segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Morro dos Ventos Uivantes, Cap ll

A tarde de ontem foi fria e enevoada. Estava com vontade de passá-la à beira da lareira, no meu escritório, em vez de atravessar urzes e lama até o Morro dos Ven­tos Uivantes. Entretanto, logo depois do almoço (N.B. — almoço entre o meio-dia e uma hora, pois a gover­nanta, uma senhora matronal, que recebi junto com a casa, não pode ou não quer compreender o meu pedido de ser servido às cinco), ao subir a escada com essa pre­guiçosa intenção e entrar no escritório, dei com uma em­pregada de joelhos, rodeada de vassouras e baldes de carvão e levantando um pó infernal, ao tentar extinguir as chamas da lareira com montes de cinzas. Aquele espe­táculo fez-me logo recuar; peguei no chapéu e, após ca­minhar umas quatro milhas, cheguei ao portão do jardim de Heathcliff bem a tempo de escapar aos primeiros flocos de uma nevasca.
No alto daquele desolado morro, a terra estava co­berta de uma geada dura e enegrecida e o vento fazia-me tiritar. Não conseguindo remover a corrente, pulei por cima da cancela e, correndo pelo caminho empedrado e ladeado por groselheiras, bati em vão à porta, até os nós dos dedos me doerem e os cães começarem a uivar.
"Gente desgraçada!", invectivei mentalmente. "Vocês merecem viver eternamente isolados, pela falta de hospita­lidade que demonstram. Eu, pelo menos, não trancaria as minhas portas durante o dia. Não importa — hei de entrar!" Assim decidido, agarrei a tranca e sacudi-a com toda a força. Não tardou para que o rosto azedo de Joseph surgisse a uma das janelas redondas do celeiro.
— Que é que o senhor quer? — gritou ele. — O patrão está lá embaixo, no curral. Pode dar a volta pela ponta do lago, se quiser falar com ele.
— Não há ninguém em casa para me abrir a porta? — gritei também.
— Não tem ninguém, só a patroa; mas ela não vai abrir, nem que o senhor continue martelando a porta até de noite.
— Por quê? Você não lhe pode dizer quem sou, Joseph?
— Eu, não! Não quero me meter nisso! — resmun­gou ele, tirando a cabeça da janela.
A neve começou a cair com força. Agarrei a tranca para fazer outra tentativa, quando um jovem sem casaco, levando ao ombro uma forquilha, apareceu no pátio. Dis­se-me para segui-lo, e, após atravessarmos uma lavandaria e uma área empedrada, contendo um depósito de carvão, uma bomba e um pombal, entramos no enorme e quente aposento em que da primeira vez fora recebido. Um fogo imenso, alimentado com carvão, turfa e lenha, tornava-o ainda mais acolhedor; e perto da mesa, posta para um abundante chá, tive o prazer de ver a "patroa", pessoa de cuja existência até ali nem sequer suspeitara. Inclinei a cabeça, em cumprimento, esperei que ela me convidasse a tomar assento. Mas ela olhou para mim, reclinada na sua cadeira, e continuou imóvel e muda.
— Tempo horrível! — comentei. — Sinto muito, Sra. Heathcliff, mas a culpa é dos seus criados; quase tive de arrombar a porta para que eles me ouvissem.
Ela permaneceu calada. Olhei-a bem nos olhos — ela também me fitou; pelo menos manteve os olhos em mim, de uma maneira fria, indiferente, por demais embaraçosa e desagradável.
— Sente-se — disse o jovem, com secura. — Ele não demora.
Obedeci. Pigarreei e chamei a terrível Juno, que se dignou, naquele segundo encontro, agitar a extremidade da cauda, em sinal de reconhecimento.
— Lindo animal! — recomecei. — Pretende dar os filhotes?
— Não são meus — replicou a simpática anfitrioa, de maneira ainda mais cortante do que Heathcliff teria respondido.
— Ah, os seus favoritos são, então, aqueles? — pros­segui, apontando para uma almofada cheia de algo pa­recido com gatos.
— Estranho favoritismo, esse! — observou ela, com desdém.
