sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Capítulo 8

Capítulo 8
Há um metro de distância, Trudi foi repartida por um tiro de espingarda.
O vermelho escuro que tingia o cabelo dela virou um outro tom de vermelho e os seus
olhos abertos me encararam para sempre. Chuck, o barman, foi apenas ferido, uma vez que
a estrutura do bar em si ofereceu a ele alguma proteção.
Eric estava deitado em cima de mim. Devido a minha condição machucada, isso era muito
doloroso, e eu comecei a empurrá-lo. Então eu percebi que se ele fosse atingido com balas,
ele provavelmente sobreviveria. Mas eu não. Então eu aceitei sua proteção gratamente
pelos horríveis minutos da primeira onda do ataque, quando fuzis e escopetas e revolveres
foram acionados contra a mansão suburbana deliberadamente.
Instintivamente, eu fechei os olhos enquanto a explosão durou. Vidros despedaçaram,
vampiros rugiam, humanos gritavam. O barulho batia em mim, tal como um tsunami de
cérebros me cobrindo em alta velocidade. Quando ele começou a diminuir gradualmente,
eu olhei dentro dos olhos de Eric. Incrivelmente, ele estava animado. Ele sorriu para mim.
"Eu sabia que ia ficar em cima de você de alguma maneira," disse ele.
"Está tentando me deixar com raiva para que eu esqueça como estou assustada?"
"Não, só estou sendo oportunista."
Eu me contorci, tentando sair de debaixo dele, e ele disse: "Oh, faça isso de novo. Isso é
maravilhoso."
"Eric, aquela garota com quem eu estava conversando está há menos de um metro de nós
com uma parte de sua cabeça faltando."
"Sookie," disse ele, de repente sério, "Eu tenho estado morto durante algumas centenas de
anos. Estou habituado a isso. Mas ela ainda não está tão morta. Existe uma faísca. Você
quer que eu a converta?"
Fiquei chocada e sem fala. Como eu poderia tomar essa decisão?
E enquanto eu pensava nisso, ele disse, "Ela se foi."
Enquanto eu o encarava, o silêncio se tornou completo. O único barulho na casa eram os
soluços do namorado ferido de Farrell, que estava pressionando ambas as mãos em sua
coxa avermelhada. De fora vinham os sons remotos de veículos arrancando rapidamente
para cima e para baixo na calma rua suburbana. O ataque estava acabado. Eu parecia estar
tendo problemas para respirar, e descobrir o que eu deveria fazer a seguir. Certamente havia
alguma coisa, alguma atitude, que eu deveria tomar?
Isto foi o mais perto de uma guerra que eu já cheguei.
A sala estava cheia dos gritos dos sobreviventes e os rugidos de raiva dos vampiros.
Pedaços do estofamento do sofá e das cadeiras flutuavam no ar como neve. Havia vidro
quebrado em tudo e o calor da noite emanou pela sala. Vários dos vampiros já estavam de
pé e indo à caça, Joseph Velasquez entre eles, eu reparei.
"Nenhuma razão para hesitar," disse Eric com um suspiro de deboche, e levantou-se de
cima de mim. Ele olhou para baixo para si mesmo. "Minhas camisas sempre ficam
arruinadas quando estou perto de você."
"Oh droga, Eric." Fiquei de joelhos com uma prontidão desajeitada. "Você está sangrando.
Você foi atingido. Bill! Bill!"Meus cabelos sacudiam pelos meus ombros enquanto eu
virava de um lado para outro procurando na sala. A última vez que eu reparei ele estava
conversando com uma vampira de cabelos pretos com um acentuado sinal de viúva*. Ela
parecia algo tipo a Branca de Neve, para mim. Agora eu estava meio de pé para fazer uma
busca pelo andar e eu a vi estatelada perto de uma janela. Algo estava se projetando em seu
peito. A janela tinha sido atingida pela explosão dos tiros, e alguns estilhaços tinham voado
pela sala. Um deles perfurou seu peito e a matou. Bill não estava à vista, entre os vivos ou
os mortos.
(*pra quem não conhece essa expressão, sinal de viúva é quando se tem a raiz do cabelo
em formato de v bem na testa)
Eric arrancou fora sua camisa encharcada e olhou para baixo em seu ombro. "A bala está
bem dentro da ferida, Sookie," disse Eric, através dos dentes cerrados. "Sugue-a para fora."
"O quê?" Eu fiquei pasma diante dele.
"Se você não sugá-la, ele irá cicatrizar dentro da minha carne. Se você está tão
melindrada, vá pegar uma faca e corte."
"Mas eu não posso fazer isso."Minha pequena bolsa de festa tinha um canivete dentro, mas
eu não tinha idéia de onde eu a tinha colocado, e eu não poderia parar pra pensar e procurar.
Ele mostrou os dentes para mim. "Eu levei esta bala por você. Você pode tirá-la para mim.
Você não é covarde."
Me obriguei a ficar firme. Eu usei a sua camisa descartada como um pano de limpeza. O
sangramento foi diminuindo, e espiando dentro da carne perfurada, eu pude simplesmente
ver a bala. Se eu tivesse unhas longas como Trudi, eu teria sido capaz de retirá-la, mas
meus dedos são curtos e grossos, e as minhas unhas são cortadas bem curtas. Eu suspirei
resignada.
