quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A Mediadora - Reunião - Meg Cabot Cap. 3

Ah - disse o padre Dominic. - Os Anjos da RLS. - Nem olhei para ele. Estava jogada numa das cadeiras que ele mantém diante de sua mesa, jogando um Gameboy que um dos professores tinha confiscado de algum aluno e que no fim foi parar na gaveta de baixo da mesa do diretor. Seria bom ter essa gaveta do padre Dom em mente quando o Natal chegasse. Tinha uma boa idéia de onde arranjar presentes para Soneca e Dunga.
- Anjos? - resmunguei, e não somente porque estava perdendo feio no Tetris. - Não havia nada muito angélico neles, se é que o senhor quer saber.
- Eram jovens e muito bonitos, pelo que eu soube. - O padre Dominic começou a remexer nas pilhas de papel sobre a mesa. - Líderes de turma. Jovens muito inteligentes. Acho que foi o diretor da escola que os chamou de Anjos da RLS no comunicado à imprensa sobre a tragédia.

- Hã. - Tentei virar um objeto de formato estranho e enfiar no pequeno espaço destinado a ele. - Anjos que estavam tentando levantar uma caixa de doze cervejas.
- Aqui. - O padre Dom achou um exemplar do jornal que eu tinha olhado na véspera, só que ele, diferentemente de mim, havia se dado ao trabalho de abri-lo. Foi até o obituário, onde havia fotos dos falecidos. - Dê uma olhada, veja se são os jovens que você viu.
Entreguei-lhe o Gameboy.
- Termine esse jogo para mim - falei, pegando o jornal.
O padre Dominic olhou para o Gameboy, consternado.
- Minha nossa. Acho que eu não...
- É só girar as formas para fazer com que elas se encaixem nos espaços embaixo. Quanto mais fileiras o senhor completar, melhor.
- Ah - respondeu o padre Dominic. O Gameboy soltava bings e bongs enquanto ele apertava os botões freneticamente. - Minha nossa. Acho que qualquer coisa mais complicada do que um jogo de paciência no computador...
Sua voz sumiu enquanto se entretinha no jogo. Embora eu devesse estar lendo o jornal, olhei para ele.
É um velhinho gentil, o padre Dominic. Normalmente está furioso comigo, mas isso não significa que eu não goste dele. Na verdade eu estava ficando surpreendentemente ligada ao cara. Descobri que mal podia esperar, por exemplo, para vir correndo contar a ele sobre os garotos que tinha visto no mercadinho. Acho que é porque, após 16 anos sem poder contar a ninguém sobre minha capacidade "especial", finalmente havia alguém com quem podia me abrir, já que o padre Dom tinha a mesma capacidade "especial" - algo que descobri no primeiro dia na Academia da Missão Junípero Serra.
Mas o padre Dominic é um mediador muito melhor do que eu. Bem, talvez não melhor. Mas diferente, sem dúvida. Veja só, ele realmente acha que é melhor tratar os fantasmas com orientação gentil e conselhos sérios - e o mesmo se aplica aos vivos. Eu sou mais a favor de uma abordagem direto ao ponto, que tende a envolver meus punhos.
Bem, algumas vezes esses mortos simplesmente não ouvem.
Nem todos, claro. Alguns são ótimos ouvintes. Como o que mora no meu quarto, por exemplo.
Mas ultimamente venho fazendo o máximo para não pensar nele mais do que o necessário.
Voltei a atenção ao jornal que o padre Dom tinha me entregado. É, ali estavam eles, os Anjos da RLS. A mesma garotada que eu tinha visto antes no Jimmy's, só que nas fotos da escola não usavam roupas de festa.
O padre Dom estava certo. Eram bonitos. E inteligentes. E líderes. Felícia, a mais nova, fora chefe da torcida da escola. Mark Pulsford fora capitão do time de futebol. Josh Saunders tinha sido presidente da turma no último ano. Carrie Whitman tinha sido a rainha do baile das boas-vindas no último período - o que não é exatamente um cargo de liderança, mas mesmo assim era eleito de modo bastante democrático. Quatro jovens inteligentes e bonitos, todos mortinhos da Silva.
E, pelo que eu sabia, a fim de barbarizar.
Os obituários eram tristes e coisa e tal, mas eu não tinha conhecido aquela gente. Eles estudavam na escola Robert Louis Stevenson, a maior rival da nossa. A Academia da Missão Junípero Serra, onde eu e meus meios-irmãos estudávamos, e da qual o padre Dom é o diretor, vive levando surras acadêmicas e esportivas da RLS. E ainda que eu não possua muito espírito escolar, sempre senti uma queda pelos perdedores - o que, em comparação com a RLS, a Academia da Missão é, sem dúvida.
Por isso não ia ficar toda sentida devido à perda de alguns alunos da RLS. Especialmente sabendo o que eu sabia.
Não que soubesse grande coisa. Na verdade não sabia nada. Mas na noite anterior, após voltar para casa depois da pizza com Soneca e Dunga, Gina havia sucumbido ao jet lag - nós temos três horas de diferença com relação a Nova York, de modo que, por volta das nove horas, Gina praticamente apagou no sofá-cama que mamãe tinha comprado para ela dormir no meu quarto durante a estada.
Não me importei exatamente. O sol tinha me exaurido, de modo que fiquei bastante satisfeita em me sentar na cama, do outro lado do quarto, e fazer o dever de geometria que tinha prometido a mamãe que terminaria antes da chegada de Gina.
Foi mais ou menos nessa hora que Jesse se materializou de repente perto da minha cama.

- Shiu! - reagi quando ele começou a falar e apontei para Gina. Eu tinha lhe explicado, bem antes da chegada dela, que Gina vinha de Nova York ficar uma semana, e que eu agradeceria se ele fosse discreto durante a visita.
Não é exatamente uma piada ter de dividir o quarto com o inquilino anterior - o fantasma do inquilino anterior, devo dizer, já que Jesse está morto há cerca de um século e meio.
Por outro lado, consigo entender muito bem a posição de Jesse. Não é sua culpa ter sido assassinado - pelo menos é como suspeito que ele morreu. Ele - compreensivelmente - não se sente muito ansioso para falar sobre isso.
E acho que também não é culpa dele se, depois da morte, em vez de partir para o céu, ou para o inferno, ou para outra vida, ou sei lá para onde as pessoas vão depois que morrem, ele tenha acabado preso no quarto onde foi morto. Porque, independentemente do que você possa pensar, a maioria das pessoas não vira fantasma. Graças a Deus. Se fosse assim, minha vida social seria tão... não que ela seja fantástica, para começar. As únicas pessoas que viram fantasmas são as que deixam algum tipo de negócio inacabado.
Não faço a menor idéia quanto ao que Jesse deixou inacabado - e a verdade é que também não creio que ele saiba. Mas não parece justo que, se estou destinada a dividir o quarto com o fantasma de um defunto, o defunto seja tão gato.
Sério mesmo. Jesse é lindo demais para minha paz de espírito. Eu posso ser mediadora, mas ainda sou humana, caramba.

