sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Capítulo 4

Dallas estava tão quente quanto o inferno, especialmente sobre a pavimentação do aeroporto. Nossos breves dias de outono tiveram uma recaída para o verão. Rajadas de ar quente como tochas traziam todos os sons e cheiros do aeroporto Dallas Fort Worth - o funcionamento de pequenos veículos e aviões, seus combustíveis e seus carregamentos - pareciam se acumular ao redor do pé da rampa do compartimento de carga do avião que eu estava esperando. Eu voaria em um avião comercial comum, mas Bill tinha que ter um embarque especial.
Eu estava agitando meu blaiser, tentando manter as minhas axilas secas, quando um padre católico se aproximou.
Inicialmente, eu tive tanto respeito por seu colarinho que eu não levantei objeções à sua abordagem, embora eu realmente não quisesse falar com ninguém. Eu tinha acabado de sair de uma experiência totalmente nova, e eu tinha vários outros obstáculos a minha frente.
"Posso ser útil para você? Não pude deixar de notar a sua situação," disse o pequeno homem. Ele estava sobriamente vestido em preto eclesiástico, e ele parecia cheio de simpatia. Além disso, tinha a confiança de alguém acostumado a se aproximar de estranhos e ser recebido educadamente. Ele usava o que eu achei que era uma espécie de corte de cabelo incomum para um padre, contudo; seu cabelo castanho era comprido, e emaranhado, e ele tinha um
bigode, também. Mas eu só notei isso vagamente.
"A minha situação?" Eu perguntei, sem realmente prestar atenção às suas palavras. Eu tinha acabado de dar uma olhada no caixão de madeira polida na borda do compartimento. Bill era tão tradicional; metal teria sido mais prático para viagens. Os atendentes uniformizados estavam rolando o caixão para o topo da rampa, então eles devem ter colocado rodas sob ele de alguma forma. Eles tinham prometido ao Bill que iria chegar ao seu destino sem um arranhão. E os guardas armados atrás de mim asseguravam que nenhum fanático avançaria subitamente e despedaçaria a tampa. Esse era um dos serviços extras que a Anúbis Air propagava em seu anúncio. Por instruções do Bill, eu também especifiquei que ele seria o primeiro a sair do avião.
Até aqui, tudo bem.
Eu lançei um olhar para o céu escuro. As luzes ao redor do campo tinham chegado minutos antes. A cabeça do chacal preto sobre a cauda do avião parecia selvagem na luz forte, o que criava sombras profundas onde não tinha ninguém. Eu chequei meu relógio novamente.
"Sim. Eu sinto muito."
Eu olhei de lado para meu acompanhante indesejado. Ele tinha entrado no avião em Baton Rouge? Eu não lembrava do seu rosto, mas até aí, eu tinha estado muito nervosa durante todo o vôo. "Sente," eu disse. "Por quê? Tem algum tipo de problema?"
Ele pareceu complexamente abismado. "Bem," disse ele, cabeceando em direção ao caixão, que agora descia a rampa sobre um sistema de rodas. "A sua perda. Era um ente querido?" Ele se aproximou um pouco mais de mim.
"Bem, claro," eu disse, oscilando entre a perplexidade e a irritação. Porque ele estava aqui fora? Certamente a companhia aérea não pagaria um padre para atender todas as pessoas que viajavam com um caixão? Especialmente um sendo descarregado pela Anubis Air. "Por que mais eu estaria aqui parada?"
Eu comecei a me preocupar.
Lentamente, com cuidado, eu deslizei meu escudo mental e começei a examinar o homem ao meu lado. Eu sei, eu sei: uma invasão de sua privacidade. Mas eu era responsável não só pela minha própria segurança, mas pela de Bill.
O padre, que por acaso era um forte transmissor, estava pensando sobre o anoitecer chegando tão atentamente quanto eu estava, e com muito mais medo. Ele esperava que seus amigos estivessem onde supostamente deveriam estar.
Tentando não demonstrar a minha crescente ansiedade, eu olhei para cima novamente. No crepúsculo profundo, restava apenas um fraco rastro de luz no céu do Texas.
"Seu marido, talvez?" Ele curvou seus dedos em volta do meu braço.
Esse cara era assustador, ou quê? Eu olhei para ele. Seus olhos estavam fixos sobre os carregadores de bagagem que estavam bem visíveis no porão do avião. Eles estavam vestindo macacões pretos com pratacom o logotipo da Anubis sobre o peito esquerdo. Então o seu olhar tremeluziu para o funcionário da companhia aérea que estava no solo, se preparando para guiar o caixão numa descida amortecida pela rampa plana. O padre queria... o que ele queria? Ele estava tentando avistar todos os homens olhandopara longe, preocupados. Ele não queria que eles vissem. Enquanto ele. . . o quê?
"Não, ele é meu namorado," eu disse, só para manter as aparências. Minha avó tinha me criado para ser educada, mas ela não me criou para ser estúpida. Furtivamente, eu abri minha bolsa com uma mão e tirei o spray pimenta que Bill tinha me dado para emergências. Segurei o pequeno cilindro perto da minha coxa. Eu estava me afastando do falso padre e suas intenções obscuras, e sua mão estava apertando meu braço, quando a tampa do caixão se abriu.
Os dois carregadores de bagagem no avião tinhamoscilado para baixo em direção ao chão. Agora eles se inclinavam profundamente. Aquele que estava guiando o caixão sobre o carrinho disse "Merda!" antes que ele inclinasse, também (um cara novo, eu acho). Esta pequena parte de comportamento servil também era um extra da companhia, mas eu considerei um exagero.
O padre disse: "Me ajude, Jesus!" Mas ao invés de cair de joelhos, ele pulou para a minha direita, agarrou-me pelo braço segurando o spray, e começou a me puxar.
No começo, achei que ele estava tentando me livrar do perigo representado pelo caixão aberto, puxando-me para a segurança. E eu acho que era isso que parecia para os carregadores de bagagem, que estavam absortos em assumir seu papel como atendentes da Anubis Air. O resultado final foi, eles não me ajudaram, apesar de eu ter gritado, "Solte!" no mais alto tom dos meus pulmões bem desenvolvidos. O "padre" continuava puxando meu braço e tentando correr, e eu me mantive firme em meus saltos de cinco centímetros e puxei de volta. Eu o ataquei com minha mão livre. Eu não deixo ninguém me arrastar para algum lugar que eu não queira ir, não sem uma boa luta.
"Bill!" eu estava realmente assustada. O padre não era um homem grande, mas ele era mais alto e mais pesado do que eu, e quase tão determinado. Embora eu estivesse dificultando seu esforço o quanto podia, centímetro por centímetro ele estava me movendo em direção a uma porta de funcionários dentro do terminal. Um vento tinha soprado do nada, um vento quente seco, e se eu pulverizasse produtos químicos eles explodiriam de volta na minha cara.
O homem dentro do caixão levantou-se lentamente, seus grandes olhos escuros absorvendo a cena em sua volta. Eu vislumbrei-o passando uma mão sobre seus cabelos castanhos macios.
A porta dos funcionários se abriu e eu poderia dizer que havia alguém lá dentro, como reforço para o padre.
"Bill!"
Houve um som de assobio pelo ar me rodeando, e de repente o padre me largou e zuniu pela porta como um coelho no rastro de um cão de caça. Eu cambaleei e teria caído de bunda se Bill não tivesse avançado lentamente para me segurar.
"Oi, amor," eu disse, incrivelmente aliviado. Eu larguei o blaiser do meu novo terno cinza, e fiquei feliz que tinha aplicado um pouco mais de batom quando o avião pousou. Eu olhei na direção que o padre tinha tomado. "Isso foi muito estranho." Eu enfiei o spray de pimenta de volta na minha bolsa.
"Sookie," Bill disse, "você está bem?" Ele se inclinou para me dar um beijo, ignorando os sussurros aterrorizados dos carregadores de bagagens que trabalhavam em um avião fretado ao lado do portão da Anubis. Apesar de todo o mundo ter sido informado há dois anos que os vampiros não eram apenas personagens de lendas e filmes de terror, mas realmente levavam uma longa existência há séculos entre nós, muita gente nunca tinha visto um vampiro em carne e osso.
Bill os ignorou. Bill é bom em ignorar coisas que ele não acha dignas de sua atenção.
"Sim, eu estou bem," eu disse, um pouco tonta. "Não sei por que ele estava tentando me agarrar."
"Ele entendeu mal o nosso relacionamento?"
"Eu acho que não. Acho que ele sabia que eu estava esperando por você e ele estava tentando me tirar daqui antes que você acordasse."
"Vamos ter que pensar sobre isso," disse Bill, mestre em atenuar coisas. "Fora este incidente bizarro, como foi a noite?"
"O vôo foi bom," disse, tentando não fazer beicinho.
"Alguma outra coisa desagradável aconteceu?" Bill soou um pouquinho irônico. Ele estava bem consciente de que eu me sentia posta de lado.
“Eu não sei o que é normal em viagens de avião, já que nunca fiz isso antes," eu disse mordaz, "mas até esse padre ter aparecido, eu diria que as coisas correram bem tranqüilas." Bill levantou uma sobrancelha naqula pose superior que ele tem, então eu tive que dar detalhes. "Não acho que aquele homem fosse realmente um padre de verdade. Pra quê ele queria esperar o avião? Por que ele veio conversar comigo? Ele estava apenas esperando até que todos que estavam trabalhando no avião olhassem em outra direção."
