quarta-feira, 6 de julho de 2011

Férias!! - MARIAN KEYES Cap.5


No geral, a idéia de dormir com Luke ou qualquer um de seus amigos
era risível. Inimaginável, na realidade. Mal sabia eu...
A noite em questão chegou aproximadamente um mês depois da
Grande Farra com os homens de Mayo no Cute Hoor. Brigit e eu planejávamos
— bem — entrar de penetras, para ser honesta, numa festa no Rickshaw Rooms.
Havíamos caprichado muito na produção para ficarmos lindas, pois
esperávamos, como sempre que íamos a algum lugar, que houvesse homens
bonitos e, o que é mais importante, descompromissados por Lá.
Arranjar um namorado em Nova York era como achar uma agulha
num palheiro. Não se conseguia um nem por amor, nem por dinheiro.
(Naturalmente, eu estava disposta a oferecer os dois.) Relatos de uma amiga que
vivia na Austrália e de outra que vivia em Dublin indicavam que o movimento
andava fraco, em toda parte, mas Nova York batia o recorde. Não apenas havia
um bilhão de mulheres para cada homem heterossexual, como cada uma delas
era de uma beleza homicida. Estou falando de mulheres deslumbrantes. E a
explicação para essa beleza incrível era do tipo "Ah, a mãe dela é meio sueca e
meio aborígine australiano, e o pai é meio birmanês, um quarto esquimó e um
quarto italiano."
Sendo eu e Brigit cem por cento irlandesas, como podíamos competir?
Em geral, considerávamos nossa aparência um caso perdido. Principalmente
porque éramos ambas altas e tínhamos a ossatura larga. A única coisa que
tínhamos a nosso favor eram nossos cabelos — o meu, comprido e escuro, o dela
comprido e louro. Alguns fios do dela até eram naturais.
No entanto, o que realmente tínhamos a nosso favor era o fato de que a
maioria das nova-iorquinas era completamente neurótica. E nós não éramos.
Éramos apenas levemente neuróticas. (Um medo patológico de cabras e
uma obsessão por batatas cozidas, fritas, assadas, sautées, enfim, contanto que
não fossem cruas, não eram tão graves quanto implorar para levar na cara e no
pescoço com uma garrafa quebrada durante uma relação sexual.)
Seja como for, apesar da nossa falta de diversidade étnica, na noite em
questão achamos que estávamos um verdadeiro arraso. Pelo que me lembro, as
palavras de Brigit foram: "Nada mau, para duas matutas." Concordei — e olhe
que não tínhamos uma partícula de cocaína em nossos sistemas para levantar a
auto-estima!
É claro que teríamos adorado dar uma cafungada, mas ainda faltavam
dois dias para Brigit receber seu salário e mal tínhamos dinheiro para comer.
Eu usava um lindo par de sapatos, que faziam seu passeio inaugural.
Com o número que calço, era impossível conseguir bons sapatos que coubessem
nos meus pés. Até mesmo em Nova York, onde o comércio está habituado a lidar
com clientes sui generis. Mas a estação do ano me favoreceu. Estávamos no
verão, e os sapatos eram as mules. Mules verde-limão, não muito altas. Assim,
não importava que fossem um ou dois números abaixo do meu, porque meus
dedos podiam sair pela frente e os calcanhares por trás. Excruciante para
caminhar, é claro, mas quem se importava? Beleza é dor.
Rumo ao Rickshaw Rooms! Onde estavam dando a festa de lançamento
de um novo seriado de televisão. Brigit ouvira falar a respeito no seu emprego e,
pelo que parecia, haveria um ou outro homem famoso e bonito, bebida de graça
em quantidade suficiente para afundar um encouraçado e, se Deus quisesse, um
monte de gente viciada em cocaína, disposta a dividir a parada.
Não tínhamos convites, mas conseguimos entrar porque Brigit se
ofereceu para não fazer sexo com o segurança.
Foi o que ela disse, literalmente.
— Minha amiga e eu não temos convites, mas, se você deixar a gente
entrar, não precisa dormir com nenhuma de nós duas.
E, conforme Brigit me garantira, ele nos deu a maior atenção depois
disso.
— Sabe — explicou Brigit, diante do rosto perplexo do sujeito —, no seu
ramo de trabalho, você deve ouvir centenas de mulheres lindas dizendo "Se me
deixar entrar aí, eu te deixo entrar aqui", se é que me entende. — Deu-lhe uma
piscadela que contraiu cada músculo de seu corpo, como medida de precaução,
para o caso de ele não ter entendido. — Você já deve estar cheio disso —
afirmou, categórica.
O segurança, um italiano jovem e feio, assentiu com a cabeça,
aturdido.
— Quanto a mim e à minha amiga aqui — prosseguiu Brigit —, nosso
diferencial é o fato de não sermos lindas, de modo que resolvemos tirar o maior
proveito possível disso. Podemos entrar?
— É claro — ele murmurou. Parecia desnorteado e confuso. — Mas
esperem — chamou. — Vocês vão precisar disso. — E enfiou dois convites em
nossas mãos, no momento em que já estávamos prestes a desabalar numa
correria para o elevador.
Quando subimos, fomos obrigadas a enfrentar uma segunda rodada de
seguranças, mas agora já tínhamos convites.
E marchamos porta adentro, tentando não parecer muito
deslumbradas. O lindo salão art deco! A vista espetacular! A fartura de bebidas
alcoólicas!
Segundos depois de chegarmos, aos risos, exultantes com nosso
sucesso, Brigit se deteve e me agarrou.
— Olha — sussurrou. — Os Garotos do Túnel do Tempo.
Olhei. Não restava dúvida, lá estavam eles, em meio a um mar de
cabeleiras e etiquetas vermelhas da Levi's, Gaz, Joey, Johnno, Shake e Luke.
Como de costume, seus acessórios eram duas louras com pernas tão finas que
pareciam vítimas de raquitismo.
— O que os Homens-de-Verdade estão fazendo aqui? — indaguei. De
repente, nossa vitória sobre o segurança tornou-se insignificante, desprovida de
qualquer valor. Era óbvio que estavam deixando qualquer idiota entrar.
Luke estava distribuindo as bebidas criteriosamente.
— Joey, cara, JD puro, aqui está.
— Valeu, Luke, cara.
— Johnno, cara, JD on the rocks, este é seu.
— Legal, Luke, cara.
— Gaz, cadê você, cara? Ah, sim, aqui está sua tequila com sal e limão.
— Bacana, Luke, cara.
— Melinda, gata, não tem champanhe cor-de-rosa, mas tem da comum,
e eles puseram um pouco de Ribena nela, cara legal, aquele barman.
— Valeu, Luke.
— Tamara, gata, JD puro, desculpe, gata, eles não têm aqueles guardachuvinhas.
— Valeu, Luke.
Será que estou pintando um quadro bastante claro? Sim, é isso aí, eles
se chamavam mesmo uns aos outros de "cara", chamavam mesmo as mulheres
de "gata", bebiam mesmo Jack Daniels quase sem parar e, naturalmente,
abreviavam Jack Daniels para "JD". Não vou ser injusta com os rapazes dizendo
que sempre que se encontravam trocavam um tapa na palma da mão, mas, às
vezes, eu diria que era por pouco.
— Quem está usando as calças comunitárias hoje? — perguntou Brigit,
o que acabou com os nossos cinco minutos seguintes, pois nos agarramos e
começamos a rir.
— É Luke — respondi. Devo ter falado mais alto do que pretendia, pois
Luke levantou o rosto. Encarou a nós duas, e então, sob nossos olhares
incrédulos, piscou o olho para nós. Brigit e eu nos entreolhamos por um
momento, pasmas, antes de explodirmos novamente.
— O ar de bacana dele — choraminguei, por entre as lágrimas de
hilaridade.
— Quem ele pensa que é? — Brigit ria às gargalhadas.
Nesse momento, para meu horror, Luke se separou dos outros e, com a
descontração ágil que caracterizava seu andar, caminhou em nossa direção.
— Ai, meu Deus — disse eu, aos risos —, ele está vindo para cá.
Antes mesmo que Brigit pudesse responder, Luke já estava na nossa
frente. Era todo sorrisos e simpatia, ansioso por agradar.
— Seu nome é Rachel, não é?
Fiz que sim com a cabeça, porque, se abrisse a boca, soltaria uma
gargalhada na cara dele. Vagamente me dei conta de que fui obrigada a inclinar
a cabeça para trás, a fim de poder olhar para ele. Algo comichou dentro de mim.
— E Brigit?
Brigit também balançou a cabeça, muda.
— Sou Luke — disse ele, estendendo a mão. Em silêncio, eu e Brigit a
apertamos.
— Tenho visto vocês duas à beça, por aí — disse ele. — Vocês estão
sempre rindo, é o máximo!
Analisei seu rosto à procura de qualquer vestígio de ironia, mas não
parecia ser o caso. Também, eu não tinha nenhum deles na conta de Einstein,
mesmo.
— Venham conhecer o resto do pessoal — ele convidou.
E, mesmo contra nossa vontade, porque estaríamos perdendo um
tempo precioso, quando poderíamos estar tentando fisgar algum dos bonitões
presentes, marchamos atrás dele em direção ao grupo.
E, lá chegando, tivemos que realizar o velho ritual dos irlandeses que
se encontram no estrangeiro. Esse ritual consistia, em primeiro lugar, em fingir
que uma das partes não tinha se dado conta de que a outra parte também era
irlandesa. Em seguida, as duas partes tinham que descobrir que haviam
crescido a dois minutos uma da outra, ou que freqüentaram a mesma escola, ou
que já se conheciam das férias de verão em Tramore quando tinham onze anos
de idade, ou que suas mães foram damas de honra uma da outra, ou que o
irmão mais velho de uma namorou a irmã mais velha da outra, ou que quando o
cachorro de uma se perdeu, a família da outra o encontrou e trouxe de volta, ou
que certa vez o pai de uma bateu com o carro na traseira do carro do pai da
outra e tiveram uma discussão na Rodovia Stillorgan, terminando os dois no
tribunal por perturbar a ordem pública, ou coisa que o valha. O fato é que seus
caminhos já se haviam cruzado de alguma forma, quanto a isso não restava a
menor dúvida.
Dito e feito: em questão de segundos, descobrimos que Joey e Brigit
haviam se conhecido no Butlin, aquele clubeco classe média, há dezenove anos,
durante um concurso de fantasias em que tiraram o primeiro e o segundo
lugares, respectivamente. Consta que Joey, então com nove anos, fantasiou-se
de Johnny Rotten, o líder dos Sex Pistols, e caprichou tanto que até mesmo
Brigit concordou que ele merecia o primeiro lugar. (Brigit queria ir de Princesa
Leia, mas não tinha um biquíni dourado, nem cabelo comprido. Mas, para se
ater ao tema de Guerra nas Estrelas, sua mãe fez com que ela se fantasiasse de
Luke Skywalker. Ela vestia uma camisa branca do pai, calças de pijama e
empunhava uma longa varinha branca. Quando os juizes se aproximassem, teria
que murmurar "Sentem a força?" Mas eles não a ouviram da primeira vez, de
modo que ela foi obrigada a repetir a pergunta. "Sentir o quê, meu anjo? A
poça?" Até hoje, ela diz que não se recobrou do episódio. Mas, pelo menos, não
se saiu tão mal quanto seu primo Oisin, que teve que usar um balde preto na
cabeça e ficar arfando, pois sua fantasia era de Darth Vader.)
Poucos segundos depois, Gaz e eu estabelecemos um vínculo. Ele disse
que meu rosto lhe parecia familiar, e me submeteu a um interrogatório.
— Qual é o seu sobrenome? Walsh? Onde você mora? Tem alguma
irmã mais velha? Ela já esteve em Wesley? Tem cabelo comprido? Um par
enorme de... er... de olhos? Uma garota muito simpática? Qual o nome dela?
Roisin, Imelda ou coisa parecida? Claire! Isso mesmo! É, eu comi ela uma noite,
numa festa em Rathfarnham, uns dez anos atrás.
Um coro de indignação irrompeu.
— Você não tem o direito de dizer uma coisa dessas! — todos nós
exclamamos. — Que audácia, a dele.
Entreolhamo-nos, com a expressão chocada.
— Que audácia, a dele — assentíamos com a cabeça, vigorosamente. —
Que audácia, a dele.
Olhei para Shake, que retribuiu meu olhar, e ambos dissemos:
— Que audácia, a dele!
Brigit voltou-se para Joey, que voltou-se para Brigit, e ambos
exclamaram:
— Que audácia, a dele!
Horrorizados, Luke e Johnno disseram em uníssono:
— Que audácia, a dele!
Melinda olhou para Tamara, que levantou as sobrancelhas para
Melinda e disse:
— A gente precisa lembrar de comprar leite quando voltar para casa.
— Gaz, cara — disse Luke, quando o volume do coro dos descontentes
baixou um pouco —, eu vivo te dizendo, cara, você não Pode sair por aí dizendo
esse tipo de coisa sobre as moças, não é assim que um cavalheiro se comporta.
Gaz estava com um ar perplexo e aborrecido.
— Que foi que eu fiz? — indagou.
— Você está ofendendo a moça, falando dela desse jeito — explicou
Luke, com delicadeza.
— Não estou, não — defendeu-se o outro, com veemência. — Ela foi
mesmo uma grande trepada. — E, aproximando-se de mim: — Você é como a
sua irmã mais velha ?

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