Infelizmente, aquilo era um monte de coelhos mortos. Pigarreei outra vez e aproximei-me da lareira, repetindo o meu comentário a respeito do mau tempo.
— O senhor não deveria ter saído de casa — disse ela, levantando-se e tirando duas das latas pintadas que havia em cima da lareira.
Sentada como estava antes, contra a luz, não se podia vê-la bem. Agora, porém, o fogo iluminava-a toda. Era esbelta e aparentemente mal saída da adolescência. Tinha uma silhueta impecável e o mais belo rostinho que eu já tivera o prazer de contemplar: feições pequenas e har­moniosas; cachos louros ou, melhor, dourados, caindo so­bre o seu pescoço delicado; e olhos que teriam sido irre­sistíveis, se a sua expressão fosse agradável; felizmente para o meu suscetível coração, o único sentimento que eles revelavam hesitava entre o desprezo e algo assim como um desespero estranho e fora do natural. As latas estavam difíceis de alcançar; fiz um gesto para ajudá-la. Ela se voltou para mim como um avarento se voltaria se alguém tentasse ajudá-lo a contar o seu ouro.
— Não quero a sua ajuda — falou. — Posso apa­nhá-las sozinha.
— Mil perdões! — apressei-me a responder.
— O senhor foi convidado para o chá? — perguntou, atando um avental por cima do seu elegante vestido preto e segurando uma colher de chá sobre a chaleira.
— Gostaria muito de tomar uma xícara — respondi.
— Foi convidado? — repetiu ela.
— Não — disse eu, quase a sorrir. — Mas a senhora e a pessoa indicada para me convidar.
Ela pôs o chá de volta na lata e voltou para a sua cadeira, a testa enrugada e o lábio inferior espichado, como uma criança prestes a chorar.
Entretanto, o jovem jogara sobre si uma jaqueta de­cididamente gasta, e, erguendo-se diante do fogo, olhou para mim com o canto do olho, como se entre nós hou­vesse uma rivalidade mortal. Comecei a pensar que ele talvez não fosse um empregado; a sua roupa e a sua ma­neira de falar eram ambas grosseiras, sem qualquer traço da superioridade comum ao Sr. e à Sra. Heathcliff; seu cabelo, grosso e castanho, era maltratado, as suíças espa­lhavam-se desordenadamente pelas suas bochechas, e tinha as mãos encardidas como as de um serviçal. Mas os seus modos eram livres, quase arrogantes, e ele não mostrava servilismo perante a dona da casa. Na ausência de provas claras, achei melhor abster-me de reparar na sua curiosa conduta; e, cinco minutos depois, a chegada de Heathcliff veio, de certo modo, aliviar-me da desconfortável posição em que me encontrava.
— Como vê, aqui estou eu, conforme prometi! — exclamei, adotando um ar alegre. — E acho que vou ter que ficar aqui mais meia hora, se o senhor me puder abri­gar durante esse tempo.
— Meia hora? — repetiu ele, sacudindo os flocos de neve dos seus trajes. — Não posso compreender por que razão o senhor foi escolher uma tempestade de neve para andar por aí. Sabe que corre o perigo de se perder nos pântanos? As pessoas que os conhecem bem muitas vezes se perdem, em tardes como essa. E digo-lhe que o tempo não vai mudar.
— Talvez algum dos seus rapazes me possa guiar e pernoitar na granja. Pode ceder-me alguém?
— Não, não posso.
— Oh, bem, então tenho de confiar no meu sentido de orientação.
— Hum!
— Vai fazer o chá ou não vai? — perguntou o da jaqueta andrajosa, desviando o olhar feroz de mim para a jovem.
Ele vai tomar chá? — perguntou ela, por sua vez, dirigindo-se a Heathcliff.
— Faça logo o chá! — foi a resposta, dita num tom tão furioso que estremeci, pois revelava uma péssima na­tureza. Já não me sentia inclinado a considerar Heathcliff um grande sujeito. Quando o chá ficou pronto, ele me convidou com: — Vamos, chegue a sua cadeira. — E todos nós, inclusive o jovem rústico, nos aproximamos da mesa, à volta da qual se instalou um desconfortável silên­cio.
