocar uma palavrinha com você.
Ouvi passos no alto da escada e olhei. Paul estava lá, ainda com uma das mãos sobre o olho.
- Suze - disse ele. - Não vá.
- Capangas? - gritei para ele, incrédula. - Você tem capangas fantasmas para cumprir suas ordens? O que você é?
- Eu já disse. Sou um deslocador. Você também. E você está exagerando com relação a isso tudo. Não podemos simplesmente conversar, Suze? juro que vou manter as mãos longe de você.
- Onde foi que eu ouvi isso antes?
Então, quando Bob Motoqueiro deu um passo ameaçador na minha direção, eu fiz a única coisa que, nas circunstâncias, achei que poderia fazer. Levantei um dos meus Jimmy Choos e bati na cabeça do cara.
Tenho certeza de que esse não é o objetivo para o qual o Sr. Choo desenhou aquele sapato específico. Com um Bob Motoqueiro muito surpreso e incapacitado, foi apenas uma questão de empurrá-lo fora do caminho, abrir a porta e correr feito uma doida. Coisa que fiz, com o maior entusiasmo.
Eu estava disparando pela comprida escada de cimento que ia da porta de Paul até a entrada de veículos quando o ouvi gritando:
- Suze! Suze, volte! Desculpe o que eu falei sobre o Jesse. Não foi a sério.
Virei-me na entrada de veículos, para encará-lo. Lamento dizer que respondi à sua declaração fazendo um gesto grosseiro com o dedo.
- Suze. - Paul tinha tirado a mão do rosto, de modo que pude ver que seu olho não estava pendurado fora da órbita, como eu esperava. Só parecia vermelho. - Pelo menos me deixe levar você para casa.
- Não, obrigada - gritei, parando para calçar os Jimmy Choos. - Prefiro ir andando.
- Suze. São uns oito quilômetros daqui à sua casa.
- Nunca mais fale comigo, por favor - falei, e comecei a andar, esperando que ele não tentasse vir atrás. Porque, claro, se ele viesse, e se tentasse me beijar de novo, havia uma chance muito boa de que eu retribuísse o beijo. Agora eu sabia disso. Sabia muito bem.
Ele não me seguiu. Desci por sua entrada de veículos e sai na estrada diante do mar (criativamente chamada de Scenic Drive) com o que restava de minha auto-estima mais ou menos intacta. Só quando estava fora das vistas da casa de Paul eu arranquei os sapatos e disse o que queria dizer durante todo o tempo em que estava me afastando com o máximo de altivez que pude. E que foi:
- Ai, ai, ai!
Sapatos idiotas. Meus dedos estavam em frangalhos. De jeito nenhum eu poderia andar com aqueles calçados torturadores. Pensei em jogá-los no mar, o que teria sido fácil, considerando que o oceano estava abaixo de mim.
Por outro lado os sapatos custavam seiscentas pratas.
Admito que tinha comprado par uma fração disso, mas mesmo assim. A viciada em compras que havia em mim não permitiria um gesto tão disparatado.
Então, segurando os sapatos, comecei a descer descalça até a estrada, mantendo a atenção para pedaços de vidro ou qualquer planta espinhenta que pudesse estar crescendo ao lado da pista.
Paul estivera certo com relação a uma coisa: era uma caminhada de oito quilômetros da casa dele até a minha. Pior, era cerca de um quilômetro e meio da casa dele até a primeira estrutura comercial onde eu talvez achasse um telefone público, do qual poderia sair ligando por aí, para conseguir alguém que me pegasse. Acho que eu poderia ir até uma das casas enormes dos vizinhos de Paul, tocar a campainha e pedir para usar o telefone. Mas isso seria embaraçoso demais, não é? Não, um telefone público. Era disso que eu precisava. E logo acharia um.
Só havia uma falha real no meu plano: o clima. Ah, não me entenda mal. Era um lindo dia de setembro. Não havia uma nuvem no céu.
Esse era o problema. O sol batia implacavelmente sobre a Scenic Drive. Devia fazer pelo menos trinta e poucos graus - ainda que a brisa fresca do mar não deixasse parecer desconfortável. Mas o pavimento sob os pés descalços não era afetado pela brisa. A rua, que parecera confortavelmente quente sob as solas dos pés quando sai disparada da casa muito fria de Paul, na verdade estava quentíssima. Queimando. Tipo capaz de fritar um ovo.
Não havia nada que eu pudesse fazer a respeito, claro.
Não podia pôr os sapatos de volta. Minhas bolhas doíam mais do que as solas dos pés. Talvez, se um carro tivesse passado, eu tentasse pedir carona - mas provavelmente não. Estava muito sem graça com minhas dificuldades, para explicá-las a um estranho. Alem disso, dada a minha sorte, eu provavelmente pediria carona a um assassino em série e pularia da frigideira -literalmente - para o meio do fogo.
Não. Continuei andando, xingando a mim e a minha estupidez. Como eu podia ser tão idiota a ponto de concordar em ir à casa de Paul Slater? Verdade, a coisa que ele me mostrou sobre os deslocadores foi interessante. E aquela coisa sobre transferência de alma ... se realmente isso existisse. Eu nem queria pensar no que significava. Pôr uma alma no corpo de outra pessoa.
Deslocamento, falei comigo mesma. Concentre-se na coisa do deslocamento. Melhor isso, claro, do que a coisa da transferência de alma ... ou pior, o tópico ainda mais desagradável de como eu podia ser levada pelos beijos de alguém que não era o cara por quem eu estava apaixonada.
Ou seria que, depois da aparente rejeição de Jesse, eu estava simplesmente aliviada ao ver que era atraente para alguém ... mesmo alguém de quem eu não gostava particularmente? Porque eu não gostava de Paul Slater. Não mesmo.
Acho que o fato de ter tido pesadelos com ele nas últimas semanas era prova suficiente disso ... não importando o quanto meu coração traiçoeiro pudesse bater quando seus lábios se encostavam nos meus.
A sensação de me concentrar nisso, em vez de nos pés extremamente doloridos, era boa. O progresso era lento, descendo a Scenic Drive sem qualquer proteção do cascalho e, claro, do pavimento quente sob a sola dos pés. Claro, de certo modo eu sentia que a dor era uma punição pelo meu mau comportamento. Certo, Paul tinha me atraído à sua casa com promessas de revelar informações que eu desejava tremendamente. Mas mesmo assim eu deveria ter resistido, sabendo que alguém como ele teria um objetivo oculto.
E esse objetivo provavelmente envolveria minha boca. O que me irritava era que, durante cerca de um minuto, lá, eu não tinha me importado. Verdade. Eu tinha até gostado. Suze má. Suze muito má.
Ah, meu Deus. Eu estava ferrada.
E finalmente, depois de cerca de meia hora de passos hesitantes e dolorosos, tive a visão mais linda do mundo: um café à beira do mar. Corri para lá (bem, andei o mais rápido que pude com os pés que pareciam ter sido decepados nos tornozelos) mentalmente fazendo uma lista de para quem eu poderia ligar em segurança, quando chegasse. Mamãe? Nunca. Ela faria perguntas demais e provavelmente me mataria por ter concordado em ir à casa de um garoto que ela não conhecia. Jake? Não. De novo, ele faria perguntas demais. Brad? Não, ele preferiria me deixar perdida, já que me odiava. Adam?
Teria de ser Adam. Era a única pessoa que eu conhecia e que não somente viria todo feliz me pegar mas que adoraria o papel de salvador ... para não mencionar que adoraria ouvir como Paul tinha me assediado sexualmente sem depois ter vontade de transformar Paul em picadinho. Adam teria o bom senso de saber que Paul Slater poderia lhe dar um pau em qualquer dia da semana. Eu não mencionaria a Adam, claro, a parte em que eu tinha assediado Paul sexualmente de volta.
O Sea Mist Café - o restaurante para o qual eu estava mancando - era um restaurante chique com mesas do lado de fora e estacionamento com manobrista. Era tarde demais para o almoço e cedo demais para o jantar, de modo que não havia clientes, só os empregados arrumando tudo para a agitação do fim de tarde. Enquanto eu chegava mancando, um garçom estava escrevendo os pratos do dia no quadro-negro perto da porta.
- Ei - falei a ele na minha voz mais animada, menos tipo "olha pra mim, eu sou uma vítima".
O garçom me olhou. Se notou minha aparência desalinhada e descalça, não comentou. Virou-se de novo para o quadro-negro.
- Nós só começamos o serviço do jantar às seis - disse ele.
- Hm ... - Vi que seria mais difícil do que eu pensara. - Tudo bem. Só quero usar seu telefone público, se vocês tiverem um.
- Lá dentro - disse o garçom com um suspiro. Depois, com o olhar me examinando sarcasticamente, acrescentou: - não pode entrar sem sapato.
- Eu tenho sapatos - falei, segurando os Jimmy Choos. - Está vendo?
Ele revirou os olhos e se voltou de novo para o quadro-negro.
Não sei por que o mundo tem de ser tão povoado por tanta gente desagradável. Não sei mesmo. Realmente é preciso um esforço para ser grosseiro. Algumas vezes me espanta a quantidade de energia que as pessoas gastam sendo escrotas.
Dentro do Sea Mist estava fresco e sombreado. Passei mancando pelo balcão, em direção a um pequeno letreiro que tinha visto assim que meus olhos se ajustaram à luz fraca (com parada ao sol chamejante lá fora) que dizia Telefone/Banheiros.
Era uma caminhada um tanto longa ate o Telefone/Banheiros para uma garota com o que eu tinha certeza de que eram enormes queimaduras de terceiro grau nas solas dos pés. Eu tinha andado a metade do caminho quando ouvi a voz de um cara dizendo o meu nome.
Tive certeza de que era Paul. Bom, quem mais poderia ter sido? Paul tinha me seguido de sua casa e queria pedir desculpas.
E provavelmente dar em cima de mim de novo.
Bem, se ele achava que eu iria perdoá-lo - quanto mais beijá-lo de novo - ia ver só, deixe-me dizer. Bem, na verdade, talvez a parte do beijo ...
Não. Não.
Virei-me lentamente.
- Eu já disse - falei, mantendo a voz calma com esforço. - Eu não quero falar com você de novo ...
Minha voz ficou no ar. Não era Paul Slater que estava atrás de mim. Era o amigo de Jake da faculdade, Neil Jankow. Neil Jankow, o irmão de Craig, parado ali perto do balcão segurando uma prancheta, parecendo mais magro do que nunca ... e agora que eu sabia pelo que ele havia passado, mais triste do que nunca também.
- Susan? - disse ele hesitante. - Ah, é você. Eu não tinha certeza.
Fiquei sem reação diante dele. E de sua prancheta. E do barman que estava perto dele, segurando uma prancheta igual. Depois me lembrei do que Neil tinha dito, que seu pai era dono de restaurantes em Carmel. Percebi que o pai de Craig e Neil Jankow devia ser dono do Sea Mist Café.
- Neil- falei - Olá, sou eu, Suze. Como ... como você vai?
- Bem - disse Neil, com o olhar indo até meus pés extremamente sujos. - Você ... você está bem?
Eu soube imediatamente que a preocupação em sua voz era sincera. Neil Jankow estava preocupado comigo. Eu, uma garota que ele só havia conhecido na véspera. Cujo nome ele nem tinha guardado direito. O fato de que ele pudesse estar tão preocupado comigo enquanto outras pessoas (principalmente Paul Slater, e sim, eu estava disposta a admitir agora, Jesse) podiam ser tão, tão más, me trouxe lágrimas aos olhos.
- Estou legal – falei.
E então, antes que eu pudesse evitar, toda a história saiu num jorro. Nada sobre os fantasmas e a coisa de ser mediadora, claro. Mas o resto, pelo menos. Não sei o que me deu. Eu só estava ali parada no meio do café do pai do Neil, dizendo:
- E então ele veio para cima de mim, e eu disse para ele ficar longe, e ele não quis, por isso eu tive de enfiar o dedo no olho dele, e depois corri, mas meus sapatos estavam doendo muito, e eu tive de tirar, e não tenho um celular de modo que não pude ligar para ninguém e este é o primeiro lugar com telefone publico que eu pude achar ...