Mas, de qualquer modo, ali estava ele, depois de eu ter lhe dito muito educadamente que passasse um tempo sem aparecer. Todo masculino, gato e coisa e tal na roupa de fora-da-lei do século XIX que ele sempre usa. Você conhece o tipo: com aquelas calças pretas justas e a camisa branca aberta até o...
- Quando ela vai embora? - perguntou Jesse, levando minha atenção do lugar até onde sua camisa se abria, revelando abdominais extremamente musculosos, até o rosto. Um rosto que, como provavelmente não preciso enfatizar, é totalmente perfeito, a não ser por uma pequena cicatriz branca numa das sobrancelhas escuras.
Ele nem se incomodou em sussurrar. Gina não poderia ouvi-lo.
-Já falei - respondi. Eu, por outro lado, tinha de sussurrar, uma vez que havia grande probabilidade de ser ouvida. - No domingo que vem.
- Tanto tempo assim?
Jesse estava irritado. Eu gostaria de dizer que ele estava irritado porque considerava cada momento que eu passava com Gina um momento roubado dele, e que se ressentia profundamente dela por causa disso.
Mas, para ser honesta, duvido tremendamente que fosse isso. Tenho quase certeza de que Jesse gosta de mim, e coisa e tal...
Mas só como amiga. Não de um modo especial. Por que deveria? Ele tem cento e cinqüenta anos - cento e setenta se você contar o fato de que estava com uns vinte quando morreu. O que um cara que viveu cento e setenta anos de coisas poderia ver numa garota de dezesseis anos do segundo ano do segundo grau que nunca teve namorado e nem consegue passar no exame de motorista?
Não podia ser grande coisa.
Vamos encarar os fatos, eu sabia perfeitamente bem por que Jesse queria que Gina fosse embora.
Por causa de Spike.
Spike é o nosso gato. Digo "nosso" gato porque, apesar de os animais em geral não suportarem fantasmas, Spike desenvolveu uma estranha afinidade com Jesse. O seu afeto por Jesse equilibra, de certo modo, sua total falta de consideração para comigo, mesmo que seja eu quem lhe dê comida, limpe sua caixa de areia e, ah, sim, o tenha resgatado de uma vida de privações nas malvadas ruas de Carmel.
E aquela coisa idiota demonstra um mínimo de gratidão por mim? De jeito nenhum. Mas Jesse, ele adora. Na verdade, Spike passa a maior parte do tempo fora de casa e só se incomoda em aparecer quando sente que Jesse pode ter se materializado.
Como agora, por exemplo. Ouvi uma batida familiar no telhado da varanda - Spike pousando depois de pular do pinheiro em que sempre sobe para chegar ali - e depois o grande pesadelo laranja estava passando pela janela que eu tinha deixado aberta para ele, miando de dar dó, como se não tivesse sido alimentado há séculos.
Quando Jesse viu Spike, foi até ele e começou a coçá-lo atrás das orelhas, fazendo o gato ronronar tão alto que achei que fosse acordar Gina.

- Olhe - falei. - É só por uma semana. Spike vai sobreviver.
Jesse me olhou com uma expressão que parecia sugerir que eu havia escorregado alguns pontos na escala de QI.
- Não é com o Spike que estou preocupado.
Isso só serviu para me confundir. Eu sabia que não podia ser comigo que Jesse estava preocupado. Quero dizer, acho que entrei em algumas encrencas desde que o conheci - encrencas das quais, com freqüência, Jesse teve de me tirar. Mas agora não estava acontecendo nada. Bem, fora os quatro garotos mortos que eu tinha visto à tarde no Jimmy's.
- É? - Olhei Spike virar a cabeça para trás num êxtase óbvio enquanto Jesse o coçava embaixo do queixo. - Então o que é? Gina é maneira, você sabe. Mesmo que ela descobrisse sobre você, duvido que iria sair correndo e gritando do quarto, ou sei lá o quê. Ela provavelmente só iria querer sua camisa emprestada uma hora dessas, ou algo do tipo.
Jesse olhou para minha hóspede. De Gina só dava para ver uns calombos embaixo do edredom e um monte de caracóis cor de cobre espalhados no travesseiro embaixo da cabeça.
- Tenho certeza de que ela é muito... maneira – disse Jesse, meio hesitante. Algumas vezes meu vocabulário do século XXI o incomoda. Mas tudo bem. Seu emprego freqüente do espanhol, língua da qual não falo uma palavra, me incomoda. - Só que aconteceu uma coisa...
Isso me deixou alerta. Ele parecia bastante sério. Tipo, talvez o que houvesse acontecido era que ele finalmente percebeu que eu era a mulher perfeita para ele, e que durante todo esse tempo ele vinha lutando contra uma atração avassaladora por mim, e que finalmente teve de desistir da luta diante de minha incrível irresistibilidade.
Mas aí ele teve de dizer:
- Andei ouvindo umas coisas.
Afundei nos travesseiros, desapontada.
- Ah. Então você sentiu uma perturbação na Força, foi, Luke?
Jesse franziu as sobrancelhas, perplexo. É claro que não fazia idéia do que eu estava falando. Meus raros ataques de humor espirituoso são quase sempre desperdiçados com ele. Não é de se espantar que não esteja nem um pouquinho apaixonado por mim.
Suspirei e disse:
- Então você ouviu algo de podre no reino dos fantasmas. O que foi?
Jesse costumava captar coisas que aconteciam no que eu gosto de chamar de plano espectral, coisas que frequentemente não têm nada a ver com ele, mas que em geral terminam me envolvendo, muitas vezes de algum modo que põe minha vida em risco - ou pelo menos fazendo uma confusão terrível. Na última vez em que ele tinha "ouvido umas coisas" acabei quase sendo morta por um empresário imobiliário psicótico.
Então acho que dá para ver por que meu coração não fica exatamente empolgado quando Jesse diz que ouviu alguma coisa.

- Há alguns recém-chegados - disse ele enquanto continuava a acariciar Spike. - Jovens.
Levantei as sobrancelhas, lembrando-me dos garotos vestidos com roupa de baile no Jimmy's.
- É?
- E estão procurando alguma coisa.
- É. Eu sei. Cerveja.
Jesse balançou a cabeça. Estava com uma expressão meio distante, e não olhava para mim, e sim meio que para além de mim, como se houvesse uma coisa bem distante, logo atrás do meu ombro direito.
- Não - disse ele. - Não é cerveja. Eles estão procurando alguém. E estão com raiva. - Seus olhos escuros entraram em foco e se cravaram no meu rosto. - Estão com muita raiva, Suzannah.
Seu olhar era tão intenso que tive de baixar o meu. Os olhos de Jesse são de um castanho tão profundo, e muitas vezes não sei onde terminam suas pupilas e começam as íris. É meio irritante. Quase tão irritante quanto o modo como ele sempre me chama pelo nome inteiro, Suzannah. Ninguém, além do padre Dominic, me chama assim.
- Com raiva? - Olhei para o caderno de geometria. Os garotos que eu vi não pareciam raivosos. Com medo, talvez, depois de perceberem que eu podia vê-los. Mas não com raiva. Achei que ele devia estar falando de outras pessoas. - Tudo bem. Ficarei de olhos bem abertos. Obrigada - agradeci.

Jesse parecia a fim de dizer mais alguma coisa, mas de repente Gina rolou, levantou a cabeça e franziu os olhos na minha direção.
- Suze? - disse ela, sonolenta. - Com quem você está falando?
- Ninguém. - Rezei para que ela não pudesse ler a culpa na minha expressão. Odeio mentir para Gina. Afinal de contas, ela é minha melhor amiga. - Por quê?
Gina se apoiou nos cotovelos e olhou boquiaberta para Spike.
- Então esse é o famoso Spike, de quem ouvi seus irmãos falarem tanto? Nossa, ele é feio mesmo.
Jesse, que tinha ficado onde estava, ficou na defensiva. Spike era o seu xodó, e ninguém pode sair chamando o xodó de Jesse de feio.
- Ele não é tão mau - falei, esperando que Gina captasse a mensagem e calasse a boca.
- Você está fumando crack? Simon, esse negócio aí só tem uma orelha.
De repente, o grande espelho com moldura dourada acima da penteadeira começou a tremer. Ele tinha uma tendência a fazer isso sempre que Jesse ficava chateado, chateado de verdade.
Sem saber disso, Gina olhou o espelho numa empolgação crescente.
- Ei! - exclamou ela. - Isso aí! Mais um!
Queria dizer um terremoto, claro, mas este, como o anterior, não era terremoto. Era só Jesse soltando fogo pelas ventas.

A próxima coisa que eu vi foi um vidro de esmalte de unhas que Gina tinha deixado na penteadeira sair voando e, desafiando a lei da gravidade, pousar de cabeça para baixo na mala que ela havia posto no chão, perto do sofá-cama, a mais de dois metros de distância.
Provavelmente não preciso acrescentar que o vidro de esmalte - que era verde-esmeralda - estava sem tampa. E que foi parar em cima das roupas que Gina ainda não havia tirado da mala.
Gina soltou um grito agudo terrível, jogou o edredom longe e mergulhou no chão, tentando salvar o que pudesse. Enquanto isso, eu lançava um olhar raivoso para Jesse.
Mas tudo que ele disse foi:
- Não me olhe assim, Suzannah. Você ouviu o que ela falou sobre ele - Jesse parecia magoado. - Chamou de feio.
Resmunguei:
- Eu digo que ele é feio o tempo todo, e você nunca faz isso comigo.
Ele levantou a sobrancelha que tinha a cicatriz e falou:
- Bem, é diferente quando você diz.
E então, como se não suportasse nem mais um minuto, desapareceu abruptamente, deixando Spike muito desolado - e Gina muito confusa.
- Não entendo - disse ela enquanto levantava um maiô de oncinha que agora estava manchado, sem recuperação.
- Não entendo como isso aconteceu. Primeiro a cerveja naquele mercadinho e agora isso. Vou lhe contar, a Califórnia é esquisita.

Refletindo sobre tudo isso na sala do padre Dominic na manhã seguinte, acho que consegui entender como Gina se sentiu. Quero dizer, provavelmente parecia que as coisas estavam voando um bocado ultimamente. O denominador comum, que Gina ainda não tinha notado, é que elas só voavam quando eu estava presente.
Tive a sensação de que, se ela ficasse a semana inteira, iria acabar sacando. E rápido.
O padre Dominic estava vidrado no Gameboy que eu lhe dera. Larguei a página do obituário e disse:
- Padre Dom.
Seus dedos voavam freneticamente sobre os botões que controlavam as peças do jogo.
- Um minuto, por favor, Suzannah.
- Olha, padre Dom. - Balancei o jornal na sua direção. - São eles. Os garotos que eu vi ontem.
- Ahã - disse o padre. O Gameboy soltou bipes.
- Então acho que devemos ficar atentos. O Jesse me falou... - O padre Dominic sabia sobre Jesse, embora o relacionamento deles não fosse, digamos, dos mais íntimos: o padre D tinha um enorme problema com o fato de que, basicamente, havia um rapaz morando no meu quarto. Ele bateu um papo particular com Jesse, mas apesar de ter saído meio tranqüilizado - sem dúvida com o fato de que Jesse obviamente não tinha o menor interesse por mim, em termos amorosos -, mesmo assim ficava claramente desconfortável sempre que o nome de Jesse era citado, por isso eu só tentava mencioná-lo quando era absolutamente necessário. Agora achei que fosse uma dessas ocasiões.
- Jesse falou que sentiu uma grande... é... agitação por lá. - Pousei o jornal e apontei para cima, por falta de uma direção melhor. - E muita raiva. Parece que temos uns turistas infelizes por aí. Disse que eles estão procurando alguém. A princípio achei que não podia estar falando desses caras - bati no jornal -, porque tudo que eles pareciam estar procurando era cerveja. Mas é possível que tenham outro objetivo. - Um objetivo mais assassino, pensei, mas não falei alto.
Mas o padre Dom, como acontecia sempre, pareceu ler meus pensamentos.
- Que coisa, Suzannah! - disse ele erguendo o olhar da tela do Gameboy. - Você não pode estar pensando que esses jovens que você viu e a agitação sentida por Jesse tenham alguma relação, pode? Porque devo dizer que acho muito improvável. Pelo que eu soube, os Anjos eram apenas isso... verdadeiros faróis em sua comunidade.
Nossa! Faróis! Imaginei se havia alguém que algum dia falaria de mim como um farol, depois que eu morrer. Duvidei tremendamente. Nem minha mãe chegaria tão longe.
Mas guardei meus sentimentos. Sabia, pela experiência, que o padre D não ia gostar do que eu estava pensando, que dirá acreditar. Em vez disso falei:
- Bem, só fique de olhos abertos, certo? Avise se vir esse pessoal por aí. Quero dizer, os... é... Anjos.
- Claro. - O padre Dom balançou a cabeça. - Que tragédia! Coitados. Tão inocentes. Tão jovens. Ah. Minha nossa.

Ele levantou o Gameboy, sem jeito. - Pontuação máxima.
Foi então que decidi que eu tinha passado tempo suficiente na sala do diretor para um dia só. Gina, que havia estudado comigo lá no Brooklyn, tirava férias de primavera num período diferente da Academia da Missão, por isso, enquanto passava as férias na Califórnia, precisava suportar alguns dias me seguindo de uma sala de aula à outra - pelo menos até eu descobrir um modo de matar aula sem ser apanhada. Gina estava na aula de história geral, do sr. Walden, e eu não tinha dúvidas de que estava se metendo em todo tipo de encrenca enquanto eu ficava longe.
- Certo, então - falei me levantando. - Avise se souber de mais alguma coisa sobre esses garotos.
- Sim, sim - disse o padre Dominic com a atenção fixa de novo no Gameboy. - Tchau.
Enquanto saía de sua sala, pude jurar que o ouvi dizer um palavrão depois que o Gameboy soltou um bipe de alerta. Mas isso seria tão improvável que devo ter ouvido mal.
É. Certo.

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