Chegou a primavera.
Arranjei um emprego. Era apenas um emprego de meio expediente,
como camareira, num pequeno hotel da região. O salário era tão baixo, que
provavelmente eu lucraria mais se pagasse a eles. Mas estava encantada comigo
mesma. Orgulhosa de chegar na hora, dar duro e não roubar o dinheiro que
encontrava caído no tapete, como fizera no passado. A maioria das outras
pessoas que trabalhavam lá eram estudantes complementando sua mesada. Eu
teria achado isso muito humilhante no passado, mas não agora.
— Que tal voltar a estudar? — sugeriu Jeanie, que estava no segundo
ano da faculdade. — Talvez fazer um curso universitário, quando você souber o
que quer fazer.
— Um curso universitário? — Fiquei horrorizada. — Mas levaria muito
tempo. Quatro anos, talvez. A essa altura, eu estaria com trinta e dois anos.
Caquética!
— Mas um dia você vai ter trinta e dois anos, mesmo — observou ela,
tranqüila.
— O que eu faria? — perguntei, quando o impossível, o impensável,
subitamente deixou de ser grotesco para tornar-se até possível.
— Não sei — disse Jeanie. — Do que você gosta?
Refleti.
— Bom, eu gosto disso — respondi, tímida, indicando nós duas.
— Dependência, recuperação, a cabeça das pessoas, os seus motivos.
Desde que Josephine me contara que era toxicômana e alcoólatra, a
idéia tinha ficado vibrando em algum canto do meu inconsciente.
— Psicologia — sugeriu Nola. — Ou um curso de aconselhamento.
Pesquise e telefone.
Então chegou o dia quatorze de abril, meu primeiro aniversário de
recuperação. Nola e as meninas prepararam um bolo com uma velinha para
mim. Quando cheguei em casa, ganhei outro de mamãe, papai e minhas irmãs.
— Você é maravilhosa — não paravam de dizer. — Um ano inteiro sem
uma única droga. Você é fantástica.
No dia seguinte, anunciei a Nola:
— Completei um ano, agora já posso botar prá trepar, digo, prá
quebrar.
— Boa menina, manda ver — disse Nola, com uma ironia que me
desconcertou.
Logo compreendi o que ela estava querendo dizer, ao constatar que não
havia ninguém com quem eu quisesse dormir. Ninguém por quem me sentisse
atraída. E não por não ter conhecido nenhum homem. Além dos milhares de
caras nos NA, eu tinha começado a sair à noite uma vez ou outra com Anna ou
Helen. Incursões no mundo real, com homens de carne e osso que não eram
toxicômanos e nem sabiam que eu era. Eu sempre ficava surpresa quando eles
tentavam me ganhar. Claro, era obrigada a passar pelo tédio de explicar a eles
por que não bebia. Mas, mesmo quando compreendiam que não havia a menor
esperança de me levar para a cama por meios etílicos, não perdiam o interesse
por mim.
Um ou dois desses interessados eram até bonitos, usavam boas roupas
e eram músicos ou publicitários.
Eu certamente não estava tirando grande partido da libertação de meu
eremitério. O problema era que, sempre que eu pensava em ir para a cama com
alguém, a pessoa em quem pensava, no ato, era Luke.
Luke, lindo e sensual. Mas eu só passava uma fração de segundo
refletindo sobre sua beleza e sensualidade, antes de me lembrar da maneira
atroz como o tratara. Imediatamente, me sentia morta de vergonha e tristeza. E
apavorada, também, porque Nola vivia me dizendo para eu lhe escrever uma
carta, me desculpando. Coisa que eu estava envergonhada e com medo demais
para fazer, pois sempre havia o risco de ele me mandar à merda.
—Enfrenta ele — Nola não parava de empurrar. — Vai, escreve, ele
parece ser um amor de pessoa. De mais a mais, você vai se sentir muito melhor.
— Não posso — murmurava eu.
— Mas qual é o problema com esses rapazes que vivem convidando
você para sair? — Nola me interpelou, depois de eu passar uma hora inteira me
lamuriando com ela.
— Ah, sei lá. — Dei de ombros, irritada. — Ou são chatos, ou meio
burros, ou tem outra garota de butuca neles, ou se acham os tais... Embora
alguns sejam até bonitos — reconheci. — Aquele cara, o Conlith, é muito bonito,
mas, mesmo assim... — Calei-me, triste.
— Não são bons o bastante, é isso que você está tentando me dizer? —
indagou Nola, como se eu tivesse acabado de inventar a cura da AIDS.
— Exatamente! — exclamei. — E eu não posso ficar perdendo meu
tempo, tenho mais o que fazer.
— Caramba, mas você mudou mesmo — disse Nola.
— Mudei?
— Claro! Pensa só em como você era um ano atrás — disse ela.
— Teria dormido com o cachorro do mendigo, para não ter que ficar
sozinha.
Refleti sobre o que ela dissera. Chocada, enxerguei que, claro, ela tinha
razão. Aquela tinha sido mesmo eu? Aquela criatura desesperada? Louca por um
namorado?
Como as coisas tinham mudado.
— Eu não disse que você ia melhorar? — perguntou Nola.
— Deixa de ser vaidosa — censurei-a. — Que coisa mais feia! — Mas
sorri ao dizer isso.
— Sabe como é o nome disso que você tem? — perguntou ela. — Como
é mesmo que chamam... Ah, sim, amor-próprio!
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