sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Capítulo 1

Andy Bellefleur estava bêbado como um gambá. Isto não era normal para Andy - acredite, eu conheço todos os bêbados em Bon Temps. Trabalhar no bar de Sam Merlotte durante tantos anos me deixou bem familiarizada com todos eles. Mas Andy Bellefleur, que nasceu aqui e era detetive da pequena força policial de Bon Temps, nunca tinha ficado bêbado no Merlotte antes. Eu estava incrivelmente curiosa sobre o por que de esta noite ser uma exceção.

Andy e eu de jeito nenhum somos amigos, então eu não podia perguntar a ele diretamente. Mas outros meios estavam abertos para mim, e eu decidi usá-los. Apesar de eu tentar limitar o uso da minha deficiência, ou dom, ou seja lá como você queira chamar isso, para descobrir coisas que possam ter um efeito sobre mim ou meu, às vezes a mera curiosidade vence.

Eu baixei minha guarda mental e li os pensamentos de Andy. Me arrependi.

Andy tinha detido um homem naquela manhã por seqüestro. Ele tinha levado a sua vizinha de dez anos de idade a um lugar na mata e a tinha estuprado. A menina estava no hospital, e o homem estava na prisão, mas os danos que tinham sido causados foram irreparáveis. Senti-me triste e com vontade de chorar. Foi um crime que atingiu intimamente o meu próprio passado. Eu gostei um pouco mais de Andy por sua depressão.

"Andy Bellefleur, me dê suas chaves”, eu disse. Seu rosto largo se virou para mim, mostrando pouquíssima compreensão. Após uma longa pausa enquanto seu cérebro confuso filtrava o significado das minhas palavras, Andy procurou atrapalhadamente no bolso da calça cáqui e entregou-me o seu chaveiro pesado. Eu coloquei uma outra dose de uísque e coca-cola sobre o balcão na frente dele. "Por minha conta", eu disse, e fui para o telefone no final do bar ligar para Portia, a irmã de Andy. Os irmãos Bellefleur viviam em um grande sobrado branco decadente do período anterior à guerra, antigamente uma atração turística, na rua mais bonita da melhor área de Bon Temps. Na Rua Riacho da Magnólia, todas as casas ficavam de frente para a faixa do parque por onde corria o riacho, atravessado aqui e ali por pontes decorativas apenas para tráfego de pedestres; uma estrada corria em ambos os lados. Tinham algumas outras casas antigas em na Rua Riacho da Magnólia, mas todas estavam em melhor estado que a casa dos Bellefleur, Belle Rive. Belle Rive era demais para Portia, uma advogada, e Andy, um policial, manterem, uma vez que o dinheiro para sustentar uma casa como aquela e as suas terras há muito tinham se esgotado. Mas sua avó, Caroline, teimosamente recusou-se a vender.

Portia atendeu no segundo toque.

“Portia, aqui é Sookie Stackhouse”, eu disse, tendo que levantar a minha voz sobre o barulho de fundo do bar.

“Você deve estar no trabalho”.

"Sim. Andy está aqui, e ele está balançando mais do que vela de barco*. Tirei as chaves dele. Pode vir buscá-lo?"

*(no orginal é three sheets to the wind, que é uma expressão idiomática que quer dizer bebedeira, não tem tradução mas significa que um barco com suas três velas içadas balança tanto que parece um bêbado)

"Andy bebeu demais? Isso é raro. Claro, eu chego aí em dez minutos", ela prometeu, e desligou.

"Você é uma boa menina, Sookie", Andy voluntariou inesperadamente.

Ele tinha acabado a bebida que servi para ele. Eu arrastei o copo para fora da vista e esperei que ele não pedisse mais um. "Obrigado, Andy", eu disse. “Você é bacana.”

"Onde está o... namorado?"

"Bem aqui", disse uma voz fria e Bill Compton apareceu logo atrás de Andy. Eu sorri para ele sobre a cabeça curvada de Andy. Bill tinha aproximadamente 1,78m, com seus cabelos e olhos castanhos escuros. Ele tinha ombros largos e braços com músculos definidos de um homem que fez trabalhos manuais por anos. Bill tinha trabalhado na fazenda com seu pai, e então sozinho, antes de ele se tornar um soldado na guerra. Essa seria a Guerra Civil.

"Ei, V. B.!" chamou o marido de Charlsie Tooten, Micah. Bill levantou a mão casualmente para voltar retornar a saudação, e meu irmão, Jason, disse: "Boa noite, Vampiro Bill", de uma maneira perfeitamente educada. Jason, que não tinha
exatamente dado boas vindas ao Bill em nosso pequeno círculo familiar, tinha mudado completamente de atitude. Eu estava meio que prendendo o fôlego mentalmente, esperando para ver se sua melhora de atitude era permanente.

"Bill, você é legal para um sugador de sangue”, Andy disse judiciosamente, girando em seu banco para que ficasse de frente para Bill. Aprimorei a minha opinião sobre a embriaguez de Andy, já que ele nunca tinha ficado entusiasmado com a aceitação dos vampiros no conjunto da sociedade na América.

"Obrigado”, disse Bill secamente. "Você não é tão mau para um Bellefleur”.Ele se inclinou sobre o balcão para me dar um beijo. Seus lábios estavam tão frios quanto sua voz. Tem que se acostumar com isso. Como quando se deita a cabeça em seu peito, e não ouve um batimento cardíaco dentro. "Boa noite, querida", disse ele em sua voz baixa. Eu deslizei uma garrafa do sangue sintético, desenvolvido pelos japoneses, tipo B negativo pelo balcão, e ele bebeu de uma só vez e lambeu os lábios. Ele pareceu mais corado quase que imediatamente.

"Como foi à reunião, querido?" Perguntei. Bill tinha estado em Shreveport a maior parte da noite.

"Eu te conto depois."

Eu esperava que sua história do trabalho fosse menos angustiante que a de Andy. "Certo. Eu apreciaria muito se você ajudasse Portia a levar Andy até o carro. Aqui vem ela", disse, cabeceando em direção à porta.

Só desta vez, Portia não estava usando a saia, blusa, paletó, meias, e sapatos de salto baixo que formava seu uniforme profissional. Ela tinha mudado para calça jeans e moletom esfarrapado Sophie Newcomb. Portia foi criada tão conservadoramente quanto seu irmão, mas ela tinha cabelos longos, espessos e castanhos. Mantê-los maravilhosamente bem cuidados era o sinal de que Portia não tinha desistido ainda. Ela obstinadamente avançava com dificuldade pela multidão desordenada.

“Bem, ele está bêbado, está certo", disse ela, avaliando seu irmão. Portia estava tentando ignorar Bill, sua presença a deixava muito desconfortável. "Isso não acontece com freqüência, mas se ele decide ficar muito bêbado, ele faz um bom trabalho”.

"Portia, Bill pode carregá-lo até o seu carro", eu disse. Andy era mais alto do que Portia e mais encorpado claramente um fardo demais para a irmã.

"Eu acho que eu posso lidar com ele", ela me disse firmemente, ainda não olhando para Bill, que levantou suas sobrancelhas para mim.

Então eu deixei que ela colocasse um braço em volta dele e tentasse içá-lo para fora do banco. Andy continuou empoleirado. Portia procurou por Sam Merlotte, proprietário do bar, que era pequeno e esguio na aparência, mas muito forte. "Sam está fazendo coquetéis para uma festa de aniversário no country club", eu disse. "É melhor deixar Bill ajudar."

"Tudo bem", afirmou a advogada forçadamente, olhando para a madeira polida do balcão. "Muito obrigada."

Bill levantou Andy e se dirigiu à porta em segundos, apesar das pernas do Andy quase se transformarem em geléia. Micah Tooten saltou para abrir a porta, então Bill conseguiu arrastar Andy direto para o estacionamento.

"Obrigada, Sookie", disse Portia. "Ele acertou a conta?"

Eu assenti com a cabeça.

"Ok", disse ela, batendo a mão sobre o balcão para sinalizar que ela estava indo embora. Ela teve que ouvir um coro de conselhos bem-intencionados enquanto ela seguia Bill pela porta da frente do Bar do Merlotte.

Foi por isso que o velho Buick do detetive Andy Bellefleur ficou parado no estacionamento do bar a noite toda e até o dia seguinte. O Buick estava certamente vazio quando Andy chegou ao bar, ele juraria depois. Ele também testemunharia que ele tinha ficado tão preocupado com o seu tumulto interno que ele teria esquecido de trancar o carro.

Em algum ponto entre as oito horas, quando Andy tinha chegado ao bar do Merlotte, e dez da manhã seguinte, quando cheguei para ajudar a abrir o bar, o carro de Andy recebeu um novo passageiro.

Ele causaria um grande embaraço para o policial.

Esse passageiro estava morto.

Eu não deveria ter ido lá de jeito nenhum. Eu tinha trabalhado no último turno na noite anterior, e eu deveria ter trabalhado no último turno novamente nessa noite. Mas Bill tinha me perguntado se eu poderia trocar com um dos meus colegas, pois ele precisava de mim para acompanhá-lo até Shreveport, e Sam não tinha objeções. Eu perguntei à minha amiga Arlene se ela poderia trabalhar no meu turno. Ela estava no seu devido dia de folga, mas ela sempre queria ganhar as melhores gorjetas que ganhávamos à noite, então concordou em chegar as cinco naquela tarde.

Pra todos os efeitos, Andy deveria ter recolhido seu carro naquela manhã, mas ele estava com muita ressaca para convencer Portia a levá-lo até o Merlotte's, que era fora do caminho para a delegacia. Ela disse a ele que iria buscá-lo no trabalho ao meio-dia, e eles almoçariam no bar. Então ele poderia recuperar seu carro.

Portanto o Buick, com seu passageiro silencioso esperou pela descoberta muito mais tempo do que deveria.

Eu tive umas seis horas de sono na noite anterior, então eu estava me sentindo muito bem. Namorar um vampiro pode ser difícil para seu equilíbrio caso você seja realmente uma pessoa diurna, como eu. Eu tinha ajudado a fechar o bar, e fui para casa com Bill por volta de uma hora. Entramos juntos na banheira aquecida do Bill, em seguida fizemos outras coisas, mas eu fui para a cama um pouco depois das duas, e eu não levantei até quase nove. Bill já estava escondido do sol há muito tempo.

Eu bebi muita água e suco de laranja e tomei um multivitamínico e um suplemento de ferro no café da manhã, que era o meu regime desde que Bill tinha entrado em minha vida e trouxe (juntamente com o amor, aventura e emoção) a constante ameaça de anemia. O clima foi ficando mais frio, graças a Deus, e me sentei na varanda da casa do Bill vestindo um cardigã e as calças pretas que usávamos para trabalhar no Merlotte's quando estava muito frio para shorts. Minha camiseta de golfe branca tinha BAR DO MERLOTTE bordado sobre o peito esquerdo.

Enquanto eu dava uma olhada no jornal matutino, com uma parte da minha mente eu estava registrando o fato de que a grama definitivamente não estava crescendo tão rápida. Algumas das folhas pareciam estar começando a virar. O estádio de futebol da escola podia estar somente tolerável na próxima sexta-feira à noite.

O verão simplesmente odeia deixar a Louisiana, mesmo o norte da Louisiana. O outono começa mostrando pouco entusiasmo, como se ele pudesse abandonar a qualquer momento e reverter para o calor sufocante de julho. Mas eu estava alerta, e pude detectar vestígios do outono nesta manhã. Outono e inverno significavam noites mais longas, mais tempo com Bill, mais horas de sono.

Então eu estava alegre quando eu fui para o trabalho. Quando eu vi o Buick estacionado em sua solidão na frente do bar, me lembrei da surpreendente farra de Andy na noite anterior. Tenho de confessar, eu sorri quando eu pensei em como ele estaria se sentindo hoje. Justamente quando eu estava preste a dar a volta e estacionar atrás como os outros empregados, notei que a porta traseira do passageiro do carro de Andy estava um pouquinho aberta. Isso faria sua luz do teto ser acionada, certo? E sua bateria iria acabar. E ele ia ficar com raiva, e teria que entrar no bar para chamar o guincho, ou pedir a alguém para rebocar ele. . . Então eu coloquei meu carro no estacionamento e desci dele, deixando-o ligado. Isso acabou se tornando um erro otimista.

Eu empurrei a porta, mas ela moveu-se apenas dois centímetros. Então eu pressionei o meu corpo contra ela, pensando que isso iria trancá-la e eu poderia seguir caminho. Mais uma vez, a porta não fez clique ao fechar. Impacientemente, eu abri a porta totalmente para descobrir o que estava atrapalhando. Uma onda de cheiro saiu e ventilou para dentro do estacionamento, um cheiro horrível. Medo apertou a minha garganta, porque o cheiro não era desconhecido para mim. Eu olhei no banco de trás do carro, minha mão cobrindo a minha boca, ainda que isso dificilmente ajudasse com o cheiro.

“Oh, cara”, sussurrei. "Ah, merda”.Lafayette, o cozinheiro de um dos turnos do Merlotte's, tinha sido empurrado para o banco traseiro. Ele estava nu. Era o fino pé marrom de Lafayette, com suas unhas pintadas de um carmesim* profundo, que mantivera a porta sem fechar, e era o cadáver de Lafayette que exalava aos quatro cantos.

*cor que se aproxima ao vermelho-alaranjado.

Afastei-me apressadamente, então entrei no meu carro e dirigi para trás do bar, apertando minha buzina. Sam veio correndo para fora pela porta de empregados, com um avental amarrado na sua cintura. Eu desliguei o meu carro e saí tão rápido que mal percebi que tinha feito isso, e eu me abracei ao Sam como uma meia cheia de estática.

"O que foi?" A voz de Sam disse no meu ouvido. Inclinando-me para trás para olhar para ele, sem ter que olhar para cima demais já que Sam é um homem pequeno. Seu cabelo dourado avermelhado estava brilhando no sol da manhã. Ele tinha olhos verdadeiramente azuis, e eles estavam arregalados com apreensão.

"Trata-se de Lafayette”, eu disse, e comecei a chorar. Isso foi ridículo e bobo e não ajudava em nada, mas eu não podia evitar. "Ele está morto, no carro de Andy Bellefleur”.

Os braços de Sam estavam apertados em minhas costas e me puxaram contra seu corpo ainda mais. "Sookie, sinto muito que tenha visto isso", disse ele. "Iremos chamar a polícia. Pobre Lafayette”.

Ser um cozinheiro do Merlotte's não é exatamente chamado de uma habilidade culinária extraordinária, já que Sam só oferece alguns sanduíches e batatas fritas, então há bastante rotação. Mas Lafayette tinha durado mais tempo do que a maioria, para minha surpresa. Lafayette era gay, espalhafatosamente gay, maquiado-com-unhas-compridas gay. As pessoas no norte da Louisiana são menos tolerantes do que as pessoas de New Orleans, e eu suponho que Lafayette, um homem de cor, tinha tido dificuldades duplas por isso. Apesar de suas dificuldades – ou por causa delas - ele era alegre, divertidamente malicioso, inteligente, e de fato um bom cozinheiro. Ele tinha um molho especial onde mergulhava os hambúrgueres, e as pessoas pediam regularmente pelos Hambúrgueres Lafayette.

"Será que ele tem família aqui?" Perguntei ao Sam. Nos separamos um pouco sem graça e entramos no prédio, para o escritório de Sam.

"Ele tinha uma prima", disse Sam, enquanto seus dedos apertavam 9-1-1. "Por favor, venha para o Merlotte's na Rua Beija-flor", disse à atendente. "Há um homem morto em um carro aqui. Sim, no estacionamento, na frente do local. Ah, e você pode querer alertar Andy Bellefleur. É o carro dele."

Eu podia ouvir a transmissão via rádio do outro lado da linha de onde eu estava.

Danielle Gray e Holly Cleary, as duas garçonetes do turno da manhã, entraram pela porta traseira rindo. Ambas mulheres divorciadas na casa dos vinte e poucos, Danielle e Holly eram amigas por toda a vida que pareciam estar muito felizes com seu trabalho desde que pudessem estar juntas. Holly tinha um filho de cinco anos que estava no jardim de infância, e Danielle tinha uma filha de sete anos e um filho muito novo para a escola, que ficava com a sua mãe enquanto trabalhava no Merlotte's. Eu nunca seria íntima dessas duas mulheres – que, afinal, tinham mais ou menos a minha idade – porque eram cuidadosas em serem suficientes uma para a outra.

"Qual é o problema?" Danielle perguntou quando ela viu a minha cara. A sua própria, pequena e sardenta, ficou instantaneamente preocupada.

"Por que o carro de Andy está lá na frente?" Holly perguntou. Ela saiu com Andy Bellefleur por um tempo, eu me lembro. Holly tinha cabelos loiros curtos que caíam em torno de seu rosto como pétalas murchas de margarida, e a pele mais bonita que eu já tinha visto. "Ele passou a noite dentro dele?"

"Não", eu disse, "mas alguém passou."

"Quem?"

"Lafayette está lá dentro."

"Andy deixou uma bicha negra dormir no carro dele?" Esta era Holly, que era a franca, curta e grossa.

"O que aconteceu com ele?" Esta era Danielle, que era a mais inteligente das duas.

"Nós não sabemos", disse Sam. "A polícia está a caminho."

"Você quer dizer", disse Danielle, lenta e cuidadosamente, "que ele está morto."

"Sim", eu disse a ela. "Isto é exatamente o que queremos dizer."

"Bem, nós devemos abrir em uma hora." As mãos de Holly estavam em volta dos seus quadris redondos. "O que vamos fazer sobre isso? Se a polícia nos deixar funcionar, quem vai cozinhar para nós? As pessoas virão, eles querem almoçar."

"É melhor ficarmos preparados, por via das dúvidas", disse Sam. "Embora eu esteja pensando que não iremos abrir até esta tarde." Ele entrou em seu escritório para começar a chamar cozinheiros substitutos.

Era estranho continuar a rotina diária do bar, como se Lafayette fosse andar com afetação a qualquer minuto com uma história sobre alguma festa que ele tivesse ido, como tinha feito alguns dias antes. As sirenes vinham soando pela estrada que passava em frente ao Merlotte’s. Os carros rangiam cruzando o cascalho do estacionamento do Sam. No momento em que tínhamos colocado as cadeiras para baixo, arrumado as mesas, os e talheres extras enrolados em guardanapos e prontos para substituir os usados, a polícia chegou.

O Merlotte's fica fora dos limites da cidade, de modo que o xerife do condado, Bud Dearborn, seria o encarregado. Bud Dearborn, que tinha sido um bom amigo do meu pai, estava grisalho agora. Ele tinha a cara amassada, como um pequinês humano, e olhos castanhos opacos. Assim que ele entrou pela porta da frente do bar, eu notei que Bud estava usando botas pesadas e seu boné de santos. Ele deve ter sido chamado enquanto estava trabalhando em sua fazenda. Com Bud estava Alcee Beck, o único detetive afro-americano na força policial do condado. Alcee era tão negro que sua camisa branca brilhava em contraste. O nó de sua gravata era dado com precisão, e seu traje estava absolutamente correto. Seus sapatos estavam polidos e brilhantes.

Bud e Alcee eram eles que patrulhavam o condado... ou pelo menos eram alguns dos elementos mais importantes que mantinham a coisa funcionando. Mike Spencer, diretor da funerária e médico legista do condado, tinha uma mão pesada nos assuntos locais também, e ele era muito amigo do Bud. Eu estava disposta a apostar que Mike já estava no estacionamento, anunciando que o pobre Lafayette estava morto.

Bud Deaborn disse: "Quem encontrou o corpo?"

"Eu encontrei." Bud e Alcee mudaram um pouco seu curso e se dirigiram a mim.

"Sam, pode emprestar o seu escritório?" Bud perguntou. Sem esperar pela resposta do Sam, ele indicou com a cabeça que eu deveria entrar.

"Claro, vá em frente," meu chefe disse secamente. "Sookie, você está bem?"

"Tudo bem, Sam." Eu não estava certa de que era verdade, mas não havia nada que Sam pudesse fazer sobre isso sem se meter em problemas, e tudo em vão. Embora Bud sinalizasse para que eu sentasse, eu sacudi a cabeça enquanto ele e
Alcee se estabeleciam nas cadeiras do escritório. Bud, naturalmente, pegou a cadeira grande do Sam, enquanto Alcee ficou com a melhor cadeira extra, a que tinha um pequeno acolchoamento.

"Conte-nos sobre a última vez que viu Lafayette vivo", sugeriu Bud.

Eu pensei nisso.

"Ele não estava trabalhando na noite passada", disse. "Anthony estava trabalhando, Anthony Bolívar."

"Quem é esse?" Alcee enrugou sua testa ampla. "Não reconheço o nome."

"Ele é um amigo do Bill. Estava passando por aqui, e precisava de um emprego. Ele tinha experiência." Ele tinha trabalhado em um restaurante durante a Grande Depressão.

"Você quer dizer que o mais novo cozinheiro do Merlotte's é um vampiro!"

"E daí?" Perguntei. Eu podia sentir a minha boca ficando obstinada, minhas sobrancelhas se juntando, e eu sabia que a minha cara estava ficando brava. Eu estava tentando arduamente não ler as suas mentes, tentando muito ficar completamente fora disso, mas não era fácil. Bud Dearborn era comum, mas Alcee projetava seus pensamentos como um farol enviava um sinal. Neste momento ele irradiava asco e temor.

Meses antes de eu conhecer Bill, e descobrir que ele apreciou muito minha deficiência - meu dom, assim como ele o via - eu fazia o meu melhor para fingir para todos e para mim mesma que eu não podia realmente "ler" mentes. Mas desde que Bill tinha me libertado da pequena prisão que eu tinha construído para mim mesma, eu estava praticando e experimentando, encorajada por Bill. Para ele, eu tinha colocado em palavras as coisas que eu vinha sentindo por anos. Algumas pessoas enviavam uma clara e forte mensagem, como Alcee. A maioria das pessoas eram mais liga-e-desliga, como Bud Dearborn. Isso dependia muito de quão forte eram as emoções deles, o quanto suas mentes eram abertas, qual era o clima, pelo que eu sabia. Algumas pessoas eram sombrias como o inferno, e era quase impossível dizer o que elas estavam pensando. Eu poderia ter uma leitura de seu humor, talvez, mas isso era tudo.

Eu tinha que admitir que se eu tocasse a pessoa enquanto tentava ler seus pensamentos, isso fazia o quadro ficar mais claro – como colocar um cabo, depois de ter apenas uma antena. E eu descobri que se eu "enviasse" imagens relaxantes da à pessoa, eu poderia fluir através de seu cérebro como água.

Não havia nada que eu quisesse menos que fluir através da mente de Alcee Beck. Mas de forma absolutamente involuntária eu estava recebendo uma visão completa da reação profundamente supersticiosa de Alcee ao descobrir que havia um vampiro trabalhando no Merlotte's, a sua revolta em descobrir que eu era a mulher que ele tinha ouvido falar que estava namorando um vampiro, a sua profunda convicção de que o escandaloso gay Lafayette tinha sido uma vergonha para a comunidade negra. Alcee achava que alguém devia ter um rancor contra Andy Bellefleur, para ter estacionado a carcaça de um homem negro gay em seu carro. Alcee estava imaginando que se Lafayette tivesse Aids, o vírus poderia ter se infiltrado de alguma forma no banco do carro de Andy e sobrevivido lá. Ele venderia o carro, se fosse seu.

Se eu tocasse Alcee, saberia o seu número de telefone e o tamanho do sutiã de sua esposa.

Bud Dearborn estava me olhando engraçado. "Você disse alguma coisa?" Perguntei.

"Sim. Eu estava me perguntando se você já tinha visto Lafayette aqui durante a noite. Ele veio aqui tomar uma bebida?"

"Eu nunca o vi aqui." Pensando nisso, que eu nunca vi Lafayette bebendo. Pela primeira vez, eu percebi que embora a multidão do almoço fosse mista, a clientela do bar a noite era quase exclusivamente branca.

"Pra onde ele costumava sair?"

"Não tenho a menor idéia." Todas as histórias de Lafayette foram contadas com os nomes alterados para proteger os inocentes. Bem, na verdade, os culpados.

"Quando o viu pela última vez?"

"Morto, no carro".

Bud sacudiu a cabeça dele com irritação. "Vivo, Sookie".

"Hmmm. Eu acho que... há três dias. Ele ainda estava aqui quando eu cheguei para trabalhar o meu turno, e dissemos olá um ao outro. Ah, ele me falou de uma festa que ele tinha ido." Tentei relembrar suas palavras exatas. "Ele disse ele foi para uma casa onde havia sexo e todos os tipos de diversões desregradas acontecendo."

Os dois homens me olhavam boquiabertos.

"Bem, isso foi o que ele disse! Eu não sei quanta verdade tinha nisso." Eu podia ver a cara do Lafayette enquanto me contava isso, o jeito recatado que ele mantinha colocando o dedo em seus lábios para indicar que ele não iria me contar quaisquer nomes ou lugares.

"Você não pensou que alguém deveria saber sobre isso?" Bud Dearborn olhou espantado.

"Foi uma festa privada. Por que deveria contar a alguém sobre isso?"

Mas esse tipo de festa não deveria acontecer em seu distrito. Ambos estavam olhando ferozmente para mim. Através dos lábios comprimidos, Bud disse: "Será que Lafayette lhe disse alguma coisa sobre drogas sendo utilizadas nesta festinha?"

"Não, não me lembro de nada parecido."

"Foi uma festa na casa de alguém branco ou de alguém negro?"

"Branco", eu disse, e depois eu desejei me declarar ignorante. Mas Lafayette tinha ficado muito impressionado com a casa - não porque fosse grande ou luxuosa. Porque ele tinha ficado tão impressionado? Eu não tenho muita certeza sobre o que poderia impressionar Lafayette, que havia crescido pobre e continuou assim, mas tenho certeza de que ele estava falando da casa de alguém branco, porque ele disse, "Em todas as fotos nas paredes, eles estavam brancos como lírios e sorrindo como jacarés." Eu não ofereci esse comentário à polícia, e eles não perguntaram mais.

Quando eu tinha deixado o escritório do Sam, depois de explicar por que o carro de Andy estava no estacionamento em primeiro lugar, eu voltei a ficar atrás do bar. Eu não queria assistir a atividade lá na área do estacionamento, e nenhum cliente estava esperando porque a polícia tinha bloqueado os acessos ao local.

Sam estava reorganizando as garrafas por atrás do bar, tirando o pó delas enquanto fazia isso, e Holly e Danielle tinham se jogado numa mesa na área de fumantes onde Danielle poderia acender um cigarro.

"Como foi?" Sam perguntou.

"Nada demais. Eles não gostaram de saber sobre Anthony trabalhando aqui, e eles não gostaram do que eu disse sobre a festa que Lafayette estava se gabando outro dia. Você ouviu ele me contando? A coisa da orgia?"

"Sim, ele disse algo sobre isso para mim, também. Deve ter sido uma grande noite para ele. Se isso realmente aconteceu. "

"Você acha que Lafayette inventou isso?"

"Eu não acho que tenha tantas festas birraciais e bissexuais em Bon Temps", disse ele.

"Mas isso é só porque ninguém o convidou para uma", eu disse severamente. Gostaria de saber se eu realmente sabia sobre tudo o que se passava na nossa pequena cidade. De todas as pessoas em Bon Temps, eu deveria ser aquela que sabe sobre os detalhes, uma vez que todas essas informações estavam mais ou menos facilmente disponíveis para mim, se eu escolhesse procurá-las. "Pelo menos, eu presumo que este seja o caso?"

"Esse é o caso", disse Sam, sorrindo para mim um pouco enquanto ele desempoeirava uma garrafa de uísque.

"Acho que o meu convite se perdeu no correio, também."

"Você acha que Lafayette voltou aqui ontem à noite para falar mais com você ou comigo sobre essa festa?"

Eu dei de ombros. "Ele pode ter simplesmente marcado de encontrar alguém no estacionamento. Afinal, todos sabem onde fica o Merlotte's. Ele tinha recebido seu salário?" Estávamos no final de semana, quando normalmente Sam nos pagava.

"Não. Talvez ele tenha vindo por isso, mas eu iria dar a ele durante o trabalho no dia seguinte. Hoje.”

"Me pergunto quem convidou Lafayette para aquela festa."

"Boa pergunta."

"Você não acha que ele teria sido burro o suficiente para tentar chantagear alguém, não é?"

Sam esfregava a madeira falsa do balcão com um pano limpo. O bar já estava brilhando, mas ele gostava de manter as mãos ocupadas, eu reparei. "Eu acho que não", disse ele, depois que ele pensou sobre isso. "Não, eles certamente convidaram a pessoa errada. Você sabe como Lafayette era indiscreto. Não só ele nos disse que foi a uma festa como essa - e eu estou apostando que não era para ele dizer - como ele poderia querer criar mais a respeito disso do que outros, hã, participantes, poderiam se sentir confortáveis".

"Tipo, manter contato com as pessoas que estavam na festa? Dar-lhes uma ardilosa piscadela em público?"

"Algo como isso."

"Eu acho que se tiver relações sexuais com alguém, ou assisti-los fazendo sexo, você acaba se sentindo bastante em igualdade." Eu disse isto duvidosamente, tendo pouca experiência nessa área, mas Sam concordou com a cabeça.

"Lafayette queria ser aceito por aquilo que ele era mais do que qualquer outra coisa", disse ele, e eu tive de concordar.

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