— Chegamos. Lá está o Claustro.
Papai diminuiu a marcha do automóvel (o que não foi nada fácil,
considerando-se que perfizera todo o trajeto de Dublin a Wicklow a uma média
de trinta quilômetros por hora, para fúria de Helen) e apontou um vale. Eu e
Helen nos espichamos para dar uma olhada. Enquanto nossos olhares varavam
em silêncio a paisagem invernal do campo e se fixavam no casarão cinzento em
estilo gótico, senti um frio no estômago.
— Caraca, é igualzinho a um hospício. — Helen parecia impressionada.
Para ser franca, eu estava ligeiramente alarmada. Precisava parecer
tanto com uma clínica psiquiátrica? O casarão já era bastante assustador, mas,
para piorar as coisas, era totalmente cercado por uma alta muralha de pedra,
coberta por sempre-vivas cerradas e escuras. Não teria me causado espécie ver
morcegos voando ao redor das torres com a lua cheia ao fundo, embora fossem
onze horas de uma manhã de sexta-feira e não houvesse nenhuma torre.
— O Claustro — murmurei, tentando disfarçar a ansiedade com um
comentário jocoso —, onde finalmente encontro minha nêmesis.
— Nêmesis? — perguntou Helen, entusiasmada. — O que eles cantam?
No entanto, pensei, tentando não ouvir o que ela dizia, o lugar tinha
um certo encanto austero. Não pegaria bem para a instituição se tivesse a
aparência de um hotel de luxo, embora fosse exatamente o que era. Ninguém a
levaria a sério.
— Algum deles é bonito? — urrou Helen.
Era ótimo estar no campo, pensei com meus botões, recusando-me
obstinadamente a ouvir Helen. Pense nisso! Ar puro, uma vida simples e a
chance de fugir do corre-corre da cidade grande.
— Estão todos aqui? — perguntou Helen, em tom lamurioso. — Ou só
alg...
Minha ansiedade transbordou.
— Cala a boca! — berrei. Gostaria que ela não tivesse vindo, mas ela
vinha insistindo desde que ficara sabendo dos artistas.
Helen fez um ar furioso e papai interveio rapidamente:
— Devagar com o andor, Helen.
Ela o fuzilou com o olhar, mas terminou por ceder.
— Tá bem — disse, num raro rompante de altruísmo. — Afinal, não é
todo dia que ela se interna.
Ao sairmos do carro, Helen e eu fizemos uma rápida vistoria no
terreno, procurando alguma celebridade extraviada, mas nada feito. Papai, é
claro, não estava interessado. Apertara a mão do técnico da seleção da Irlanda
uma vez, e nada podia superar isso. Tomando a dianteira, ele subiu com esforço
a escada cinzenta que levava à porta de madeira maciça. Nem eu nem ele
andávamos nos falando muito, mas, pelo menos, ele me acompanhara. Mamãe
não apenas se recusara, como também não permitira que Anna viesse. Acho que
estava com medo de que internassem Anna também. Ainda mais depois que
Helen jurou de pés juntos ter lido que o Claustro estava fazendo uma promoção
do tipo "Tranque Dois e Pague Um" durante o mês de fevereiro.
A porta da frente, de madeira de lei pesada e maciça, abriu-se com
solene lentidão, como não poderia deixar de ser. Fiquei surpresa ao constatar
que, de repente, estávamos numa recepção moderna. Copiadoras, telefones, fax,
computadores, divisórias finas de eucatex e um cartaz na parede com os dizeres
"Você não precisa ser um dependente químico para trabalhar aqui, mas ajuda".
Ou talvez tenha sido eu que imaginei esse adendo.
— Bom-dia — disse uma mocinha jovial. O tipo de mocinha que
responde aos classificados do correio sentimental que procuram por alguém
"cheio de vida". Cabelos louros encaracolados e um sorriso radiante, mas não a
ponto de parecer insensível. Afinal, essa não era uma circunstância feliz.
— Sou Jack Walsh — disse papai. — Esta é minha filha Rachel.
Estamos sendo esperados. E esta é Helen, mas não ligue para ela.
A cheia de vida relanceou Helen, nervosa. Provavelmente eram raras as
ocasiões em que se encontrava no mesmo aposento que uma garota muito mais
bonita do que ela. Conseguiu controlar-se o bastante para brindar a mim e papai
com um sorriso de simpatia profissional.
— Ela tem... bem, tem tido alguns probleminhas com... você sabe,
drogas... — disse ele.
— Hum, sei. — Ela assentiu com a cabeça. — O Dr. Billings está
esperando vocês. Vou avisá-lo que estão aqui.
Ela interfonou para o Dr. Billings, abriu um sorriso largo para papai,
sorriu com ar triste para mim, fechou a cara para Helen e disse:
— Ele vai recebê-los em um minuto.
— Não é tarde demais, é? — perguntou papai. — Para Rachel.
Ela pode ser ajudada, não pode?
Cheia de Vida fez uma expressão assustada.
— Não me cabe dizer — apressou-se em responder. — O Dr. Billings é
quem fará a avaliação, pois só ele está abalizado para dizer se...
Morta de vergonha, dei uma cotovelada em papai. Que negócio era esse
de perguntar àquela criança se eu podia ser salva?
Meu pai sempre se comportou como se fosse o dono da verdade. O que
fizera eu para reduzi-lo a isso?
Enquanto esperávamos o Dr. Billings, apanhei em cima da mesa um
folheto impresso em papel lustroso. "O Claustro. No coração das antigas colinas
de Wicklow..." Por um momento, tive a sensação de estar lendo o rótulo no verso
de uma garrafa de água mineral.
A semelhança física entre o Dr. Billings e o humorista John Cleese, do
Monty Python, era espantosa. Tinha aproximadamente dois metros e meio de
altura e era quase careca. Suas pernas terminavam na altura das orelhas, sua
bunda vinha até a nuca e suas calças só chegavam até a metade da batata da
perna, onde adejavam como asas, deixando entrever quase um palmo de meias
brancas. Parecia um louco. Mais tarde fiquei sabendo que era psiquiatra, o que
fazia bastante sentido.
Sob as risadinhas de Helen, ele me levou para ser "avaliada". A
avaliação consistia em tentar convencer a mim e a si mesmo de que eu estava
mal o bastante para ser internada. Passou um tempão me encarando com ar
pensativo, dizendo "hum" e anotando tudo que eu dizia.
Fiquei decepcionada com o fato de ele não fumar cachimbo.
Ele me perguntou sobre as drogas que eu usava e procurei ser
totalmente franca. Bem, quase totalmente. Por estranho que pareça, a
quantidade e a variedade de drogas que eu usava pareciam muito maiores
quando descritas fora de contexto, de modo que dourei a pílula ao máximo. Quer
dizer, eu sabia que meu consumo de drogas estava totalmente sob controle, mas
ele podia não compreender isso. Escrevia numa ficha e dizia coisas do tipo "Sim,
sim, posso ver que você tem um problema".
Não gostei de ouvir isso. Ainda mais porque mentira. Até que lembrei
que me classificar como toxicômana valia vários milhares de libras para ele.
Então ele fez algo que eu estava morta de medo que fizesse desde que
entrara em seu consultório. Pousou os braços na escrivaninha, encostou os
dedos das mãos formando um telhado com eles e inclinou-se para a frente,
dizendo:
— Sim, Rachel, é óbvio que você tem um problema crônico de abuso de
drogas etc. etc.
Em poucas palavras: eu estava internada.
Ele me fez uma preleção sobre o lugar.
— Ninguém a está obrigando a vir para cá, Rachel. Você não está sendo
internada à força. Já teve alguma experiência em outras instituições?
Fiz que não com a cabeça. Que audácia, a daquele homem!
— Bem — continuou ele —, muitos de nossos clientes já tiveram. Mas,
já que você concordou em vir para cá, há certas condições que esperamos que
aceite.
Ah, é? Condições? Que tipo de condições?
— O período de tempo regulamentar que as pessoas passam aqui é de
dois meses — disse ele. — Ocasionalmente, podem querer sair antes de
transcorridos esses dois meses, mas, tendo assinado os documentos, são
obrigadas a ficar três semanas. Depois disso, estão livres para ir embora, a
menos que achemos que isso seria contrário aos seus interesses.
Essa declaração fez brotar em mim um filete gelado de algo
semelhante a apreensão. Não que eu me importasse de ficar as três semanas. Na
realidade, planejava ficar os dois meses inteiros. Apenas não gostei do tom de
voz dele. Por que levava tudo tão a sério? E por que as pessoas haveriam de
querer ir embora antes de transcorridos os dois meses?
— Compreende isso, Rachel? — perguntou ele.
— Sim, Dr. Cleese — murmurei.
— Billings. — Ele franziu o cenho, alcançando minha ficha com um
gesto abrupto e anotando alguma coisa. — Meu nome é Dr. Billings.
— Sim, Billings — disparei. — É claro, Billings.
— Não aceitamos ninguém que esteja aqui contra a sua vontade
— prosseguiu ele. — Nem ninguém que não queira receber ajuda.
Esperamos sua colaboração.
Isso também não me agradou nada. Só queria um pouco de descanso,
agradável e livre de atribulações. Não causaria nenhum problema, mas também
não queria que me fizessem nenhuma exigência. Eu passara por poucas e boas e
estava ali para recuperar minhas forças.
De repente, a expressão do Dr. Billings mudou completamente.
— Rachel. — Fitou-me no fundo dos olhos. — Você admite que tem um
problema? Quer ser ajudada a se livrar dos seus vícios?
Eu tinha achado que não faria diferença mentir. Mas estava fazendo,
mais do que eu esperava.
Pro inferno, pensei, inquieta. Pense nas revistas para ler, nas
banheiras de hidromassagem, nos exercícios, nas camas de bronzeamento
artificial. Pense na barriga reta, nas coxas firmes, na pele clara e brilhante.
Pense nas celebridades com quem topará. Pense em como Luke sentirá falta de
você, e como sofrerá quando assistir à sua volta triunfal a Nova York.
O Dr. Billings continuou a salientar as condições de minha estada:
— Visitas nas tardes de domingo, mas não no seu primeiro fim de
semana. Você terá direito a dar ou receber dois telefonemas por semana.
— Mas isso é uma barbaridade — disse eu. — Dois telefonemas por
semana.
Em geral, eu dava dois telefonemas por hora. Tinha que falar com
Luke e talvez precisasse dar um monte de telefonemas até conseguir. Será que
contava como telefonema se a secretária-eletrônica atendesse? Certamente que
não, pois eu não teria chegado a falar com ele, não é? E se ele batesse com o
telefone na minha cara? Isso também não contava, contava?
O Dr. Billings escreveu algo na minha ficha e disse, fitando-me
longamente:
— Você empregou uma palavra interessante, Rachel. Barbaridade. Por
que diz que é uma barbaridade?
Ihhh..., pensei, começando a compreender e já me preparando para me
esgueirar rapidinho da armadilha. Eu manjo seus truques psicanalíticos. Não
sou um daqueles pobres idiotas que você pega. Vivi em Nova York, tá?, que só
perde para São Francisco em matéria de jargão psicanalítico. Se bobear, eu é
que posso analisar você.
Contive o ímpeto de encarar fixamente o Dr. Billings e perguntar: "Eu
ameaço o senhor?"
— Nada — respondi, simpática. — Não quis dizer nada com isso. Dois
telefonemas por semana? Está ótimo.
Ele ficou irritado, mas o que podia fazer?
— Você se absterá totalmente de usar qualquer psicotrópico durante
sua estada aqui — prosseguiu ele.
— Isso quer dizer que não vou poder tomar vinho* no jantar? — Achei
melhor engolir o sapo.
— Por quê? — Ele na hora saltou sobre minha pergunta como um tigre.
— Você gosta de vinho? Costuma consumi-lo em grandes quantidades?
— Em absoluto — respondi, embora não tivesse o hábito de dizer coisas
como "Em absoluto". — Perguntei só por perguntar.
Droga, pensei, decepcionada. Graças a Deus trouxe meu Valium
comigo.
— Teremos que revistar sua mala — disse ele. — Espero que não se
importe.
— De jeito nenhum — sorri, gentilmente. Ainda bem que enfiara o
Valium na bolsa.
— E a sua bolsa, é claro — acrescentou ele.
Ah, não!
— Ah, sim, claro. — Tentei parecer calma. — Mas, antes, será que
posso ir ao toalete?
Havia um toque de esperteza e presunção em seu olhar, do tipo "a mim
você não engana", que não me agradou. No entanto, limitou-se a dizer:
— No fim do corredor, à esquerda.
Com o coração aos pulos, corri para o banheiro feminino e bati a porta
atrás de mim. Rodei pelo pequeno recinto, em pânico, procurando algum lugar
onde pudesse me livrar de meu precioso vidrinho, ou — o que seria de longe
preferível — algum lugar onde pudesse escondê-lo para mais tarde recuperá-lo.
Mas não havia nenhum. Nenhuma cesta de lixo ou recipiente para absorventes
usados, nenhum cantinho ou reentrância esperta. As paredes eram retas e lisas,
o chão vazio e exposto. Ocorreu-me que talvez essa falta de esconderijos fosse
proposital. (Tempos depois, descobri que era.)
Até onde vai a paranóia desse pessoal?, pensei, num rompante de ódio
e impotência. Paranóicos de merda, loucos de merda, sacanas de merda, filhos
da mais puta dentre todas as putas!
E eu lá, parada, com o vidro na minha mão e a cabeça oca, oscilando
entre o ódio e o medo. Tinha que enfiá-lo em algum lugar. Era muito importante
que não me apanhassem com drogas, por mais leves e inofensivas que fossem.
Minha bolsa, pensei, eufórica. Eu poderia colocá-lo na minha bolsa!
Não, espera aí, esse era o motivo pelo qual eu estava parada naquele banheiro
minúsculo, suando em bicas, por não poder colocá-lo na minha bolsa.
Tornei a olhar em volta, na esperança de ter deixado passar alguma
coisa na vistoria anterior. Mas não tinha. Compreendi que, infelizmente, seria
melhor me livrar pelo menos dos comprimidos. E depressa. A essa altura, o Dr.
Billings provavelmente já se perguntava o que eu estaria fazendo, e eu não
queria que ele pensasse mal de mim. Pelo menos, ainda não. Quer dizer, mais
cedo ou mais tarde ele inevitavelmente pensaria, todas as pessoas numa posição
de autoridade sempre pensavam, mas ainda era cedo demais, até mesmo para
mim...
Uma voz interior me interrompeu, apressando-me a dar o fora e a
eliminar quaisquer vestígios que pudessem me incriminar. Não acredito que isso
esteja acontecendo comigo, pensei, enquanto, com as mãos suadas, arrancava o
rótulo do vidro. Sentia-me como uma criminosa.
Joguei o rótulo no vaso e, em seguida, com uma curta porém intensa
pontada de desespero pela perda, despejei a pequena torrente de
comprimidinhos brancos em seu interior.
Tive que virar a cabeça quando dei a descarga.
Assim que desceram, senti-me nua e exposta, mas não podia me dar
ao luxo de degustar meu sofrimento. Tinha preocupações maiores. O que iria
fazer com o vidro marrom vazio? Não podia deixá-lo ali, pois alguém fatalmente o
encontraria e provavelmente descobririam que era meu. Não havia nenhuma
janela que eu pudesse abrir, para jogá-lo fora. O melhor seria ficar com ele,
pensei, e torcer para que surgisse uma chance de me livrar dele mais tarde.
Minha bol...! Ah, não, eu me esquecia toda hora. O melhor era levá-lo comigo e
torcer — ha, ha, ha — para que não me submetessem a uma revista íntima.
Meu sangue gelou. Eles podiam me submeter a uma revista íntima.
Bastava ver como estavam sendo minuciosos com minha mala e minha bolsa.
Bem, eu me recusaria a permitir que me submetessem a uma revista
íntima, pensei. Como se atreviam?! Até lá, em que parte de meu corpo eu o
esconderia? Deixara meu casaco na recepção e minhas roupas não tinham
bolsos. Mal podendo acreditar no que fazia, levantei meu suéter e o enfiei dentro
do sutiã, entre os seios. Mas foi um suplício, porque meu peito estava todo
coberto de hematomas, de modo que fui obrigada a tirá-lo. Tentei acomodá-lo
numa das taças do sutiã, depois na outra, mas dava para ver claramente o
contorno do vidro marcando meu suéter colante de angorá ("meu", aqui, é uma
figura de sintaxe, obviamente. O suéter, na verdade, era de Anna), a despeito da
taça escolhida, de modo que tornei a retirá-lo.
Não havia mais nenhum esconderijo para ele, nenhum outro lugar
para onde pudesse ir. Enfiei-o, pois, na calcinha. O vidro era frio contra a pele e
me senti extremamente idiota, mas, ao dar dois passos, constatei que estava
seguro. Sucesso!
Senti-me ótima, até ter uma rápida imagem mental de mim mesma,
quando então algo pareceu errado.
Como eu fora terminar assim? Estava vivendo em Nova York e era
jovem, independente, sofisticada e bem-sucedida, não era? E não uma mulher
de vinte e sete anos, desempregada, tida na conta de toxicômana, num centro de
reabilitação no cafundó-do-judas com um vidro vazio de Valium enfiado na
calcinha?
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