Pensei que, uma vez que o causara, fosse meu dever esforçar-me por dissipá-lo. Não era possível que todos os dias se sentassem para tomar chá num ambiente tão taciturno; e tampouco era possível que, por pior gênio que tivessem, aquelas caras fechadas fossem a sua expressão cotidiana.
— É estranho — comecei, entre uma xícara e outra —, é estranho como o hábito pode moldar os nossos gos­tos e as nossas idéias. Muita gente não imaginaria que poderia haver felicidade numa vida de completo exílio do mundo, como é a sua, Sr. Heathcliff; e, contudo, ouso dizer que, rodeado da sua família e com a sua encantadora se­nhora presidindo em seu lar e em seu coração. . .
— Minha encantadora senhora! — interrompeu ele, com uma expressão quase diabólica. — Onde está ela. . . a minha encantadora senhora?
— Refiro-me à Sra. Heathcliff, sua esposa.
— Oh, sim. . . Pelo visto, o senhor insinua que o seu espírito assumiu a forma de anjo da guarda, velando pela felicidade do Morro dos Ventos Uivantes mesmo depois da morte. É isso?
Percebendo que tinha cometido uma gafe, tentei cor­rigi-la. Devia ter visto que havia demasiada disparidade entre as idades de ambos para que se pudesse pensar neles como marido e mulher. Ele devia andar pelos quarenta anos, uma idade de vigor mental, em que os homens rara­mente acalentam a ilusão de que as jovens se casam com eles por amor — esse sonho é reservado ao consolo dos anos de declínio. Quanto a ela, talvez não tivesse sequer dezessete anos.
Ocorreu-me, então: "Essa rude criatura a meu lado, tomando chá numa caneca e comendo pão sem lavar as mãos, deve ser o marido dela: Heathcliff Junior, sem dú­vida. Eis a conseqüência de se deixar enterrar em vida: uma moça tão bonita desperdiçada com esse rapaz horrível, só por não conhecer ninguém melhor! Uma pena — tenho de ter cuidado para não a fazer lastimar a sua escolha". Essa última reflexão podia parecer convencimento, mas não era. O meu vizinho de mesa era quase repulsivo; quan­to a mim, sabia, por experiência, que era um tanto atraente.
— A Sra. Heathcliff é minha nora — informou Heathcliff, corroborando a minha suposição. Ao falar, lançou-lhe um olhar peculiar: um olhar de ódio; a menos que tenha um jogo especial de músculos faciais, que, ao contrário das outras pessoas, não interprete o que lhe vai na alma.
— Ah, sim, agora entendo: o senhor é o feliz pos­suidor da bela fada — comentei, virando-me para o meu vizinho.
Foi pior a emenda do que o soneto: o jovem ficou escarlate e fechou o punho, dando-me a impressão de que me ia esmurrar. Mas logo pareceu dominar-se, e, contro­lando-se brutalmente, resmungou qualquer coisa para mim, que procurei ignorar.
— O senhor não tem sorte nas suas conjeturas — observou o meu anfitrião. — Nenhum de nós dois tem o privilégio de ser possuidor da sua bela fada; o marido dela morreu. Disse-lhe que ela era minha nora, de modo que é fácil deduzir que casou com meu filho.
— Mas esse jovem não é. . .
— Não é meu filho, claro!
Heathcliff sorriu de novo, como se fosse uma piada de péssimo gosto atribuir-lhe a paternidade daquele urso.
— Meu nome é Hareton Earnshaw — grunhiu o outro. — Aconselho você a respeitá-lo!
— Não me parece que o tenha desrespeitado — re­pliquei, rindo interiormente da dignidade com que ele se anunciara.
Fixou em mim um olhar que eu procurei não devol­ver, por medo de não resistir à tentação de esbofeteá-lo ou então de rir em voz alta. Começava a sentir-me incon­fundivelmente mal e deslocado naquele agradável círculo familiar. O horrível ambiente vencia e mais que neutrali­zava o conforto físico que me rodeava, e resolvi tomar mais cuidado antes de aventurar-me uma terceira vez sob aquele teto.