A expressão "morder a bala*" assumiu um novo significado quando eu me inclinei para o
ombro de Eric.
Eric deu um longo gemido enquanto eu chupava, e eu senti a bala pular em minha boca. Ele
estava certo. O tapete dificilmente poderia ficar mais manchado do que já estava, então já
que isso me fez sentir como uma verdadeira bárbara, eu cuspi a bala no chão juntamente
com a maior parte do sangue em minha boca. Mas parte dele, inevitavelmente, eu tinha
engolido. Seu ombro já estava se curando. "Esta sala está exalando sangue," ele sussurrou.
(*no original ‘biting the bullet’ é uma expressão que significa suportar a dor e foi criada
quando ainda não existia anestesia e os soldados baleados na guerra, colocavam uma bala
entre os dentes para agüentar firme a cirurgia)
"Bem, taí,", eu disse, e olhei para cima. "Isso foi a mais asquerosa-"
"Seus lábios estão ensangüentados." Ele segurou o meu rosto com ambas as mãos e me
beijou.
É difícil não responder quando um mestre na arte de beijar está aplicando um em você. E eu
poderia ter me deixado desfrutar – bem, desfrutar mais - se eu não estivesse tão preocupada
com o Bill; porque vamos encarar isso, flertar com a morte tem esse efeito. Você quer
reafirmar o fato de que você está vivo. Embora os vampiros realmente não estejam, parece
que eles não são mais imunes a essa síndrome do que os humanos, e a libido do Eric veio a
tona por causa do sangue na sala.
Mas eu estava preocupada com o Bill, e fiquei chocada com a violência, então depois de
um longo momento excitante esquecendo o horror ao meu redor, me afastei. Os lábios de
Eric estavam ensangüentados agora. Ele os lambeu lentamente. "Vai procurar por Bill,"
disse ele em uma voz rouca.
Eu olhei em seu ombro novamente, para ver que o buraco tinha começado a fechar. Eu
peguei a bala de cima do tapete, pegajosa uma vez que estava com sangue, e a envolvi em
um pedaço pequeno da camisa do Eric. Parecia como um bom suvenir, na hora. Eu
realmente não sei o que eu estava pensando. Havia ainda os feridos e mortos no chão da
sala, mas a maioria daqueles que ainda estavam vivos tiveram ajuda de outros humanos ou
de dois vampiros que não haviam se juntado à caça.
Sirenes soavam à distância.
A bela porta da frente foi estilhaçada e esburacada. Eu fiquei de um lado para abri-la, só pra
garantir se houvesse um vigilante solitário no jardim, mas nada aconteceu. Eu espiei da
soleira da porta pelos arredores.
"Bill?" Eu chamei. "Você está bem?"
Só então ele voltou passeando pelo jardim parecendo positivamente rosado.
"Bill," eu disse, sentindo-me usada e impiedosa e triste. Uma aversão estúpida, que
realmente era apenas uma profunda decepção, enchia o abismo no meu estômago.
Ele parou em seu trajeto.
"Eles dispararam contra nós e mataram alguns de nós," disse ele. Suas presas cintilavam, e
ele estava brilhando de excitação.
"Você acabou de matar alguém."
"Para nos defender."
"Para se vingar."
Havia uma clara diferença entre as duas coisas, na minha mente, naquele momento. Ele
parecia desnorteado.
"Você nem sequer esperou para ver se eu estava bem", eu disse. Uma vez vampiro, sempre
um vampiro. Tigres não podem mudar suas listras. Não se pode ensinar novos truques a um
cachorro velho. Ouvi cada alerta que todos já tinham me dado, no caloroso sotaque de casa.
Eu virei e voltei para a casa, andando desatentamente através das manchas de sangue e caos
e confusão como se eu visse coisas como essas todos os dias. Algumas das coisas que eu vi
eu nem sequer registrei mentalmente, até a próxima semana quando de repente o meu
cérebro ia acrescentava uma fotografia para minha visualização: talvez um close de um
crânio despedaçado, ou uma artéria jorrando. O que era importante para mim nesse
momento era que eu encontrasse a minha bolsa. Eu achei a bolsa no segundo lugar que eu
procurei. Enquanto Bill se exasperava com os feridos pois assim ele não teria que falar
comigo, eu saí daquela casa e entrei no carro alugado e, apesar da minha ansiedade, eu
dirigi. Ficar nesta casa era pior do que o medo do tráfego da cidade grande. Eu caí fora da
casa logo antes da polícia chegar lá.
Depois que eu dirigi alguns quarteirões, eu estacionei na frente de uma biblioteca e
retirei o mapa do porta-luvas. Embora tenha tomado o dobro do tempo que deveria tomar,
já que o meu cérebro estava tão traumatizado que quase não estava funcionando, eu
descobri como chegar ao aeroporto.
E foi pra lá que eu fui. Segui as placas que diziam ALUGUEL DE CARROS e estacionei o
carro e deixei as chaves dentro e saí. Eu arranjei um lugar no próximo vôo para Shreveport,
que estava partindo na hora. Agradeci a Deus por ter o meu próprio cartão de crédito.
Já que eu nunca fiz isso antes, eu demorei alguns minutos para descobrir o telefone público.
Eu tive sorte o suficiente de encontrar Jason, que disse que iria me encontrar no aeroporto.
Eu estava em casa na cama pela manhã cedo.
Eu não comecei a chorar até o próximo dia.

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