Gostei de conversar com os Homens-de-Verdade. Estava tão difícil
encontrar homens que demonstrassem algum interesse por mim em Nova York,
que foi uma massagem no ego ser o centro das atenções masculinas. Mesmo que
eu não topasse dormir com nenhum deles nem num beliche de dez andares, eu
no térreo e ele na cobertura. Brigit e eu ficamos tão populares que Melinda se
retirou, emburrada, rebolando sua bundinha de seis anos de idade. Puta de
sorte! Um segundo depois, Tamara saiu com indignação teatral, pisando tão
duro que parecia que suas pernas iam quebrar.
— Que rabanada — comentei. — E ainda nem chegou o Natal.
Os Homens-de-Verdade se esgoelaram de rir. Como já disse, eu não
acreditava que nenhum deles fosse Einstein.
— Acho que Tamara está grávida — prossegui.
Todos gritaram "Como é que é?". O que era bastante razoável, já que
pelo menos três dos rapazes presentes eram responsáveis pelo lazer horizontal
de Tamara.
— É que há pouco ela disse: "Tamara que seja rebate falso, por que às
vezes eu esqueço de tamar a pílula."
Luke, Shake, Joey e Johnno quase tiveram que ser hospitalizados de
tanto rir. Gaz fez um ar perplexo e se lamuriou: "Que é que ela quis dizer com
isso?", até que Luke, dobrando-se de rir, levou-o para um canto e explicou-lhe o
trocadilho.
Mais tarde, chegou a hora de nos despedirmos dos meninos. Tinha
sido um interlúdio agradável, mas Brigit e eu estávamos numa missão. Havia
deuses em demasia naquele aposento para desperdiçarmos nosso tempo com
um bando de idiotas cabeludos, por mais simpáticos que fossem.
Mas, quando eu já estava prestes a levantar âncora, Luke comentou
comigo:
— Quando eu tinha nove anos, não teria coragem de me fantasiar de
Johnny Rotten. É mais provável que tivesse me fantasiado de Madre Teresa de
Calcutá.
— Por quê? — perguntei, educada.
— Porque na época eu era coroinha e queria ser padre.
Essas palavras reacenderam em mim uma lembrança de juventude.
— É engraçado, porque, quando eu tinha nove anos, queria ser freira —
disparei, sem conseguir me conter.
Na mesma hora me arrependi por ter dito isso. Afinal, não era algo de
que me orgulhasse, pelo contrário, era uma coisa que mantivera guardada a sete
chaves, desejando que jamais tivesse acontecido.
— É mesmo? — Luke abriu um sorriso largo e divertido. — Não é um
barato? Eu achava que era o único.
Sua atitude relaxada, como se não fosse uma coisa de que alguém
devesse se envergonhar, me acalmou.
— Eu também — admiti.
Ele sorriu novamente, trazendo-me para o interior de um pequeno
círculo íntimo de afinidades. Senti uma florzinha de interesse querendo
desabrochar dentro de mim, mas decidi que ainda não era hora de permitir que
isso acontecesse.
— Até que ponto você chegou? — perguntou ele? — Porque não acho
que possa ter sido pior do que eu. Você acredita que eu lamentava de coração o
fato de o catolicismo não ser mais uma religião proibida, porque teria adorado
ser mártir? Chegava a fantasiar que me mergulhavam em azeite fervendo.
— E eu fazia desenhos de mim mesma coberta de flechas — admiti, por
um lado surpresa com a excentricidade de meu comportamento, e por outro
relembrando o quanto parecera autêntico e importante na ocasião.
— Não só isso — disse Luke, os olhos brilhando com a lembrança —,
como eu também curtia a mortificação da carne, amarrava uns negócios em mim
bem apertados, o escambau. Tipo sadomasoquismo juvenil, sabe? — Alteou uma
sobrancelha buscando minha conivência, e sorri, para encorajá-lo. — Só que não
consegui encontrar nenhuma corda na garagem, de modo que tive que roubar o
cinto do vestido da minha mãe e amarrá-lo em volta da cintura. Tive dois dias de
agonia purificadora, da boa, até que meu irmão descobriu e me acusou de ser
um travesti.
