MELANCIA - MARIAN KEYES Cap.37
Quando acordei, na manhã seguinte, senti-me um pouquinho melhor. Não
curada, sadia ou qualquer coisa do gênero, porém mais preparada para esperar.
Para esperar que as coisas melhorassem, esperar que a dor passasse.
Tinha tomado a decisão de não ficar com James e, sendo do tipo que deseja
gratificação imediata para tudo, queria sentir-me instantaneamente maravilhosa.
Desejava que os frutos da minha decisão caíssem naquele mesmo momento em
meu colo impaciente.
Eis o meu desejo: "Fora com o velho, e que venha o novo!" Livrar-me de toda a
parafernália de minha encarnação anterior, não ter mais nenhum pingo de
sentimento por James, nem um cisco de dúvida, nem uma migalha de indecisão. Era
uma transformação imediata, miraculosa, que eu queria. Que a Fada dos
Relacionamentos me tocasse com sua varinha mágica e salpicasse em mim sua
cintilante poeira de recuperação, fazendo me esquecer imediatamente tudo o que
um dia sentira por James, esquecer que ele sequer existira.
Quisera deixar minha dor debaixo do meu travesseiro e descobrir que, de
manhã, ela desaparecera. Nem me incomodaria, se não houvesse dinheiro algum
deixado em seu lugar.
Mas não havia nenhuma cura mágica, não havia nenhuma Fada dos
Relacionamentos. Já percebera isso há muito tempo.
Tinha de passar por aquilo sozinha. Percebi que precisava ser paciente. O
tempo me permitiria saber se eu tomara a decisão certa.
Ainda não sabia se agira corretamente, deixando James. Mas ficar com ele
seria, definitivamente, a coisa errada.
Ponha sua cabeça para resolver isso, se puder.
E, se conseguir uma resposta, quer fazer o favor de explicá-la a mim?
James telefonou às oito horas, na manhã seguinte. Eu não quis falar com ele.
E às oito c quarenta. Idem. E às nove e dez. E novamente idem. Depois, veio uma
calmaria inesperada até quase as onze, quando houve três telefonemas em rápida
sucessão. Idem, idem e idem. Às doze e quinze houve outro. Idem. Cinco para uma,
uma e cinco e uma e vinte, em todas essas horas houve telefonemas. Idem etc. Os
telefonemas permaneceram estáveis pela maior parte da tarde, ocorrendo mais ou
menos a cada meia hora. Depois, um fluxo final aconteceu por volta das seis horas.
Idem, como acima.
Mamãe, muito educadamente, atendeu aos telefonemas o dia inteiro. Não
posso deixar de registrar isso - em tempos difíceis, aquela mulher vale quanto pesa.
Papai chegou do trabalho às seis e vinte e, às vinte para as sete, irrompeu no
quarto onde eu estava sentada com Kate e todos os documentos relativos ao
apartamento, e rugiu:
Claire, pelo amor de Deus, quer fazer o favor de ir falar com ele?
Não tenho nada para dizer - respondi, com doçura.
Para mim tanto faz - berrou ele. - Isso já foi longe demais. E ele diz que vai
telefonar a noite inteira, até você falar com ele.
Deixem o fone fora do gancho - sugeri, voltando minha atenção outra vez para
os documentos do apartamento.
Claire, não podemos fazer isso - disse ele, exasperado. - Helen não pára de
tornar a pô-lo no gancho.
Sim, por que minha vida social deveria sofrer, só porque você se casou com
um lunático? - veio a voz abafada de Helen de alguma parte, do lado de fora da
porta.
Por favor, Claire - suplicou papai.
Ah, está bem, então - suspirei, guardando a caneta que usava para tomar
notas.
-James - perguntei eu, ao telefone - o que você quer?
Claire - disse ele, com voz de zanga -, você ainda não pôs a cabeça no lugar?
Não percebi que estava fora do lugar - disse eu, calmamente. Ele ignorou
minhas palavras.
Estou telefonando o dia inteiro e sua mãe diz que você não quer falar comigo -
disse ele, com um tom irritado e ofendido.
Mas é isso mesmo - disse eu, amável.
Precisamos conversar - insistiu ele.
Não, não precisamos - disse eu.
Claire, eu te amo - afirmou ele, com seriedade. - Precisa mos resolver tudo
isso.
James - falei, com frieza -, não haverá mais discussão a respeito. Já
resolvemos tudo o que podíamos. E, agora, estamos no fim da linha. Você acha que
tem razão. Eu acho que está errado. E não vou gastar mais tempo nem energia
tentando convencer um de nós dois a mudar de idéia. Agora, desejo-lhe tudo de bom
e espero que possamos nos manter civilizados, especialmente por causa de Kate.
Mas, de fato, não há mais nada para conversar.
O que aconteceu com você, Claire? - perguntou James, com voz chocada. -
Você nunca foi assim. Você mudou muito. Ficou dura.
Ah, não lhe contei? - perguntei, com um tom de voz casual. - Meu marido teve
um caso. Provocou em mim um certo impacto, sabe?
Muito pouco generoso, eu sei. Mas não consegui resistir.
Muito engraçado, Claire - disse ele.
Na verdade, não, James - corrigi-o. - Não foi nem um pouco engraçado.
Ouça - disse ele, começando a assumir um tom de voz aborrecido -, isto não
nos levará a parte alguma.
Para mim, está ótimo - disse eu -, porque parte alguma é precisamente para
onde nós vamos.
Muito espirituoso, Claire. Muito engraçado - disse ele, agressivo.
Obrigada - respondi, com um excesso de doçura.
Agora, ouça - disse ele, falando de repente com uma voz mais oficial e até
mais pomposa do que de costume. Eu podia quase ouvir papéis farfalhando ao
fundo. - Tenho... hã... uma proposta a lhe fazer.
Ah, é? - perguntei.
Sim - ele disse. - Claire, eu realmente te amo e não quero que nos separemos.
Então, se isso a fizer sentir-se melhor, estou disposto, hã... a fazer... hã... uma
concessão a você.
- E qual é? - perguntei.
Pouco estava interessada. Mal ligava para as palavras dele. Percebi, com um
choque, que não havia nada, absolutamente nada que ele pudesse dizer, agora,
para melhorar as coisas. Eu não o amava mais. Não sabia por que ou quando
acontecera. Mas acontecera mesmo. James continuou a falar, e tentei concentrarme
no que dizia.
- Estou disposto a esquecer o que disse sobre você ter de mudar, quando
voltasse a viver comigo - disse ele. - Você, obviamente, resiste muito em fazer um
esforço no sentido de ser mais madura, ter mais consideração com os demais e
todas as outras... bem... coisas sobre as quais conversamos. Então, se isso significa
que abandonará essa idéia de separação, posso tolerar que continue da maneira
como era antigamente. Acho que você não era assim tão má - disse ele, com
relutância.
Tive um ímpeto de raiva. Esqueci-me, por um momento, que eu não ligava
mais. Puxa vida, mas que desplante o daquele homem! Que cara-de-pau. Eu mal
podia acreditar em meus ouvidos.
Disse-lhe isso.
Está satisfeita? - perguntou ele, num tom cauteloso.
Satisfeita? Satisfeita? - gritei. - Claro que não estou satisfeita coisa nenhuma.
Isto só faz piorar as coisas.
Mas por quê? - lamuriou-se ele. - Estou dizendo que perdôo você e que tudo
será ótimo.
Quase explodi. Como tinha coisas para lhe dizer!
Perdoar a mim? - perguntei, incrédula. - Você, perdoar a mim? Não, não, não,
não, não, James! Você coloca tudo isso de uma forma errada. Se alguém deve
perdoar alguém aqui, sou eu e não você. Mas não farei isso.
Espere um minuto! - explodiu James.
E essa é, supostamente, a razão pela qual você teve o caso com aquela vaca
gorda. O fato de eu ser imatura e egoísta. Mas você está disposto a esquecer isso
agora, num abrir e fechar de olhos. No en tanto, foi muito importante para você, a
ponto de levá-lo a ser infiel. Decida, James! É importante ou não é?
É importante - disse ele.
Ora, então você não pode esquecer isso - disse eu, furiosa.
- Se quer que eu seja de uma certa maneira, e isto é importante, então que tipo
de relacionamento teremos se eu não quiser ser dessa maneira?
Está bem, então - disse ele, com um toque de desespero na voz. - Não é
importante.
Ora, se não é importante, então por que você teve um caso por causa disso? -
perguntei eu, com um tom de triunfo.
Será que não podemos, simplesmente, esquecer isso? - perguntou ele.
Percebia pânico em sua voz.
Não, James, não podemos. Talvez você seja capaz, mas não é tão fácil para
mim.
Claire - implorou ele -, farei tudo que você quiser.
- Não duvido nada - disse eu, triste. - Não duvido nada. Não queria mais brigar
e discutir com ele. Não agüentava mais
ser incomodada.
James, vou desligar agora.
Pensará no que eu disse? - perguntou ele.
Pensarei. Mas não alimente nenhuma esperança.
Conheço você, Claire - disse ele. - Você mudará de idéia. Tudo ficará ótimo.
Tchau, James.
Para ser justa, pensei mesmo no que James dissera. Devia isso a Kate.
Os argumentos a favor e contra uma volta para James iam e vinham em minha
cabeça, como uma bola de tênis.
Mas havia uma coisa que eu não podia ignorar, uma coisa da qual eu não
podia livrar-me com nenhuma argumentação, uma coisa da qual eu não conseguia
convencer-me de que fosse diferente: o fato de que eu «5o gostava mais de James.
Quero dizer, gostava dele. Não queria que nada de terrível demais lhe
acontecesse. Mas não o amava como antigamente. Desejava saber o que fizera
para que isso acontecesse. Mas havia um sem-número de motivos. Ele tivera um
caso - por mais que quisesse que eu esquecesse o fato. Isto deve ter contribuído
muito para destruir minha confiança nele. E eu levar a culpa por isso, ora, não me
causava nenhuma satisfação. Também podia ser porque ele não era homem
bastante para assumir o que fizera e simplesmente desculpar-se. Situação que
ajudou muito a destruir qualquer respeito que eu tivesse por ele. Mesmo agora, ele
não queria admitir que agira de modo errado. Embora reduzisse suas exigências
quanto a mim, ainda fazia isso soar como se fosse um favor.
Ele me traíra. E depois agravara tudo, tratando me como uma idiota.
Ou talvez eu apenas tivesse perdido o gosto por homens baixos.
Só sabia de uma coisa, que, se estava morto, estava morto. Ninguém pode
fazer o amor renascer, depois que este deu seu suspiro final.
Telefonei para James dois dias depois e lhe disse que não haveria nenhuma
reconciliação.
Você está deixando seu orgulho interferir - opinou ele. Como se tivesse sido
aconselhado nesse sentido.
Não estou - disse, desanimada.
Você quer me punir - sugeriu ele.
Não, não quero - menti. (Claro que era muito bom estar por cima desta vez.)
Posso esperar- ele prometeu.
Por favor, não faça isso - respondi.
Eu te amo - sussurrou ele.
Tchau - falei.
James continuou a telefonar, umas duas ou três vezes por dia. Sondando-me,
checando se eu já teria mudado de idéia, se pusera a cabeça no lugar, como sempre
dizia.
Eu era simpática com ele, pelo telefone. Não me custava nada. Ele dizia que
sentia falta de mim. Acho que era verdade.
Mas eu achava os telefonemas um pouquinho irritantes. Era duro acreditar que
há apenas três meses eu seria capaz de matar para receber um telefonema dele.
Agora, era mais provável eu ser capaz de matar se os telefonemas não parassem.
Depois, não me senti mais irritada, apenas triste.
A vida é uma criatura muito peculiar.
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