terça-feira, 12 de julho de 2011

A Mediadora - Terra das Sombras - Meg Cabot Cap.16

Capítulo 16
-Nem pensar – disse padre Dominic.
-Padre – tentei argumentar. – Não vejo outra saída. Nós sabemos
perfeitamente que ela não irá por vontade própria. E ela é perigosa demais
para ficar por aí perambulando indefinidamente. Acho que vamos precisar
de um empurrão.
Padre Dominic tirou os olhos de mim e ficou com o olhar pe rdido num
ponto do teto.
-Não é para isto que estamos aqui, pessoas como você e eu, Suzannah –
disse ele com a voz mais triste que eu jamais ouvira. – Nós somos as
sentinelas dos portões do Além. Somos nós que ajudamos a guiar as almas
perdidas para seu destino final. E não houve um só espírito ajudado por
mim que não tivesse passado pelo portão por vontade própria...
Isso aí. E se a gente fechar os olhos na noite de Natal, Papai Noel vai
aparecer. Devia ser muito bom, pensei, ver o mundo no qual eu vivia h á
dezesseis anos.
-Certo – disse eu. – Bom, não vejo outro jeito.
-Um exorcismo – murmurou padre Dominic, pronunciando a palavra como
se fosse algo nojento.
-Ouça – prossegui, começando a me arrepender de ter dito alguma coisa. –
Acredite, não é um método que eu recomendo sempre. Mas não acho que
tenhamos muita escolha. A Heather já não é um perigo apenas para o
Bryce. – Eu não queria contar-lhe o que ela havia dito sobre o David. Já
podia até vê-lo saltando da cama e berrando por um par de muletas. Mas
como eu já tinha deixado escapar o que estava planejando, precisava
mostrar a ele por que considerava necessária uma medida tão extrema. –
Ela é um perigo para o coleio todo e precisa ser contida – disse então.
Ele assentiu com a cabeça.
-Sim, sim, você tem razão. Mas Suzannah, você tem de prometer que vai
esperar que eu tenha alta. Conversei com a médica, e ela disse que pode me
dar alta já na sexta-feira. Com isto, teremos tempo suficiente para
pesquisar a metodologia apropriada... – ele deu uma olhada para a
mesinha-de-cabeceira. – Quer me dar aquela Bíblia, Suzannah? Quem sabe
não o encontramos aqui...
Eu lhe entreguei a Bíblia.
-Tenho plena convicção de que domino perfeitamente a coisa – disse eu.
Ele levantou os olhos e me fixou com aquele seu olharzinho triste de
criança. Pena que já fosse tão velho, e ainda por cima padre. Fiquei me
perguntando quantos corações ele não teria partido antes de encontrar sua
vocação.
-E como é que você pode dominar perfeitamente uma coisa complicada
como um exorcismo católico romano? – quis saber ele.
Eu me mexi, meio sem jeito.
-Bem, eu não estava pretendendo usar exatamente a versão católica
romana.
-Existe alguma outra?
-Mas claro! A maioria das religiões tem sua versão. Pessoalmente, prefiro a
umbanda. É bem objetiva. Nada de sortilégios demorados ou coisa do
gênero.
Ele parecia estar sofrendo:
-Macumba?
-Isso mesmo. É o vodu brasileiro. Eu descobri na Internet. Só precisamos
de um pouco de sangue de galinha e...
-Maria Santíssima, mãe de Deus! – interrompeu padre Dominic, levando
algum tempo para se recuperar e prosseguir: - Fora de questão. Heather
Chambers era uma católica batizada e, apesar da causa de sua morte,
merece um exorcismo católico, se não um enterro católico. No momento
ela não tem grandes chances de ir para o Céu, devo reconhecer, mas posso
garantir que pretendo fazer tudo para que tenha a oportunidade de
cumprimentar São Pedro no portão.
-Padre Dom – eu disse. – Realmente não acho que faça a menor diferença
se ela tiver um exorcismo católico, brasileiro, pi gmeu ou o que seja. A dura
realidade é que se houver um Céu, não exista a menor possibilidade de que
Heather Chambers vá para lá.
Padre Dominic fez um muxoxo de desaprovação.
-Suzannah, como pode dizer uma coisa dessas? Todo mundo tem alguma
coisa de bom. Acho que até você é capaz de ver isso.
-Até eu? Como assim, até eu?
-Estou querendo dizer que até Suzannah Simon, que pode ser muito
dura com os outros, deve ser capaz de entender que até no ser humano mais
cruel existe a flor do bem. Talvez um brotinho mu ito pequeno mesmo,
carente de água e luz do sol, mas ainda assim uma flor.
Fiquei me perguntando que analgésicos estariam dando ao padre Dom. E
disse:
-Tudo bem então, padre. Só sei que, aonde quer que a Heather vá, não será
para o Céu. Se é que existe um Céu...
Ele sorriu para mim com tristeza.
-Eu gostaria apenas, Suzannah, que você tivesse em matéria de fé no
Senhor metade do que tem de coragem – disse. – Ouça-me um instante.
Você não pode, simplesmente não pode tentar deter a Heather sozinha.
Ficou perfeitamente claro que ela quase a matou na noite passada; Eu não
conseguia acreditar quando cheguei e vi os estragos que ela tinha
provocado. Você teve muita sorte de sair com vida. E pelo que aconteceu
esta manhã também está claro, como você mesmo diz, que ela está apenas
acumulando forças. Seria uma burrice, uma burrice criminosa, se você
tentasse de novo fazer alguma coisa sozinha.
Eu sabia que ele tinha razão. Pior ainda, se eu levasse adiante aquela
história de exorcismo, não poderia contar com a ajuda d o Jesse, pois o
exorcismo poderia muito bem mandá -lo de volta para o criador, juntinho
com a Heather.
-Além disso – prosseguiu padre Dominic -, não há qualquer motivo para se
apressar, não é mesmo? Agora que ela já conseguiu mandar o Bryce para o
hospital, não fará nenhuma outra tolice, pelo menos até ele voltar para o
colégio. Parece que ele é a única pessoa contra a qual ela alimenta instintos
assassinos...
Eu não disse nada. E como poderia? O pobre infeliz parecia tão patético,
deitado naquela cama... Eu não queria dar-lhe mais motivos de
preocupação. Mas a verdade é que eu não poderia esperar que o padre Dom
saísse do hospital. A Heather não estava brincando. A cada dia que
passava, ela só ia ficando mais forte e mais perversa e mais cheia de ódio.
Eu tinha de me livrar dela, e precisava ser logo.
De modo que cometi algo que deve ser um pecado mortal. Menti
para um padre.
Ainda bem que eu não sou católica.
-Não se preocupe, padre Dom – disse. – Vou esperar que o senhor se sinta
melhor.
Mas o padre Dominic não era nenhum bobo.
-Prometa-me Suzannah – insistiu.
-Prometo.
Claro que eu tinha cruzado os dedos. Eu esperava que, se existisse um
deus, isto servisse para neutralizar o pecado de mentir para um dos seus
mais devotados servidores.
-Deixe-me ver – murmurava padre Dominic. – Vamos precisar de água
benta, naturalmente. Mas isto não é problema. E naturalmente, de um
crucifixo.
Enquanto ele matutava sobre os itens necessários, Adam e Cee Cee
entraram no quarto.
-E aí, padre Dom? – foi dizendo o Adam. – O senhor está péssimo!
Cee Cee cutucou-o com o cotovelo
-Adam – sussurrou ela, voltando-se com vivacidade para o padre. Não dê
bola para ele, padre Dom. Eu acho que o senhor parece ótimo. Parece
mesmo, para que, quebrou um bocado de ossos...
-Crianças! – fez padre Dominic, realmente contente por vê -los. – Mas que
bom! Mas por que estão desperdiçando uma tarde bonita como esta para
visitar um velho num hospital? Vocês devia, estar na praia curtindo o sol.
-Na verdade estamos trazendo uma matéria sobre o acidente para as
Notícias da Missão – informou Cee Cee. – Acabamos de entrevistar
monsenhor. É realmente uma pena essa história da visita do arcebispo e
tudo mais, e a estátua do padre Serra sem cabeça...
-Isso aí – fez o Adam. – Um horror mesmo.
-Não faz mal – disse padre Dominic. – É o empenho e a preocupação de
vocês que vão realmente impressionar o arcebispo.
-Amém – disse Adam, solene.
Antes que uma de nós duas tivesse tempo de ralhar com o Adam por causa
do sarcasmo, uma enfermeira entrou e comunicou a Cee Cee e a mim que
tínhamos que sair porque ela ia dar banho de esponja no padre Dom.
-Banho de esponja! – espantou-se o Adam enquanto caminhávamos para o
carro. – No padre Dom dão banho de esponja, mas e eu, que realmente
saberia apreciar uma coisa dessas, que é que me dão?...
-Uma oportunidade de servir de motorista para as duas garotas mais
bonitas de Carmel – adiantou-se Cee Cee.
-Tá bom – concordou Adam, voltando-se para mim: - Não que você não
seja a garota mais bonita de Carmel, Suze... Eu só estava queren do dizer...
Bem, você sabe...
-Sei – disse eu, sorrindo.
-Puxa vida, banho de esponja! E você viu só aquela enfermeira? –
continuou Adam, empurrando o encosto do banco do carona para a Cee
Cee se esgueirar para o assento de trás. – Alguma coisa deve ter nessa
história de ser padre. Talvez eu devesse me candidatar.
Lá de trás, a Cee Cee respondeu:
-Ninguém se candidata. É uma vocação. E você não ia gostar nada, Adam,
pode crer. Padres podem jogar Nintendo.
Adam engoliu esta.
-Talvez eu pudesse fundar uma nov a ordem – disse ele concentrado. –
Como os franciscanos, só que seríamos a Ordem dos Felizardos. Nosso
lema seria “Nota dez para todos, pizza para todo mundo”.
Cee Cee interrompeu:
-Cuidado com a gaivota!
Nós estávamos na Rodovia Litorânea de Carmel. Pouco depois da mureta
de pedra a nossa direita estava o oceano Pacífico, brilhando como uma jóia
à luz da gigantesca bola de fogo amarela do sol. Provavelmente eu o devia
estar contemplando muito demoradamente (eu ainda não tinha me
acostumado com sua presença constante), pois o Adam foi tratando de se
enfiar com o carro numa vaga que acabava tratando de ser deixada livre
por um BMW. Eu fiquei olhando para ele interrogativamente, enquanto ele
perguntava:
-Você ainda não conseguiu parar para ficar olhando o pôr -do-sol?
Saí do carro numa fração de segundos.
Pouco depois, estava me perguntando como é que nunca tinha
pensado antes em me mudar para a Califórnia. Sentada numa manta que o
Adam tirou da mala do carro, observando os atletas correndo e os surfistas
de fim de tarde, os cães correndo atrás de frisbees e os turistas com suas
câmeras, estava me sentindo tão bem como não me sentia há muito
tempo... Talvez fosse porque eu ainda estava num regime de dormir apenas
quatro horas por noite. Talvez simplesmente o chei ro da água do mar me
estivesse deixando meio embriagada. Mas o fato é que estava me sentindo
realmente em paz, como se fosse pela primeira vez na vida.
O que não deixava de ser estranho, levantando -se em conta que dentro de
poucas horas eu estaria em luta contra as forças do Mal.
Até que essa hora chegasse, no entanto, decidi que ia curtir a vida. Voltei o
rosto para o sol que se punha, sentindo os seus raios quentes na bochecha,
e fiquei ouvindo o barulho das ondas, os gritos das gaivotas e a conversa
de Cee Cee com o Adam.
-Aí eu disse para ela, Claire, você já tem quase 40 anos. Se você e o Paul
querem ter outro filho, é melhor andarem depressa. Vocês estão correndo
contra o tempo – disse o Adam, bebendo um refrigerante que havia
comprado numa lanchonete perto do lugar onde estacionamos. – Ela ficou
dizendo que meu pai e ela não queriam que eu me sentisse ameaçado por
um outro filho e eu respondi que não me sentia ameaçado por bebês. Sabe
o que realmente me faz sentir ameaçado? Esses orangotangos que ficam
atormentando esteróides, do tipo Brad Ackerman, isto sim.
Cee Cee lançou um olhar de advertência para Adam e depois olhou para
mim:
-E como você está se dando com seus meios -irmãos, Suze?
Eu desviei meu olhar do Sol.
-Acho que bem – respondi – Mas é verdade que o Dun... quer dizer, o
Brad, toma esteróides?
O Adam respondeu:
-Eu não devia ter dito isto. Sinto muito. Tenho certeza de que ele não toma.
Mas aqueles caras todos da equipe de luta -livre, eles realmente são de dar
medo. E têm tanta raiva de gays.. . que dá para desconfiar de duas
preferências sexuais. Eles todos pensam que eu sou gay, mas não sou
exatamente eu que fico metido num colante agarrado nas coxas de outros
caras.
Eu senti vontade de pedir desculpas em nome do meu meio -irmão e foi o
que fiz, acrescentando:
-Não estou certa assim de que ele seja gay. Outro dia ele ficou todo feliz
quando a Kelly Prescott ligou para nos convidar para a festa em sua piscina
no sábado.
Adam assobiou e de repente Cee Cee perguntou:
-Você não prefere algo melhor que esta manta? Quem sabe uma toalha de
praia de caxemira?... É o tipo de toalha que a Kelly e o pessoal dela usam
na praia.
Eu fiquei piscando, percebendo que acabava de cometer uma gafe.
-Ué, eu não sabia... Pensei que a Kelly também tinha convidado vocês .
Achei que ela ia convidar todos os segundanistas.
-Com certeza que não – disse Cee Cee, fungando. – Só os segundistas com
status, o que não é o caso do Adam nem o meu.
-Mas você é a diretora do jornal do colégio – ponderei.
-Certo – respondeu Adam. – Traduza isto como a mesma coisa que bosta, e
vai entender por que nunca fomos convidados para uma festa na piscina da
princesa Kelly.
Fiquei calada por um minuto, ouvindo as ondas. Mas acabei dizendo:
-Não que eu estivesse pensando em ir...
-Não mesmo? – e os olhos de Cee Cee se esbugalharam por trás dos
óculos.
-Não. No início, porque eu tinha um encontro com o Bryce, que acabou
sendo cancelado. Mas agora porque... bom, se vocês não forem, com quem
eu vou conversar?
Cee Cee deitou-se na manta.
-Suze – disse ela. – Você alguma vez pensou em ser vice -presidenta da
turma?
Eu achei graça.
-Espera aí, eu sou a mais nova da turma, lembra?
-Isso aí – fez Adam. – Mas você leva jeito. Vi que você tem alguma coisa
de líder na maneira como acabou com a raça da Debbie Man cuso ontem.
Os homens sempre admiram as garotas que parecem capazes de dar um
murro na cara de outra garota a qualquer momento. É mais forte que nós.
Talvez seja genético – concluiu ele, dando de ombros.
-Certamente vou levar isto em consideração – disse eu, rindo. – Cheguei a
ouvir um boato de que a Kelly pretendia gastar todo o orçamento da turma
numa festa...
-Exatamente – confirmou Cee Cee. – Ela faz isto todo ano. É aquela
baboseira da dança da primavera. Um saco. Pelo menos para quem não está
de namorado, não serve para nada. Não dá para fazer mais nada, só dançar.
-Espera aí – atalhou Adam. – Lembra aquela vez em que a gente levou
balões de água?
-Bom, naquele ano foi divertido – reconheceu Cee Cee.
-Eu estava pensando – interferi – que talvez fosse melhor uma coisa assim.
Sabe como é. Um piquenique na praia. Talvez até dois...
-Isso mesmo! – exclamou o Adam. – Com fogueira! O meu lado
piromaníaco sempre quis fazer uma fogueira na praia.
Cee Cee concordou:
-Exatamente! É exatamente o que a gente devia fazer, Suze, você tem de
concorrer a vice-presidenta!
Santa virgem, mas o que foi que eu fiz? Eu não queria ser vice -presidenta
da turma de segundo ano! Não queria me envolver com essas coisas! Eu
não tinha o menor espírito de comunidade, não tinha opinião sobre nada!
Que diabos estava eu fazendo? Será que tinha perdido a cabeça?
-Olha lá! – disse Adam de repente, apontando para o Sol. – Lá vai ele.
Enquanto ia desaparecendo no horizonte, a enorme bola alaranjada parecia
estar mergulhando no mar. Não tinha nada respingando nem nenhuma
fumaça, mas eu seria capaz de jurar que tinha ouvido o sol atingindo a
surperfície da água.
-Lá vai o sol – cantou Cee Cee suavemente.
-Lá lá lá lá lá – continuou o Adam.
-Lá vai o sol – prossegui.
Tudo bem, tenho de reconhecer que era meio infantil, ficar ali sentado
cantando, enquanto o sol se punha. Mas também era divertido. Lá em Nova
York, a gente costumava ficar sentado no parque vendo os policiais à
paisana prenderem traficantes por drogas. Mas não dava para comparar
com o prazer de cantar despreocupado na praia enquanto o sol se põe.
Alguma coisa estranha estava acontecendo. E eu não sabia direito o que
era.
-Eu já sei. Ta legal – cantamos os três em uníssono.
Estranhamente, naquele exato momento, eu realmente acreditei q ue seria
assim. Que estaria tudo bem.
E foi aí que me dei conta do que estava acontecendo.
Eu estava me integrando. Eu, Suzannah Simon, a mediadora. Pela primeira
vez na vida eu estava me integrando com alguma coisa.
E fiquei feliz. Realmente feliz. Naquel e momento, eu realmente acreditava
que tudo estaria bem.
Mal sabia eu!...

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