quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A Mediadora - Reunião - Meg Cabot Cap. 1

- Olha, isso é que é vida - disse Gina.
Fui obrigada a concordar com ela. Estávamos deitadas de biquíni, absorvendo os raios de sol e os agradáveis 24°C na praia de Carmel. Era março, mas não parecia, pelo modo como o sol se lançava por cima de nós. Bom, afinal de contas isso era a Califórnia.
- Sério - insistiu Gina. - Não sei como você consegue fazer isso todo dia.
Eu estava de olhos fechados. Visões de Diet Cokes compridas e geladas dançavam na minha cabeça. Se ao menos existisse serviço de garçom na praia! Era realmente a única coisa que faltava. Já tínhamos acabado com todos os refrigerantes do isopor, e era uma caminhada bem longa, subir da praia até o mercadinho Jimmy's.
- Fazer o quê? - murmurei.
- Ir à escola quando se tem essa praia fabulosa a um quilômetro e meio de distância.

- É difícil - admiti com os olhos ainda fechados. – Mas se formar no segundo grau continua a ser considerado uma das maiores conquistas da vida. Quero dizer, já ouvi falar que sem um diploma do segundo grau a gente não tem chance de conseguir um daqueles empregos importantes de servir no Starbucks, para onde sei que estou destinada depois da formatura.
- Sério, Suze. - Senti Gina se agitar ao meu lado e abri os olhos. Ela havia se apoiado nos cotovelos e estava examinando a praia através de seus óculos Ray Ban. – Como você agüenta?
Verdade. Como? O dia estava estupendo. O Pacífico se esticava até onde a vista alcançava, azul-turquesa escurecendo até o azul-marinho à medida que se aproximava do horizonte. As ondas eram gigantescas, chocando-se na areia amarela, jogando surfistas e bodyboarders no ar como se fossem destroços de naufrágios. À direita, longe, erguiam-se os penhascos verdes de Pebble Beach. À esquerda, os enormes pedregulhos cheios de focas, que eram o caminho para o que eventualmente se transformava em Big Sur, um trecho particularmente acidentado do litoral do Pacífico.
E em toda parte o sol golpeava, queimando a névoa que mais cedo havia ameaçado arruinar nossos planos. Era a perfeição. O paraíso.
Se ao menos eu conseguisse alguém para me trazer uma bebida!
- Ah, meu Deus. - Gina baixou os óculos e espiou por cima da armação. - Saca só isso!

Acompanhei seu olhar através das lentes dos meus Donna Karan. O salva-vidas, que estivera sentado em sua torre branca a alguns metros de nossas toalhas, pulou de repente da cadeira, segurando numa das mãos o flutuador laranja. Pousou na areia com uma graça felina e de repente partiu para as ondas, com os músculos ondulando por baixo da pele bronzeada, o cabelo louro e comprido balançando atrás.
Turistas procuraram as máquinas fotográficas enquanto as pessoas que tomavam banho de sol se sentavam para ver melhor. Gaivotas saltaram num vôo espantado e os ratos de praia saíram rapidamente do caminho do salva-vidas. Então, com o corpo magro e musculoso fazendo um arco perfeito no ar, ele mergulhou nas ondas e surgiu metros adiante, nadando rápido e com força na direção de um garoto que fora apanhado numa correnteza.
Para minha diversão, vi que o garoto era ninguém menos do que Dunga, um dos meus meios-irmãos que tinha nos acompanhado à praia naquela tarde. Reconheci sua voz instantaneamente - assim que o salva-vidas o havia puxado de volta à superfície -, xingando-o com veemência por ter tentado salvar sua vida, envergonhando-o diante dos colegas.
O salva-vidas, para meu deleite, xingou-o de volta.
Gina, que tinha olhado o drama se desdobrar com uma atenção fascinada, disse preguiçosa:
- Que babaca!
Ela obviamente não reconheceu a vítima. Para minha perplexidade, Gina havia me informado que eu tinha uma sorte incrível porque todos os meus meios-irmãos eram tão "maneiros". Até mesmo Dunga, aparentemente.
Gina nunca fora especialmente discriminadora no quesito garotos.
Depois, suspirou e se deitou outra vez na toalha.
- Isso foi extremamente incômodo - falou recolocando os óculos no lugar. - A não ser pela parte que o salva-vidas gato passou correndo por nós. Dessa parte eu gostei.
Alguns minutos depois o salva-vidas voltou na nossa direção, não parecendo menos bonito de cabelo molhado do que quando estava seco. Subiu em sua torre, falou brevemente pelo rádio - na certa emitindo um boletim "F.A." sobre Dunga. Fiquem atentos a um praticante de luta-livre extremamente estúpido com roupa de neoprene querendo se mostrar para a melhor amiga da irmã adotiva e que veio de outra cidade -, depois voltou a examinar as ondas em busca de outras potenciais vítimas de afogamento.
- É isso - declarou Gina subitamente. - Estou apaixonada. Aquele salva-vidas é o homem com quem vou me casar.
Está vendo o que eu quis dizer? Total falta de discriminação.
- Você se casaria com qualquer cara de sunga - falei com repulsa.
- Não é verdade. - Gina apontou para um turista com as costas particularmente peludas, usando sunga, que estava a alguns metros de distância ao lado da esposa queimada de sol. - Eu não gostaria de casar com ele, por exemplo.
- Claro que não. Ele já tem dona.
Gina revirou os olhos.
- Você é estranha demais. Venha, vamos arranjar alguma coisa para beber.
Ficamos de pé e achamos os shorts e as sandálias, em seguida nos enfiamos neles. Deixando as toalhas onde estavam, atravessamos a areia quente até a escada íngreme que levava ao estacionamento onde Soneca tinha deixado o carro.
- Quero um milk-shake de chocolate - declarou Gina quando chegamos à calçada. - Não um daqueles metidos a besta, que servem por aqui. Quero um completamente artificial, cheio de química, que nem os do McDonald's.
- É, bem - falei tentando recuperar o fôlego. Não foi moleza subir aquela escadaria. E eu estou bastante em forma. Faço exercícios com uma fita de kick-boxing praticamente toda noite. - Você vai ter de ir a outra cidade para isso, porque não existem lanchonetes por aqui.
Gina revirou os olhos.
- Que cidade mais caipira! - reclamou fingindo indignação. - Não tem lanchonete, não tem sinais de trânsito, nem crime, nem ônibus.
Mas não estava falando sério. Desde que tinha chegado de Nova York, na véspera, Gina estava boquiaberta com minha vida nova: invejando a gloriosa vista para o oceano da janela do meu quarto, fascinada pela habilidade culinária de meu novo padrasto, e sem desprezar nem um pouco as tentativas de meus meios-irmãos para impressioná-la.

Nenhuma vez tinha dito, como eu esperava, a Soneca ou Dunga - que pareciam loucos para atrair sua atenção - para se catarem.
- Meu Deus, Simon - disse ela quando eu a questionei sobre isso. - Eles são uns gatos. O que você espera que eu faça?
Como é que é? Meus meios-irmãos, gatos?
Acho que não.
Bom, se você quisesse um gato, não precisava procurar além do sujeito atrás do balcão do Jimmy's, o mercadinho logo em frente à escadaria da praia. Burro como um brinquedo inflável de piscina, mesmo assim Kurt - esse era o nome do cara, juro por Deus - era lindo de morrer, e depois de eu ter colocado diante dele a garrafa suada de Diet Coke que tinha apanhado no freezer, dei a velha examinada de cima a baixo. Ele estava profundamente absorvido num exemplar da Surf Digest, por isso não notou meu olhar de peixe morto. Acho que eu estava bêbada de sol, ou algo assim, porque continuei ali parada espiando o Kurt, mas na verdade estava pensando em outra pessoa.
Alguém em quem não deveria estar pensando de jeito nenhum.
Acho que foi por isso que, quando Kelly Prescott me disse oi, nem notei. Era como se ela nem estivesse ali.
Até que ela balançou a mão na frente da minha cara e disse:
- Olá, Terra para Suze. Câmbio, Suze.
Arranquei o olhar de Kurt e me peguei espiando Kelly, a presidente da turma do segundo ano, loura radiante e vítima da moda. Vestia uma camisa social do pai, desabotoada para revelar o que havia por dentro, um biquíni de crochê verde-oliva. Tinha forro cor da pele, para a gente não ver através dos furos.
Parada ao lado estava Debbie Mancuso, a ex-namorada de meu irmão Dunga.
- Ah, meu Deus - disse Kelly. - Não fazia idéia de que você estava na praia hoje, Suze. Onde pôs sua toalha?
- Perto da torre do salva-vidas.
- Ah, meu Deus. Ótimo lugar. Nós estamos superlonge da escada.
Debbie falou casualmente demais:
- Eu notei o Rambler no estacionamento. Brad está aí, com a prancha?
Brad é o nome pelo qual todo mundo, menos eu, chama meu meio-irmão Dunga.
- É - disse Kelly. - E Jake?
Jake é o meio-irmão que eu chamo de Soneca. Por motivos que me são insondáveis, Soneca, que está no último ano da Academia da Missão, e Dunga, segundanista como eu, são considerados grandes partidos. Obviamente essas garotas nunca viram meus meios-irmãos comendo. É uma visão absolutamente revoltante.
- Está - falei. E como sabia o que elas queriam, acrescentei: - Por que vocês duas não se juntam à gente?
- Legal - disse Kelly. - Vai ser manei...
Gina apareceu e Kelly parou no meio da frase.

Bem, Gina é o tipo de garota que faz as pessoas pararem as frases no meio para admirar. Mede cerca de 1,80m, e o fato de ter recentemente transformado o cabelo num esfregão de cachos eriçados cor de cobre, formando uma aura de dez ou doze centímetros em volta da cabeça, só a fazia parecer maior. Além disso, por acaso, estava usando um biquíni de vinil preto, sobre o qual tinha enfiado um short que parecia feito com as argolas de um monte de latas de refrigerante.
Ah, e o fato de que estivera no sol o dia inteiro havia escurecido sua pele normalmente café-com-leite até ficar na cor de um café puro, o que sempre chocava quando combinado com um brinco no nariz e o cabelo laranja.
- Achei! - disse Gina empolgada, enquanto colocava uma embalagem de seis garrafas no balcão ao lado de minha Diet Coke. - É isso aí, cara. A perfeita combinação química.
- Ah, Gina - falei, esperando que ela não desejasse minha participação no consumo de nenhuma daquelas garrafas. - Essas são duas amigas da escola, Kelly Prescott e Debbie Mancuso. Kelly, Debbie, esta é Gina Augustin, uma amiga minha de Nova York.
Os olhos de Gina se arregalaram por trás dos óculos Ray Ban. Acho que ficou pasma com o fato de que, desde que tinha me mudado para cá, eu havia feito algumas amigas, algo que em Nova York eu certamente não tinha em grande quantidade, além dela. Mesmo assim conseguiu controlar a surpresa e disse muito educadamente:
- Como vão?
Debbie murmurou:
- Oi.
Mas Kelly foi direto ao ponto:
- Onde você conseguiu esse short incrível?
Foi enquanto Gina estava respondendo a ela que eu notei pela primeira vez os quatro jovens usando roupa de festa parados perto da gôndola de bronzeadores.
Você pode estar se perguntando como eu não os tinha notado antes. Bom, a verdade é que, até aquele momento específico, eles não estavam ali.
E, de repente, estavam.
Sendo do Brooklyn, já vi coisas muito mais estranhas do que quatro adolescentes vestindo roupa formal num mercadinho durante uma tarde de domingo na praia. Mas como aqui não era Nova York, e sim Califórnia, a visão era espantosa. Ainda mais espantoso era o fato de que os quatro estavam roubando uma embalagem de doze cervejas.
Não estou brincando. Uma embalagem de doze, em plena luz do dia, e eles vestidos nos trinques - as garotas até estavam com flores nos pulsos. Kurt não é um cientista espacial, verdade, mas certamente aqueles garotos não podiam pensar que ele iria deixá-los sair dali com sua cerveja - particularmente vestidos com roupas de baile de formatura.
Então levantei meus óculos Donna Karan para olhar melhor.
E foi aí que notei.

Kurt não ia fazer nada com aqueles garotos. Não mesmo.
Kurt não podia vê-los.
Porque estavam mortos.

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