Nós reabrimos às quatro e meia, e a esta altura nós estávamos todos tão entediados quanto possível. Eu estava com vergonha disso, afinal de contas, nós estávamos lá porque um homem que conhecíamos tinha morrido, mas era inegável que depois de ter arrumado a despensa, limpado o escritório do Sam, e jogado várias mãos de bourré (Sam ganhou cinco dólares e uns trocados) estávamos todos prontos para ver alguém novo. Quando Terry Bellefleur, o primo de Andy e um substituto freqüente para barman ou cozinheiro do Merlotte's, entrou pela porta dos fundos, foi uma visão bem-vinda.
Acho que Terry estava no final de seus cinquenta anos. Um veterano do Vietnã, ele fora um prisioneiro de guerra durante um ano e meio. Terry tinha algumas cicatrizes óbvias no rosto, e minha amiga Arlene me disse que as cicatrizes em seu corpo eram ainda mais drásticas. Terry era ruivo, embora ele parecesse estar ficando um pouco mais grisalho a cada mês.
Eu sempre apreciei Terry, que tinha uma habilidade acanhada para ser gentil comigo, exceto quando ele estava com seu humor sombrio. Todo mundo sabia que não devia cruzar com Terry Bellefleur quando ele estava nesses dias. Os dias negros de Terry eram inevitavelmente precedidos por pesadelos da pior espécie, como seus vizinhos testemunhavam. Eles podiam ouvir Terry gritando nas noites de pesadelo.
Eu nunca, nunca li a mente de Terry.
Terry parecia bem hoje. Seus ombros estavam relaxados, e seus olhos não se lançavam de lado a lado. "Você está bem, docinho?", ele perguntou, agradavelmente dando tapinhas no meu braço.
"Obrigado, Terry, estou bem. Só triste por causa de Lafayette."
"Sim, ele não era tão ruim." Vindo de Terry, isso era um grande elogio. "Fazia o trabalho dele, sempre chegava na hora. Limpava bem a cozinha. Nenhuma reclamação." Funcionamento neste nível era a maior ambição de Terry. "E então ele morre no Buick de Andy."
"Eu receio que o carro de Andy está meio que..." Eu tateava pelo termo mais ameno.
"Isso pode ser limpo, disse ele." Terry estava ansioso para encerrar esse assunto.
"Ele disse a você o que tinha acontecido com Lafayette?"
"Andy disse que parece que o seu pescoço foi quebrado. E tinha algumas, ah, provas de que ele foi... mexido." Os olhos castanhos de Terry piscavam longe, revelando o seu desconforto." “Mexido” significava algo violento e sexual para Terry.
"Ah. Meu Deus, que terrível." Danielle e Holly apareceram atrás de mim, e Sam, com outro saco de lixo que ele tirou do seu escritório, parou enquanto se dirigia para a lixeira dos fundos.
"Ele não parecia tão... Quero dizer, o carro não parecia tão..."
"Manchado"?
"Certo."
"Andy acha que ele foi morto em outro lugar."
" Eca", disse Holly. "Nem me fale. Isto é demais para mim."
Terry olhou por cima do meu ombro para as duas mulheres. Ele não tinha nenhum grande amor por Holly ou Danielle, embora eu não soubesse porque e não tivesse feito qualquer esforço para entender. Eu tentava dar privacidade às pessoas, especialmente agora que eu tinha um controle melhor sobre a minha própria habilidade. Ouvi as duas se afastando, após Terry ter mantido o seu olhar treinado sobre elas durante alguns segundos.
"Portia veio buscar Andy ontem à noite?" ele perguntou.
"Sim, eu a chamei. Ele não podia dirigir. Embora eu esteja apostando que agora ele desejaria que eu o tivesse deixado." Eu simplesmente nunca seria a número um na lista de popularidade de Andy Bellefleur.
"Ela teve problemas para levá-lo até o seu carro?"
"Bill a ajudou."
"Vampiro Bill? Seu namorado?"
"Uh-huh."
"Espero que ele não a tenha assustado", disse Terry, como se ele não se lembrasse que eu ainda estava lá.
Eu podia sentir meu rosto se espremendo. "Não há razão na terra para Bill algum dia assustar Portia Bellefleur," eu disse, e algo sobre a maneira como eu disse penetrou a névoa do pensamento privado de Terry.
"Portia não é tão forte como todo mundo acha que ela é", me disse Terry. "Você, por outro lado, é como um pequeno bombom por fora mas por dentro é um pit bull."
"Não sei se eu deveria sentir-me lisonjeada, ou se eu deveria te dar um soco no nariz."
"Lá vai você. Quantas mulheres - ou homens, se isso importa - diriam uma coisa dessas para um homem louco como eu?" E Terry sorriu, como um fantasma iria sorrir. Eu não sabia o quão consciente da sua reputação Terry era, até agora.
Eu fiquei na ponta dos pés para dar um beijo em seu rosto marcado, para mostrar-lhe que eu não tinha medo dele. Enquanto eu voltava para minha altura, eu me dei conta de que não era exatamente verdade. Em algumas circunstâncias, eu não só estaria bastante desconfiada deste homem danificado, mas de fato eu poderia ficar realmente muito assustada.
Terry amarrou a cordas de um avental branco de cozinheiro e começou a abrir a cozinha. O resto de nós voltou para o módulo de trabalho. Eu não teria tempo para esperar pelas mesas cheias, já que eu estava saindo às seis esta noite para ficar pronta para ir à Shreveport com Bill. Eu odiava que Sam me pagasse pelo tempo que eu passei de bobeira pelo Merlotte hoje, à espera de trabalho; mas arrumar a despensa e limpar o escritório de Sam devia contar para alguma coisa.
Logo que a polícia liberou o estacionamento, as pessoas começaram a chegar, num fluxo tão pesado como uma cidade pequena como Bon Temps obtêm. Andy e Portia estavam entre os primeiros, e eu vi Terry olhar da portinhola da cozinha para seus primos. Eles acenaram para ele, e ele levantou uma espátula para reconhecer a saudação deles. Gostaria de saber o quão perto de primo Terry era na verdade. Ele não era um primo de primeiro grau, eu tinha certeza. É claro, aqui você poderia chamar alguém de seu primo ou sua tia ou seu tio com pouca ou nenhuma ligação de sangue. Depois que minha mãe e meu pai tinham morrido em uma enchente relâmpago que varreu seu carro para fora da ponte, a melhor amiga da minha mãe tentava ir à casa da vovó toda semana ou a cada duas com um presentinho para mim; e eu a chamei de Tia Patty a minha vida toda.
Eu respondia a todas as perguntas dos clientes quando dava tempo, e servi hambúrgueres e saladas e tiras de peito de frango – e cerveja – até me sentir tonta. Quando eu olhei para o relógio, era hora de eu ir embora. No banheiro feminino encontrei a minha substituta, a minha amiga Arlene. O cabelo vermelho flamejante de Arlene (dois tons mais vermelho este mês) foi arrumado num elaborado monte de cachos na parte de trás da cabeça dela, e sua calça apertada deixava que o mundo soubesse que tinha perdido três quilos. Arlene tinha sido casada quatro vezes, e ela estava à procura do número cinco.
Conversamos sobre o assassinato por alguns minutos, e a informei sobre as condições de minhas mesas, antes de pegar a minha bolsa no escritório de Sam e sair correndo pela porta dos fundos. Não estava muito escuro quando eu parei em minha casa, que fica a cerca de 402 metros depois do bosque de uma estrada da região raramente percorrida. É uma casa antiga, partes dela datavam de mais de cento e quarenta anos, mas ela foi modificada e aumentada tantas vezes que não a consideramos como uma casa de antes da guerra. É só uma velha casa de fazenda, de qualquer maneira.
Minha avó, Adele Hale Stackhouse, deixou-me esta casa, e ela é preciosa para mim. Bill tinha falado pra eu me mudar para sua casa, que ficava numa colina do outro lado do cemitério depois da minha casa, mas eu estava relutante em deixar o meu próprio canto.
Eu arranquei meu traje de garçonete e abri o meu armário. Se nós estávamos indo para Shreveport em assuntos de vampiros, Bill iria querer que eu me arrumasse um pouco. Eu não entendia isso perfeitamente, já que ele não queria que ninguém me passasse uma cantada, mas ele queria que eu parecesse sempre mais bonita quando estávamos indo para o Fangtasia, um bar de um vampiro que servia principalmente para os turistas.
Homens.
Eu não conseguia tomar uma decisão, então eu pulei para o chuveiro. Pensar sobre o Fangtasia sempre me deixava tensa. Os vampiros donos do local faziam parte da estrutura do poder vampírico, e uma vez que eles tinham descoberto o meu talento incomum, eu me tornei uma desejável aquisição para eles. Somente a entrada determinada de Bill no sistema vampírico de auto-regulamentação tinha me mantido segura; isto é, vivendo onde eu queria viver, trabalhando no emprego que escolhi. Mas em troca dessa segurança, eu ainda era obrigada a aparecer quando eu fosse convocada, e colocar minha telepatia para uso deles. Medidas mais amenas do que as suas antigas escolhas (tortura e terror) eram o que vampiros que estavam "se integrando" necessitavam. A água quente imediatamente me fez sentir melhor, e eu relaxei enquanto ela batia nas minhas costas.
"Posso me juntar a você?"
"Merda, Bill!" Meu coração disparando quilômetros por minuto, me inclinei contra a parede do chuveiro para me apoiar.
"Desculpe, querida. Você não ouviu a porta do banheiro abrindo?"
"Não, raios. Porque você não pode simplesmente dizer 'Querida, eu estou casa', ou algo assim?"
"Desculpe", disse ele de novo, não soando muito sincero. "Você precisa de alguém para esfregar suas costas?"
"Não, obrigado", eu sibilei. “Eu não estou no tipo de humor para esfregar costas."
Bill gargalhou (então eu pude ver que suas presas estavam recolhidas) e puxou a cortina do chuveiro para fechá-la.
Quando saí do banheiro, embrulhada numa toalha mais ou menos modestamente, ele estava estirado na minha cama, os sapatos dele ordenadamente alinhados no pequeno tapete perto da mesinha de cabeceira. Bill estava usando uma camisa de mangas compridas azul escura e calças cáqui, com meias que combinavam com a camisa e os sapatos polidos. Seu cabelo castanho escuro estava penteado direto para trás, e sua extensa costeletas pareciam retrô.
Bem, elas eram, mas mais retrô que a maioria das pessoas jamais poderia imaginar.
Ele tem sobrancelhas bem arqueadas e nariz reto. Sua boca é do tipo que você vê em estátuas gregas, pelo menos as que tinha visto em fotos. Ele morreu poucos anos depois do fim da Guerra Civil (ou a Guerra da Agressão do Norte, como minha avó sempre chamava).
"Quais os planos para hoje à noite?" Perguntei. "Negócios ou prazer?"
"Estar com você é sempre um prazer," disse Bill.
"Estamos indo para Shreveport pra quê?" Eu perguntei, já que conheço uma resposta evasiva quando ouço uma.
"Nós fomos convocados."
"Por?"
"Eric, evidentemente."
Agora que Bill tinha se candidatado, e aceitado, uma posição como investigador da Área 5, ele estava à disposição de Eric - e sob sua proteção. Isso significava, Bill tinha explicado, que qualquer um que atacasse Bill também teria de lidar com o Eric, e isso queria dizer que as posses de Bill para Eric eram sagradas. O que incluía a mim. Eu não estava animada em ser numerada entre as posses de Bill, mas era melhor do que algumas das alternativas.
Fiz uma careta no espelho.
"Sookie, você fez um trato com o Eric."
"Sim", eu admiti, "Eu fiz."
"Então você deve ater-se a ele."
" Planejo fazer isso."
"Use aquele jeans justo que amarra dos lados", sugeriu Bill.
Nem mesmo era um jeans, mas algum tipo de coisa elástica. Bill simplesmente me amava nesse jeans, que tinham o cós bem baixo. Mais de uma vez, eu me perguntei se Bill tinha algum tipo de fantasia com Britney Spears. Já que eu tinha plena consciência de que eu ficava bem com o jeans, eu o vesti, com uma camisa de mangas curtas azul escura e branca, que abotoava na frente até cerca de dois centímetros abaixo do meu sutiã. Apenas para expor um pouco de independência (afinal, era melhor ele se lembrar que eu era dona de mim mesma) eu penteei meu cabelo em um rabo de cavalo no alto da minha cabeça. Eu prendi um laço azul na minha faixa elástica e apliquei um pouco de maquiagem. Bill lançou um olhar pro seu relógio uma ou duas vezes, mas eu continuei no meu ritmo. Se ele estava extremamente preocupado sobre como eu iria impressionar seus amigos vampiros, ele poderia simplesmente esperar por mim.
Uma vez que nós estávamos no carro e no caminho oeste para Shreveport, Bill disse, "Eu comecei um novo empreendimento arriscado hoje."
Sinceramente, eu me perguntava de onde vinha o dinheiro do Bill. Ele nunca pareceu rico; ele nunca pareceu pobre. Mas ele nunca trabalhou, tampouco; a não ser que fosse nas noites em que não estávamos juntos.
Eu estava apreensivamente consciente de que qualquer vampiro que valorize o seu suor poderia tornar-se rico; afinal, quando se pode controlar as mentes dos seres humanos até certo ponto, não é difícil persuadi-los a ceder dinheiro ou dicas de ações ou oportunidades de investimento. E até os vampiros ganharem o direito legal de existir, eles não tinham que pagar impostos, veja só. Até o governo dos Estados Unidos teve que admitir que não poderia cobrar imposto sobre os mortos. Mas se lhes dessem direitos, o Congresso tinha calculado, e lhes desse o voto, então poderia obrigá-los a pagar impostos.
Quando os japoneses aperfeiçoaram o sangue sintético que realmente permitiu que vampiros "vivessem" sem beber sangue humano, foi possível para os vampiros saírem do caixão. "Vejam, não temos de vitimar a humanidade para podermos existir", eles poderiam dizer. "Nós não somos uma ameaça."
Mas eu sabia que a grande emoção de Bill foi quando ele bebeu de mim. Ele poderia ter uma dieta bastante estável de LifeFlow (a marca mais popular de sangue sintético), mas morder meu pescoço era incomparavelmente melhor. Ele podia beber um A positivo engarrafado na frente de todo mundo num bar lotado, mas se ele estivesse prevendo um bocado de Sookie Stackhouse, por Deus era melhor que fosse em particular, o efeito era bem diferente. Bill não tinha qualquer tipo de estimulação erótica vinda de uma taça de LifeFlow.
"Então o que é esse novo negócio?" Perguntei.
"Eu comprei o strip mall* perto da rodovia, aquele onde fica o LaLaurie's."
*Strip mall, também chamado uma praça ou mini-shopping center, é um centro comercial em espaço aberto onde as lojas estão dispostas numa fila, com uma calçada em frente e possuem grandes áreas de estacionamento em frente. É mais ou menos um shopping a céu aberto. Comum em locais de grande tráfego.
"E quem era o dono?"
"O Bellefleurs originalmente eram proprietários da terra. Eles deixaram Sid Matt Lancaster fazer um acordo de desenvolvimento para eles".
Sid Matt Lancaster já atuou antes como advogado do meu irmão. Ele estava sempre por perto há anos e tinha muito mais cacife do que Portia.
"Isso é bom para os Bellefleurs. Elas têm tentado vender aquilo há alguns anos. Eles precisam de dinheiro, demais. Você comprou o terreno e o strip mall? Que tamanho tem um terreno como aquele?"
"Só um acre, mas tem uma boa localização," disse Bill, em um tom prático que eu nunca tinha ouvido antes.
"Nesse mesmo shopping fica LaLaurie's, e um cabeleireiro, e a Tara's Togs*?" Tirando o country club, o LaLaurie's era o único restaurante com quaisquer pretensões na área de Bon Temps. Era onde você levaria sua esposa para o seu vigésimo quinto aniversário de casamento, ou o seu chefe quando você queria uma promoção, ou um encontro em que você realmente queria muito impressionar. Mas ele não estava rendendo muito dinheiro, ouvi dizer.
(*Tara’s Togs é o nome da loja de roupas de propriedade da personagem Tara, amiga de Sookie, que pra quem ta acompanhando a série de TV, vai notar que aqui no livro ela é bem diferente)
Não tenho a menor idéia de como se deve gerir uma empresa, ou administrar acordos de negócios, estando apenas a um passo ou dois de ser pobre durante toda a minha vida. Se meus pais não tivessem tido a sorte de encontrar um pouco de petróleo em suas terras e guardar todo esse dinheiro antes do petróleo esgotar-se, Jason e vovó e eu poderíamos ter vivido ainda mais apertados esse tempo todo. Pelo menos duas vezes, estivemos perto de vender a casa dos meus pais, só para manter a casa da vovó e os impostos, enquanto ela nos criava.
"Então, como é que isto funciona? Você é o dono do prédio que abriga essas três empresas, e elas lhe pagam aluguel?"
Bill assentiu. "Então agora, se você quiser fazer algo no cabelo, vá ao Clip and Curl."
Eu só tinha ido ao cabeleireiro uma vez em minha vida. Se as pontas ficassem irregulares, normalmente eu ia até o trailer de Arlene e ela aparava de modo uniforme. "Você acha que é preciso fazer algo no meu cabelo?" Perguntei duvidosamente.
"Não, ele é bonito." Bill foi tranquilizadoramente positivo. "Mas se você quisesse ir, eles têm, ah, manicures, e produtos para cuidar dos cabelos." Ele disse "produtos para cuidar dos cabelos", como se isso fosse uma outra língua. Eu abafei um sorriso.
"E," continuou ele, "leve quem você quiser ao LaLaurie's, e você não terá que pagar."
Me virei para encará-lo.
"E Tara sabe que se você for lá, ela vai colocar qualquer roupa que você comprar na minha conta."
Eu podia sentir o meu gênio rangendo e me traindo. Bill, infelizmente, não podia. "Portanto, em outras palavras," eu disse, orgulhosa do nivelamento da minha voz, "eles sabem como mimar a extravagante mulher do dono".
Bill pareceu se dar conta de que tinha cometido um erro. "Oh, Sookie", ele começou, mas eu não receberia nada daquilo. Meu orgulho se elevou e atingiu meu rosto. Eu não costumava perder a cabeça, mas quando acontecia, eu fazia um bom trabalho.
"Por que você não pode simplesmente me mandar algumas malditas flores, como o namorado de qualquer outra pessoa? Ou alguma guloseima. Eu gosto de doces. Só me compre um cartão da Hallmark, por que não faz isso? Ou um gatinho ou um lenço!"
"Eu quis dar-lhe alguma coisa", disse com cautela.
"Você me fez sentir como uma interesseira*. E você certamente tem passado para as pessoas que trabalham nessas empresas a impressão de que eu sou."
(*No original é Kept Woman, que significa uma mulher que aceita presentes e tem suas contas pagas por um homem em troca do corpo, achei que nem amante, nem prostituta se aplicam aqui)
Até onde eu poderia dizer sob o turvo painel de luz, Bill parecia que estava tentando entender a diferença. Nós estávamos passando pela curva para o Lago Mimosa, e eu podia ver os bosques profundos na estrada ao lado do lago sob os faróis de Bill.
Para minha total surpresa, o carro engasgou e morreu. Tomei isso como um sinal.
Bill teria trancado as portas se ele soubesse o que eu ia fazer, porque ele certamente ficou assustado quando eu me arrastei para fora do carro e marchei pela estrada em direção ao bosque.
"Sookie, volte aqui agora mesmo!" Bill estava furioso agora, por Deus. Bem, ele tinha demorado.
Eu mostrei o dedo pra ele enquanto eu entrava no bosque.
Eu sabia que se o Bill quisesse que eu ficasse no carro, eu estaria no carro, já que ele é cerca de vinte vezes mais forte e mais rápido do que eu. Depois de alguns segundos no escuro, eu quase desejei que ele me alcançasse. Mas depois o meu orgulho se contorceu, e eu sabia que tinha feito a coisa certa. Bill parecia estar um pouco confuso sobre a natureza do nosso relacionamento, e eu queria que isso entrasse imediatamente em sua cabeça. Ele que simplesmente movesse seu traseiro arrependido até Shreveport e explicasse a minha ausência ao seu superior, Eric. Por Deus, isso ia mostrar pra ele.
"Sookie", Bill chamava da estrada, "Estou indo até ao posto de gasolina mais próximo para trazer um mecânico."
"Boa sorte", eu murmurei sob meu fôlego. Um posto de gasolina com um mecânico em tempo integral, aberto à noite? Bill estava pensando nos anos cinquenta, ou em alguma outra época.
"Você está agindo como uma criança, Sookie", disse Bill. "Eu podia ir buscar você, mas eu não vou perder tempo. Quando você estiver calma, venha para o carro e se tranque. Estou indo agora." Bill tinha o seu orgulho, também.
Para meu mix de alívio e preocupação, ouvi passadas fracas ao longo da estrada o que significava que Bill estava correndo em velocidade de vampiro. Ele realmente saiu.
Ele provavelmente pensou que ele estaria me ensinando uma lição. Quando foi precisamente o oposto. Eu disse isso a mim mesma várias vezes. Afinal, ele estaria de volta dentro de alguns minutos. Eu tinha certeza. Tudo que eu tinha a fazer era ter a certeza que eu não tropeçaria longe o suficiente pelo bosque e cairia dentro do lago.
Estava realmente escuro entre os pinheiros. Embora a lua não estivesse cheia, era uma noite sem nuvens, e as sombras
das árvores ficaram escuras como piche em contraste com o distante brilho calmo dos espaços abertos.
Eu segui meu caminho de volta para a estrada, então tomei um longo fôlego e comecei a marchar de volta para Bon Temps, na direção oposta de Bill. Imaginava quantos quilômetros tínhamos colocado entre nós e Bon Temps antes de Bill ter começado a nossa conversa. Não seriam tantos, eu me tranquilizei, e parabenizei a mim mesma por estar usando tênis, não sandálias de salto alto. Eu não tinha trazido um suéter, e a pele exposta entre o meu top cavado e meu jeans de cós baixo estava arrepiada. Eu comecei a percorrer o acostamento com uma corrida leve. Não havia qualquer iluminação na estrada, então eu estaria em maus lençóis se não fosse a luz da lua.
Justo no momento em que me lembrei que alguém tinha assassinado Lafayette e estava à solta, ouvi pegadas dentro do bosque paralelamente ao meu próprio caminho.
Quando eu parei, o movimento nas árvores fez o mesmo.
Eu preferia saber logo. "Ok, quem está aí?" Eu falei. "Se você vai me devorar, vamos logo acabar com isso."
Uma mulher saiu de dentro do bosque. Com ela estava um porco do mato, um porco selvagem. Suas presas reluziam nas sombras. Em sua mão esquerda ela carregava uma espécie de bastão ou varinha, com um tufo de alguma coisa sobre a ponta.
"Ótimo", sussurrei pra mim mesma. "Simplesmente ótimo." A mulher era tão assustadora quanto o porco selvagem. Eu tinha certeza que ela não era uma vampira, porque eu podia sentir a atividade em sua mente; mas ela era com certeza algum ser sobrenatural, então ela não enviava um sinal claro. Eu pude captar o teor de seus pensamentos de qualquer forma. Ela estava alegre.
Isso não podia ser boa coisa.
Eu esperava que o porco selvagem fosse amigável. Eles eram raramente vistos nas redondezas de Bon Temps, embora
de vez em quando um caçador localizasse um; mais raro ainda era conseguir derrubar um deles. Isso mereceria uma foto. Esse porco fedia, um cheiro horrível e diferenciado.
Eu não tinha certeza quem abordar. Afinal, o porco selvagem poderia não ser um animal de verdade, mas um metamorfo. Isso foi uma coisa que eu aprendi nos últimos meses. Se os vampiros, que por tanto tempo não passavam de uma aterrorizante ficção, realmente existiam, o mesmo acontecia com outras ficções que considerávamos igualmente aterrorizantes.
Eu estava realmente nervosa, então eu sorri.
Ela tinha cabelos longos embaraçados, um escuro indeterminado na iluminação precária, e ela estava usando quase nada. Ela tinha um tipo de camisola, mas era curta e esfarrapada e manchada. Ela estava descalça. Ela sorriu de volta pra mim. Em vez de gritar, eu dei um sorriso largo ainda mais brilhante.
"Não tenho nenhuma intenção de devorar você", disse ela.
"Fico feliz em ouvir isso. E quanto ao seu amigo?"
"Ah, o porco." Como se ela acabasse de notá-lo, a mulher se aproximou e coçou o pescoço do porco selvagem, como eu faria em um cachorro manso. As presas ferozes balançavam para cima e para baixo. "Ela vai fazer o que eu disser a ela," a mulher disse casualmente. Eu não precisei de um tradutor para entender a ameaça. Eu tentei parecer igualmente casual enquanto lançava um olhar ao redor do espaço aberto onde eu estava, na esperança de localizar uma árvore que eu pudesse subir, se fosse preciso.
Mas todos os troncos perto o suficiente para eu alcançar há tempo não passavam de galhos; eles eram pinheiros loblolly* cultivados aos milhões nas proximidades dos bosques vizinhos, por causa da sua madeira. Os galhos começam a surgir cerca de 4,57 metros de altura.
(*Loblolly Pine é uma das várias espécies de pinheiros nativos do sudeste dos Estados Unidos. O nome Loblolly quer dizer local de baixa umidade, mas não sei qual seria o nome dado a essa árvore em Português.)
"Como se a raiva de um vampiro significasse algo para mim", disse ela sem constrangimento.
"Desculpe-me, senhora, mas o que é você? Se você não se importa que eu pergunte."
Eu percebi que eu devia ter pensado nisso mais cedo; o carro de Bill ter paradolá não foi nenhum acidente, e talvez até mesmo a briga que tivemos não tinham sido nenhuma coincidência.
"Você queria falar comigo sobre alguma coisa?" Eu perguntei a ela, e me voltando para ela descobri que ela tinha se aproximado vários metros. Eu pude ver seu rosto um pouco melhor agora, e eu não fiquei de modo algum tranquila. Tinha uma mancha em torno de sua boca, e quando ela a abriu para falar, eu pude ver que os dentes tinham bordas escuras; Senhorita Misteriosa andou comendo um mamífero cru. "Eu vejo que você já jantou", eu disse nervosamente, e em seguida podia ter estapeado a mim mesma.
"Mmmm", disse ela. "Vocês é o bichinho de estimação de Bill?"
"Sim", eu disse. Eu me opunha à terminologia, mas eu não estava em posição muito boa para argumentar. "Ele ficaria realmente muito chateado se alguma coisa me acontecesse."
Ela sorriu novamente, e eu estremeci. "Nem um pouco. Sou uma Bacante*."
Isso era algo grego. Eu não sei exatamente o quê, mas era selvagem, do sexo feminino, e vivia na natureza, se minhas
impressões estivessem corretas.
(* No original Maenad ou Bacante - na mitologia grega, era mulheres adoradoras de Dionísio. O nome significa literalmente "aquela que tem ira". Seres que cultuam orgias e desejam abundantemente a violência, derramamento de sangue, sexo, intoxicação e mutilações, e são geralmente descritas como mulheres coroadas com folhas de videira, vestidas com peles e dançando selvagemente.)
"Isso é muito interessante," eu disse, sorrindo como se valesse a pena. "E você está aqui esta noite porque..."?
"Preciso que uma mensagem seja entregue para Eric Northman", disse ela, ao se aproximar. Desta vez eu pude vê-la fazer isso. O porco fungou ao seu lado como se ela estivesse vinculado à mulher. O cheiro era indescritível. Eu pude ver o pequeno rabo ouriçado do porco selvagem – estava balançando para frente e para trás de um jeito alerta e impaciente.
"Qual é a mensagem?" Eu lancei um olhar para ela – e rodopiei para correr o mais rápido que pude. Se eu não tivesse ingerido um pouco de sangue de vampiro no início do verão, eu não poderia ter me virado a tempo, e levaria o golpe no meu rosto e no peito, em vez de nas minhas costas. A sensação era exatamente como se alguém muito forte tivesse lançado um rodo pesado e as pontas tivessem capturado minha pele, atingindo profundamente, e dilacerado minhas costas.
Eu não podia me manter de pé, mas atirei-me à frente e caí de bruços. Ouvi sua risada atrás de mim, e o porco fungando, e então eu me dei conta de ela tinha ido embora. Eu fiquei ali chorando por um minuto ou dois. Eu estava tentando não gritar, e me vi arquejando como uma mulher em trabalho de parto, tentando dominar a dor. Minhas costas doíam como o inferno.
Eu estava com raiva, também, com o pouco de energia que ainda restava em mim. Eu era apenas um quadro de avisos vivo para aquela cadela, aquela bacante, qualquer diabo que ela fosse. Enquanto eu rastejava, sobre galhos e o chão áspero, espinhos de pinheiro e poeira, eu fui ficando mais e mais furiosa. Eu estava me tremendo toda por causa da dor e da raiva, me arrastando em frente, até que eu sentisse que eu não valia a pena morta, eu estava tão perturbada. Eu tinha começado a rastejar de volta para o carro, tentando me dirigir ao local onde provavelmente Bill me encontraria, mas quando eu estava quase lá eu reconsiderei sobre ficar no campo aberto.
Eu tinha presumido que a estrada seria de grande ajuda – mas, evidentemente, não foi. Eu descobri alguns minutos antes que nem todo mundo por acaso estava com um humor lá muito prestativo. E se eu desse de cara com outra coisa, outra coisa com fome? O cheiro do meu sangue poderia estar atraindo um predador neste exato momento; dizem que um tubarão é capaz de detectar a mais ínfima partícula de sangue na água, e um vampiro é seguramente equivalente ao tubarão na terra.
Então eu rastejei dentro da linha das árvores, em vez de permanecer fora ao lado da estrada onde eu ia ficar visível. Este não parece ser um local muito digno ou significante para morrer. Isto não era o Álamo, ou Termópilas. Isto era apenas um ponto da vegetação de beira de estrada no norte da Louisiana. Eu estava provavelmente estendida na hera venenosa. Eu provavelmente não viveria tempo suficiente para fugir, entretanto.
Eu esperava a cada segundo que a dor começasse a diminuir, mas ela só aumentava. Eu não podia impedir as lágrimas de escorrerem pelas minhas bochechas. Eu tentava não soluçar em voz alta, para que eu não atraísse mais nenhuma atenção, mas era impossível me manter completamente quieta.
Eu estava tão desesperadamente concentrada em manter o meu silêncio que eu quase não vi o Bill. Ele estava andando ao longo da estrada procurando dentro da floresta, e eu podia dizer pelo jeito que ele estava caminhando que ele estava alerta para perigo. Bill sabia que algo estava errado.
"Bill", sussurrei, mas para sua audição de vampiro, era como um grito.
Ele ainda estava instantaneamente parado, seus olhos vasculhando as sombras. "Estou aqui", eu disse, engolindo um soluço. "Cuidado." Eu poderia ser uma armadilha viva.
Sob o luar, eu podia ver que o seu rosto estava limpo de emoção, mas eu sabia que ele estava pesando as probabilidades, tal como eu estava. Um de nós tinha que se mover, e percebi que se eu fosse em direção à luz da lua, pelo menos Bill poderia ver mais claramente se alguma coisa atacasse.
Eu usei minhas mãos para me agarrar à grama, e puxei. Eu não podia sequer ficar de joelhos, então este avanço era meu melhor êxito. Eu empurrei um pouco com os meus pés, apesar de que até a utilização dos músculos das minhas costas era torturante. Eu não queria olhar para Bill enquanto eu me movia na direção dele, porque eu não queria amolecer diante da visão de sua fúria. Era uma coisa quase palpável.
"O que fez isso com você, Sookie?" ele perguntou suavemente.
"Me leve para o carro. Por favor, me tire daqui", disse, fazendo o meu melhor para me manter inteira. "Se eu fizer muito barulho, ela pode voltar." Eu me tremi toda só de pensar nisso. "Leve-me até Eric," eu disse, tentando manter a minha voz equilibrada. "Ela disse que isso foi uma mensagem para Eric Northman."
Bill agachou-se ao meu lado. "Tenho que levantá-la", ele me disse.
Oh, não. Eu comecei a dizer, "Deve haver alguma outra forma," mas eu sabia que não havia. Bill sabia que era melhor não hesitar. Antes que eu pudesse antecipar a extensão total da dor, ele moveu rapidamente um braço para debaixo de mim e aplicou sua outra mão em minha virilha, e em um instante ele tinha me colocado sobre o seu ombro.
Gritei alto. Tentei não soluçar depois disso, assim Bill podia ouvir algum ataque, mas eu não controlei isso muito bem. Bill começou a correr ao longo da estrada, de volta para o carro. Ele já tinha deixado o carro ligado, com o motor funcionando suavemente. Bill abriu a porta traseira abruptamente e tentou me sustentar no banco de trás do Cadillac, rápido mas suavemente. Era impossível não me causar mais dor ao fazer isso, mas ele aventurou-se.
"Foi ela," eu disse, quando pude falar alguma coisa coerente. "Foi ela quem fez o carro parar e me fez sair." Eu estava tentando avaliar se ela teria causado a briga para começar.
"Vamos falar sobre isso daqui a pouco", disse ele. Ele acelerou em direção a Shreveport, na maior velocidade que pôde, enquanto eu cravava as unhas no estofamento, na uma tentativa de manter controle sobre mim mesma.
Tudo que me lembrava sobre essa corrida era que pareceu durar pelo menos dois anos.
Bill me levou pela porta de trás do Fangtasia algum jeito, e chutou-a para conseguir atenção.
"O quê?" Pam soou hostil. Ela era uma vampira loira bonita que eu encontrei algumas vezes antes, um tipo de pessoa sensata com grande perspicácia empresarial. "Oh, Bill. O que aconteceu? Oh, yum, ela está sangrando."
"Chame Eric," disse Bill.
"Ele está esperando aqui", ela começou, mas Bill andou a passos largos em direção a ela comigo em seu ombro como um saco numa droga de jogo. Eu estava tão por fora a essa hora que eu não me importaria se ele me carregasse para a pista de dança da frente do bar, mas ao invés disso, Bill invadiu o escritório de Eric carregando a mim e sua fúria.
"Isso é por sua conta," Bill rosnou, e eu gemi enquanto ele me sacudia como se isso fosse atrair a atenção de Eric para mim. Eu dificilmente achava que Eric poderia estar olhando para qualquer outro lugar, já que eu era uma fêmea adulta e, provavelmente, a única mulher sangrando no seu escritório.
Eu teria adorado desmaiar, passar mal de vez. Mas não fiz isso. Eu só inclinei-me sobre o ombro de Bill e sofri. "Vá para o inferno," Eu resmunguei.
"O quê, minha querida?"
"Vá para o inferno!"
"Devemos deitá-la de bruços sobre o sofá", disse Eric. "Aqui, deixe-me..." Senti um outro par de mãos agarrando minhas pernas, Bill meio que virou para debaixo de mim, e juntos eles me colocaram cuidadosamente sobre o grande sofá que Eric havia acabado de comprar para o seu escritório. Ela tinha aquele cheiro de novo, e era de couro. Eu fiquei satisfeita, contemplando-o há uma distância de pouco mais de um centímetro, que ele não tinha colocado capa nos estofados. "Pam, ligue para o médico." Eu ouvi passos deixando a sala, e Eric agachou-se para olhar o meu rosto. Foi uma baita agachada, porque Eric, alto e largo, parecia exatamente aquilo que ele era, um ex-Viking.
"O que aconteceu com você?" ele perguntou.
Eu olhei fixamente para ele, tão irritada que mal consegui falar. "Eu sou uma mensagem para você", eu disse, quase num sussurro. "Essa mulher no bosque fez o carro de Bill parar, e talvez até mesmo nos fez discutir, e então ela veio até mim com um porco."
"Um porco?" Eric ficaria menos abismado se eu dissesse que ela tinha um canário em cima do nariz.
"Oink, oink. Porco do mato. Porco selvagem. E ela disse que queria lhe enviar uma mensagem, e eu me virei a tempo de evitar que ela acertasse o meu rosto, mas ela atingiu minhas costas, e então foi embora."
"Seu rosto. Ela teria atingido o seu rosto," disse Bill. Vi suas mãos se cerrando em suas coxas, e sua costas enquanto ele andava de um lado a outro no escritório. "Eric, os cortes dela não são tão profundos. O que há de errado com ela?"
"Sookie", disse Eric suavemente, "Com o que esta mulher se parece?"
Seu rosto estava bem próximo ao meu, seu espesso cabelo dourado quase tocando o meu rosto.
"Ela parecia uma louca, preciso te dizer. E ela te chamou de Eric Northman."
"Esse é o sobrenome que eu uso para relações com humanos", disse ele. "Sobre parecer louca, você quer dizer... como assim?”
"Suas roupas estavam todas esfarrapadas, e ela tinha sangue em sua boca e dentes, como se tivesse acabado de comer algo cru. Ela estava carregando um tipo de varinha, com alguma coisa na ponta. Seu cabelo era longo e emaranhado... olha, falando de cabelo, meu cabelo vai ficar grudado em minhas costas." Eu arfei.
"Sim, estou vendo." Eric começou a tentar separar meus cabelos longos de minhas feridas, onde o sangue estava agindo como um aderente, enquanto coagulava.
Pam chegou em seguida, com o médico. Se eu esperava que Eric estivesse falando de um médico comum, do tipo que anda com um estetoscópio e um abaixa-língua, estava mais uma vez condenada ao desapontamento. Esse médico era uma anã, que dificilmente teria que se curvar para me olhar nos olhos. Bill flutuava, vibrando com a tensão, enquanto a pequena mulher examinava minhas feridas. Ela estava vestindo calças brancas e um jaleco, exatamente como os médicos do hospital; bem, exatamente como os médicos costumavam usar, antes de eles começarem a usar aquela cor verde, ou azul, ou qualquer estampa maluca que aparecesse para eles. Seu nariz ocupava quase todo o rosto, e sua pele era de um tom oliva. Seu cabelo era marrom dourado e áspero, incrivelmente espesso e ondulado. Ela o usava relativamente bem curto. Ela me lembrava um dos hobbits. Talvez ela fosse um hobbit. A minha compreensão da realidade tinha trocado vários pontos de vista com a cabeça nos últimos meses.
"Que tipo de médica é você?" Eu perguntei, apesar de eu ter levado algum tempo para me recompor o suficiente.
"Do tipo que cura", disse ela em uma voz surpreendentemente profunda. "Você foi envenenada."
"Então é por isso que eu continuo achando que vou morrer", eu murmurei.
"Você vai, muito em breve", disse ela.
"Muito obrigada, Doutora. O que você pode fazer sobre isso?"
"Nós não temos muitas opções. Você foi envenenada. Alguma vez você já ouviu falar dos dragões Komodo? Suas bocas estão cheias de bactérias. Bem, feridas de bacantes têm o mesmo nível tóxico. Depois de um dragão morder você, a criatura segue seu rastro durante horas, esperando que as bactérias te matem. Para as bacantes, o atraso da morte acrescenta mais diversão. Para os dragões Komodo, quem sabe?"
Obrigado pela viagem do National Geographic, doutora. "O que você pode fazer?" Perguntei, entre dentes cerrados.
"Eu posso fechar as feridas exteriores. Mas sua corrente sanguínea foi comprometida, e seu sangue deve ser removido e substituído. Essa é uma tarefa para os vampiros." A boa médica parecia positivamente animada pela perspectiva de trabalharem todos juntos. Em mim.
Ela virou-se para os vampiros reunidos. "Se apenas um de vocês tomar o sangue envenenado, ficará terrivelmente mal. Isto é o elemento de magia que a bacante transmite. A mordida do dragão Komodo não seria um problema para vocês." Ela riu cordialmente.
Eu odiava ela. Lágrimas corriam pelo meu rosto por causa da dor.
"Portanto," ela continuou, "quando eu tiver acabado, cada um de você terá sua vez, removendo apenas um pouco. Em seguida iremos dar a ela uma transfusão."
"De sangue humano", eu disse, querendo deixar isso perfeitamente claro. Eu tive que tomar sangue do Bill uma vez para sobreviver a danos maciços e uma vez para sobreviver a um exame de gênero, e eu tomei sangue de um outro vampiro por acidente, improvável tanto quanto soa. Eu tinha sido capaz de ver mudanças em mim após a ingestão desse sangue, mudanças que eu não queria aumentar ao tomar outra dose. Sangue de vampiro era a droga da vez entre os ricos, e até onde eu me importava, eles podiam ficar com ela.
"Se Eric puder mexer os pauzinhos e conseguir sangue humano," afirmou a anã. "Pelo menos metade da transfusão pode ser sintética. Sou a Dra. Ludwig, a propósito."
"Eu posso conseguir o sangue, e nós lhe devemos a cura", ouvi Eric dizer, para meu alívio. Eu teria daria tudo para ver a cara de Bill, naquele momento. "Qual é o seu tipo, Sookie?" Eric perguntou.
"O positivo", disse, satisfeita por meu sangue ser tão comum.
"Isso não deve ser um problema", disse Eric. "Você pode cuidar disso, Pam?"
Novamente, uma sensação de movimento na sala. Dra. Ludwig se inclinou para frente e começou a lamber minhas costas. Eu gritei.
"Ela é a médica, Sookie", disse Bill. "Ela irá curá-la desse jeito."
"Mas ela vai ficar envenenada", eu disse, tentando pensar em uma objeção de que não soasse homofóbica e preconceituosa com altura. Na verdade, eu não queria ninguém lambendo minhas costas, uma fêmea anã ou um vampiro macho grande.
"Ela é a curadora", disse Eric, meio que num tom de censura. "Você precisa aceitar o seu tratamento."
"Ah, tudo bem", eu disse, sem sequer me importar como eu soei mal-humorada. "A propósito, ainda não ouvi um 'sinto muito' vindo de você ainda." Meu senso de descontentamento tinha subjugado o meu senso de auto-preservação.
"Lamento que a bacante tenha escolhido você."
Eu lancei um olhar para ele. "Não é suficiente," eu disse. Eu estava me esforçando para insistir nessa conversa.
"Sookie Angelical, visão do amor e da beleza, estou abatido que a perigosa e malvada bacante tenha violado o seu corpo suave e sensual, em uma tentativa de entregar uma mensagem para mim."
"Assim é mais adequado." Eu teria tido mais satisfação nas palavras do Eric, se eu não tivesse derrubada de dor nesse momento. (O tratamento da médica não era exatamente confortável.) Seria melhor se as desculpas fossem sinceras ou aprimoradas, e uma vez que Eric não tinha um coração para sentir (ou pelo menos eu não tinha notado isso até agora), ele poderia me distrair com as palavras.
"Devo entender que a mensagem significa que ela está indo para a guerra com você?" Perguntei, tentando ignorar as atividades da Dra. Ludwig. Eu estava suando por todos os lados. As dores nas costas eram enormes. Eu podia sentir lágrimas escorrendo pelo meu rosto. O quarto parecia ter adquirido uma neblina amarelada; tudo parecia doentio.
Eric olhou surpreso. "Não exatamente," disse com cautela. "Pam?"
"Está vindo", disse ela. "Isso é ruim."
"Comece", disse Bill urgentemente. "Ela está mudando de cor."
Eu me perguntava, quase impassível, de que cor eu estaria ficando. Eu não podia mais segurar minha cabeça fora do sofá, como eu estava tentando fazer para parecer um pouco mais alerta. Eu encostei minha bochecha sobre o couro, e imediatamente o meu suor me grudou à superfície. A sensação de queimação que irradiava através do meu corpo das marcas de garra nas minhas costas ficou mais intensa, e eu gritava porque eu simplesmente não podia evitar.
A anã saltou do sofá e curvou-se para examinar os meus olhos.
Ela sacudiu a cabeça. "Sim, se houver alguma esperança", disse ela, mas soava muito distante de mim. Ela tinha uma seringa na mão. A última coisa que eu registrei foi o rosto de Eric se aproximando, e me pareceu que ele piscou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário