A mala que eu não tinha terminado de arrumar me censurava, de seu
canto no chão, debochando de mim por pensar que tinha chegado muito perto
de ir embora.
Eu tinha achado que poderia desabalar porta afora assim que o relógio
marcasse o fim de minhas três semanas. Mas a visita de Luke e Brigit pusera
um ponto final nessa pretensão. Na noite de quarta, mal eles saíram do
Claustro, fui chamada a comparecer ao escritório do Dr. Billings.
Alto e esquisitão como sempre, ele me recebeu com um esboço de
sorriso apavorante, e pressenti que a notícia que estava prestes a me dar não era
boa.
— Depois do que ouvimos a seu respeito hoje na sessão de grupo,
espero que você não esteja pensando em ir embora sexta-feira — disse ele.
— É claro que não — me obriguei a dizer. Não daria a ele o gostinho de
me ouvir confessando que sim.
— Ótimo. — Ele mostrou os dentes. — Fico feliz por não termos tido
que impetrar um mandado para obrigá-la a ficar. Coisa que teríamos feito —
acrescentou.
Não sei por quê, mas acreditei nele.
— É para o seu próprio bem — garantiu ele
Consegui conter minha fúria fantasiando que rachava seu crânio a
machadadas.
Pelo menos, pensei, para me consolar, ao sair do escritório de Billings,
enquanto estivesse presa ali, poderia esclarecer os fatos com os outros internos.
Ficava louca imaginando o que todos não estariam pensando de mim, no rastro
das revelações de Luke e Brigit.
Era em relação a Chris que eu me sentia pior. Embora não estivesse
no meu grupo, havia muito poucos segredos no Claustro. Quando voltei
trocando as pernas para o refeitório, depois da sessão de grupo, ele correu para
mim como um bólido.
— Ouvi dizer que hoje te submeteram ao tratamento "Esta é a sua vida"
— disse, abrindo um sorriso.
Em geral eu desabrochava como uma flor ao sol quando estava com
ele, mas dessa vez tive vontade de fugir. Estava profundamente envergonhada.
Mas, quando tentei dizer a ele que tudo que ouvira a meu respeito não passava
de mentiras, ele se limitou a rir, dizendo:
— Tudo bem, Rachel, eu ainda te amo.
Aquela noite, quando fui dormir, repassei mentalmente os vídeos das
duas sessões, uma vez atrás da outra. Até então eu tinha sido vítima de uma
tristeza arrasadora em relação a Luke e o fato de estar tudo acabado. Porém, ao
me lembrar das coisas terríveis, cruéis e contundentes que tanto ele quanto
Brigit haviam dito, minha mágoa se transformou em ódio. Uma fúria que crescia,
borbulhava, supurava, chispava. Não consegui dormir, pois ficava tendo
conversas imaginárias com os dois em que os achatava com comentários curtos
e grossos, cheios de sarcasmo. Por fim, mesmo morrendo de medo do mau gênio
de Chaquie, acordei-a. Tinha que conversar com alguém. Felizmente, ela estava
embotada demais para dar vazão à sua recente irritabilidade. Ficou lá sentada,
piscando como um coelho, enquanto eu gritava sobre como tinha sido
humilhada. Jurei a ela que me vingaria de Luke e Brigit, não importa quanto
tempo levasse.
— Quando Dermot veio aqui como seu OIE, como você se sentiu? —
perguntei, com olhos esbugalhados de louca.
— Fiquei com ódio — ela bocejou. — Aí Josephine me disse que eu
estava usando esse ódio para me eximir de qualquer responsabilidade sobre a
situação. Agora, por favor, posso voltar a dormir?
Eu sabia que seria interrogada por Josephine na sessão de grupo do
dia seguinte.
Já a tinha visto fazer o mesmo com Neil, John Joe, Mike, Misty,
Vincent e Chaquie. Não me trataria de maneira diferente. Muito embora eu fosse
diferente.
Como não podia deixar de ser, Josephine veio reta para cima de mim.
— Não foi muito bonito o retrato que Luke e Brigit pintaram ontem de
você e de sua vida, foi? — começou ela.
— Luke Costello não é a pessoa indicada para fazer um retrato objetivo
de mim — disse eu, em tom entediado. — Você sabe como as coisas são, quando
os romances terminam.
— Por isso mesmo foi bom que Brigit também tenha vindo — disse
Josephine, tranqüila. — Você não teve um romance com ela, teve?
— Brigit foi outra que só disse besteira. — Irritada, me preparei para
soltar aquela história sobre a ambição de Brigit e sua promoção.
— Cale a boca. — Josephine me emudeceu com seus olhos brilhantes
de raiva.
— Eu nunca disse que não usava drogas — tentei mudar de tática.
— Drogas à parte — disse ela. — Ainda assim, não foi um retrato nada
bonito.
Não tive muita certeza do que ela estava querendo dizer.
— Sua desonestidade, egoísmo, deslealdade, frivolidade e leviandade —
explicou ela.
Ah, isso.
— Sua dependência é apenas a ponta do iceberg, Rachel — disse ela. —
Estou muito mais interessada na pessoa que eles descreveram. Ou seja, uma
pessoa sem nenhum senso de lealdade, capaz de ignorar o namorado quando se
encontra na presença de pessoas que quer impressionar. Uma pessoa tão frívola
que julga os outros pela sua aparência, sem nenhuma consideração pelo fato de
serem ou não seres humanos decentes. Tão egoísta que rouba sem pensar nem
um minuto no quanto isso vai prejudicar a pessoa de quem roubou. Que deixa
seus colegas e patrões na mão de uma hora para a outra. Uma pessoa com um
conjunto de valores deformado, distorcido. Com tão pouca consciência de quem
ela é, que chega a fazer sotaques diferentes para pessoas diferentes...
E por aí ela foi. Cada vez que concluía uma frase, eu pensava que seu
discurso tinha chegado ao fim, mas não. Tentei não escutar o que ela dizia.
— Essa é você, Rachel — ela finalmente desfechou. — Você é esse ser
humano amorfo, disforme. Sem lealdade, sem integridade, sem nada.
Dei de ombros. Ignoro o motivo, mas ela não tinha conseguido me
desestabilizar. Vibrei, vitoriosa.
Josephine olhou para mim com desprezo:
—Eu sei que você está usando todas as suas forças para não
esmorecer na minha frente.
Como é que ela sabe?, me perguntei, tomada pela ansiedade.
— Mas não sou sua inimiga, Rachel — prosseguiu. — Sua verdadeira
inimiga é você mesma, e isso não vai passar por si só. Você vai sair desta sala
hoje se sentindo o máximo por não ter se aberto comigo. Mas isso não é uma
vitória, é um fracasso.
De repente, me senti muito cansada.
— Vou lhe dizer por que você é uma pessoa tão horrível, está bem? —
ela perguntou.
Como não respondi, ela tornou a perguntar:
— Está bem?
— Está. — A palavra foi arrancada de mim.
— Você tem uma auto-estima catastroficamente baixa — disse ela. —
Na sua escala de valores, você é um zero. E não gosta de se sentir insignificante,
quem é que gosta? Por esse motivo, procura o aval de gente que admira, como
essa tal de Helenka de quem Brigit nos falou.
Fiz que sim com a cabeça, sem forças. Afinal, Helenka era uma pessoa
de valor, quanto a isso eu concordava.
— Mas é muito incômodo — ela continuou a me espicaçar — não levar
nenhuma fé em si mesmo. Você apenas fica à deriva, esperando que outra
pessoa lhe sirva de âncora.
Tudo que você disser.
— E esse era o motivo pelo qual você não conseguia confiar na sua
decisão de ficar com Luke — disse ela. — Dividida entre a vontade de ficar com
ele e a sensação de que não devia, porque a única Pessoa a lhe dizer que ele era
uma boa pessoa era você mesma. Mas você não acreditava em si própria. Que
maneira mais exaustiva de se viver a vida!
Tinha mesmo sido exaustiva, compreendi, entre um lampejo e outro da
memória. Tinha havido ocasiões em que me sentira como se fosse enlouquecer,
devido aos malabarismos para conciliar a aprovação de gregos e troianos e a
companhia de Luke.
Lembrei-me de uma festa a que fora com Luke, segura graças à
certeza de que ninguém sabia que eu estaria lá. Mas, para meu horror, a
primeira pessoa que vi foi Chloè, uma das acólitas de Helenka. Tomada por um
pânico louco, girei nos calcanhares e saí do aposento, enquanto Luke ia no meu
encalço, perplexo. "Que foi, gata?", perguntou, preocupado. "Nada", murmurei.
Obriguei-me a voltar, mas passei a noite toda na corda bamba, tentando me
esconder nos cantos, sem ficar perto demais de Luke, para o caso de alguém
(Chloé) perceber que eu estava com ele, furiosa toda vez que ele passava o braço
por minha cintura ou tentava me beijar, e me sentindo arrasada com seu olhar
de mágoa quando eu o afastava de mim. Por fim, fui embora de vez, pois, do
contrário, entraria em parafuso.
— Não teria sido mil vezes melhor se você assumisse a companhia de
Luke de cabeça erguida, cheia de orgulho} — De um tranco, a voz de Josephine
me arrancou do meu pesadelo. — Olha eu aqui, moçada, gostou, gostou, não
gostou, come menos!
— Mas... ah, você não tem noção! — Eu estava muito frustrada. —
Teria que viver em Nova York para entender o quanto essas pessoas são
importantes.
— Não são importantes para mim. — Josephine abriu um largo sorriso.
— Não são importantes para Misty.
Misty sacudiu vigorosamente a cabeça. Mas também, não se podia
esperar outra coisa daquela filha-da-puta.
— Existem milhões de pessoas no mundo inteiro que passam muito
bem sem a aprovação de Helenka.
— Você se importaria de me dizer — perguntei, com desprezo —, o que
isso tem a ver com drogas?
— Muita coisa — disse ela, com um brilho nos olhos que não
pressagiava nada de bom. — Você vai ver.
Depois do almoço, Josephine partiu para cima de mim outra vez. Eu
teria dado qualquer coisa para que isso acabasse. Estava muito, muito cansada.
— Você queria saber o que sua baixa auto-estima tem a ver com o fato
de você usar drogas — disse ela. — No mínimo, se você tivesse amor-próprio,
não entupiria seu corpo de substâncias nocivas a ponto de quase adoecer.
Olhei para o teto, sem saber do que ela estava falando.
— Estou falando com você, Rachel — disse ela, ríspida, me dando um
susto. — Pense bem no quanto você estava doente quando chegou aqui. Na sua
primeira manhã na equipe de Don, quase desmaiou devido aos sintomas da
abstinência do seu querido Valium. Encontramos o vidro vazio na gaveta da sua
mesa-de-cabeceira — disse ela, me olhando nos olhos. Desviei o rosto, morta de
vergonha, com ódio por não me ter desfeito dele como devia. Mas, antes que
tivesse chance de alinhavar alguma desculpa esfarrapada — "Não era meu" ou
"Foi minha mãe que me deu, tinha água benta dentro" —, ela já tinha começado
a pontificar outra vez.
— Isso serve para todos vocês. — Correu um meneio de cabeça pelo
aposento. — Se vocês se tivessem em alta conta, não passariam fome, nem se
empanzinariam de comida, nem se intoxicariam com álcool em excesso ou, no
seu caso, Rachel, ingeriria tantas drogas a ponto de ser hospitalizada. — Suas
palavras ressoaram na sala silenciosa e, por um momento, me senti horrorizada.
— Você esteve num hospital, à beira da morte — prosseguiu ela,
implacável —, por causa das drogas que impingiu ao seu próprio organismo. Isso
por acaso lhe parece normal?
Por estranho que pareça, eu não tinha pensado muito na minha
overdose até aquele momento.
— Eu não fiquei à beira da morte — consegui dizer, em tom de
deboche.
— Ficou, sim — rebateu Josephine.
Calei-me. Durante um átimo de segundo, me olhei de fora, como se
fosse outra pessoa. E vi qual era a impressão que todas as pessoas naquela sala
tinham de mim — a mesma que eu teria, se fosse outra pessoa. Ficar à beira da
morte por ingestão excessiva de drogas pareceu uma coisa chocante e horrível.
Se tivesse acontecido, digamos, com Mike ou Misty, eu teria ficado horrorizada,
pensando em quão baixo eles tinham chegado por causa da bebida.
Mas esse olho mágico de lucidez se fechou e, com alívio, voltei a me ver
de dentro, com o conhecimento que tinha da situação.
— Foi um acidente — frisei.
— Não foi.
— Foi. Eu não tinha intenção de tomar tantas drogas.
— Você levava uma vida em que a ingestão de drogas pesadas era
rotineira. A maioria das pessoas não ingere nenhuma droga — salientou.
— Problema delas — dei de ombros. — Se preferem encarar toda a
merda que a vida joga em cima delas sem a ajuda de drogas, então são umas
pobres coitadas.
— Onde é que você foi arranjar um ponto de vista tão bitolado?
— Sei lá.
— Rachel, para chegarmos ao fundo disso tudo — Josephine sorriu —,
vamos ter que examinar a sua infância.
Revirei os olhos de modo caricato para o teto.
— É duro fazer parte de uma família onde você se sente o membro
menos talentoso, menos inteligente e menos amado, não é? — perguntou
Josephine, em voz alta.
Foi como se tivesse me dado um soco no estômago. Minha vista se
embaçou do choque e da dor. Teria protestado, se não tivesse perdido o fôlego.
— Onde sua irmã mais velha é brilhante e encantadora — disse ela,
cruel —, a irmã que regula com você em idade é uma verdadeira santa e suas
duas irmãs mais novas são mais do que medianamente bonitas. É duro viver
numa família em que todo mundo tem o seu favorito, e esse favorito nunca é
você.
— Mas... — tentei.
— É duro viver com uma mãe que não esconde o quanto se sente
decepcionada com você, uma mãe que transferiu para você o desagrado que lhe
inspira sua própria estatura — continuou ela, inexorável. — Os outros podem
até dizer que você é alta demais, mas é muito contundente quando é a sua
própria mãe quem o diz, não é, Rachel? É duro quando lhe dizem que você não é
inteligente o bastante para fazer carreira.
— Minha mãe me ama — gaguejei, gelada de medo.
— Não estou dizendo que não ame — assentiu Josephine. — Mas os
pais também são humanos, e têm medos e ambições frustradas que às vezes
projetam nos filhos. É óbvio que a coitada tem um complexo enorme por ser alta
demais, e que o passou para você. Ela é uma boa pessoa, mas nem sempre uma
boa mãe.
Tive um rompante de ódio brutal por mamãe. Aquela mocréia velha e
cruel, pensei, amargurada, me fazendo sentir uma pata-choca desengonçada a
vida inteira. Não era de admirar que todos os meus relacionamentos com o sexo
oposto fossem desastrosos. Não era de admirar — comecei a namorar a idéia —
que eu usasse tantas drogas!
— Quer dizer que posso jogar a culpa na minha mãe por ser — se eu
for, é claro — uma dependente?
— Ah, não.
Não? Bom, então do que é que você está falando?
— Rachel — disse Josephine, branda —, o papel do Claustro não é
distribuir culpas.
— Então qual é?
— Se pudermos identificar e examinar a origem da sua falta de autoestima,
poderemos enfrentá-la.
Senti um rompante de fúria contra tudo. Estava cheia, cheia, cheia
disso tudo. Estava cansada, entediada e queria ir dormir.
— Então, por que eu tenho o que você chama de baixa auto-estima e
minhas irmãs não têm? — perguntei, forçando um ar arrogante. — Somos todas
filhas dos mesmos pais. Me diz por quê, então!
— Uma pergunta complexa — respondeu Josephine, tranqüila. — A
qual, na realidade, eu já respondi para você em pelo menos uma ocasião.
— Já resp...?
— A pessoa forma sua auto-imagem inicial a partir dos pais — disse
ela, com toda a paciência. — E os seus pais — de uma maneira afetuosa —
desprezam você.
— Não diz isso.
— Algumas pessoas se magoam com as mensagens negativas que
recebem sobre si mesmas. Outras, mais fortes, não dão a mínima Para as
críticas...
Na verdade, me dei conta, o que ela dizia me soava familiar.
— ...você faz parte do grupo dos sensíveis, suas irmãs não, simples
assim.