Terminada a ocupação de comer e como ninguém pronunciasse uma só palavra de palestra social, aproxi­mei-me de uma janela para ver como estava o tempo. O que vi foi desanimador: a escuridão da noite caía prema­turamente e o céu e as colinas se confundiam num remoinho de vento e de neve.
— Não acho que vá poder chegar a casa sem um guia — exclamei. — As estradas já devem estar cobertas de neve; e, mesmo que não estejam, mal vou conseguir ver onde ponho os pés.
— Hareton, toque aquela dúzia de carneiros para o andar de cima do celeiro. Vão ficar enregelados se os dei­xarem no curral toda a noite. E ponha uma tábua à frente deles — disse Heathcliff.
— Que hei de fazer? — insisti, com crescente irri­tação.
Não tive resposta. Olhando em volta, vi apenas Jo­seph, trazendo um balde com mingau para os cães, e a Sra. Heathcliff divertindo-se a acender no fogo um feixe de fósforos que tinham caído do alto da lareira quando ela pusera a lata de chá no seu lugar. Após ter depositado o balde no chão, o velho criado olhou em redor com ar críti­co e, com voz rachada, invectivou:
— Não entendo como é que se pode ficar aí sem fazer nada! Mas não adianta falar, quem é mau já nasce torto e acaba no inferno, igualzinho à mãe!
Por um momento pensei que aquele sermão fosse di­rigido a mim e, suficientemente enraivecido, avancei para o homem, com a intenção de chutá-lo porta afora. Mas a resposta da Sra. Heathcliff deteve-me a tempo.
— Seu velho hipócrita! — replicou ela. — Será que você não tem medo de que o Diabo o carregue, de tanto falar no inferno? Aconselho-o a não me provocar, ou pe­direi ao Maligno que o leve. Espere aí, Joseph — conti­nuou, tirando um livro comprido e escuro da prateleira. — Vou lhe mostrar como progredi na magia negra. Em breve poderei lidar com vocês todos. A vaca vermelha não morreu por acaso e o seu reumatismo não pode ser con­siderado uma bênção dos céus!
— Malvada, malvada! — arquejou o velho. — Que o Senhor nos salve do mal!
— Não, você é um réprobo! Cuidado, ou eu ainda lhes farei muito mal! Tenho vocês todos modelados em cera e barro, e o primeiro que ultrapassar os limites que eu fixar há de. . . não vou dizer, mas vocês vão ver! Agora, fora daqui!
A bruxinha pôs uma expressão diabólica nos seus belos olhos, e Joseph, tremendo de autêntico pavor, saiu correndo, rezando e murmurando "malvada". Achei que a conduta dela devia ser motivada por um estranho senso de humor; e, aproveitando que estávamos sozinhos, tentei interessá-la no meu caso.
— Sra. Heathcliff — disse, sem esconder a minha preocupação —, desculpe-me incomodá-la. Com esse rosto, tenho a certeza de que a senhora possui um bom coração. Diga-me como me poderei orientar para voltar para casa. Não tenho mais idéia de que caminho tomar do que se tivesse de ir agora para Londres!
— Tome o mesmo caminho pelo qual o senhor veio — respondeu ela, aninhando-se numa poltrona, com uma vela e o livro preto aberto à sua frente. — É o melhor conselho que lhe posso dar.
— Quer dizer que, se me encontrarem morto no pân­tano ou caído num poço cheio de neve, a sua consciência não a acusará?
— Por quê? Não posso acompanhá-lo. Não me dei­xariam chegar à ponta do muro do jardim.
A senhora! Eu jamais lhe pediria para pôr o pé fora da casa numa noite destas só por minha causa! — exclamei. — Quero que me diga que caminho tomar, não que o mostre; ou, então, que convença o Sr. Heathcliff a me dar um guia.
— Mas quem? Há ele, Earnshaw, Zillah, Joseph e eu. Qual de nós lhe serviria?
— Não há empregados na fazenda?
— Não; somos só nós.
— Então serei obrigado a pernoitar aqui.
— Isso o senhor pode acertar com o dono da casa. Eu nada tenho com isso.
— Espero que isto o ensine a não se aventurar mais por estes morros — falou a severa voz de Heathcliff, da porta da cozinha. — Quanto a pernoitar aqui, não tenho acomodações para hóspedes; se quiser ficar, terá de par­tilhar uma cama com Hareton ou com Joseph.
— Posso dormir numa poltrona, aqui mesmo na sala _repliquei.
— Não, não! Um estranho é um estranho, seja ele rico ou pobre! Não quero ninguém aqui enquanto estou dormindo! — disse o desgraçado.
Com esse insulto, a minha paciência estava no fim. Murmurei uma expressão de desagrado e precipitei-me pa­ra o pátio, quase dando um encontrão em Earnshaw, na minha pressa. Estava tão escuro, que não conseguia encon­trar a saída. Enquanto a procurava, ouvi mais uma amostra da cordialidade que reinava entre eles. A princípio, o jo­vem parecia estar do meu lado.
— Vou com ele até o parque — anunciou.
— Você vai com ele mas é para o inferno! — excla­mou o patrão ou fosse lá o que fosse. — E quem vai tratar dos cavalos, hein?
— A vida de um homem é mais importante do que deixar uma noite de cuidar dos cavalos. Alguém tem de ir com ele — murmurou a Sra. Heathcliff, para minha sur­presa.
— Não se você mandar! — retrucou Hareton. — Se você simpatizou com ele é melhor ficar calada.
— Pois então espero que o fantasma dele o persiga; e espero que o Sr. Heathcliff nunca mais consiga outro inquilino até que a granja fique em ruínas! — contra-atacou ela, furiosa.
— Escute só, ela está amaldiçoando eles! — mur­murou Joseph, em cuja direção eu me encaminhara.
Estava sentado a pequena distância, ordenhando as vacas à luz de uma lanterna, que apanhei sem cerimônia, dizendo que a devolveria no dia seguinte e encaminhando-me para a porteira mais próxima.
— Patrão, patrão, ele está roubando a lanterna! — gritou o velho, correndo atrás de mim. — Ei, Gnasher! Ei, cachorro! Ei, Lobo, peguem ele! Peguem ele!
Quando abri a porteira, dois monstros peludos pula­ram-me ao pescoço, jogando-me ao chão e apagando a lanterna, enquanto a risada conjunta de Heathcliff e Hare­ton ultrapassava os limites da minha raiva e da minha humilhação. Felizmente, os bichos pareciam mais inclina­dos a esticar as patas, a bocejar e abanar as caudas do que a devorar-me vivo; mas não me deixavam levantar-me, e tive de jazer no chão até que os seus donos se dignaram chamá-los. Sem chapéu e tremendo de fúria, ordenei que me deixassem sair — talvez se arrependessem, se eu ficasse mais um minuto naquela casa — com várias e incoerentes ameaças de vingança, que, na sua virulência, faziam lem­brar o Rei Lear.
A veemência da minha agitação fez-me sangrar copiosamente pelo nariz, aumentando as risadas de Heath­cliff e a minha indignação. Não sei como terminaria aquilo, não fosse a entrada em cena de uma pessoa mais sensata do que eu e mais benévola do que o meu anfitrião: Zillah, a gorda governanta, que acorreu a saber as causas do tu­multo. Pensou que me tivessem atacado e, não ousando voltar-se contra o patrão, assestou a sua artilharia vocal contra o jovem.
— Muito bem, Sr. Earnshaw! — exclamou. — Só quero ver a que ponto o senhor vai chegar! Com certeza vamos matar gente aqui em casa! Estou vendo que esta casa não é para mim. . . vejam só o pobre rapaz, está sufocando-se! Espere aí, o senhor não pode ir embora assim. Entre, que eu lhe curo isso. Fique quietinho!
Assim falando, ela derramou uma vasilha de água gelada pelo meu pescoço abaixo e puxou-me para a co­zinha. O Sr. Heathcliff seguiu-nos, novamente taciturno após aquela acidental explosão de riso.
Sentia-me tonto e fraco, o que me obrigou a aceitar alojamento para a noite. Heathcliff disse a Zillah que me desse um cálice de brandy e depois passou para a sala, enquanto a governanta lamentava o que me acontecera e, após me haver servido a bebida, mostrava-me o caminho do quarto.

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