Senti-me aproximar de Luke, curiosa para saber como os outros
lidavam com o deboche dos irmãos mais velhos.
— É mesmo? — perguntei, intrigada. — E depois?
— Acho que eu devia ter feito o que era certo — disse ele, pensativo.
— O quê? Rezar por ele?
— Não! Baixar o cacete no filho-da-puta.
Soltei uma gargalhada, surpresa.
— Mas, em vez disso, banquei o santo e ofertei a outra face, dizendo
que faria uma novena em intenção dele. As alegrias de uma infância católica.
Eu ria sem parar.
— Eu era uma perfeito idiota, não era, Rachel? — Ele me encorajou a
concordar, com um sorriso encantador, irresistível.
Gostei da maneira como ele disse meu nome. E decidi esperar um
pouco mais antes de circular pelo aposento.
Encaminhei-me discretamente para um canto, com Luke de frente para
mim. Desse modo, ninguém importante poderia me ver.
— Por que você acha que a gente era assim? — perguntei, com certo
constrangimento. — Por que queria uma coisa tão estranha? Seria a puberdade
incipiente? Os hormônios entrando em curto-circuito?
— Pode ser — ele concordou, enquanto eu perscrutava seu rosto em
busca de respostas. — Embora talvez fôssemos um pouco jovens demais. Acho
que, no meu caso, teve a ver com o fato de que eu havia acabado de me mudar
para uma casa nova e não tinha amigos.
— No meu, também.
— Você tinha acabado de se mudar para uma casa nova?
— Não.
Encaramo-nos durante alguns segundos, perplexos. Ele não sabia se
devia sentir pena de mim, rir ou me dar conselhos. Então, felizmente, ambos
rimos, os olhos fixos um no outro, unidos pelo riso, no interior de seu círculo.
Durante as duas horas seguintes, Luke quase me matou de rir.
Contou-me sobre um restaurante na Rua Canal onde comeu um curry tão
picante que jurou ter ficado cego durante três dias. O assunto comida trouxe
consigo a revelação de que, como eu, Luke era vegetariano. Isso descortinou todo
um novo universo de experiências em comum, e conversamos longamente sobre
a discriminação sofrida pelos vegetarianos e a maneira como não eram levados a
sério. Entusiasmados, contamos grandes histórias sobre as Ocasiões em que o
Vegetariano Quase É Obrigado a Comer Carne.
Luke tirou o primeiro lugar, com um caso passado numa pensão no
condado de Kerry, onde pediu um café da manhã vegetariano e recebeu
praticamente um leitão inteiro, lindamente disposto no prato, só faltando sorrir
para ele.
— E aí? — perguntei, divertida.
— Eu disse a Sra. 0'Loughlin: "Mulher da casa, eu não falei que era
vegetariano?"
— E ela? — perguntei, me esbaldando.
— “Falou, filho, falou. Qual é o problema?"
— E você? — Eu de bom grado dava as deixas para Luke.
— “As fatias de toucinho, minha senhora, esse é que é o problema."
— E ela?
— Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas e disse: "Mas não tá certo,
um menino crescendo como você, só comer uns cogumelos e quatro ou cinco
ovos. Que mal pode fazer uma fatia de toucinho ou duas?"
Atiramos as cabeças para trás e os olhos para cima, soltando
exclamações de zombaria e reprovação, divertindo-nos horrores.
Reclamamos durante algum tempo da maneira como as pessoas
consomem proteínas em excesso, e como o broto de alfafa é um alimento muito
injustiçado, quando, na realidade, constitui uma excelente fonte de tudo.
— Do que mais a gente precisa? — perguntei, com ar filosófico. — Só de
brotos de alfafa?
— Exatamente — concordou Luke. — Um homem adulto pode
sobreviver com um punhado de brotos de alfafa de dois em dois meses.
—Servem até como combustível para automóveis — observei.
— E, não apenas isso — aventurei-me ainda mais longe —, como os
brotos de alfafa dão à pessoa uma visão de raios X, uma força sobre-humana e...
— Um pêlo e um rabo lustrosos — sugeriu Luke.
— Isso mesmo.
—ÉE o segredo do universo.
— Exatamente. — Sorri. Achava que ele era o máximo, eu era o
máximo, brotos de alfafa eram o máximo. — É uma pena que tenham um gosto
tão horrível — acrescentei.
— Não é mesmo? — ele assentiu com a cabeça.
Eu me esforçava ao máximo para retribuir cada caso engraçado de
Luke com outro. Ele tinha uma maneira de se expressar maravilhosa e um
repertório fantástico de sotaques, que lhe permitia ora ser um bandido
mexicano, ora um presidente russo, ora um guarda obeso de Kerry prendendo
alguém.
Ele era como uma imagem em cores vibrantes num mundo em preto-ebranco.
Eu também estava num de meus melhores dias como contadora de
casos, porque me sentia totalmente relaxada. Não apenas por causa das doses
cavalares de bebida que havia ingerido, mas porque não me sentia atraída por
Luke.
Da mesma maneira como nunca me senti nervosa na presença de um
gay, não importa quão extravagante fosse sua beleza, eu simplesmente não
podia considerar seriamente Luke ou qualquer um de seus amigos como um
namorado em potencial. Por mais que tentasse, simplesmente não podia me
forçar a enrubescer ou ficar muda feito uma debilóide ou puxar a carteira da
bolsa apenas para descobrir que era um absorvente dobrado ou passar a mão
pelos cabelos e prender uma unha postiça ou tentar pagar uma rodada de
bebidas com um cartão telefônico ou qualquer uma das coisas que
invariavelmente fazia quando me sentia atraída por um homem.
A pessoa desfruta uma tremenda sensação de liberdade quando não se
sente atraída por alguém, porque não tem que fazer com que o outro se sinta
atraído por ela.
Com Luke, eu podia ser eu mesma.
O que quer que isso fosse.
Não que ele fosse feio. Tinha cabelos escuros e bonitos; bem, seriam
bonitos se ele lhes desse um corte decente. E tinha olhos vivos e um rosto
animado e expressivo.
Contei-lhe tudo sobre minha família, pois, por algum motivo, as
pessoas a achavam engraçada. Contei-lhe sobre meu pobre pai, o único homem
entre seis mulheres. E de como ele quisera se mudar para um hotel, quando a
menopausa de minha mãe chegou no mesmo dia em que a puberdade de Claire.
De como comprara um gato para equilibrar o número de
representantes dos dois sexos, apenas para descobrir que o gato não era macho.
E de como sentara-se no degrau mais baixo da escada, chorando: "Até a joça do
gato é mulher."
Luke riu tanto que achei que ele merecia conhecer a história da
excursão escolar a Paris de que participei aos quinze anos. De como o ônibus
ficou preso num engarrafamento no Pigalle, e as freiras que tomavam conta de
nós quase tiveram um ataque apoplético ao se verem diante de letreiros de néon
anunciando boates de nudismo.
— Você conhece o tipo de coisa — disse eu a Luke. — "Garotas, garotas
e mais garotas, do jeito que o diabo gosta!"
— Já ouvi falar que essas coisas existem, sim — disse ele, os olhos
arregalados em sinal de falsa inocência. — Embora, é claro, nunca as tenha
visto.
— É claro.
— E o que as boas irmãs fizeram?
— Primeiro saíram pelo ônibus fechando as cortinas.
— Está brincando! — Luke parecia assombrado.
— E depois... — disse eu, lentamente. — Você não vai acreditar no que
aconteceu depois.
— O que foi?
— Irmã Canice se postou no corredor e anunciou, agitadíssima:
"Muito bem, meninas, os Mistérios Dolorosos; primeiro, a Agonia no
Horto. Pai nosso que estais no Cé... — Rachel Walsh, saia dessa janela! — ...que
estais no Céu..."
Luke quase se engasgou de tanto rir.
— Fizeram vocês rezarem o rosário!
— Dá para ver a cena, não dá? — perguntei, fazendo-o rir ainda mais.
— Quarenta meninas de quinze anos de idade e cinco freiras, dentro de um
ônibus preso num engarrafamento na zona de baixo meretrício de Paris, com as
cortinas fechadas, recitando as quinze dezenas do rosário.
— Esta — declarei eu, para seu rosto vermelho e brilhante de tanto rir
— é uma história verídica.
Como um ímã, Luke atraía mais e mais de mim para a superfície,
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