— Filhos-da-mãe — murmurei, com ódio de todo mundo em minha
família.
— Como disse?
— Filhos-da-mãe — repeti, mais alto. — Por que me escolheram para
desprezar? Eu poderia ter tido uma vida maravilhosa, se não tivessem feito isso.
— Está certo — disse Josephine. — Você está com raiva. Mas pense,
por exemplo, em como Margaret deve se sentir, tendo lhe cabido o papel de "boa"
filha. Se algum dia ela quisesse se rebelar, fazer alguma coisa atípica,
provavelmente não se sentiria no direito. E poderia ficar profundamente
magoada com seus pais por causa disso.
— Ela é boazinha demais para se magoar com quem quer que seja —
explodi, feroz.
— Viu só? Você também cai na cilada do estereótipo! Mas e se Margaret
quisesse ficar magoada com as pessoas? Já imaginou como ela se sentiria
confusa e culpada?
— Bolas, quem se importa com ela! — exclamei.
— Estou apenas salientando que você e suas irmãs receberam papéis
inconscientes. Isso acontece nas famílias o tempo todo. Você não gosta do seu
papel — de caso perdido, de filhotinho de cachorro carente e frágil —, mas suas
irmãs provavelmente também consideram seus papéis um fardo, tanto quanto
você. O que estou tentando dizer é que você precisa parar de sentir pena de si
mesma — concluiu ela.
— Eu tenho todo o direito e mais algum de sentir pena de mim mesma
— disse eu, sentindo muita pena de mim mesmo.
— Você não pode passar a vida inteira culpando os outros pelos seus
erros — disse ela, severa. — Você é uma adulta. Assuma a responsabilidade por
si mesma e por sua felicidade. Você não está mais presa ao papel que a sua
família lhe reservou. Só porque lhe disseram que você era burra ou alta demais,
isso não quer dizer que seja.
— Fui muito prejudicada pela minha família — funguei, me sentindo
uma pobre vítima e ignorando seu eletrizante discurso. Flagrei Mike contendo o
riso. E Misty sorria abertamente, com ar de deboche.
— Qual é a graça? — interpelei-a, feroz. Nunca a teria enfrentado, se
não estivesse tão furiosa.
— Você? Prejudicada? — Ela riu.
— É isso aí — disse eu, em voz alta. — Eu. Prejudicada.
— Se o seu pai tivesse ido para a sua cama toda noite desde que você
tinha nove anos de idade e enfiado o pinto à força dentro de você, aí sim, eu diria
que você foi prejudicada — soltou ela de um jorro, com a voz esganiçada. — Se a
sua mãe tivesse te chamado de mentirosa e baixado o braço em você toda vez
que você tivesse pedido socorro a ela, aí sim, eu diria que você foi prejudicada.
Se a sua irmã mais velha tivesse saído de casa aos dezesseis anos e te deixado à
sanha do seu pai, aí sim, eu diria que você foi prejudicada! — A violenta emoção
contraíra seu rosto e a empurrara para a beira da poltrona. Suas sardas
estavam quase saltando fora do rosto e ela rosnava sem o menor pudor. De
repente, pareceu se dar conta do que estava dizendo, deteve-se abruptamente,
tornou a se sentar direito e abaixou a cabeça.
Senti minha expressão se petrificar de choque, um choque que se
refletia nos rostos de todos os presentes. Com exceção do de Josephine, que já
esperava por aquilo.
— Eu me perguntava quando você iria nos contar, Misty — disse ela,
branda.
Ninguém prestou mais atenção a mim durante o resto da sessão. Não
só Misty me havia feito passar uma grande vergonha, como me roubara a cena, e
não consegui engolir o ressentimento que me provocou por isso.
Depois da sessão, quando fui para o refeitório, Misty estava chorando
e, para minha grande inquietação, Chris estava quase sentado em seu colo.
Levantou o rosto quando entrei e logo voltou-se para ela, de maneira ostensiva,
secando suavemente suas lágrimas com os polegares. Da maneira como um dia
fizera comigo. Senti tanto ciúme, que era como se estivéssemos casados há
quatro anos e eu acabasse de apanhá-lo na cama com Misty. Ele tornou a olhar
para mim, com uma expressão inescrutável.
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