Antes que eu terminasse, Neil estava ao meu lado, guiando-me para o banco mais próximo, junto ao balcão, e fazendo com que eu me sentasse nele. Falou todo nervoso:
- Ei. Ei, agora está tudo bem. - Estava claro que ele não tinha muita experiência em lidar com garotas histéricas. Ficava dando tapinhas no meu ombro e oferecendo coisas, tipo limonada e tiramisu grátis.
- Eu ... aceito uma limonada - falei finalmente, exausta com meu recital de sofrimentos.
- Claro. Claro. Jorge, pegue uma limonada para ela, certo?
O barman correu para servir limonada de uma jarra que ele mantinha numa pequena geladeira atrás do balcão. Colocou-a na minha frente, olhando-me com cautela, como se eu fosse uma lunática que poderia começar a declamar poesia New Age a qualquer minuto. Era encorajador saber que essa era a primeira impressão que eu estava causando nas pessoas. Não.
Bebi um pouco de limonada. Estava fria e azeda. Pousei o copo depois de alguns goles e falei a Neil, que estava me olhando preocupado:
- Obrigada. Estou me sentindo melhor. Você é legal. Neil ficou embaraçado.
- Hm ... Obrigado. Olha, eu tenho um celular. Quer emprestado? Você pode ligar para alguém. Talvez para o Jake, sabe?
- Jake? Ah, meu Deus, não. Ele ... ele não entenderia. Neil estava começando a parecer em pânico. Dava para ver que estava louco para se livrar de mim. E quem poderia culpá-lo?
- Certo, certo. Sua mãe, então? Que tal sua mãe?
Balancei a cabeça mais um pouco.
- Não, não. Eu não ... Quero dizer, eu não quero que eles saibam como fui estúpida.
Jorge, o barman, falou:
- Sabe, nós praticamente terminamos aqui, Neil. Você pode ir, se quiser
... e levá-la junto. Ele não disse as palavras, mas o tom de voz dava a entender. Estava claro que Neil queria que a garota maluca com pés machucados saísse do seu bar, e rapidinho ... tipo antes que os primeiros clientes da noite começassem a chegar.
Neil ficou em pânico. Era muito gratificante saber naquele momento que minha aparência era tão horrorosa a ponto de os caras de faculdade hesitarem em me deixar entrar em seus carros. Verdade. Não posso dizer como apreciei esse fato. Já era suficientemente ruim eu ser chave de cadeia, mas além disso eu parecia uma chave de cadeia com pés ensangüentados e um caso grave de cabelos crespos, graças ao ar salino.
Neil, que tinha pegado o celular, fechou-o e enfiou de novo no bolso de seus jeans Dockers.
- Hmm ... - disse ele. - Acho que ... sabe, eu poderia levar você. Se você quiser.
A frase deixou um pouco a desejar, mas não creio que eu pudesse ficar mais agradecida, nem se ele dissesse que conhecia um lugar que vendia Prada por atacado.
- Isso seria muito, muito incrível - falei rapidamente. Acho que minha fala foi meio efusiva, já que o rosto de Neil ficou rosa como minhas bolhas, e ele se afastou rapidamente. Murmurando que tinha de terminar umas coisas. Eu não me importava. Casa! Ia ganhar uma carona para casa! Nada de telefonemas embaraçosos, nada de andar ... Ah, graças a Deus, nada de andar. Não acho que eu conseguiria ficar de pé durante mais um minuto. Só de olhar para os pés eu ficava meio tonta. Estavam quase pretos de sujeira, os band-aids tinham melado e não estavam grudando direito. Lindas feridas soltando líquido brilhavam vermelhas para mim. Eu nem queria olhar o que estava acontecendo nas solas. Só sabia que não podia senti-las mais. Estavam totalmente entorpecidas.
- Esse foi um trabalho péssimo de pedicure - disse uma voz.

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