terça-feira, 12 de julho de 2011

A Mediadora - Terra das Sombras - Meg Cabot Cap.15

Capítulo 15
O almoço já tinha quase acabado quando eu finalmente consegui pegar o
Adam de jeito. Eu tinha passado quase a aula inteira com a cara enfiada
num computador na biblioteca. Ainda não tinha comido, mas a verdade é
que não estava com a menor fome.
- Ei - chamei, sentando ao lado dele e cruzando as pernas de um jeito que
minha saia preta subisse só um pouquinho. - Você veio de carro para o
colégio hoje de manhã?
Adam bateu no peito. Ele tinha começado a beliscar um salgadinho no
exato momento em que eu me sentei. Quando finalmente consegui que ele
descesse, disse, todo orgulhoso:
- Claro que vim. Agora que estou com a minha carteira, sou uma
verdadeira máquina de dirigir. Você devia ter saído com a gente ontem à
noite, Suze. Foi o máximo! Depois que a gente saiu do Café Clutch, fomos
dar uma volta pela Avenida Dezessete. Você já fez isso alguma vez? Cara,
com a lua que estava fazendo ontem à noite, o mar estava tão bonito...
- Será que você topava me levar a algum lugar depois das aulas?
Adam levantou-se de repente, assustando duas enormes gaivotas que
estavam perto do banco onde ele se sentara ao lado de Cee Cee.
- Está brincando? Aonde quer ir? É só dizer, Suze, e eu te levo. Las Vegas?
Nenhum problema. Eu tenho 16 anos, você tem 16 anos. Podemos nos
casar lá com a maior facilidade. Meus pais deixam a gente morar com eles,
sem problema. Algum problema em ficar no meu quarto? Juro que a partir
de agora eu tomo cuidado com as coisas...
- Adam - interferiu a Cee Cee. - Deixa de ser espaçoso. Duvido muito que
ela queira se casar com você.
- Não acho uma boa idéia casar de novo antes de conseguir o divórcio do
meu primeiro marido - disse eu, com a cara mais séria. - O que eu estou
querendo mesmo é ir ao hospital visitar o Bryce.
Os ombros do Adam caíram.
- Ah – fez ele, sem conseguir esconder o desânimo. – Só isso?
Aí eu saquei que tinha dito a coisa errada. Mas não dava para voltar atrás.
Felizmente, a Cee Cee veio em meu socorro, dizendo, bem estudada:
- Sabe o que mais, uma matéria sobre o Bryce e o padre Dominic
bravamente lutando para se recuperar dos ferimentos não seria uma má
idéia para o jornal. Você se importa se eu for com você, Suze?
- Claro que não – respondi, o que era, naturalmente, uma mentira. Com a
Cee Cee do lado, seria difícil fazer tudo que eu tinha de fazer sem precisar
explicar um monte de coisas...
Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.
Como eu já tinha garantido a minha carona, comecei a procurar o Soneca.
Encontrei-o cochilando e o cutuquei com a ponto da bota para acordá-lo.
Quando ele começou a piscar para mim por trás dos óculos escuros, eu
disse que não esperasse por mim depois das aulas, pois já tinha arranjado
carona. Ele resmungou e voltou a dormir.
Dei um jeito então de achar uma cabine telefônica. É estranh o quando a
gente não sabe o telefone de nossa própria mãe. Quer dizer, eu ainda sabia
de cor o nosso número de telefone. Ainda bem que o havia anotado em
minha caderneta, Fui até a letra S, de Simon, encontrei o número e disquei.
Eu sabia que não tinha ninguém em casa. Mas queria me garantir por todos
os lados. Aí deixei gravada na secretária eletrônica a mensagem de que
talvez me atrasasse na volta do colégio. Eu tinha certeza de que a minha
mãe ia adorar quando voltasse da estação e ouvisse aquela mensage m.
Quando a gente ainda morava no Brooklyn, ela estava sempre preocupada,
achando que eu era anti-social. Estava sempre dizendo:
- Suzannah, você é uma moça tão bonita.. Não entendo por que nenhum
rapaz telefona para você. Quem sabe se você não parecesse t ão... bem, tão
durona?... Que tal deixar a jaqueta de couro descansar um pouco?
Ela provavelmente morreria de alegria se estivesse no estacionamento
depois das aulas e ouvisse o Adam quando eu me aproximei do seu carro.
- Olha só, Cee, aqui está ela – disse ele, abrindo a porta do carona do seu
carro, que era simplesmente um New Beetle, o novo fusca (acho que os
pais do Adam não estavam propriamente passando necessidade. – Venha,
Suze, você vai sentar bem aqui ao meu lado.
Através dos óculos escuros – como sempre, a bruma da manhã já se
dissipara, e agora, às três da tarde, o sol estava castigando do alto de um
céu de um azul perfeito – eu vi a Cee Cee esparramada no banco de trás.
- Hmm, é mesmo? – disse. – Mas a Cee Cee chegou primeiro. Eu fico lá
atrás mesmo. Não dou a mínima.
- Não quero nem saber – cortou o Adam, segurando a porta aberta para
mim. – Você é a garota nova. A garota nova senta no banco da frente.
- Isso mesmo, até recusar a dormir com ele – soltou a Cee Cee lá do fundo
do banco de trás. – Aí também será relegada ao banco de trás.
Adam recrutou com voz cavernosa:
- Finja que não está ouvindo esta voz das profundezas.
Eu sentei no banco da frente e Adam educadamente fechou a porta para
mim.
Está falando sério? – perguntei a Cee Cee, virando-me para trás enquanto o
Adam dava a volta no carro para entrar.
Cee Cee piscou por trás de suas lentes protetoras:
- Você acha realmente que alguém seria capaz de dormir com ele?
Tratei de processar a resposta.
- Quer dizer então que a resposta é não – disse.
- Acertou na mosca – respondeu a Cee Cee no exato momento em que o
Adam entrava no carro.
- Muito bem – disse o motorista, aquecendo os dedos antes de ligar a
ignição. – Acho que essa história toda com a estátua, o padre Dom e o
Bryce deixou todo mundo muito estressado. Meus pais têm uma jacuzzi, o
que é perfeito para a tensão que todos nós sofremos hoje, e sugiro então
que a gente passe primeiro lá em casa para um banho...
- Sabe o que mais? - disse eu. - Vamos deixar a jacuzzi para outra vez e ir
direto para o hospital. Talvez depois, se der tempo...
- Uau! - fez o Adam, parecendo que estava nas nuvens. - Existe um deus lá
no céu!
Lá do banco de trás, a Cee Cee cortou a animação dele:
-Ela disse talvez, seu otário. Minha nossa, tente se controlar.
Adam me deu uma olhada enquanto ia saindo da vaga:
- Estou forçando a barra?
- Hmm - disse eu. - Talvez...
- O problema é que há muito tempo não aparecia uma garota nem
longe de longe interessante por aqui. – Enquanto o Adam fazia isto, eu
consertava algo aliviada que ele dirigia com muito cuidado. – Há dezesseis
anos eu estou cercado de Kellys e Debbies. É um enorme alívio ter uma
Suzannah Simon por perto para variar. Você simplesmente acabou com a
Kelly hoje de manhã quando disse que os anjos não deixam marcas de
sangue.
Adam continuou com seu discurso até o hospital. Eu não entendia como a
Cee Cee era capaz de agüentar aquilo. A menos que eu estivesse muito
enganada, ela sentia por ele exatamente o mesmo que ele sentia por mim.
Só que eu não achava que o inter esse dele por mim era muito sério, pois se
fosse ele não estaria brincando com o assunto. Já o interesse da Cee Cee
por ele me parecia ser verdadeiro. Claro que ela o provocava e até o
insultava, mas eu tinha olhado pelo espelho retrovisor uma duas vezes e vi
que ela estava olhando para ele de um jeito que só podia ser considerado
apatetado.
Mas só quando ela sabia que ele não estava olhando.
Quando o Adam parou em frente ao hospital de Carmel, eu pensei que ele
tinha parado num clube ou numa casa particula r por engano. Claro que
seria uma casa daquelas muito grandes mesmo, mas lá na Califórnia não
seria assim nada de mais...
Foi então que eu vi uma discreta plaqueta com a inscrição “Hospital”.
Saímos do carro e atravessamos um jardim impecável, com canteiro s
cheios de flores brotando. O lugar estava cheio de beija -flores e eu voltei a
ver algumas daquelas palmeiras que nunca esperava ver tão ao norte do
Equador.
No balcão de informações, perguntei pelo quarto de Bryce Martinson. Eu
não tinha certeza de que ele havia dado entrada, mas sabia por experiência
própria, infelizmente, que, em caso de acidente com ferimentos na cabeça,
geralmente a pessoa passa a noite no hospital para observação. E estava
certa. Bryce estava lá, assim como o padre Dominic, em quarto s bem em
frente um do outro.
Nós não éramos os únicos a estar visitando os dois, nem de longe. O
quarto do Bryce estava cheio. Aparentemente não havia limite para o
número de pessoas autorizadas a entrar num quarto de paciente, e parecia
te quase toda a classe dos veteranos da Academia Missionária Junipero
Serra estava ali no quarto do Bryce. Bem no meio daquele quarto
ensolarado e alegre, com flores por todo lado, o Bryce estava deitado com
o ombro engessado e o braço direito pendurado acima da cabeça. Est ava
com aparência muito melhor do que de manhã, principalmente, suponho,
porque o haviam enchido de analgésicos. Quando me viu na porta, ele
abriu aquele sorriso largo e disse, prolongando bem as sílabas:
- Suze!
- Puxa, e aí, Bryce? – disse eu, encabulada. Todo mundo tinha se voltado
para ver com quem ele estava falando. Quase só havia garotas ali. E todas
fizeram o que tantas garotas costumam fazer: me filmaram com a cabeça
aos pés (eu nem tinha tomado banho ao acordar porque estava tão atrasada,
de modo que não estava exatamente com o cabelo em seus melhores
dias...).
E todas deram aquele sorrisinho afetado.
Não de um jeito que o Bryce tivesse notado. Mas deram.
Mas ainda que não desse a menor bola para o que pudesse estar pensando
de mim um bando de gar otas que nunca tinha encontrado e provavelmente
nunca voltaria a encontrar, eu fiquei vermelha.
- Pessoal – disse o Bryce, parecendo meio alto, mas de um jeito simpático.
– Esta é a Suze. Suze, é o meu pessoal.
- Ah – respondi. – Tudo bom?
Uma das garotas, que estava sentada na beira da cama do Bryce num
vestido de linho branco muito engomadinho, foi dizendo:
- Ah, você é a garota que salvou a vida dele ontem. A meia -irmã do Jake.
- Isso aí, eu mesma – disse. Não havia a menor chance, mas a menor
possibilidade de que eu conseguisse perguntar ao Bryce o que precisava
perguntar-lhe com todas aquelas pessoas ali no quarto. Cee Cee tinha
empurrado o Adam para o quarto do padre Dom, para que eu pudesse ficar
um pouco sozinha com o Bryce, mas parecia que não tinha adiantado nada.
Não havia a menor possibilidade de eu conseguir ficar um minuto sozinha
com o cara. A menos que...
A menos que eu pedisse.
- Bom – fui dizendo. – Preciso falar com o Bryce um instantinho. Será que
vocês se importam?
A garota que estava na beira da cama foi apanhada de surpresa.
- Pode falar. Não somos nós que vamos impedir.
Eu a olhei bem nos olhos e disse, com minha voz mais firme de mediadora:
- Preciso falar com ele sozinha.
Alguém deu um assobio longo e profundo. Ninguém se mexeu. Até q ue o
Bryce falou:
- Olha aí, rapaziada. Vocês ouviram o que ela disse. Podem ir saindo.
Deus abençoe a morfina, é tudo que posso dizer.
A classe dos veteranos foi então saindo de má vontade, todo mundo me
lançando olhares fulminantes. Bryce ergueu uma das mãos, que estava
presa a alguma coisa, e disse:
- Vem cá, Suze. Dá uma olhada nisso.
Eu me aproximei da cama. Agora que estávamos sozinhos, dava para ver
que o Bryce conseguira um quarto bem grande. Era também muito alegre,
pintado de amarelo, com a janela dando para o jardim.
- Viu só o que eu consegui? – perguntou Bryce, mostrando-me um
pequeno aparelho que cabia na palma da mão, com um botão no alto. –
Uma bomba de analgésico só para mim. A qualquer momento que eu sentir
dor, basta apertar este botão e e la libera codeína direto no meu sangue.
Legal, não?
O cara estava em outra. Estava mais que evidente. De repente, eu me dei
conta de que minha missão não seria assim tão difícil, no fim das contas.
- Beleza, Bryce – respondi. – Fiquei mesmo muito chateada quando soube
do seu acidente.
- Uau! – fez ele, com um risinho de satisfação. – Pena que você não
estava lá. Talvez pudesse ter me salvado como da outra vez.
- É – disse eu, pigarreando meio sem jeito. – Você parece que está atraindo
acidentes ultimamente...
- É mesmo – respondeu ele, fechando os olhos e deixando -me em pânico
ante a idéia de que estivesse adormecendo. Mas logo depois abriu os olhos
e me olhou com ar meio triste. – Suze, acho que não vou conseguir, não.
Eu fiquei olhando para ele. Caramba, q ue bebezão!
- Claro que vai. Você só está com clavícula quebrada, mais nada. Não
demora nada e vai ficar bom.
Ele deu um risinho:
- Não, não... Estou dizendo que acho que não vou conseguir ir ao nosso
encontro de sábado à noite.
- Ah!... – disse eu, piscando. – Claro, claro que não. Nem eu estava mais
pensando nisso. Preciso te pedir um favor, Bryce. Talvez você ache
estranho... (na verdade, dopado do jeito que estava, duvido que achasse
estranho) mas eu estava aqui me perguntando se, quando você e a Heathe r
ainda namoravam, ela não... nunca lhe deu nada?
Ele ficou piscando para mim meio desorientado.
- Nunca me deu nada? Você quer dizer um presente?
- Sim.
- Claro. Ela me deu um suéter de caxemira no Natal.
Eu fiz que sim com a cabeça. Um suéter de caxemira não ia adiantar nada
para mim.
- Tudo bem. Mas alguma coisa? Talvez... um retrato dela?
- Ah sim! – respondeu ele. – Claro, claro. Ela me deu seu retrato no
colégio.
- É mesmo? – fiz eu, tentando não parecer muito excitada. – E por acaso
você está com ele aqui? Na sua carteira, talvez?
Era uma aposta arriscada, eu sabia perfeitamente, mas muitas pessoas só
arrumam suas carteira uma vez por ano, se tanto...
Ele fez uma careta. Provavelmente pensar era doloroso para ele, pois logo
em seguida tratou de injetar o analgésico umas duas vezes. Em seguida,
ficou com a expressão relaxada.
- Claro – disse então. – Ainda tenho a foto dela. Minha carteira está
naquela gaveta ali.
Eu abri a gaveta da mesa ao lado de sua cama. E lá estava realmente
a carteira, fininha, de couro preto. Eu a apanhei e a abri. A foto da Heather
estava entre um cartão American Express e um bilhete de teleférico de
estação de esqui. Eça estava cheia de glamour, com toda aquela cabeleira
loura caindo num dos ombros e olhando insinuante para a c âmera. Nas
minhas fotos de colégio, eu sempre fico parecendo como se alguém tivesse
gritado “Fogo!”. Não conseguia entender como um cara que estava saindo
com uma garota como aquela podia convidar para sair alguém como eu.
- Você me empresta este retrato? – perguntei. – Preciso dele só por um
tempinho. Devolvo logo. – O que era uma mentira, mas achei que de outro
modo ele não me emprestaria a foto.
- Claro, claro – disse ele, sacudindo uma das mãos.
- Obrigada.
Enfiei a foto na minha mochila no exato momen to em que uma mulher
alta, de seus 40 anos, foi entrando, coberta de jóias e trazendo uma caixa de
doces.
- Bryce, querido – disse ela. – Onde estão seus amiguinhos? Eu fui até a
padaria para trazer uns beliscos.
- Daqui a pouco eles voltam, mãe. – respondeu o Bryce meio sonolento. –
Esta é a Suze. Ela salvou a minha vida ontem.
A Sra. Martinson estendeu a mão direita, macia e bronzeada.
- Prazer em conhecê-la, Susan. – disse ela, mal tocando os meus dedos. –
Você consegue acreditar no que aconteceu com o p obrezinho do Bryce? O
pai dele está furioso. Como se as coisas já não estivessem suficientemente
complicadas, com aquela maldita garota... bem, você sabe. E agora isto.
Juro que fica parecendo que aquele colégio está amaldiçoado ou algo
assim.
Eu disse:
- É. Bem, prazer em conhecê-la. É melhor eu ir.
E ninguém protestou contra minha partida: a Sra. Marinson porque pouco
estava ligando, e o Bryce porque tinha adormecido.
Encontrei Adam e Cee Cee em frente a um quarto do outro lado do
corredor. Enquanto eu es tava me aproximando deles, Cee Cee levou um
dedo aos lábios:
- Ouça – disse ela.
Eu fiz exatamente o que ela sugeria.
- Simplesmente não podia ter acontecido em pior hora – dizia uma voz
conhecida, de homem mais velho. – E agora que faltam menos de duas
semanas para a visita do arcebispo?...
- Sinto muito, Constantine – dizia o padre Dominic com a voz fraca.
– Sei perfeitamente que isto deve estar sendo estressante para você.
-E ainda por cima com o Bryce Martinson! Sabe quem é o pai dele?
Simplesmente um dos melhores advogados de Salinas!
-Padre Dom está levando um sabão – sussurrou o Adam para mim. – Pobre
coitado.
-Ele bem que podia simplesmente dizer a monsenhor Constantine que fosse
se afogar no lago – disse Cee Cee com os olhos faiscando.
Eu sussurrei:
-Vamos ver se agente consegue ajudá -lo. Talvez vocês pudessem distrair o
monsenhor. E aí eu vou ver se o padre Dom precisa de alguma coisa. Sabe
como é. Bem depressinha antes da gente ir embora.
Cee Cee deu de ombros:
-Por mim tudo bem.
-Estou nessa – concordou Adam.
Eu então chamei o padre Dominic em voz alta e fui entrando no quarto.
O quarto não era tão grande nem tão alegre quanto o do Bryce. As paredes
eram bege, e não amarelo, e só havia um vaso de flores. Pelo que pude
perceber, a janela dava para o estacionamento. E ninguém se tinha dado ao
trabalho de pendurar o padre Dominic em alguma máquina de bombear
analgésicos. Não sei que tipo de plano de saúde os padres têm, mas posso
dizer que não eram tão bons quanto deveriam.
Seria pouco dizer que o padre Dominic ficou surpreso com a minha
entrada. Seu queixo simplesmente caiu. Ele não parecia capaz de dizer
coisa nenhuma. Mas não tinha problema, pois atrás de mim foi entrando a
Cee Cee, que foi explicando:
-Puxa, monsenhor, estávamos procurando o senhor em toda a parte.
Gostaríamos de fazer uma entrevista exclusiva, se o senhor concordar,
sobre as conseqüências do ato de vandalismo da noite passada na visita que
o arcebispo está para fazer. Conseqüências negativas, certo? O senhor tem
algo a dizer? Talvez o senhor pudesse dar uma chegadinha até o corredor,
onde eu e meu colaborador poderemos...
Meio atarantado, monsenhor Constantine acompanhou Cee Cee até a
porta, bem irritado:
-Escute aqui, mocinha...
Eu mais que depressa fui chegando para o lado do padre Dominic. Não
posso dizer que estava exatamente excitada por encontrá -lo. Quer dizer, eu
sabia que ele provavelmente não estava lá muito
Satisfeito comigo. Foi em mim que a Heather atirou a cabeça do padre
Serra, e eu achava que ele provavelmente sabia dis to e muito
provavelmente também não estava lá simpatizando demais comigo.
Pelo menos era o que eu estava pensando. Mas é claro que estava errada.
Eu sou muito boa para ficar imaginando o que as pessoas mortas estão
pensando, mas ainda não consegui acertar muito com os vivos.
-Suzannah – disse padre Dominic com sua voz meiga. – Que está fazendo
aqui? Está tudo bem? Eu estava muito preocupado com você...
Provavelmente eu deveria ter esperado... Padre Dominic não estava
zangado comigo, absolutamente. Só estava preocupado. Mas era ele o
verdadeiro motivo da preocupação. Além daquele horrível rasgão acima de
um dos olhos, ele estava completamente lívido. Ou melhor, cinzento,
parecendo muito mais velho do que era. Só os olhos, azuis como o céu lá
fora, continuavam como sempre foram, brilhantes e cheios de bom humor
inteligente.
Ainda assim, fiquei de novo furiosa por vê -lo daquela maneira. Heather
ainda não sabia, mais ia se ver comigo, e como!
-Preocupado comigo? – perguntei, olhando fixo para ele. – Por que está
preocupado comigo? Não fui eu que quase fui esmagada hoje de manhã
por um crucifixo.
Padre Dom sorriu, matreiro.
-Não, mas acho que você talvez precise explicar uma coisa. Por que não
me disse, Suzannah? Por que não me disse o que pretendia fazer?Se eu
soubesse que você estava pretendendo aparecer na Missão sozinha no meio
da noite, nunca teria permitido.
-Foi exatamente por isto que eu não lhe disse – respondi. – Ouça,
padre, sinto muito pela estátua e pela porta da sala de aula do professor
Walden e tudo mais. Mas eu precisava tentar falar com ela pessoalmente,
entende? De mulher para mulher. Eu não sabia que ela ia ficar
completamente ensandecida comigo.
-Mas o que você podia esperar? Suzannah, você não viu o que ela tentou
fazer com aquele rapaz ontem?.. .
-Sim, mas aquilo dava para entender. Quer dizer, ela gostava muito dele.
Ela realmente o ama loucamente. Mas eu não imaginava que fosse me
perseguir também. Afinal, eu não tinha nada a ver com aquela história. Só
estava tentando mostrar a ela o que ela p odia fazer...
-O que era exatamente o que eu vinha fazendo desde que ela começou a
assombrar a Missão.
-Certo. Mas a Heather não está a fim de aceitar nada que lhe propomos. É
como estou lhe dizendo, a guri pirou. Agora está quietinha porque acha que
conseguiu matar o Bryce e provavelmente também está exausta, mas daqui
a pouco vai começar a atacar de novo, e só Deus sabe o que poderá fazer
agora que sabe do que é capaz.
Padre Dominic ficou me olhando com curiosidade, completamente
esquecido da sua preocupação com a chegada do arcebispo.
-Como assim, “agora que sabe do que é capaz”?
-Bom, dá para perceber que a noite passada foi apenas um ensaio geral.
Pode estar certo de que muito pior virá da Heather, agora que ela sabe o
que pode fazer.
Padre Dominic balançou a cabeça, confuso.
-Você a viu hoje? Como sabe tudo isto?
Eu não podia falar sobre o Jesse para o padre Dominic. Não podia mesmo.
Não era da conta dele, para começo de conversa. Mas eu também tinha a
impressão de que poderia chocá -lo, saber que havia um sujeito vivendo no
meu quarto. Sabe como é, padre Dom era um padre, essas coisas...
-Escute só – eu disse. – Tenho pensado muito nisso, e não vejo outra
maneira. O senhor já tentou argumentar com ela e eu também. E veja só no
que deu. O senhor está no hospital e eu preciso ficar o tempo todo olhando
ao meu redor, onde quer que vá. Acho que chegou a hora de resolver isto
de uma vez por todas.
Padre Dom piscou:
-O que está querendo dizer, Suzannah? De que está falando?
Respirei fundo.
-Estou falando do que nós, mediadores, fazemos como último recurso.
Ele ainda parecia confuso.
-Último recurso? Acho que não estou entendendo o que você quer dizer...
-Fazer um exorcismo – disse eu.

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