segunda-feira, 4 de julho de 2011

MELANCIA - MARIAN KEYES Cap.37


Não podia dizer que estava feliz. Mas também não estava muito infeliz. Nem
arrasada, do jeito como fiquei logo depois do abandono de James.
Acho que estava calma. Aceitara que minha vida não seria nunca mais a
mesma novamente, e tampouco seria da maneira como eu a planejara. As coisas
que eu esperara jamais aconteceriam. Eu não teria quatro filhos com James. James
e eu não envelheceríamos juntos. Embora eu sempre prometesse que meu
casamento seria um dos que sobreviveriam, dos que não se romperiam, agora podia
aceitar, sem dor de cabeça em excesso, que se rompera.
Claro, sentia-me triste. Triste pelo meu eu idealista, que se casara com
expectativas muito, mas muito altas mesmo. Triste até por James.
Na verdade, sentia-me mais velha - e como! - e mais sábia.
Acho que aprendera - através do caminho longo e difícil - a ter um pouquinho
de humildade.
Controlava realmente muito pouca coisa, fosse em minha vida ou na de
qualquer outra pessoa.
E, quando ouvia alguém dizer "Tudo acontece por um motivo" ou "Quando
Deus fecha uma porta, abre uma janela", não era mais tão difícil assim me refrear de
dar-lhe um soco na cara. Na verdade, não era absolutamente difícil.
Não sentia que minha vida estivesse inteiramente acabada. Alterada sem
retorno, talvez. Mas não acabada por completo.
Meu casamento se rompera, mas eu tinha uma bela filha. Tinha uma família
maravilhosa, amigos muito bons e um emprego para voltar. Quem sabe um dia eu
não conheceria um homem bondoso que não se incomodaria de levar Kate junto
comigo? Ou, se eu esperasse tempo suficiente, talvez Kate conhecesse um homem
bondoso que não se importasse de me levar junto com ela. Mas, enquanto isso, eu
decidira que, simplesmente, tocaria minha vida e, se o Sr. Perfeito chegasse, daria
um jeito de abrir espaço para ele em algum lugar.
Tomei todas as tediosas medidas legais que deveria ter tomado há séculos.
Ora, talvez eu não devesse tê-las tomado há séculos. Talvez eu não estivesse
pronta naquele tempo. Talvez agora fosse o momento certo.
De uma forma ou de outra, não fazia mais a mínima diferença. O fato era que
não tinham sido tomadas então, e eram tomadas agora.
Eu queria a custódia de Kate. James disse que não brigaria, se lhe fosse dado
completo acesso à filha. Fiquei encantada, porque queria que Kate conhecesse o
pai. E sabia que tinha muita sorte por James mostrar-se tão razoável. Ele poderia
ser deliberadamente desagradável e pouco cooperativo, mas, para ser justa com ele,
não foi.
James e eu chegamos a um acordo quanto ao apartamento. Decidimos vendêlo.
Ele moraria lá até ser vendido.
Isso, na verdade, foi horroroso. Quando recebeu os documentos do meu
advogado, ele não gostou nem um pouquinho. Acho que percebeu, finalmente, que
tudo estava terminado.
- Você realmente não vai voltar, não é? - perguntou ele, triste. E, mesmo eu
tendo instigado a coisa toda, mesmo sendo o que eu realmente desejava, senti-me
também um bocado triste.
Tive uma forte pontada de arrependimento. Ah, se as coisas não tivessem
acabado daquela maneira. Se nunca tivessem dado errado.
Mas deram.
Tentativas de reconciliação dramáticas aos 43 minutos do segundo tempo são
coisa de Mills e Boon. Raramente acontecem na vida real.
E, quando acontecem, habitualmente são quando uma das partes bebeu - ou
as duas.
Durante séculos e séculos, ninguém mostrou o menor interesse em comprar o
apartamento. De certa forma, fiquei satisfeita, porque a idéia de qualquer outra
pessoa morando no que eu ainda considerava meu lar era terrível demais para
imaginar. Mas, por outro lado, era uma verdadeira preocupação, porque o dinheiro
estava muito escasso. Creio que James era o responsável. Provavelmente, ele agarrava
quaisquer compradores em perspectiva e os matava de tédio, com conversas
sobre redução de impostos, hipotecas e coisas do gênero. Provavelmente, eles
pegavam no sono antes mesmo de verem o quarto de dormir. Mas eu não devia ser
tão cruel. Ele tinha boas intenções.
Falei com minha chefe e lhe disse que voltaria ao batente no início de agosto.
Ora, se eu não me sentia muito infeliz, antes daquele momento, o lembrete de que
tinha de voltar para o trabalho era quase suficiente para me derrubar de vez.
Talvez eu estivesse no emprego errado, talvez eu não possuísse uma
verdadeira vocação, talvez eu apenas fosse uma grande preguiçosa. Ora, fosse qual
fosse o motivo, eu não era uma dessas pessoas de sorte (embora eu ache, apenas,
que são estranhas) que extraem uma grande alegria do seu trabalho. Na melhor das
hipóteses, pensava nele como um meio para o fim; na pior, como um inferno na
terra. E só pensava na hora de me aposentar. Faltavam somente 31 anos. A não ser
que eu tivesse sorte, nesse ínterim, e morresse.
Não, honestamente, isso foi apenas uma piada.
Então, dentro de cinco semanas, chegaria para mim a volta ao escritório.
Retorno à administração sete horas por dia, cinco dias por semana, 48 semanas por
ano.
Meu Deus!
Por que não nascera rica?
Lamento, lamento, sei que não deveria queixar-me. Tinha sorte de ter um
emprego. Só que desejava poder ter alguém para tomar conta de mim e de Kate.
Estava apenas fantasiando. Mesmo se tivesse ficado com James, ainda assim teria
de voltar para o trabalho. O caso era que voltar ao trabalho lembrava-me de como
agora eu estava sozinha. Quanta responsabilidade. Não era mais só para mim que
trabalharia. Uma criança dependia de mim.
Sabia que James sustentaria Kate - ah, sim, eu sabia. Acredite, eu sabia. E
tinha um advogado caro para provar isso! Não que James fosse pão-duro ou
mesquinho, de alguma maneira. Vamos dar a César o que é de César etc, etc. Mas
os dias em que eu podia gastar meu salário mensal inteiro com batom, revistas e
álcool haviam passado. Há muito haviam passado.
Ser adulta não é tudo o que você é levada a acreditar que seja. Nem mesmo
levemente. Era tarde demais, agora, mas eu desejaria ter lido todas as cláusulas em
letra miúda antes de fechar contrato com a vida adulta.
Queria meu dinheiro de volta. Mas eu usara a droga da coisa, de maneira que
agora não poderia sequer trocá-la.
Encontrei um lugar para Kate e eu morarmos em Londres.
Bem, na verdade quem encontrou foi Judy.
Seria impossível para mim encontrar um lugar em Londres, enquanto ainda
estava em Dublin. A não ser que desejasse pagar o correspondente à Dívida
Nacional em taxas de agências.
Algum amigo de um amigo de Judy ia trabalhar na Noruega, em julho, e
precisava de alguém que cuidasse do seu apartamento durante nove meses. Eu
podia pagar o aluguel, e a localização não era assim tão ruim. Judy vira o
apartamento e me garantira que tinha teto, chão e acompanhamento de paredes.
Depois, Judy soltou uma grande mentira e disse ao seu amigo de um amigo de um
amigo que eu era arrumada, limpa, sossegada e capaz de pagar todas as minhas
dívidas. Não tenho certeza nem mesmo se ela chegou a mencionar Kate.
Andrew - o nome dele era esse - telefonou-me para se certificar de que eu não
era algum tipo de louca, que encharcaria seu precioso apartamento com gasolina e
tocaria fogo nele, antes mesmo que ele chegasse ao Terminal Dois.
Pelo telefone, mostrei-me a pessoa mais educada e bem comportada possível.
Enfatizei que achava que a limpeza deveria ser equiparada à Divindade e que eu era
a favor de reinstituir a pena de morte para assaltantes de domicílios e pessoas que
jogam lixo nas ruas.
Ora, talvez o melhor fosse chicoteá-los publicamente. Talvez assim
adquirissem outra vez algum respeito - sugeriu ele.
Hummm - disse eu, num tom neutro, porque não tinha certeza se ele estava
brincando ou não.
Andrew enviou-me um contrato e eu lhe enviei todos os tipos de referências e
detalhes bancários e, o que era mais importante, algum dinheiro. (Que pedira
emprestado a papai - será que algum dia eu me tornaria adulta?)
Durante os mais ou menos dez dias seguintes tivemos detalhadas conversas
pelo telefone sobre o que eu faria com a correspondência dele. E quais de suas
plantas precisavam ouvir piadas. Eu tinha de gravar o programa Brookside e enviá-lo
para ele toda semana.
Ele me deu todos os tipos de conselhos úteis.
Alertou-me para o fato de que a mulher do andar de baixo era maluca.
- Que ótimo - disse eu, esquecendo-me da cautela. - Provavelmente gostarei
dela.
- E não vá ao primeiro chinês que encontrar - advertiu-me ele.
- Foram apanhados com um pastor alemão no freezer. O outro, mais adiante, é
muito melhor.
Obrigada - eu disse.
Pode usar qualquer coisa que tenha ficado nos armários ou no bar - ofereceu
ele.
Obrigada - repeti eu, entusiasmada.
E se algo der errado - disse sua voz desencarnada - não hesite em me
telefonar. Vou deixar um número de telefone com o qual você pode entrar em
contato comigo.
Obrigada - tornei novamente a dizer.
Tenho certeza de que você ficará feliz aqui - prometeu ele. - E um belo e
arejado apartamento.
- Certo - disse eu, engolindo em seco. - Obrigada. Tentava não pensar em meu
próprio belo apartamento, que eu
decorara, projetara e tornara lindo ao longo dos anos. Algum dia terei outro,
prometi a mim mesma. Quando chegar a hora.
Senti-me ainda pior quando percebi que "belo e arejado apartamento" é em
geral o que os funcionários das imobiliárias dizem, quando as vidraças estão
quebradas.
Ah, meu Deus.
- Estarei em Londres por pouco tempo em outubro - disse ele.
- Espero que possamos encontrar-nos, nessa ocasião.
- Seria ótimo - respondi.
Bom sujeito, pensei, enquanto desligava o telefone. Tratando-se de um
neonazista. Imaginei que aspecto teria ele.

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