terça-feira, 12 de julho de 2011

A Mediadora - Terra das Sombras - Meg Cabot Cap.14

Capítulo 14
Eu corri tão depressa que mais tarde a irmã Mary Claire, a treinado ra de
corrida, perguntou se eu queria entrar para a equipe.
Mas a Cee Cee estava completamente enganada. Padre Dominic não estava
morto. Nem o Bryce.
E o que havia acontecido não tinha nada a ver com acidente.
Como podia imaginar praticamente qualquer um, acontecera o seguinte: o
Bryce entrou no gabinete do diretor por algum motivo, ninguém sabe qual.
Talvez um passe de atraso, já que ele tinha perdido a formatura - só que
não, como eu esperava, porque o padre Dom o tivesse encontrado. O Bryce
estava de pé em frente à escrivaninha da secretária, embaixo do crucifixo
gigantes que, segundo o Adam, derramaria lágrimas de sangue se alguma
vez houvesse uma formanda virgem na Academia da Missão (a secretária
não estava lá porque estava servindo café aos guardas qu e continuavam lá
no pátio) quando aquela enorme cruz de quase dois metros de altura de
repente se desgarrou da parede. Padre Dominic abriu a porta de seu
gabinete exatamente na hora em que ela estava caindo para a frente, a
ponto de esmagar o crânio do Bryce. Mas, como o padre Dominic deu um
empurrão nele, só a clavícula foi atingida.
Infelizmente, o padre Dominic acabou recebendo todo o peso da cruz, que
o projetou no chão, esmagou suas costelas e quebrou uma de suas pernas.
O professor Walden e um grupo d e irmãs ficou tentando fazer com que
voltássemos para a sala de aula em vez de fazer com que voltássemos para
a sala de aula em vez de ficar atravancando a galeria, à espera de que o
padre Dom e o Bryce saissem do gabinete. Uma parte do pessoal se afastou
quando a irmã Ernestine ameaçou todo mundo de castigo, mas não eu. Eu
não dava a menor bola se ficasse de castigo. Eu precisava saber se eles
estavam bem. Irmã Ernestine disse alguma coisa desagradável, dando a
entender que talvez a srta. Simon não se dess e conta de como era ruim ficar
de castigo na Academia da Missão. Eu respondi que, se ela estivesse me
ameaçando com castigos corporais, eu diria à minha mãe, que era
apresentadora de um jornal local e chegaria lá com um câmera tão depressa
que não daria nem tempo para alguém dizer uma Ave -Maria.
Irmã Ernestine ficou bem calada depois disso.
Foi pouco depois que eu vi que o Mestre estava pertinho de mim. Como as
crianças menores têm de ficar bem longe, do outro lado do colégio, eu
olhei para ele e disse:
- E o que você está fazendo aqui?
- Quero ver se ele está bem - respondeu, com as sardas se destacando mais
que nunca, tão pálido ele estava.
- Você vai arranjar problema - adverti. Irmã Ernestine estava ocupadíssima
anotando os nomes das pessoas.
- Não dou a mínima - fez Mestre. - Eu quero ver.
Eu dei de ombros. Aquele Mestre era mesmo um cara engraçado. Não
tinha nada a ver com seus irmãos e não era só por causa do cabelo ruivo.
Lembrei-me do comentário maldoso do Dunga sobre as chaves do carro e o
"fantasma do Dave", e fiquei me perguntando até que ponto Mestre sabia
alguma coisa, se é que sabia, sobre o que estava acontecendo ultimamente
em seu colégio.
Finalmente, quando parecia que já tinham passado várias horas, eles saíram
lá de dentro. Bryce foi o primeiro a aparecer, amarrado a uma maca e
gemendo, lamento dizer, como um bebezinho. Eu já quebrei e desloquei
um bocado de ossos, e podem ficar sabendo que dói, mas não ao ponto de
ficar lá deitada gemendo. Geralmente, quando me machuco eu nem me dou
conta. Como ontem à noite, por exemplo. Quando realmente me machuco
eu só consigo ficar rindo, pois dói tanto que chega a ser engraçado.
E vou ter de reconhecer que eu meio que parei de gostar tanto do Bryce
depois de vê-lo agir daquela maneira como um bebê...
Especialmente quando vi o padre Dom, que foi trazido em seguida pelos
paramédicos numa cadeira de rodas. Ele estava inconsciente, com os
cabelos brancos caindo para o lado de um jeito tão triste e um corte
parcialmente coberto por gaze acima do olho direito. Em minha pressa de
chegar ao colégio, eu não tinha comido nada de manhã, e tenho de
reconhecer que a visão do pobre padre Dominic me fez sentir meio tonta.
Na realidade, pode ser que eu tenha vacilado um pouco, e provavelmente
teria caído se o Mestre não tivesse apanhado a minha mão e dito, confiante:
- Fique tranqüila. Eu também fico enjoado quando vejo sangue.
Mas não foi a visão do sangue do padre Dom vazando pelo curativo em sua
cabeça que me deixou enjoada. Foi a contração de que eu havia fracassado.
Eu tinha fracassado terrivelmente. Foi por pura sorte que a Heather não
tinha conseguido matar os dois. Era exclusivamente por causa da rápida
reação mental do padre Dom que ele e Bryce ainda estava, vivos. E não
havia sido por minha causa. Não mesmo.
Pois se na noite anterior eu tivesse agido melhor aquilo não teria
acontecido. Não teria acontecido mesmo.
Foi aí que eu fiquei danada. Danada pra valer.
De repente, entendi o que eu tinha que fazer. Olhei para o Mestre e
perguntei:
- Há algum computador aqui no colégio? Um computador com acesso à
Internet?
- Claro - respondeu Mestre, parecendo surpreso. - Na biblioteca. Por quê?
Eu larguei sua mão.
- Esquece. Volte para sua sala.
- Suze...
- Quem não estiver na sala de aula dentro de um minuto será suspenso p or
tempo indeterminado - anunciou irmã Ernestine imperiosamente.
Mestre puxou a minha manga.
- O que está acontecendo? - quis saber. - Para que você quer um
computador?
- Para nada - respondi. Por trás do portão de ferro batido que dava para o
estacionamento, os paramédicos estavam fechando as portas das
ambulâncias que levariam padre Dom e o Bryce. Um segundo depois,
estavam se afastando em meio as sirenes e luzes piscando.
- É que... São coisas que você não entenderia, David. Não são coisas
científicas.
Mestre respondeu, muito indignado:
- Sou capaz de entender muita coisa que não é científica. Música, por
exemplo. Aprendi sozinho a tocar Chopin em meu teclado eletrônico. Isto
não tem nada de científico. O gosto pela música é puramente emocional,
assim como o gosto pela arte. Sou capaz de entender arte e música.
Portanto, corta essa, Suze. Pode me contar.
Tem alguma coisa a ver com... aquilo que a gente estava comentando
na outra noite?
Eu baixei o rosto e olhei para ele surpresa. Ele deu de ombros.
- Era a conclusão lógica. Fiz um rápido exame da estátua (rápido porque
não consegui me aproximar como gostaria, por causa das fitas isolantes e
da equipe que recolhia provas) e não encontrei marcas de serra ou qualquer
outro sinal da maneira como a cabeça foi co rtada. Não existe a menor
possibilidade de cortar bronze tão certinho sem usar instrumentos pesados,
que nunca poderiam ter sido levados até ali...
- Sr. Ackerman! Está querendo ser anotado! - ameaçou Irmã Ernestine, que
não parecia estar brincando.
David fez um ar de irritação.
- Não - respondeu.
- Não o quê?
- Não, irmã - Ele olhou em minha direção, como se pedisse desculpas. -
Acho melhor ir andando. Mas será que podemos voltar a falar deste
assunto à noite em casa? Eu descobri umas coisas sobre.. bem, s obre aquilo
que você me pediu. Você sabe. - E arregalou os olhos, cúmplice. - Sobre a
casa.
- Ah, sim - respondi. - Genial. OK.
- Sr. Ackerman!
David voltou-se para ver a freira.
- Espere só um minuto, OK, irmã? Estou tentando conversar aqui com ela.
O rosto dela, uma mulher de meia-idade, ficou completamente lívido.
Parecia incrível. Ela reagiu da maneira mais infantil, como se fosse ela que
tivesse doze anos, e não o David.
- Faça o favor de me acompanhar, rapazinho! - disse, puxando-o pela
orelha. - Estou vendo que sua meia-irmã pôs na sua cabeça algumas idéias
muito interessantes da cidade grande sobre como os meninos devem falar
com os mais velhos...
David emitiu um ruído como se fosse um animal ferido, mas a
acompanhou, recurvado como um camarão de tan ta angústia que estava
sentindo. Eu juro que não teria feito nada, nada mesmo, se de repente não
tivesse visto a Heather de pé por trás do portão, rindo às gargalhadas.
Minha nossa! - exclamou ela, meio engasgada, de tanto que estava
rindo. - Se você tivesse visto a sua cara quando disseram que o Bryce
estava morto! Juro! Foi a coisa mais engraçada que já vi! - Ela parou de rir
para ajeitar seus longos cabelos e prosseguiu: - Sabe o que mais? Acho que
vou esmagar mais algumas pessoas hoje. Talvez comece com aquele
carinha ali...
Eu avancei em direção a ela.
- Se encostar a mão no meu irmão eu enfio a sua cara de volta naquele
túmulo de onde saiu rastejando.
Heather limitou-se a rir, mas a irmã Ernestine, que, só então me dei conta,
pensou que eu me dirigia a ele, soltou o David tão depressa que parecia que
o garoto de repente tinha pegado fogo.
- O que foi que disse?
Irmã Ernestine estava ficando meio roxa. Atrás dela, Heather se
escangalhava de rir.
- Agora você conseguiu mesmo. Detenção por uma semana!
E sem mais nem menos desapareceu, deixando mais uma barafunda dos
diabos para eu resolver.
Para surpresa tanto minha quanto, suponho, dela própria, irmã Ernestine só
conseguia ficar olhando para mim. David estava ali esfregando a orelha
com ar de espanto. Então eu disse o mais depressa que pude:
- Agora vamos voltar para a sala. Só estávamos preocupados com o padre
Dominic e queríamos acompanhá -lo até a saída. Obrigada, irmã.
Irmã Ernestine continuou olhando fixo para mim sem dizer nada. Era uma
mulher grande, não tão alta quanto eu em minhas botas negras de salto alto,
mas muito mais corpulenta, com aqueles seios enormes. Entre os dois
pendia uma cruz de prata. Inconscientemente, irmã Ernestine tocava a cruz
com os dedos enquanto me olhava. Mais tarde, Adam, qu e tinha visto a
cena toda, diria que irmã Ernestine segurava com força a cruz, como se
quisesse proteger-se de mim. O que não é verdade. Ela limitou -se a tocar a
cruz, como se quisesse ter certeza de que continuava lá. E estava. Com
toda certeza.
Acho que foi naquele comento que o David deixou de ser Mestre
para mim, e passou a ser mesmo David.
- Não se preocupe - disse-lhe pouco antes de nos separarmos, pois ele
parecia tão preocupado e tão engraçadinho com seu cabelo ruivo, suas
sardas e suas orelhas pontudas. Estiquei a mão e desarrumei aquela
cabeleira vermelha: - Vai dar tudo certo.
David olhou para mim.
- Como você sabe? - perguntou.
Eu recolhi minha mão.
Pois é claro que a verdade é que eu não sabia. Quer dizer, que tudo ia dar
certo. Muito pelo contrário, na realidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário