quarta-feira, 6 de julho de 2011

Férias!! - MARIAN KEYES Cap.73


Não foi um encontro. Foi mais diferente de um encontro do que
qualquer outro encontro que eu já tivera na vida. E tratá-lo como tal seria
banalizar os sentimentos de Luke e a minha maturidade.
Ainda assim, passei horas me aprontando. Horas!
Deveria ficar bonita ou com um ar maduro e reabilitado?, me
perguntava. Tentar conquistá-lo fazendo com que se sentisse novamente atraído
por mim, ou me comportar de uma maneira adulta, no estilo Estou-muitodiferente-
agora? Decidi pela abordagem séria e sóbria: prendi o cabelo e enfiei
um livro sobre dependência química debaixo do braço, me perguntando se
Mikey-Lou me emprestaria seus óculos.
Não emprestou. Compreendi que seria obrigada a jogar a cartada Umdia-
sentiste-tesão-por-mim. Tratei rapidinho de tentar sofisticar o meu look.
Mas quase não tinha roupas. Um ano e meio de salário de fome tinham
se encarregado disso. Assim, não passei pelo frenesi de ficar experimentando
roupas para logo em seguida despi-las, atirando atarantada uma peça no chão
ao mesmo tempo em que puxava a próxima voluntária do guarda-roupa.
Condenada a usar minha saia jeans comprida e uma camiseta curta,
fiquei chateada e morta de vergonha. Queria ter alguma coisa sensacional para
usar. Até compreender que essa, agora, era eu — uma mulher simples, honesta,
que não se escondia por trás de nada. (E malvestida, também.) Não precisava
fazer uma encenação para Luke.
Mas sapequei quilos de maquiagem na cara. Prendi o cabelo no alto,
soltei-o, tornei a prendê-lo. Tornei a soltá-lo. Finalmente decidi prendê-lo e
deixá-lo assim.
Pouco antes de sair, tornei a soltá-lo.
— Você tá linda! — gritou Brad, assim que saí.
— Obrigada — disse eu, nervosa, sem muita certeza de ter gostado do
elogio.
Tentei não me atrasar. Foi um custo não fazer gênero, mas resisti a
muque. Não pegava bem. Quando cheguei ao Café Nero, não havia nem sinal
dele. Naturalmente, suspeitei do pior, que ele mudara de idéia em relação a se
encontrar comigo. Decidi ir embora.
Então me detive, me obriguei a sentar e pedi um copo de água mineral.
Dez minutos, jurei para mim mesma. Não vou ficar mais do que isso.
Foi um tormento completo. Eu dava saltos dignos de um assento
ejetor, nervosíssima, e ficava relanceando a porta, torcendo para que ele
aparecesse.
Após a chegada da vigésima pessoa que não era Luke, decidi ir embora,
infeliz. Vasculhei minha bolsa, atrás do dinheiro para pagar a água mineral...
De repente, lá estava ele. Passando pela porta. Conversando com o
relações-públicas. Que lhe disse onde eu estava. Ele me olhou de relance.
Foi um tremendo choque revê-lo. Ele era mais alto e mais forte do que
eu me lembrava. Estava mais maduro. Ainda usava o cabelo comprido e as
calças de couro, mas seu rosto estava diferente. O rosto de um adulto.
Ao atravessar a passos largos o café, tentei ler em sua expressão o que
sentia por mim, mas estava fechada. Quando ele chegou até mim, não houve
nenhum cumprimento efusivo, nem abraços e beijos. Ele se limitou a dizer, curto
e grosso: "Como vai, Rachel?" Jogou-se no assento diante do meu, me
proporcionando, por um ou dois segundos deliciosos, o prazer de ficar cara a
cara com o gancho de sua calça de couro, antes de ocultá-la abaixo do tampo da
mesa.
Eu não soube como poderia ter alguma vez chegado a pensar que sua
aparência era digna de deboche. Ele era um homem lindo.
Murmurei "Oi, Luke", ou algo igualmente inofensivo. Mal podia
acreditar que era ele, Luke, sentado ali, do outro lado da mesa. Perto o bastante
para ser tocado.
Pelo menos, era o que eu estava sentindo. Não tinha muita certeza de
que esse também fosse o seu caso.
Ele ficou em silêncio, me encarando com um olhar hostil. E eu tive que
me armar de coragem para ser forte. Isso ia ser mais difícil do que eu tinha
pensado.
Quando a garçonete apareceu, ele pediu uma cerveja e eu indiquei que
estava satisfeita com minha água mineral, embora estivesse longe de ser o caso.
Em seguida, limpei a garganta e dei início à declamação de minhas bem
ensaiadas desculpas.
— Obrigada por vir, Luke, não vou tomar muito o seu tempo — falei
depressa. — O que vou lhe dizer já vai com bastante atraso, mas antes tarde do
que nunca, ao menos espero que você pense assim. O que estou querendo dizer
é que lamento profundamente todo o sofrimento ou infelicidade que causei a
você na época em que nós, er, nos conhecemos, quando eu morava aqui. Fui
uma namorada horrível, uma verdadeira calhorda, e não sei como você me
agüentou, tinha todo o direito de ficar pê da vida comigo.
Como eu teria adorado tomar uma bebida! Tornei a respirar fundo.
— Eu nunca teria me portado daquela maneira horrível se não
estivesse viciada em drogas. Mas sei que isso não serve de desculpa, e
certamente não atenua o mal que lhe causei, só estou falando para você saber
por que eu me portava tão mal...
Dei uma olhadela furtiva nele. Impassível em último grau. Reage, pelo
amor de Deus!
— Eu era uma pessoa desleal — prossegui. — Não tinha integridade,
traí você, te deixei na mão. Provavelmente você não tem nenhum interesse em
saber por que eu era tão indigna de confiança, mas digo isso só para você ficar
sabendo que mudei muito e que agora sou alguém que apóia seus amigos. É
claro que isso não faz grande diferença para você agora; teria vindo em boa hora
dois anos atrás, quando eu era aquela calhorda horrorosa...
E por aí eu fui, minhas palavras batendo e escorrendo no silêncio de
Luke. A certa altura, ele se virou de lado na cadeira, jogando o braço por cima do
encosto. Em meio ao meu sofrimento, não pude deixar de perceber que ele ainda
era um tremendo tesão.
De volta às desculpas. Mantive os olhos baixos, deslizando meu copo
pela mesa molhada, como se fosse um tabuleiro Ouija.
Finalmente terminei. Não havia mais nada pelo qual eu pudesse me
desculpar, e nem assim ele disse uma palavra. Antes de nosso encontro, eu
sentira pavor de sua raiva. Mas teria sido preferível, a essa passividade
impenetrável. Pelo menos, estaríamos nos comunicando.
Relutando em ficar ali, calada, pedi desculpas por algumas coisas
pelas quais já tinha me desculpado.
— Mais uma vez me desculpe por ter tomado o JD de Joey aquela vez,
desculpe por te fazer passar por tantos vexames, desculpe por perturbar sua
vida doméstica com o meu vício... — Calei-me. Não adiantava partir para uma
segunda rodada.
Eu não tinha opção, senão ir embora.
— Já vou indo, então — disse eu, humilde. — Obrigada por ter vindo.
Novamente, fiz menção de abrir a bolsa para pagar minha despesa e ir
embora.
Nesse momento, Luke me desconcertou completamente, dizendo:
— Ah, pelo amor de Deus, Rachel, desce da cruz, que a gente precisa
da madeira!
— Quê?
— Senta aí, fala comigo! — exclamou, num tom todo seu, que reconheci
como sendo de jovialidade forçada. — Não te vejo há quase um ano e meio. Me
diz como é que você vai indo! Como vai a Irlanda?
Não chegava a ser um ramo de oliveira, e sim apenas uma azeitona.
Empurrei minha bolsa para o lado e tornei a me acomodar.
Uma conversa relaxada e desinibida era difícil. A situação era artificial
demais e eu não estava bebendo nada — nem haveria de beber. Mesmo assim,
tentei.
Ressabiados, discutimos a economia irlandesa. Uma conversa
constrangida sobre futebol e os Celtic Tigers, capital estrangeiro e renda per
capita. Parecíamos dois analistas políticos na tevê. Quando eu tinha alguma
oportunidade de ser engraçada, agarrava-a com unhas e dentes, na esperança
de me redimir, de modificar a lembrança que ele tinha de mim. Mas o
crescimento econômico não é um assunto que dê margem a muitas piadas. A
conversa se arrastava aos trancos e barrancos, cheia de constrangimento, entre
interrupções e recomeços, sem fazer nenhum progresso concreto. Eu não queria
ir embora, porque estar com ele era um milhão de vezes melhor do que não estar
com ele, mas que era exaustivo, era.