"Vamos falar sobre isso em um lugar com mais privacidade," meu vampiro disse, lançando um olhar para os homens e mulheres que tinham começado a se reunir em volta do avião para verificar o tumulto. Ele passou pelos funcionários uniformizados da Anubis, e em uma voz serena ele os censurou por não virem me ajudar. Pelo menos, eu presumi que esse era o conteúdo da sua conversa, pela maneira que eles ficaram brancos e começaram a balbuciar. Bill deslizou um braço em torno de minha cintura e começamos a caminhar para o terminal.
"Mande o caixão para o endereço na tampa," Bill falou por cima do seu ombro. "O Hotel Silent Shore". O Silent Shore era o único hotel na área de Dallas que tinha realizado a extensa reforma necessária para acomodar hóspedes vampiros. Era um dos grandes hotéis antigos no centro da cidade, o panfleto dizia, não que eu já tivesse visto o centro de Dallas ou qualquer um dos seus grandes hotéis antigos antes.
Nós paramos na escadaria sobre um lance de degraus sujos que levavam até o pátio principal de passageiros. "Agora, me diga," ele exigiu. Eu lancei um olhar para ele enquanto eu relatava o estranho incidente do início ao fim. Ele estava muito pálido. Eu sabia que ele devia estar com fome. Suas sobrancelhas pareciam negras contra a palidez da sua pele, e seus olhos castanhos pareciam ainda mais escuros do que eles realmente eram.
Ele ajudou a abrir uma porta e eu passei através do alvoroço e confusão de um dos maiores de aeroportos do mundo.
"Você não o ouviu?" Eu poderia dizer Bill não se referia aos meus ouvidos.
"Eu ainda estava fortemente protegida contra as mentes no avião," eu disse. "E no momento em que fiquei preocupada, comecei a tentar ler sua mente, você saiu de seu caixão e ele caiu fora. Eu tive uma sensação estranha , antes que ele fugisse..." Hesitei, sabendo que isso era imporvável.
Bill só esperava. Ele não é de desperdiçar palavras. Ele me deixou terminar o que estava dizendo. Nós paramos de andar por um segundo, deslocando-nos para junto da parede.
"Eu senti como se ele estivesse ali para me seqüestrar," eu disse. "Eu sei que parece loucura. Quem saberia quem sou eu, aqui em Dallas? Quem saberia que estaríamos reunidos no avião? Mas essa foi definitivamente a impressão que eu tive." Bill pegou minhas mãos quentes com as suas frias.
Olhei para cima dentro dos olhos de Bill. Não sou tão baixinha, e ele não é tão alto, mas eu ainda tenho que olhar para cima para encará-lo. E isso meio que é uma questão de orgulho para mim, que eu possa olhá-lo nos olhos e não sentir seu encantamento. Às vezes eu desejava que Bill pudesse me dar uma série de memórias diferentes - por exemplo, eu não me importaria de esquecer sobre a bacante – mas ele não pode.
Bill estava pensando sobre o que eu disse, arquivando isso para referências futuras. "Então o vôo em si foi chato?" ele perguntou.
"Na verdade, foi bastante emocionante," eu admiti. "Depois que me certifiquei que o pessoal da Anubis tinha acomodado você no avião deles, e eu fui embarcada no meu, a mulher nos mostrou o que fazer se o avião caísse. Eu estava sentada na fila da saída de emergência. Ela disse para trocarmos de lugar se nós achássemos que não poderiamos lidar com isso. Mas eu acho que eu podia, não acha? Lidar com uma emergência? Ela me trouxe uma bebida e uma revista." Eu raramente sou servida, sendo uma garçonete profissional, você poderia dizer, então eu realmente apreciei ser atendida.
"Eu tenho certeza de que você pode lidar com praticamente qualquer coisa, Sookie. Você estava assustada quando o avião decolou?"
"Não. Só estava um pouco preocupada com esta noite. Fora isso, foi tudo bem."
"Me desculpe não poder estar com você," ele murmurou, sua voz tranqüila e clara flutuando à minha volta. Ele me pressionou contra seu peito.
"Não tem problema," eu disse em sua camisa, na maior parte falando sério. "Voar pela primeira vez, você sabe, é meio que desesperador. Mas correu tudo bem. Até nós aterrissarmos.”
Eu podia lamentar e podia gemer, mas eu estava realmente contente por Bill ter levantado a tempo de me conduzir pelo aeroporto. Eu estava me sentindo mais e mais como a prima pobre do interior.
Nós não falamos mais nada sobre o padre, mas eu sabia que Bill não tinha esquecido. Ele me acompanhou na hora de recolher nossa bagagem e encontrar transporte. Ele poderia ter me deixado em algum lugar e preparado tudo, exceto, como ele me fazia lembrar freqüentemente, eu teria que fazer isso sozinha alguma hora, se nossos assuntos exigissem que aterrissássemos em algum lugar em plena luz do dia.
Apesar do fato de que o aeroporto parecia incrivelmente lotado, cheio de pessoas que aparentavam ser profundamente sobrecarregadas e infelizes, eu consegui seguir os sinais com uma pequena cutucada de Bill, depois de reforçar o meu escudo mental. Foi ruim o suficiente, ser banhada com a angústia dos viajantes cansados, sem ouvir seus lamentos específicos. Eu dei as instruções ao carregador com a nossa bagagem (que Bill poderia facilmente ter levado sob um braço) para o ponto de táxi, e Bill e eu estávamos a caminho do hotel dentro de quarenta minutos devido a emergência de Bill. O pessoal da Anubis tinha jurado que de qualquer forma o seu caixão seria entregue dentro de três horas.
Isso nós veríamos. Se eles não conseguissem, teríamos um vôo grátis.
Eu tinha esquecido a expansão de Dallas, nos sete anos desde que eu acabei o segundo grau. As luzes da cidade eram incríveis, e a agitação. Eu olhei para fora das janelas em direção a tudo que passava por nós, e Bill sorriu para mim com uma satisfação irritante.
"Você está muito bonita, Sookie. Suas roupas estão perfeitas."
"Obrigado," disse, aliviada e contente. Bill tinha insistido para que eu precisava parecer "profissional", e depois que eu disse, "Profissional o quê?" ele me deu um daqueles olhares. Então eu estava vestindo um terno cinza sobre uma blusa sem mangas branca, com brincos de pérola e uma bolsa preta e saltos. Eu até alisei meu cabelo para trás e torci em um coque na parte de trás da minha cabeça com um desses prendedores que eu tinha encomendado pela TV. Minha amiga Arlene me ajudou. Para mim, eu estava parecendo profissional, tudo bem - uma profissional de atendimento de funerária - mas parecia que Bill tinha aprovado. E eu tinha colocado a cobrança da roupa na conta dele na Tara's Togs, uma vez que era uma legítima despesa de trabalho. Então eu não podia me queixar dos custos.
Eu me sentiria muito mais confortável no meu traje de garçonete. Prefiro shorts e uma camiseta todos os dias a um vestido e meia-calça. E eu poderia estar usando o meu Adidas com meu uniforme de garçonete, e não esses malditos saltos. Eu suspirei.

O táxi estacionou no hotel, e o motorista saiu para retirar a nossa bagagem. Ali tinha o suficiente para três dias. Se os vampiros de Dallas tivessem seguido minhas instruções, eu poderia encerrar isso logo e poderíamos voltar para Bon Temps amanhã à noite, para viver sem sermos perturbados ou envolvidos na política vampírica - pelo menos até a próxima vez que o Bill recebesse um telefonema. Mas era melhor trazer roupas extras do que contar com isso.
Eu deslizei rapidamente pelo assento para sair depois de Bill, que estava pagando o motorista. Um mensageiro do hotel uniformizado estava carregando a bagagem em um carrinho. Ele virou o seu rosto magro ao Bill e disse, "Bem-vindo ao Hotel Silent Shore, senhor! Meu nome é Barry, e eu vou..." Então Bill saiu andando, a luz vinda da porta do lobby se espalhando sobre seu rosto. "Vou ser o seu carregador," Barry terminou debilmente.
"Obrigada," eu disse, para dar ao menino, que não podia ter mais do que dezoito anos, um segundo para se recompor. Suas mãos estavam um pouco trêmulas. Eu captei uma rede de pensamentos com o objetivo de verificar a origem de sua aflição.
Para o meu deleite e surpresa, eu percebi (depois de uma vistoria rápida na cabeça de Barry) que ele era um telepata, como eu! Mas ele estava no nível da organização e desenvolvimento que eu tinha passado quando eu tinha, talvez, doze anos de idade. Ele era uma bagunça, aquele rapaz. Ele não podia se controlar de jeito nenhum, e seus escudos eram uma confusão. Ele estava em uma densa negação. Eu não sabia se agarrava ele e o abraçava, ou dava um tapa na sua cabeça. Depois percebi que o segredo não era meu para ser revelado. Eu fiquei olhando em outra direção, e mudando de posição de um pé para outro, como se eu estivesse entediada.
"Levarei a bagagem de vocês em seguida," balbuciou Barry, e Bill sorriu para ele gentilmente. Barry sorriu de volta com cautela, e então se ocupou de trazer o carrinho. Tinha que ser a aparência de Bill que desconcertava Barry, já que ele não podia ler a sua mente, a grande atração dos mortos-vivos para pessoas como eu. Barry ia ter que aprender a relaxar ao redor de vampiros, uma vez que ele concordou em trabalhar em um hotel que os atende.
Algumas pessoas acham que todos os vampiros têm uma aparência assustadora. Para mim, isso depende do vampiro. Lembro-me de pensar, quando conheci o Bill, que ele parecia incrivelmente diferente; mas eu não tinha ficado assustada.
Aquela que estava agora à nossa espera no saguão do Silent Shores, ela sim era assustadora. Aposto que ela fez o velho Barry aqui molhar suas calças. Ela se aproximou depois de dar-mos entrada no registro do hotel, enquanto Bill estava colocando o seu cartão de crédito de volta em sua carteira (apenas tente solicitar um cartão de crédito quando tiver uns cento e sessenta anos de idade; esse processo devia ter sido uma tarefa difícil) e eu me aproximei um pouco mais ao lado dele enquanto ele dava a gorgeta à Barry, esperando que ela não me notasse.
"Bill Compton? O detetive de Louisiana?" Sua voz era tão calma e fria como a de Bill, consideravelmente com menos inflexão. Ela estava morta há muito tempo. Ela era tão branca quanto papel e tão reta como uma tábua, e seu fino e comprido vestido azul e dourado na altura do tornozelo não fazia nada por ela exceto acentuar ainda mais sua palidez e falta de curvas. Cabelo castanho claro (trançado e tão longo que batia na bunda) e olhos verdes cintilantes realçavam suas diferenças.
"Sim." Os vampiros não apertam as mãos, mas os dois fizeram contato visual um com o outro e deram um breve aceno com a cabeça.
"Esta é a mulher?" Ela tinha provavelmente sinalizado na minha direção com um desses movimentos relâmpagos super rápidos, porque eu peguei um borrão com o canto dos meus olhos.
"Esta é a minha companheira e colaboradora, Sookie Stackhouse," disse Bill.
Após um momento, ela acenou com a cabeça para mostrar que ela tinha entendido a dica. "Eu sou Isabel Beaumont," disse ela, "e depois de instalar sua bagagem em seu quarto e cuidar de suas necessidades, você deverá vir comigo."
Bill disse, "Eu tenho que me alimentar."
Isabel girouos olhos na minha direção com ponderação, sem dúvida se perguntando por que eu não estava fornecendo sangue para a minha escolta, mas isso não era da sua conta. Ela disse: "É só apertar o botão do telefone para serviço de quarto."

***

A pobre e desprezível mortal aqui tinha que simplesmente pedir algo do menu. Mas enquanto considerava o tempo de preparação, eu percebi que eu me sentiria muito melhor se eu esperasse para comer depois que os compromissos desta noite fossem concluídos.
Depois que nossas malas tinham sido colocadas no quarto (grande o suficiente para o caixão e uma cama), o silêncio na pequena sala de estar tornou-se desconfortável. Tinha um pequeno frigobar bem abastecido com PuroSangue, mas esta noite Bill queria uma coisa de verdade.
"Eu tenho que ligar, Sookie," disse Bill. Tínhamos passado por disso antes da viagem.
"Claro." Sem olhar para ele, eu recuei para dentro do quarto e fechei a porta. Ele poderia ter de se alimentar de outra pessoa para que assim eu pudesse manter a minha força à altura dos próximos eventos, mas eu não tinha que assistir isso ou gostar. Após alguns minutos, ouvi uma batida na porta do corredor e eu ouvi Bill receber alguém – sua refeição de saltos. Houve um pequeno sussurro de vozes e em seguida um gemido baixo.
Infelizmente para o meu nível de tensão, eu tinha bom senso demais para fazer algo do tipo atirar a minha escova de cabelo ou os malditos saltos altos pela sala. Talvez conservando alguma dignidade simbolizada alí, e também, um pressentimento saudável de quanto temperamento Bill iria aturar. Então eu desfiz a minha mala e acomodei a minha maquiagem no banheiro, usando a instalação embora eu não me sentisse especialmente necessitada. Banheiros eram opcionais no mundo dos vampiros, eu tinha aprendido, e mesmo que uma instalação funcional estivesse disponível em uma casa ocupada por vampiros, ocasionalmente eles esqueceriam de abastecer de papel higiênico.
Logo ouvi a porta exterior abrir e fechar de novo, e Bill bateu levemente antes de entrar no quarto. Ele parecia rosado e seu rosto estava satisfeito.
"Você está pronta?" ele perguntou. De repente, me dei conta do fato de que eu estava indo para meu primeiro trabalho de verdade para os vampiros, e me senti em pânico novamente. Se eu não fosse um sucesso, a minha vida iria tornar-se um perigo absoluto, e Bill poderia ficar ainda mais morto do que ele já estava agora. Eu assenti, minha garganta seca com medo.
"Não leve a sua bolsa."
"Por que não?" olhei para ela, espantada. Quem poderia se opôr?
"Coisas podem ser escondidas em bolsas." Coisas como estacas, eu supunha. "Só deslize a chave do quarto dentro... Essa saia tem um bolso?"
"Não."
"Bom, deslize a chave para a sua roupa de baixo."
Eu levantei minha bainha e assim Bill pôde ver exatamente em quais roupas de baixo eu ia ter que meter alguma coisa. Eu gostei da expressão em seu rosto mais do que eu posso dizer.
"Isso é... isso seria uma... calcinha fio dental?" Bill parecia um pouco apreensivo de repente.
"Seria. Eu não vi a necessidade de ser profissional na pele por baixo da roupa."
"E que pele é essa," Bill murmurou. "Tão bronzeada, tão...macia."
"Sim, eu percebi que eu não preciso usar nenhuma meia." Eu guardei o retângulo de plástico - a "chave" - sob uma das tiras laterais.
"Oh, eu não acho que isso vai ficar aí," disse ele, seus olhos grandes e luminosos. "Podemos ficar separados, então você definitivamente precisa levá-la com você. Tente um outro local."
Coloquei-a em outro lugar.
"Oh, Sookie. Você nunca irá alcançá-la aí se estiver com muita pressa. Nós temos... Ah, nós temos que ir." Bill parecia estar balançando a si mesmo para fora do transe.
"Tudo bem, se você insiste," eu disse, suavizando a saia do terno sobre minha "roupa de baixo."
Ele me ançou um olhar sombrio, batendo seus bolsos como fazem os homens, só para ter certeza que eles têm tudo. Foi um gesto estranhamente humano, e isso me tocou de uma forma que eu não podia sequer descrever para mim mesma. Demos um ao outro um perspicaz aceno com a cabeça e caminhamos pelo corredor até o elevador. Isabel Beaumont estaria esperando, e eu tive uma nítida sensação que ela não estava acostumada a isso.
A vampira anciã, que não parecia ter mais de trinta e cinco, estava em pé exatamente onde nós a tínhamos deixado. Aqui no Hotel Silent Shore, Isabel sentia-se livre para agir como , a vampira que era o que incluía ficar ociosamente imóvel. Pessoas são inquietas. Elas são forçadas a procurar se envolver em uma atividade, ou a ficarem resolutos. Vampiros podem simplesmente ocupar espaço sem se sentirem obrigados a justificar isso. Quando nós saímos do elevador, Isabel parecia exatamente uma estátua. Você poderia pendurar seu chapéu sobre ela, apesar de que você iria se arrepender.
Algum sistema de alerta antecipado acionou quando estávamos há pouco menos de dois metros da vampira. Os olhos de Isabel cravaram em nossa direção e sua mão direita se moveu, como se alguém tivesse apertado o seu botão de “ligar”. "Venham comigo," disse ela, e passou suavemente pela porta principal. Barry mal pôde abri-la para ela rápido o suficiente. Eu reparei que ele tinha treinado o suficiente para abaixar os olhos enquanto ela passava. Tudo que você tinha ouvido falar sobre olhar vampiros nos olhos é verdade.
Previsivelmente, o carro de Isabel era um Lexus preto carregado de opcionais. Os vampiros não saem por aí em qualquer carrinho apertado*. Isabel esperou até que eu afivelasse meu cinto de segurança (ela e Bill não se preocuparam em utilizá-los) antes de se afastar do meio-fio, o que me surpreendeu. Em seguida fomos conduzidos por Dallas, descendo a principal via de trânsito. Isabel parecia ser do tipo firmemente calada, mas depois que estávamos no carro por talvez cinco minutos, ela parecia sacudir a si mesma, como se estivesse lembrando que tinha ordens.

(*no original a palavra usada é Geo, que se refere a um modelo de carro tipo cupê lançado pela GM nos anos 90, um carro econômico e apertado)
Nós entramos numa curva para a esquerda. Eu podia ver uma espécie de gramado, e uma forma vaga que poderia ter sido uma espécie de marco histórico, talvez. Isabel apontava para a sua direita com seu dedo longo e ossudo. "O Depósito de Livros da Texas School," disse ela, e eu percebi que ela se sentia obrigada a me informar. Isso significava que ela tinha recebido ordens de fazer isso, o que foi muito interessante. Eu segui o seu dedo com entusiasmo, conseguindo ver o prédio de tijolos tanto quanto pude. Fiquei surpresa que ele não parecesse mais imponente.
"Essa é a colina relvada*?" Eu suspirava, animada e impressionada. Isso foi como se eu estivesse indo em direção ao Hindenburg** ou algum outro artefato lendário.

(* ponto na Praça Dealey, onde o presidente americano John F. Kennedy foi assassinado: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/7/76/Grassy_Knoll_2003.jpg)

(** O LZ 129 Hindenburg foi um dirigível construído pela Luftschiffbau-Zeppelin GmbH, na Alemanha. Conhecido como Zeppelin, o dirigível, com 245 metros de comprimento e sustentado no ar por 200 mil metros cúbicos de hidrogénio, o maior dirigível da história até 1937, saiu de Hamburgo e cruzou o Atlântico a 110 km/h. Na noite de 6 de maio de 1937, o gigantesco dirigível Hindenburg preparava-se para descer na base de Lakenhurst, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, com 97 ocupantes a bordo, sendo 36 passageiros e 61 tripulantes, vindos da Alemanha. Durante as manobras de pouso, um incêndio tomou conta da aeronave e o saldo foi de 13 passageiros e 22 tripulantes mortos e um técnico em solo, no total de 36 pessoas. O dirigível foi encomendado por Adolf Hitler e após ser considerado o Titanic do céu, marcou o fim da era dos dirigíveis na aviação comercial de passageiros)
Isabel assentiu, num quase imperceptível movimento que eu só peguei porque sua trança sacudiu. "Existe um museu no antigo depósito," disse ela.
Agora, isso era algo que eu gostaria de ver durante o dia. Se ficássemos aqui por tempo suficiente, eu ia a pé ou talvez descobrisse como pegar um táxi enquanto Bill estivesse no seu caixão.
Bill sorriu para mim sobre seu ombro. Ele podia captar o meu humor mais leve, o que era maravilhoso em cerca de oitenta por cento das vezes.
Nós seguimos o percurso por pelo menos mais vinte minutos, deixando áreas comerciais e entrando em áreas residenciais. No início as estruturas eram modestas e em formato de caixote, mas gradualmente, embora os terrenos não parecessem muito maiores, as casas começaram a crescer como se elas tivessem tomado esteróides anabolizantes. Nosso destino final era uma casa enorme espremida sobre um pequeno lote. Com o pequeno desarranjo de terra em torno da estrutura da casa, ela parecia ridícula, mesmo no escuro.

Eu com certeza poderia ter aguentado um passeio mais longo e mais atrasado .
Estacionamos na rua em frente à mansão, assim me pareceu. Bill abriu a porta para mim. Eu parei por um momento, relutante em iniciar o - projeto. Eu sabia que havia vampiros lá dentro, muitos deles. Eu sabia disso da mesma maneira que eu seria capaz de discernir que humanos estavam esperando. Mas ao invés de uma onda positiva de pensamentos, do tipo que eu recebo para indicar pessoas, eu tive imagens mentais de... como posso explicar? Havia buracos no ar dentro da casa. Cada buraco representava um vampiro. Eu desci um pouco mais a curta calçada até a porta da frente, e aí, finalmente, eu peguei um sopro mental de humanos.
A luz sobre a porta estava ligada, assim eu podia dizer que a casa era de tijolo bege com branco elegante. A luz, também, era para meu benefício; qualquer vampiro poderia ver muito melhor do que o mais afiado olhar humano. Isabel guiou o caminho para a porta da frente, que era emoldurado em arcos de tijolos graduais. Havia uma elegante coroa de videira e flores secas na porta, que quase camuflava o olho-mágico: esta era uma integração inteligente. Eu percebi que não havia nada aparente neste aspecto da casa que indicasse que ela era diferente de qualquer uma das outras casas excessivamente grandes pelas quais tínhamos passado, nenhum indício visível de que no interior viviam vampiros.
Mas eles estavam ali, em vigor. Enquanto eu seguia Isabel para dentro, eu contei quatro na sala principal para qual a porta da frente abria, e lá estavam dois no corredor e pelo menos seis na grandiosa cozinha, que parecia ter sido projetada para produzir refeições para vinte pessoas ao mesmo tempo. Eu soube imediatamente que a casa tinha sido comprada, não construída, por um vampiro, porque os vampiros sempre planejam cozinhas minúsculas, ou abandonam a cozinha totalmente. Tudo que eles precisam é de uma geladeira, para o sangue sintético, e um microondas, para aquecê-lo. O que eles iriam cozinhar?
Na pia, um alto e esguio humano estava lavando alguns pratos, então talvez alguns humanos realmente vivam aqui. Ele virou um pouco enquanto nós passávamos, e acenou com a cabeça para mim. Ele estava usando óculos e as mangas de sua camisa estavam enroladas. Eu não tive uma chance de falar, pois Isabel estava nos conduzindo para o que parecia ser a sala de jantar.
Bill estava tenso. Eu poderia não ser capaz de ler a mente dele, mas eu o conhecia bem o suficiente para interpretar a rigidez de seus ombros. Nenhum vampiro nunca fica confortável entrando no território de outros vampiros. Os vampiros têm tantas regras e regulamentos quanto qualquer outra sociedade; eles apenas tentam mantê-las secretas. Mas eu estava entendendo as coisas.
Dentre todos os vampiros na casa, eu localizei rapidamente o líder. Ele era um daqueles sentados à longa mesa na grande sala de jantar. Ele era um nerd total. Essa foi minha primeira impressão. Depois eu percebi que ele tinha sido cuidadosamente disfarçado de nerd: ele era bem... diferente. Seu cabelo arenoso estava ensebado para trás, sua constituição física era estreita e nada impressionante, seus óculos de armação preta eram pura camuflagem, e sua camisa listrada de tecido oxford estava enfiada numa calça misturada de algodão e poliéster. Ele era pálido – bem, duh – e sardento, com pestanas invisíveis e sobrancelhas mínimas.
"Bill Compton," disse o nerd.
"Stan Davis," disse Bill.
"Sim, bem-vindo à cidade." Houve um ligeiro traço de sotaque estrangeiro na voz do nerd. Ele costumava ser Stanislaus Davidowitz, pensei, e, em seguida limpei minha mente como se apaga uma lousa. Se algum deles descobrisse que de vez em quando eu colhia um pensamento vago fora do silêncio de suas mentes, eu estaria sem sangue antes de cair no chão.
Nem mesmo Bill sabia disso.
Eu comprimi o medo empurrando-o para o porão da minha mente assim que os olhos pálidos se fixaram em mim e me examinaram minuciosamente traço por traço.
"Ela vem em um pacote agradável," ele disse ao Bill, e eu suponho que isso devia significar um elogio, um tapinha nas costas, para Bill.
Bill inclinou a cabeça.
Os vampiros não perdiam tempo dizendo um monte de coisas que os humanos diriam sob circunstâncias semelhantes. Um executivo humano perguntaria ao Bill como Eric, seu chefe, estava indo; iria ameaçar Bill um pouco no caso de eu não executar; talvez apresentasse Bill e eu para pelo menos as pessoas mais importantes na sala. Não Stan Davis, o líder vampiro. Ele levantou sua mão, e um jovem vampiro hispânico com cabelo preto eriçado deixou a sala e voltou com uma garota humana rebocada. Quando ela me viu, ela deu um grito penetrante e se debateu, tentando se libertar das garras que o vampiro mantinha em seu braço.
"Ajude-me," gritou. "Você tem que me ajudar!"
Eu soube na mesma hora que ela era estúpida. Afinal, o que eu poderia fazer contra uma sala cheia de vampiros? Seu apelo era ridículo. Eu disse isso a mim mesma várias vezes, rapidamente, assim eu poderia fazer o que eu tinha que fazer.
Eu capturei seu olhar, e levantei meu dedo para dizer à ela que ficasse em silêncio. Depois que ela olhou para mim, fixamente, ela obedeceu. Eu não tenho o olhar hipnótico de uma vampira, mas não pareço nem um pouco ameaçadora. Eu pareço exatamente como a garota que você veria em um emprego de salário baixo em qualquer lugar de qualquer cidade do sul: loira e peituda e bronzeada e jovem. Possivelmente, não pareço muito inteligente . Mas eu acho que isso é o que as pessoas (e vampiros) mais presumem, que se você é bonita e loira e tem um trabalho de salário baixo, você é irremediavelmente burra.
Eu me virei para Stan Davis, muito grata por Bill estar bem atrás de mim. "Sr. Davis, você entende que eu preciso de mais privacidade enquanto interrogo essa menina. E eu tenho que saber o que você precisa dela."
A menina começou a soluçar. Isso foi lento e doloroso, e quase inacreditavelmente irritante sob aquelas circunstâncias.
Os olhos pálidos de Davis se prenderam nos meus. Ele não estava tentando me encantar, ou me subjugar; ele estava apenas me examinando. "Eu entendi que sua escolta compreendia os termos do meu acordo com o seu líder," afirmou Stan Davis. Tudo bem, entendi a mensagem. Eu estava em posição inferior para desobedecer já que eu era uma humana. Eu falando com Stan era o mesmo que uma galinha falando com o comprador da KFC*. Mas mesmo assim, eu tinha que saber o nosso objetivo. "Estou ciente de que você recebeu as condições da Área 5," eu disse, mantendo a minha voz o mais firme que pude, "e eu vou fazer o meu melhor. Mas sem um objetivo, não posso começar."
(*Kentucky Fried Chicken – uma rede de fast food)
"Precisamos saber onde está o nosso irmão," disse ele, após uma pausa.
Tentei não parecer tão abismada quanto eu me sentia.
Como eu disse, alguns vampiros, como Bill, vivem sozinhos. Outros se sentem mais seguros em um grupo, chamado de ninho. Chamam-se uns aos outros de irmão e irmã quando estão no mesmo ninho há um tempo, e alguns ninhos duram décadas. (Um em Nova Orleans durou dois séculos.) Eu sabia graças às instruções passadas por Bill antes que nós saíssemos de Louisiana que os vampiros de Dallas viviam em um ninho excepcionalmente grande .
Eu não sou uma neurocirurgiã, mas até eu percebi que para um vampiro tão poderoso como Stan ter um de seus irmãos do ninho desaparecido não era apenas muito incomum, isso era humilhante.
Vampiros gostam de ser humilhados quase tanto quanto as pessoas gostam.
"Explique a situação, por favor," eu disse na minha voz mais neutra.
"Meu irmão Farrell não tem retornado ao seu ninho há cinco noites," disse Stan Davis.
Eu sabia que eles teriam verificado as áreas de caça favoritas de Farrell, teriam perguntado a todos os outros vampiros em ninhos de Dallas para descobrir se Farrell tinha sido visto. Mesmo assim, eu abri minha boca para perguntar, como os humanos são obrigados a fazer. Mas Bill tocou meu ombro, e eu olhei atrás de mim para ver um minúsculo gesto com a cabeça. As minhas perguntas teriam sido como um grave insulto.
"Essa menina?" Perguntei em vez disso. Ela ainda estava quieta, mas ela estava tendo calafrios e tremendo. O vampiro hispânico parecia ser a única coisa que a segurava de pé.
"Trabalha no clube onde ele foi visto por último. É um de nossa propriedade, O Asas de Morcego." Bares eram os empreendimentos favoritos dos vampiros, naturalmente, porque o seu movimento mais pesado era de noite. De alguma forma, um estabelecimento de limpeza de presas que funcionasse a noite toda não tinha o mesmo fascínio que um bar onde os vampiros eram as atrações.
Nos últimos dois anos, bares vampiros tinham se tornado a balada mais quente que uma cidade poderia se vangloriar. Os humanos patéticos que se tornavam obcecados pelos vampiros – os vampirófilos – saiam para bares de vampiros, muitas vezes fantasiados, na esperança de atrair a atenção de um vampiro verdadeiro. Os turistas vão para ficarem boquiabertos com os mortos-vivos e os vampirófilos. Estes bares não eram os lugares mais seguros para se trabalhar.
Eu capturei o olhar do vampiro hispânico, e indiquei uma cadeira ao meu lado na longa mesa. Ele libertou a menina em cima dela. Baixei meu olhar sobre ela, me preparando para entrar em seus pensamentos. Sua mente não tinha qualquer proteção. Fechei os olhos.
O nome dela era Bethany. Ela tinha vinte e um, e se achava uma garota rebelde, uma verdadeira garota má. Ela não fazia ideia dos problemas em que poderia se meter por causa disso, até agora. Conseguir um emprego no Asas de Morcego tinha sido o gesto mais rebelde de sua vida, e isso poderia se transformar em fatal.
Olhei de volta para Stan Davis. "Você entende," eu disse, correndo um grande risco, "que se ela fornecer as informações que você quer, ela fica livre, sã e salva." Ele disse que tinha compreendido os termos, mas eu tinha que ter certeza.
Bill soltou um suspiro atrás de mim. Não tinha uma cara muito feliz. Os olhos de Stan Davis realmente reluziram por um segundo, de tanta raiva que ele estava. "Sim," disse ele, mordendo as palavras, suas presas meio para fora, "eu concordei." Nós nos encaramos por um segundo. Nós sabíamos que até mesmo dois anos atrás, os vampiros de Dallas teriam seqüestrado e torturado Bethany até que eles tivessem todos os fragmentos de informações que ela tivesse armazenado no cérebro, e algumas que tivesse inventado.
Se integrar à sociedade, tornando público o fato de sua existência, tinha muitas vantagens - mas também tinha seu preço. Neste caso, o preço era o meu serviço.
"Com o que Farrell se parece?"
"Como um caubói." Stan disse isto sem um traço de humor. "Ele usa uma dessas gravatas de coronel*, jeans e camisetas com fecho de pérola falsa".

(* http://silverj.com/sitebuildercontent/sitebuilderpictures/StringTieSmall.jpg )
Os vampiros de Dallas vampiros não parecem entender muito de alta costura. Talvez eu pudesse ter usado o meu uniforme de garçonete afinal de contas. "Quais as cores do cabelo e dos olhos?"
"Cabelo castanho indo pro grisalho. Olhos castanhos. Uma grande mandíbula. Cerca de... um metro e setenta e nove centímetros." Stan estava traduzindo de algum outro método de medidas. "Ele pareceria ter uns trinta e oito anos, para você," disse Stan. "Ele não tem barba, e é magro."
"Você gostaria de me colocar com Bethany em outro lugar? Tem uma sala menor, menos lotada?" Eu tentei parecer agradável, porque isso parecia ser uma boa idéia.
Stan fez um movimento com a mão, quase rápido demais para que eu pudesse detectar, e em um segundo – literalmente – todos os vampiros, exceto ele mesmo e Bill, tinham saído da cozinha. Sem olhar, eu sabia que Bill estava de pé contra a parede, pronto para qualquer coisa. Eu respirei fundo. Hora de começar esta aventura.
"Bethany, como você está?" Eu disse, suavizando a minha voz.
"Como você sabe meu nome?" ela perguntou, caindo bruscamente na cadeira. Era uma cadeira sobre rodas num canto destinado a refeições rápidas, e eu a empurrei para fora da mesa e virei-a de frente para onde eu estava sentada. Stan ainda estava sentado na cabeceira da mesa, atrás de mim, levemente à minha esquerda.
"Eu posso dizer muitas coisas sobre você," eu disse, tentando parecer íntima e onisciente. Comecei pegando pensamentos soltos pelo ar, como maçãs de uma árvore carregada. "Você tinha um cachorro chamado Woof quando você era pequena, e sua mãe faz o melhor bolo de côco do mundo. Seu pai perdeu muito dinheiro em um jogo de cartas uma vez, e você teve que empenhar seu videocassete para ajudá-lo a pagar, assim a sua mãe não iria descobrir."
Sua boca estava aberta. Tanto quanto era possível, ela tinha esquecido o fato de que ela estava em um perigo terrível. "Isso é incrível, você é tão boa quanto o vidente da TV, aquele da propaganda!"
"Bem, Bethany, eu não sou uma vidente," eu disse, um pouco severa demais. "Sou uma telepata, e o que eu faço é ler os seus pensamentos, até mesmo alguns que você talvez nem soubesse que tinha. Vou relaxar você, primeiro, e depois vamos relembrar a noite em que você trabalhou no bar – não a de hoje, mas cinco noites atrás." Eu olhei de volta à Stan, que acenou com a cabeça.
"Mas eu não estava pensando sobre o bolo da minha mãe!" Bethany disse, agarrada ao que tinha descoberto dela.
Tentei reprimir o meu suspiro.
"Você não estava ciente disso, mas você pensou. Isso deslizou por sua mente quando olhou para a vampira mais pálida – Isabel - porque o rosto dela era tão branco quanto a cobertura do bolo. E você pensou em quanto você sentia falta de seu cachorro quando você estava pensando em quanto seus pais sentiriam sua falta."
Eu soube que isso era um erro assim que as palavras saíram da minha boca, e com certeza suficiente, ela começou a chorar outra vez, fazendo-a se lembrar da atual circunstância.
"Então pra que você está aqui?" Ela perguntou entre soluços.
"Estou aqui para ajudá-la a se lembrar".
"Mas você disse que não é vidente."
"E eu não sou." Ou eu era? Às vezes eu achava que tinha um vestígio disso misturado com meu outro "dom", que era o que os vampiros achavam ser. Eu mesma sempre tinha pensado nisso mais como uma maldiçãoaté que eu conheci Bill. "Videntes podem tocar objetos e obter informações sobre seus usuários. Alguns videntes têm visões de acontecimentos passados ou futuros. Alguns podem se comunicar com os mortos. Sou uma telepata. Sou capaz de ler os pensamentos de algumas pessoas. Supostamente, posso enviar pensamentos também, mas eu nunca tentei isso." Agora que eu conhecera outro telepata, a tentativa era uma possibilidade empolgante, mas eu guardei essa idéia para explorá-la em meu lazer. Eu tinha que me concentrar no negócio que tinha em mãos.
Enquanto me sentava com os joelhos juntos aos de Bethany, eu tomava uma série de decisões. Eu era nova na idéia de "ouvir" para algum propósito. A maior parte da minha vida eu passei lutando para não ouvir. Agora, ouvir era o meu trabalho, e a vida de Bethany provavelmente dependia disso. A minha quase que certamente dependia.
"Ouça, Bethany, eis o que vamos fazer. Você irá lembrar daquela noite, e eu irei passar por isso com você. Em sua mente."
"Vai doer?"
"Não, nem um pouco."
"E depois disso?"
"Bem, você vai embora."
"Vou pra casa?"
"Claro." Com uma lembrança apurada de que isso não me incluía, ou esta noite, cortesia de um vampiro.
"Eles não vão me matar?"
"De jeito nenhum."
"Promete?"
"Eu prometo". Eu consegui sorrir para ela.
"Ok," disse ela, hesitante. Eu a movi um pouco, assim ela não podia ver Stan por cima do meu ombro. Eu não fazia ideia do que ele estava fazendo. Mas ela não precisava ver aquela cara branca enquanto eu estava tentando fazê-la relaxar.
"Você é bonita," ela disse de repente.
"Obrigada, o mesmo digo de você." Pelo menos, ela poderia ser bonita em melhores circunstâncias. Bethany tinha uma boca que era pequena demais para o rosto dela, mas isso era uma característica que alguns homens consideravam atraente, uma vez que parecia que ela estava sempre fazendo biquinho. Ela tinha uma grande quantidade de cabelo castanho, espesso e volumoso, e um corpo magro com seios pequenos. Agora que outra mulher estava olhando para ela, Bethany estava preocupada com suas roupas amassadas e maquiagem borrada.
"Você está bem," eu disse calmamente, pegando suas mãos. "Agora, nós vamos apenas ficar de mãos dadas aqui por um minuto - eu juro que não estou te passando uma cantada." Ela deu uma risadinha, e seus dedos relaxaram um pouco mais. Então eu comecei a minha lengalenga.
Este era um novo plano para mim. Em vez de tentar evitar usar minha telepatia, eu procurei tentar desenvolvê-la, com o encorajamento de Bill. Os funcionários humanos do Fangtasia tinham agido como cobaias. Eu descobri, quase por acidente, que eu poderia hipnotizar as pessoas num instante. Isso não os colocava sob meu encanto nem nada disso, mas me deixava entrar em suas mentes com uma facilidade assustadora. Quando você pode dizer o que realmente acalma alguém, lendo a mente dele ou dela, é relativamente fácil relaxar essa pessoa direto em um estado de transe.
"O que você mais aprecia , Bethany?" Perguntei. "Você faz uma massagem de vez em quando? Ou talvez você goste de fazer as unhas?" Olhei na mente de Bethany delicadamente. Eu selecionei o melhor canal para os meus objetivos.
"Você está arrumando seu cabelo," eu disse, mantendo a minha voz suave e uniforme, "com seu cabeleireiro favorito... Jerry. Ele o está penteando e penteando, não deixando nenhum fio emaranhado. Ele o está dividindo em partes, tão cuidadosamente, porque o seu cabelo é muito espesso. Ele vai levar um longo tempo para cortá-lo, mas ele está ansioso por isso, porque o seu cabelo está saudável e brilhante. Jerry está levantando um cacho, e aparando-o... a tesoura faz uma pequena incisão. Um pouco de cabelo cai sobre a capa de plástico e desliza até o chão. Você sente seus dedos em seu cabelo novamente. Mais uma vez e outra, seus dedos mexendo em seu cabelo, levantando um cacho, e cortando-o. Às vezes ele o penteia novamente, para ver se ele ficou alinhado. É uma sensação tão boa, apenas sentar e ter alguém arrumando seu cabelo. Não há mais ninguém..." Não, espere. Eu tinha apurado uma insinuação de desconforto. "Havia apenas poucas pessoas na loja, e eles estavam tão ocupados quanto Jerry. Alguém estava usando um secador. Você mal pode ouvir vozes murmurando na próxima cabine. Os dedos dele corriam através, levantando, tesourando, penteando, de novo e de novo..."
Eu não sabia o que um hipnotizador treinado diria sobre a minha técnica, mas funcionou para mim desta vez, pelo menos. O cérebro de Bethany estava em um estado sossegado e inativo, apenas à espera de receber uma tarefa. Na mesma voz calma eu disse: "Enquanto ele está trabalhando em seu cabelo, nós estamos indo passear por aquela noite no trabalho. Ele não vai parar de cortar, ok? Comece se aprontando para ir para o bar. Não se importe comigo, eu sou apenas um sopro de ar bem atrás de seu ombro. Você pode ouvir a minha voz, mas está vindo de uma outra cabine do salão de beleza. Você nem vai ser capaz de ouvir o que estou dizendo a não ser que eu use o seu nome." Eu estava informando Stan assim como tranqüilizando Bethany. Então eu submergi profundamente na memória da menina.
Bethany estava olhando para seu apartamento. Era muito pequeno, relativamente arrumado, e ela o dividia com outra funcionária do Asas de Morcego, que se passava por Desiree Dumas. Desiree Dumas, como observou Bethany, parecia exatamente com o seu nome inventado : uma auto-designada mulher sensual, um pouco rechonchuda demais, um pouco loira demais, e convicta de seu próprio erotismo.
Conduzir a garçonete através desta experiência foi como ver um filme, um realmente tedioso. A memória de Bethany estava quase boa demais. Ignorando as partes chatas, como Bethany e Desiree discutindo sobre os méritos relativos de duas marcas de rímel, o que Bethany lembrava era isso: ela tinha se preparado para trabalhar como ela fazia sempre, e ela e Desiree tinham ido juntas para os seus empregos. Desiree trabalhava na loja de presentes do Asas de Morcego. Vestida num bustiê vermelho e botas pretas, ela vendia suvenirs de vampiros por muitos dólares. Usando presas artificiais, ela posava para fotos com turistas por uma boa gorjeta. A esquelética e tímida Bethany era uma humilde garçonete; por um ano, ela vinha esperando por uma vaga na loja de presentes mais agradável, onde ela não iria ganhar grandes gorjetas mas seu salário base seria maior, e ela poderia sentar-se quando não estivesse ocupada. Bethany não tinha chegado lá ainda. Um grande rancor contra Desiree, ali, da parte de Bethany; irrelevante, mas eu ouvi a mim mesma contando ao Stan sobre isso como se se tratasse de uma informação crucial.
Eu nunca tinha estado tão profundamente na mente de alguém. Eu estava tentando separar o joio do trigo enquanto percorria, mas não estava funcionando. Por fim, simplesmente deixei que tudo viesse. Bethany estava completamente relaxada, ainda recebendo aquele corte de cabelo. Ela tinha excelente recordação visual, e ela estava tão profundamente empenhada quanto eu na noite que tinha passado trabalhando.
Em sua mente, Bethany serviu sangue sintético para apenas quatro vampiros: uma mulher de cabelo vermelho; uma hispânica baixa, entroncada com olhos tão negros como piche; um adolescente loiro com tatuagens antigas; e um homem de cabelo castanho com uma mandíbula projetada e uma gravata de corda. Lá! Farrell estava embutido na memória de Bethany. Eu tive que suprimir a minha surpresa e identificação, e tentar guiar Bethany com mais autoridade.
"É esse aí, Bethany," Eu sussurrei. "O que você se lembra sobre ele?"
"Oh, ele," disse Bethany em voz alta, me surpreendendo tanto que quase saltei da minha cadeira. Na sua mente, ela virou-se para olhar para Farrell, pensando nele. Ele tinha tomado dois sangues sintéticos, O positivo, e ele deixou-lhe uma gorjeta.
Bethany franziu as sobrancelhas como se ela estivesse se concentrado no meu pedido. Ela estava tentando de verdade agora, vasculhando sua memória. Pedaçinhos da noite começaram a se compactar, de modo que ela pudesse chegar às partes que continham lembranças do vampiro de cabelo castanho. "Ele voltou para o baheiro com o loiro," disse ela, e eu vi na sua mente a imagem do vampiro loiro tatuado, aquele que parecia muito jovem. Se eu fosse uma artista, eu o teria desenhado ele.
"Vampiro jovem, talvez dezesseis. Loiro, tatuagem," Eu murmurei para Stan, e ele pareceu surpreso. Eu mal percebi isso, tendo tanta coisa pra me concentrar – isso era como tentar fazer malabarismo - mas eu acho que surpresa foi o lampejo do sentimento no rosto de Stan. Isso foi enigmático.
"Tem certeza que ele era um vampiro?" Perguntei à Bethany.
"Ele bebeu o sangue," disse ela terminantemente. "Ele tinha essa pele pálida. Ele me dava arrepios. Sim, tenho certeza."
E ele tinha entrado no banheiro com Farrell. Fiquei incomodada. A única razão pela qual um vampiro entraria num banheiro era se houvesse um humano lá dentro com quem ele quisesse fazer sexo, ou beber dele, ou (o favorito de qualquer vampiro) fazer as duas coisas simultaneamente. Submergindo-me novamente nas recordações de Bethany, eu a assisti servindo mais alguns clientes, ninguém que eu reconhecesse, porém eu dei uma olhada tão boa quanto eu pude nos outros clientes. A maioria deles parecia do tipo turista inofensivo. Um deles, um homem de aspecto sombrio com um bigode espesso, parecia familiar, então eu tentei observar seus companheiros: um homem alto, magro com cabelos loiros na altura do ombro e uma mulher atarracada com um dos piores cortes de cabelo que eu já tinha visto.
Eu tinha algumas perguntas a fazer para Stan, mas queria terminar com Bethany primeiro. "O vampiro que parecia um caubói saiu novamente, Bethany?"
"Não," ela disse após uma pausa perceptível. "Eu não o vi novamente." Eu verifiquei cuidadosamente por espaços em branco em sua mente; eu nunca poderia substituir o que tinha sido apagado, mas eu poderia saber se a sua memória tivesse sido adulterada. Não encontrei nada. E ela estava tentando lembrar, eu podia afirmar. Eu podia sentir seu esforço para recordar uma outra visão rápida de Farrell. Eu percebi, a partir da sensação desse seu esforço, que eu estava perdendo o controle dos pensamentos e memórias de Bethany.
"E quanto ao jovem loiro? Aquele com as tatuagens?"
Essa Betânia ponderou. Ela estava quase saindo de seu transe agora. "Eu não ovi também," disse ela. Um nome deslizou através da cabeça dela.
"O que foi isso?" Eu perguntei, mantendo a minha voz muito tranqüila e calma.
"Nada! Nada!" os olhos de Bethany estavam abertos agora. Seu corte de cabelo tinha acabado: eu a tinha perdido. Meu controle estava longe de ser perfeito.
Ela queria proteger alguém; ela queria que ele não passasse pela mesma coisa que ela estava passando. Mas ela não conseguia parar de pensar no nome, e eu o peguei. Eu não podia entender perfeitamente porque ela pensava que este homem poderia saber algo mais, mas ela pensava. Eu sabia que não serviria de nada deixá-la saber que eu captei seu segredo, então eu sorri para ela e disse a Stan, sem me virar para olhar para ele, "Ela pode ir. Eu já peguei tudo."
Eu absorvi o olhar de alívio sobre o rosto de Bethany antes de virar para olhar para Stan. Eu tinha certeza que ele percebeu que eu tinha algo na manga, e eu não queria que ele dissesse nada. Quem pode dizer o que um vampiro está pensando quando ele está sendo bem guardado? Mas eu tive a nítida sensação de que Stan me compreendeu.
Ele não falou em voz alta, mas um outro vampiro entrou, uma garota que tinha mais ou menos a idade de Bethany quando tinha se transformado. Stan tinha feito uma boa escolha. A garota se inclinou para Bethany, pegou a mão dela, sorriu com as presas totalmente retraídas, e disse: "Vamos te levar para casa agora, está bem?"
"Ah, ótimo!" o alívio de Bethany estava escrito em néon na sua testa. "Ah, ótimo," disse ela de novo, menos segura. "Ah, você realmente está indo para minha casa? Você..."
Mas a vampira tinha olhado diretamente para os olhos de Bethany e agora ela disse, "Você não lembrará de nada sobre hoje ou esta noite exceto a festa."
"Festa?" a voz de Bethany soou bem lenta. Apenas levemente curiosa.
"Você foi a uma festa," disse a vampira enquanto conduzia Bethany para fora da sala. "Você foi para uma grande festa, e conheceu um cara bonito lá. Você esteve com ele." Ela ainda estava murmurando para Bethany enquanto saíam. Eu esperava que ela estivesse lhe dando uma boa memória.
"O quê?" Stan perguntou, quando a porta se fechou atrás das duas.
"Bethany pensou que o segurança do clube saberia mais. Ela o viu entrar no banheiro masculino logo atrás de seu amigo Farrell e o vampiro desconhecido". O que eu não sabia, e quase não gostaria de perguntar à Stan, era se os vampiros faziam sexo uns com os outros. Sexo e comida estavam tão ligados um ao outro no estilo de vida vampiro que eu não poderia imaginar um vampiro transando com alguém não humano, ou seja, alguém de quem ele não poderia tomar sangue. Será que os vampiros tomavam sangue uns dos outros em situações comuns? Eu sabia que se a vida de um vampiro estava em jogo (ironicamente) outro vampiro doaria sangue para reviver o que foi prejudicado, mas eu nunca tinha ouvido falar de uma outra situação que envolvesse troca de sangue. Dificilmente eu gostaria de perguntar isso ao Stan. Talvez eu puxasse o assunto com Bill, quando saíssemos desta casa.
"O que você descobriu em sua mente, foi que Farrell estava no bar, e que ele entrou no banheiro com outro vampiro, um jovem do sexo masculino com longos cabelos loiros e muitas tatuagens," Stan resumiu. "O segurança entrou em seguida enquanto os dois estavam lá dentro."
"Correto".
Houve uma pausa dimensionável enquanto Stan pensava sobre o que fazer em seguida. Esperei, satisfeita em não ouvir uma palavra do seu debate interno. Sem imagens, sem reflexos.
Pelo menos esses vislumbres momentâneos da mente de um vampiro eram extremamente raros. E eu nunca recebi um de Bill; eu não sabia que isso era possível por algum tempo após ser introduzida ao mundo vampírico. Portanto sua companhia continuava um puro prazer para mim. Isso possibilitou, pela primeira vez na minha vida, ter um relacionamento normal com um homem. Claro, ele não era um homem vivo, mas não se pode ter tudo.
Como se ele soubesse que eu estive pensando nele, senti a mão de Bill no meu ombro. Eu coloquei a minha sobre a dele, desejando poder me levantar e dar-lhe um abraço bem longo. Não seria uma boa idéia na frente do Stan. Poderia deixá-lo faminto.
"Não conhecemos o vampiro que esteve lá com Farrell," afirmou Stan, que parecia um pouco mais como uma resposta depois de tanto pensar. Talvez ele estivesse imaginando me dar uma explicação mais longa, mas decidiu que eu não era esperta o suficiente para entender a resposta. Prefiriria ser subestimada que ser superestimada qualquer dia. Além disso, que diferença real isso faz? Mas guardei minha pergunta abaixo dos fatos que eu precisava saber.
"Então, quem é o segurança do Asas de Morcego?"
"Um homem chamado Re-Bar," disse Stan. Havia um rastro de desgosto pela forma que ele falou. "Ele é um vampirófilo."
Então Re-Bar tinha o emprego de seus sonhos. Trabalhando com os vampiros, trabalhando para os vampiros, e ficando ao redor deles todas as noites. Para alguém que tinha se fascinado pelos mortos-vivos, Re-Bar tinha tirado a sorte grande. "O que ele poderia fazer se um vampiro criasse uma arruaça?" Eu perguntei, provida de mera curiosidade.
"Ele estava lá apenas para conter humanos bêbados. Descobrimos que um segurança vampiro tendia a usar mais força do que o necessário."
Eu não queria nem pensar muito nisso. "Re-Bar está aqui?"
"Isso levará pouco tempo," disse Stan, sem consultar ninguém no seu círculo. Era quase certo que ele tinha algum tipo de contato mental com eles. Eu nunca tinha visto isso antes, e eu tinha certeza que Eric não podia abordar Bill mentalmente. Devia ser o dom especial de Stan.
Enquanto nós esperávamos, Bill sentou na cadeira ao meu lado. Ele chegou perto e pegou minha mão. Achei muito reconfortante, e amei Bill por isso. Eu mantive a minha mente relaxada, tentando manter a energia para o questionamento que estava por vir. Mas eu estava começando a moldar algumas preocupações, preocupações muito sérias, sobre a situação dos vampiros de Dallas. E eu estava inquieta com a visão rápida que eu tive dos clientes do bar, especialmente o homem que eu pensei ter reconhecido.
"Oh, não," eu disse abruptamente, recordando de repente onde eu o tinha visto.
Os vampiros ficaram totalmente alertas. "Que foi, Sookie?" Bill perguntou.
Stan parecia que tinha sido esculpido no gelo. Seus olhos efetivamente brilharam verdes, eu não estava apenas imaginando isso.
Eu tropeçei sobre minhas palavras na minha pressa de explicar o que eu estava pensando. "O padre," disse para Bill. "O homem que fugiu no aeroporto, aquele que tentou me agarrar. Ele estava no bar." As roupas diferentes e o cenário tinham me enganado quando estava no fundo da memória de Bethany, mas agora eu tinha certeza.
"Entendi," disse Bill lentamente. Bill pareceu ter uma lembrança quase total, e eu podia contar com ele para ter o rosto do homem impresso em sua memória.
"Eu não achei que ele realmente fosse um padre então, e agora eu sei que ele estava no bar na noite em que Farrell desapareceu," eu disse. "Vestido em roupas normais. Não, eh, o colarinho branco e camisa preta."
Houve uma pausa carregada.
Stan disse, delicadamente, "Mas este homem, este falso padre, no bar, mesmo com dois companheiros humanos, ele não poderia ter levado Farrell se Farrell não quisesse ir."
Olhei para baixo diretamente em minhas mãos e não disse uma palavra. Eu não queria ser aquela a dizer isto em voz alta. Bill, sabiamente, não queria falar também. Por fim, Stan Davis, chefe vampiro de Dallas, disse, "Alguém entrou no banheiro com Farrell, Bethany recordou. Um vampiro que eu não conheço."
Concordei com a cabeça, mantendo o meu olhar direcionado noutro local.
"Então esse vampiro deve ter ajudado a raptar Farrell."
"Farrell é gay?" Perguntei, tentando soar como se a minha pergunta tivesse acabado de se infiltrar pelas paredes.
"Ele prefere homens, sim. Você acha-"
"Eu não acho nada." Eu sacodi minha cabeça energicamente, para deixá-lo saber o quanto eu não estava pensando. Bill espremeu meus dedos. Ai.
O silêncio estava tenso até que a vampira que parecia uma adolescente retornou com um homem corpulento, um que eu tinha visto nas memórias de Bethany. Ele não parecia ser da forma que Bethany o via, porém; através de seus olhos, ele era mais robusto, menos gordo; mais fascinante, menos desleixado. Mas ele era reconhecível como Re-Bar.
Ficou imediatamente evidente para mim que algo estava errado com o homem. Ele seguia atrás da vampira facilmente demais, e ele sorriu para todos na sala; mas isso era improvável, não era? Qualquer humano que sentisse problemas com vampiros ficaria preocupado, não importava o quão limpa estivesse sua consciência. Eu levantei e fui em sua direção. Ele assistiu minha abordagem com alegre antecipação.
"Olá, amigo," eu disse suavemente, e apertei sua mão. Eu a soltei assim que eu pude decentemente. Dei uns dois passos para trás. Eu queria tomar um Advil* e descansar.
(*marca de analgésico)
"Bem," eu disse a Stan, "ele com certeza tem um buraco na cabeça."
Stan examinou o crânio de Re-Bar com um olhar cético. "Explique," disse ele.
"Como é que tá, Sr. Stan?" Re-Bar perguntou. Eu estava disposta a apostar que ninguém nunca havia falado com Stan Davis dessa forma, pelo menos não nos últimos quinhentos anos ou por aí.
"Estou bem, Re-Bar. Como vai você?" Eu dei crédito ao Stan por se manter calmo e uniforme.
"Você sabe, eu me sinto ótimo," disse Re-Bar, agitando sua cabeça maravilhado. "Sou o mais sortudo filho da mãe na terra - desculpe, dona."
"Está desculpado." Eu tive que forçar as palavras a saírem.
Bill disse, "O que foi feito com ele, Sookie?"
"Ele tem um buraco queimado em sua cabeça," eu disse. "Eu não sei de que outra forma posso explicar isso, exatamente. Não posso dizer como foi feito, porque eu nunca vi isso antes, mas quando eu olho em seus pensamentos, suas memórias, há apenas um grande velho buraco rasgado. É como se Re-Bar precisasse remover um minúsculo tumor, mas o cirurgião tirou seu baço e talvez o seu apêndice, também, só para ter certeza. Sabe quando todos vocês tiram a memória de alguém, e a substitui por outra?" Eu acenei para mostrar que eu quis dizer todos os vampiros. "Bem, alguém tirou um pedaço fora da mente do Re-Bar, e não colocou nada no lugar. Como uma lobotomia," acrescentei, inspirada. Eu leio muito. A escola foi difícil para mim com o meu pequeno problema, mas lendo por minha conta me deu um meio de fugir da minha situação. Acho que eu sou autodidata.
"Portanto o que quer que fosse que Re-Bar soubesse sobre o desaparecimento de Farrel se perdeu," disse Stan.
"Sim, juntamente com alguns componentes da personalidade do Re-Bar e um monte de outras lembranças."
"Ele ainda está funcionando?"
"Sim, por que, acho que sim." Eu nunca me deparei com nada assim, nunca sequer percebi que era possível. "Mas eu não sei quão eficaz como um segurança ele será," eu disse, tentando ser honesta.
"Ele foi ferido enquanto ele estava trabalhando para nós. Nós cuidaremos dele. Talvez ele possa limpar o clube depois de fechar," disse Stan. Eu poderia dizer pela voz de Stan que ele queria ter certeza de que eu estava assimilando isso mentalmente; que vampiros poderiam ser compassivos, ou pelo menos justos.
"Meu Deus, isso seria ótimo!" Re-Bar sorriu com alegria ao seu chefe. "Obrigado, Sr. Stan."
"Leve-o de volta para casa," disse o Sr. Stan à sua serva. Ela partiu diretamente, com o homem lobotomizado a reboque.
"Quem poderia ter feito tal trabalho bruto nele?" Stan indagou. Bill não respondeu, já que ele não estava lá para se meter onde não era chamado, mas para me proteger e fazer suas próprias descobertas quando fosse exigido. Uma vampira alta de cabelo vermelho entrou, aquela que tinha estado no bar na noite que Farrell foi levado.
"O que você notou na noite que Farrell desapareceu?" Eu perguntei a ela, sem pensar no protocolo. Ela rosnou para mim, seus dentes brancos destacando-se contra a sua língua escura e batom brilhante.
Stan disse, "Coopere." Imediatamente seu rosto suavizou, todas as expressões desaparecendo como uma ruga em uma colcha quando você desliza a sua mão sobre ela.
"Não me lembro," disse ela finalmente. Então a habilidade de Bill para recordar o que ele tinha visto em minúsculos detalhes era um dom pessoal. "Não me lembro de ter visto Farrell mais de um minuto ou dois."
"Você pode fazer com Rachel a mesma coisa que você fez com a garçonete?" Stan pediu.
"Não," eu disse imediatamente, minha voz talvez um pouco enfática demais. "Eu não posso ler mentes de vampiros de jeito nenhum. São livros fechados."
Bill disse: "Você consegue lembrar de um loiro - um de nós - que parecia ter cerca de dezesseis anos? Um com uma antiga tatuagem azul em seus braços e tronco?"
"Oh, sim," disse a ruiva Rachel instantaneamente. "As tatuagens eram do tempo dos romanos, eu acho. Eles eram brutos, mas interessantes. Me perguntei sobre ele, pois eu não o tinha visto vir aqui na casa para pedir a Stan por privilégios para a caça."
Então vampiros passando pelo território de outros eram requisitados a associar-se no centro de visitantes, por assim dizer. Eu arquivei essa para referências futuras.
"Ele estava com um humano, ou pelo menos teve alguma conversa com ele," a vampira ruiva continuou. Ela estava vestindo calça jeans e um suéter verde que parecia incrivelmente sexy para mim. Mas vampiros não se preocupam com a temperatura real. Ela olhava para Stan, então Bill, que fez um gesto acenando para indicar que ele queria qualquer lembrança que ela tivesse. "O homem era de cabelo escuro, e tinha um bigode, se eu me recordo corretamente." Ela fez um gesto com as mãos, uma abertura de dedos estendidos que parecia dizer, "Eles são todos muito parecidos!"
Depois que Rachel partiu, Bill perguntou se havia um computador na casa. Stan disse que havia, e olhou para Bill com verdadeira curiosidade quando Bill perguntou se ele poderia usá-lo por um momento, se desculpando por não ter trazido o seu laptop. Stan acenou com a cabeça. Bill estava prestes a sair da sala quando ele hesitou e olhou de volta para mim. "Você vai ficar bem, Sookie?" ele perguntou.
"Claro." Eu tentei soar confiante.
Stan disse, "Ela vai ficar bem. Existem mais pessoas para que ela veja."
Eu assenti, e Bill saiu. Eu sorri para Stan, que é o que eu faço quando estou tensa. Esse não é um sorriso feliz, mas é melhor do que gritar.
"Você e Bill estão juntos por quanto tempo?" Stan perguntou.
"Por alguns meses." Quanto menos Stan soubesse sobre nós, mais feliz eu ficaria.
"Vocês está satisfeita com ele?"
"Sim".
"Você o ama?" Stan soou divertido.
"Não é da sua conta," eu disse, sorrindo. "Você mencionou que havia mais gente que eu precisava verificar?"
Seguindo o mesmo procedimento que tive com a Bethany, eu segurei uma grande variedade de mãos e verifiquei um monte de cérebros entendiantes. Bethany tinha sido definitivamente a pessoa mais observadora no bar. Estas pessoas - outra garçonete, o barman humano, e um cliente freqüente (um vampirófilo) que realmente voluntariou-se para isto – tinham pensamentos monótonos e tediosos e poderes limitados de recordação. Eu realmente descobri que o barman foi cercado roubando produtos domésticos ao lado, e depois que o cara tinha ido embora, eu recomendei a Stan que colocasse outro empregado por trás do bar, ou ele seria sugado para qualquer investigação policial. Stan pareceu mais impressionado com isso do que eu esperava que ele estivesse. Eu não queria que ele ficasse enamorado demais dos meus serviços.
Bill retornou assim que acabei com o último empregado do bar, e ele parecia um pouco satisfeito, por isso conclui que ele tinha sido bem sucedido. Bill tinha gasto a maior parte de suas horas despertas no computador ultimamente, que não estava sendo uma idéia muito popular comigo.
"O vampiro tatuado," disse Bill quando Stan e eu éramos os dois únicos que restaram na sala, "tem o nome de Godric, embora pelo século passado ele mudou para Godfrey. Ele é um renunciante." Eu não sei quanto ao Stan, mas fiquei impressionada. Poucos minutos no computador, e Bill tinha feito uma parte caprichada do trabalho de detetive.
Stan parecia estarrecido, e eu suponho que eu parecia intrigada.
"Ele está se aliando com os humanos radicais. Ele planeja cometer suicídio," Bill me disse em uma voz suave, uma vez que Stan estava envolvido em pensamentos. "Esse Godfrey planeja sair ao Sol. Sua existência se tornou azeda para ele."
"Então ele vai levar alguém com ele?" Godfrey iria expôr Farrell junto com ele?
"Ele nos traíu para a Sociedade," disse Stan.
Trair é uma palavra que carrega um monte de melodrama, mas eu nem sonhei em sorrir quando Stan disse isso. Eu tinha ouvido falar da Sociedade, apesar de que eu nunca conheci ninguém que alegasse na verdade pertencer a ela. O que era a Klan para os afro-americanos, a Sociedade do Sol era para os vampiros. Era o culto de crescimento mais rápido na América.
Mais uma vez, eu estava em águas mais profundas do que eu poderia nadar.

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