A garçonete apareceu. Ele pediu outra cerveja e eu, outra água
mineral. A interrupção cortou o fio da meada do que estávamos conversando até
então e, rompendo nosso silêncio, Luke perguntou, quase tímido:
— É só isso que você bebe agora? Água?
— É.
— Meu Deus, como você mudou. — Ele sorriu.
— Mudei — disse eu, séria. Olhamos um para o outro, realmente
olhamos um para o outro. Era como se as persianas que cobriam sua expressão
tivessem subido, e eu pude ver, pela primeira vez, o antigo Luke, meu antigo
Luke. Fitamo-nos nos olhos por um bom tempo. Eu estava confusa, pois toda
hora esquecia que estávamos no presente, não no passado.
— Bom! — Ele pigarreou, quebrando o transe. — Obrigado pelas
desculpas.
Com esforço, dei um sorriso curto e trêmulo.
— Sabe — disse ele, alargando um pouco a brecha —, eu pensei que
você quisesse se encontrar comigo para me dar um esporro pelo que eu disse
aquele dia no seu centro de reabilitação.
— Ah, não — disse eu. Fiquei chocada por ele pensar que fora esse o
meu motivo, mas fiquei satisfeita pelo fato de estarmos finalmente falando sobre
a razão de estarmos ali. Balanças de pagamentos não eram mesmo o meu forte.
—Você estava certo por dizer tudo que disse. Se não tivesse feito isso, eu ainda
estaria até hoje negando meu vício.
— Eu jurava que você tinha ódio mortal de mim — disse ele, com ar
arrependido.
— Claro que não tenho — insisti. Isto é, agora não tinha, tinha?
— Jura? — perguntou ele, ansioso.
— Juro — garanti a ele. Era irônico, Luke se preocupando se eu tinha
ódio dele.
— Se isso te serve de consolo, me deu um nó na cabeça dizer
todas aquelas coisas. — Ele tornou a soltar um suspiro fundo. — E responder
àquela merda de questionário.
— Mas você tinha que fazer isso — confortei-o. — Era para o meu bem.
— Cara, fiquei com ódio de mim mesmo — retrucou ele.
— Não devia — consolei-o.
— Mas fiquei, assim mesmo — queixou-se ele.
— Mas não devia. Eu era horrível.
— Ah, não era, não.
— Era, sim.
— Não era, não.
— Era, sim.
— Bom, acho que às vezes era — concordou, por fim.
— É claro que eu era. — Sorri para ocultar meu constrangimento. — E
foi muito amável da sua parte ir até lá e se submeter àquele suplício, quando
nós não éramos nem mesmo casados, não estávamos namorando firme, e você
nem mesmo estava apaixonado por mim...
— Peraí, eu estava apaixonado por você, sim — interrompeu ele, com
um tom magoado.
— Não estava, não — relembrei a ele.
— Estava, sim.
— Luke — observei —, não vou brigar com você aqui, mas você disse a
todo mundo no meu grupo de terapia que não me amava. Tenho testemunhas —
acrescentei, tentando fazer graça.
— Ah, meu Deus, eu disse, não disse? — Ele esfregou a barba por
fazer, num gesto que reconheci de outra vida. — É, disse, claro que disse. —
Lançou-me um olhar aflito. — Não devia ter dito isso, mas é que eu estava com
raiva, Rachel, com muita raiva de você. Pela maneira como você tinha me tratado
e pela maneira como tinha tratado a si mesma.
Engoli em seco. Ainda era doloroso ouvi-lo dizer uma coisa dessas. Mas
era bom saber que um dia ele tinha me amado, pensei.
— É estranho, não é? — perguntou Luke, pensativo. — Como o tempo
muda as coisas. Um dia eu estou furioso com você, de repente se passa mais de
um ano e eu não estou mais puto da vida.
Graças a Deus, pensei, estremecendo de alívio.
— Embora eu estivesse com raiva, é claro que te amava! — declarou
ele, com toda a honestidade. — Você acha que eu voaria quase cinco mil
quilômetros para te esculhambar numa sala horrorosa, cheia de gente esquisita,
se não te amasse?
Caímos na gargalhada.
— Você me esculhambou feio — disse eu. — Donde se conclui que
devia mesmo me amar.
— Ah, amava. — Ele balançou a cabeça, irônico. — Amava.
De repente, o astral levantou.
Perguntei por Gaz e os rapazes, o que nos levou a uma série
interminável de lembranças. "Lembra da tatuagem de Gaz?" "Não foi hilário como
infeccionou depois?" "Lembra daquela vez em que a gente fez pipoca e quase
tocou fogo na cozinha?" "E Joey tinha roubado o extintor de incêndio do
trabalho?" "Caiu do céu, não foi mesmo?" "Eu tinha me esquecido disso." "Eu
também, até agora."
Arriscamos trocar alguns toques nos braços, enquanto refrescávamos a
memória um do outro. Toques deliciosos, acridoces, um tênue eco de outro tipo
de contato.
Quando a sessão nostalgia já dera tudo que tinha que dar, discorri
sobre minhas recentes realizações, como uma criança exibindo seus presentes
de aniversário.
— Não bebo nem uso drogas há um ano e quatro meses — me gabei.
— Que bacana, Rachel. — Luke sorriu, cheio de admiração.
Vibrei de prazer.
— E em outubro vou para a u-ni-ver-si-da-de — escandi lentamente as
sílabas, para causar o máximo de impacto.
A revelação quase o deixou mudo.
— Jura? — arregalou os olhos.
— Sim, senhor! — Abri um sorriso. — Para estudar psicologia.
— Puta que pariu! — exclamou ele. — Só falta você me dizer que vai se
casar, para a transformação ser completa.
Sorri. Que idéia!
— Vai? — perguntou ele, quando já estávamos em silêncio há algum
tempo.
— Vou o quê?
— Se casar.
— Pelo amor de Deus, que idéia mais louca — disse eu, com um
muxoxo.
— Você não conheceu nenhum cara legal na Irlanda? — perguntou ele.
— Não. Um monte de babacas, mas nenhum cara legal.
Ele riu, com seus dentes brancos e sua aura perigosa. Minhas
entranhas pegaram fogo.
— Você sempre me fazia rir — disse ele.
— E não só quando tirava as roupas? — brinquei.
Não devia ter brincado. O olhar dele se iluminou e nublou a um só
tempo. No ato, revivi lembranças e sensações. Quase podia sentir o cheiro de
sua pele, quando estávamos juntos na cama. Nosso bom humor se evaporou no
ato. A tensão voltou com força total, acompanhada pela tristeza e um
arrependimento colossal, terrível. Naquele momento, tive ódio de mim mesma
por ser uma toxicômana, por destruir um relacionamento que poderia ter sido
fantástico. A mágoa que senti se refletiu nos olhos de Luke.
Olhamos um para o outro, para logo em seguida sermos obrigados a
desviar os olhos. Eu tinha pensado que aquele dia no Claustro fora a pá de cal
no nosso relacionamento, mas não fora. A pá de cal era nosso encontro agora.
— Rachel — disse Luke, constrangido —, só quero te dizer que você não
tem mais que se sentir culpada por mim.
Dei de ombros, infeliz.
— Você acharia careta demais se eu dissesse que te perdôo? —
perguntou ele, sem graça.
— Claro que não — respondi, com honestidade. — Eu quero que você
me perdoe.
— Sabe — disse ele, com brandura —, você não era tão má assim.
— Não era? — perguntei.
— Nem sempre — disse ele. — Nos bons dias, não havia ninguém
melhor do que você. Ninguém — repetiu, em tom manso e afetuoso —, jamais.
— Sério? — sussurrei. Sua inesperada ternura me deixou à beira das
lágrimas.
—Sério — sussurrou ele. — Não lembra?
— Lembro — disse eu. — Mas não tinha certeza se era minha
imaginação, já que eu passava o tempo todo ligada. Quer dizer então que às
vezes nós éramos felizes?
— Muitas vezes — disse ele. Quase não nos mexíamos. Até mesmo o ar
tinha parado de circular ao nosso redor.
Uma lágrima desceu reta pelo meu rosto.
— Desculpe — pedi, secando-a. — É que eu não achei que você seria
legal comigo.
— E por que não haveria de ser? — tornou ele, francamente surpreso.
— Eu sou um cara legal.
Claro que era. Era um cara legal e, muito tempo atrás, tinha sido o
meu cara legal. A consciência da perda me deprimiu por um momento.
— Eu não esperava me sentir tão triste — disse eu.
— Eu esperava.
— Esperava? — Fiquei muito surpresa. — Só por curiosidade, por que
você concordou em se encontrar comigo?
— Eu estava curioso para saber se você tinha mudado. E também com
saudades de você — acrescentou, brincalhão.
— E eu mudei? — perguntei, fazendo vista grossa para o tom
brincalhão.
— É o que parece. — Ele balançou a cabeça. — Eu teria que fazer um
test-drive com você para ter certeza, mas você parece ter conservado todas as
qualidades e se livrado de todos os defeitos.
Fiquei orgulhosa disso.
— Mas, de aparência, você não está muito diferente — disse ele,
pensativo. — Seu cabelo está mais curto, mas você ainda é uma gata.
— E você ainda é um tesão. — Consegui abrir um sorriso, embora
tivesse a sensação de que meu estômago estava sendo estraçalhado.
Não houve nenhum abraço apaixonado, nenhum pulo em cima um do
outro por sobre a mesa. O objetivo do nosso encontro era apagar as últimas
brasas da fogueira, e não reavivar as chamas.
— É melhor eu voltar — disse eu. Não queria deixá-lo de jeito nenhum,
mas não agüentava mais assistir aos efeitos da destruição que causara.
— Tudo bem — disse ele, se levantando. — Eu te acompanho até em
casa.
Eu estava roxa para saber se ele estava namorando.
— Você está...? — tentei, mas me interrompi. — Você está...? —
recomecei, mais uma vez incapaz de ir além disso.
Talvez fosse melhor não saber. Seria dolorosíssimo se ele estivesse
namorando alguém.
— Sabe — disse ele, em tom casual —, eu estou sem namorada desde
que você foi embora.
Naquele momento, acreditei em Deus.
— Se cuida — disse ele, quando estávamos os dois parados diante do
albergue, constrangidos.
— Você também — disse eu, desejando estar morta, esperando que ele
fosse embora.
— Direitinho. — Ele se demorou mais um momento.
— Pode deixar. Você também.
Seu braço avançou um milímetro na minha direção, um gesto
infinitesimal e, de repente, como se tivéssemos sido disparados por canhões,
estávamos nos braços um do outro. Suas pernas se comprimiam contra as
minhas, seus braços apertando minhas costas com força, meu rosto enterrado
na curva do seu pescoço, enquanto eu aspirava seu perfume pela última vez.
Não queria que esse momento acabasse nunca. Então, me desvencilhei de Luke
e corri para dentro, sem tornar a olhar para ele. Quase quebrei o pescoço ao
tropeçar em Brad, que assistira a toda a cena com os olhos franzidos. Não achei
que ela continuaria sendo minha amiga depois disso.
Sabia que o sofrimento haveria de passar, que eu o superaria.
O que eu achava o mais difícil de tudo era o fato de ter esperado até
estar tudo acabado para admitir o quanto o amava. Mas tinha consciência de
que isso também passaria.
Não parava de pensar, cheia de dor, que jamais conheceria outro
homem como ele.
Mas conheceria, sim, lembrei a mim mesma. Operação Harry.
Era impossível deixar de me perguntar qual teria sido meu destino com
Luke se eu não tivesse passado a maior parte de nosso namoro completamente
drogada. Ou como seria, se tivéssemos acabado de nos conhecer, e não
tivéssemos um passado em comum que nos impedisse de ter um futuro juntos.
Mas eu sabia que era inútil pensar desse jeito, pois não se pode mudar o que
passou. O melhor a fazer era aceitar as coisas como eram.
E, mesmo não tendo ganho o prêmio principal, eu tinha alguns
prêmios de consolação para levar comigo. Por acaso não tinha descoberto que ele
um dia me amara? Por acaso ele não tinha me perdoado? Por acaso não tinha
me comportado como uma adulta responsável? Por acaso não tínhamos nos
separado como bons amigos?
A tristeza que senti foi tão curativa quanto a dor. Eu tinha voltado e
enfrentado a parte mais sombria do meu passado. Tinha ficado cara a cara com
meus erros, e criara coragem para me desculpar com Luke. Não precisava mais
sentir vergonha toda vez que pensasse nele.
O demônio fora finalmente exorcizado.
Quem me dera que tivesse sido eu.
Mas estava muito orgulhosa de mim mesma.
Eu era Rachel Walsh. Uma mulher, uma adulta. Uma matuta, uma
gata, uma ovelha perdida, uma toxicômana.
Uma ovelha reencontrada.
Uma sobrevivente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário