Na manhã seguinte, como sempre, debandamos pelo corredor em
direção ao Aposento do Abade. Irrompemos porta adentro, aos risos e
empurrões, na pressa de abiscoitar as boas poltronas. Para nossa surpresa, já
havia duas pessoas sentadas na sala.
Tive a sensação de que o tempo deu uma freada brusca, ao que minha
consciência se pôs a trabalhar em câmera lenta no reconhecimento daquele
homem. Não conseguia me lembrar onde o tinha visto antes, mas havia qualquer
coisa na figura dele que...
Os nanossegundos iam morrendo, enquanto eu estudava seu cabelo,
seu rosto, suas roupas. Quem era ele? Eu sabia que o conhecia.
Seria...?
Poderia ser...?
Ah, meu Deus, não podia ser...
Era...
Era.
— Oi, Luke — ouvi minha voz dizer.
Ele se levantou, mais alto e mais forte do que eu me lembrava dele.
Seus cabelos estavam despenteados, e o rosto bonito, com a barba por fazer.
Senti o impacto provocado pelo reconhecimento de sua figura tão familiar. Por
um átimo de segundo, fiquei totalmente encantada. Luke, meu Luke, tinha vindo
me buscar! Porém, quase ao mesmo tempo em que um sorriso explodiu em meu
rosto, começou lentamente a se desfazer. Estava tudo errado. Ele não estava se
comportando como o meu Luke. Sua expressão era dura como granito e ele não
tinha avançado para mim, me beijando e rodopiando abraçado comigo pela sala
afora.
No ato, revivi aquela última cena terrível, quando ele rompera comigo.
Então, sentindo um pavor que«me deixou os cabelos em pé, me lembrei do
questionário. Tinha acabado de chegar em pessoa. Como eu podia ter chegado a
achar que o evitaria?
— Rachel. — O aceno antipático com a cabeça e o fato de não me
chamar de "gata" indicavam que não viera em missão de paz.
Recuei, me sentindo rejeitada.
O instante em que me virei para a loura alta que estava de pé ao seu
lado durou aproximadamente uma hora. Eu também a conhecia. Já a vira antes,
não restava a menor dúvida. Talvez nunca tivesse chegado a falar com ela, mas
já tinha visto seu rosto.
Não era...?
Não, não podia ser...?
O que fizera eu para merecer isso...?
— Oi, Brigit — disse eu, os lábios trêmulos e dormentes.
Ela foi tão hostil quanto Luke, limitando-se a me cumprimentar com
um lacônico "Bom-dia". Estremeci.
Voltei-me para Mike e os outros, movida pela suposição idiota de que
devia apresentar todo mundo. Meus joelhos estavam bambos do choque e,
depois de apresentar Mike a John Joe e Chaquie a Misty, sentei-me, tremendo,
na pior poltrona. Quatro ou cinco molas começaram a abrir túneis na minha
bunda, mas eu mal as senti.
Luke e Brigit também se sentaram, com um ar exausto e infeliz. Dava
para sentir o cheiro do interesse aguçado de Mike e dos outros internos.
Nesse meio tempo, achei que tinha morrido e ido para o inferno. Pela
hostilidade de Luke e Brigit, eu sabia que sua visita prenunciava algo de ruim.
Isso não pode estar acontecendo, eu não parava de pensar. Isso não pode estar
acontecendo. A presença dos dois me abalara muito, mas a de Luke mais ainda
do que a de Brigit. Tínhamos sido tão íntimos, tão cúmplices um do outro. Eu
estava arrasada com a frieza que se interpunha entre nós. Sempre que
estávamos juntos, ele era generoso e apaixonado em suas demonstrações de
afeto. Agora, estava sentado diante de mim do outro lado do aposento,
irradiando com a máxima intensidade uma espécie de campo de força invisível
que me advertia a não tentar tocá-lo em hipótese alguma.
— Como vai, Rachel? — Ele finalmente tentou entabular uma conversa.
— Muito bem! — respondi, sem pensar.
— Que ótimo. — Ele assentiu, com uma expressão infeliz.
Eu não estava habituada a vê-lo infeliz. Ele sempre tinha um ar tão
animado. Havia várias coisas que eu queria desesperadamente saber. Você está
namorando outra garota? Ela é tão legal quanto eu? Você sentiu saudade de
mim? Mas estava aturdida demais para conseguir dizer qualquer coisa.
Voltei-me para Brigit. Embora estivesse maquiadíssima, sua cara
parecia lavada. Que coisa estranha.
Tudo era estranho.
A última vez que eu a tinha visto fora no nosso apartamento em Nova
York, quando eu estava de saída para o aeroporto com Margaret e Paul. Abraceia,
mas ela ficou dura feito uma tábua.
— Vou sentir saudades suas — disse eu.
— O mesmo não posso dizer eu — retorquiu ela.
Em vez de me aborrecer com isso, tinha apagado o episódio totalmente
da memória. Só agora me lembrava.
Sua filha-da-puta, pensei.
Josephine apareceu e disse algumas palavras sobre a chegada
inesperada de Luke e Brigit de Nova York.
— Nós teríamos avisado você que eles vinham, Rachel — ela sorriu —,
mas só ficamos sabendo hoje de manhã.
Mentira. Eu podia ver pela expressão dela. Sabia que eles vinham, mas
escondera isso de mim para provocar o maior impacto possível.
Sem mais delongas, Josephine fez as apresentações e confirmou aquilo
de que eu já suspeitava: Luke e Brigit tinham vindo participar como meus
Outros Importantes Envolvidos. Brigit não respondera ao questionário porque o
que desejava transmitir era tão importante, que exigia sua presença.
Meu estômago dava saltos-mortais de pavor.
— Brigit, posso avaliar o quanto você está abalada — disse Josephine.
— Por este motivo, vamos proceder com calma. — Estava parecendo que Brigit ia
ser aquela bandinha chulé que abre o show, para em seguida Luke, a estrela da
noite, subir ao palco.
Preparei-me para as acusações, literalmente suando frio de medo. Essa
era a pior coisa que poderia acontecer comigo.
Fiquei imaginando se seria assim que as pessoas se sentiam quando
eram levadas para as salas de tortura à prova de som da Santa Inquisição,
conscientes dos horrores que as esperavam, mas ainda sem poderem acreditar
que estavam realmente prestes a se concretizar. Com elas. Não com um amigo.
Não com um colega de trabalho. Não com um irmão. Não com uma filha. Mas
com elas.
— Você conhece Rachel há muito tempo? — Josephine perguntou a
Brigit.
— Desde que nós tínhamos dez anos. — Os olhos de Brigit relancearam
os meus nervosamente, logo se desviando.
— Pode nos falar sobre a dependência de Rachel?
— Vou tentar. — Ela engoliu em seco.
Seguiu-se um silêncio terrível, carregado. Talvez ela não consiga
pensar em nada para dizer, torci fervorosamente. Mas, não. Brigit falou.
— Passamos séculos tentando fazer com que ela parasse. — Ela olhava
para o colo, os cabelos escondendo o rosto. — Todo mundo tentou. Todo mundo
sabe que ela tem um problema...
Minha tensão era tamanha que eu estava quase trepidando. Não vou
escutar, repetia, como um mantra. Não vou escutar. Mas alguns fragmentos do
seu discurso condenatório chegaram até mim, a despeito de meus esforços
hercúleos para abafá-los.
— ...muito agressiva quando a gente tentava falar com ela... piorando
cada vez mais... se drogava sozinha... roubava as drogas dos outros... e antes de
ir para o trabalho... vivia doidona... perdeu o emprego... sempre mentindo, não
só sobre as drogas, mas sobretudo...
E por aí ela foi. Eu estava pasma com sua crueldade em relação a mim.
Dei uma olhada fugaz em Luke, na esperança de que estivesse encarando Brigit,
boquiaberto de espanto e indignação com suas acusações.
Mas, para meu horror, ele balançava a cabeça, concordando, - ... a
pessoa mais egoísta do mundo... muito preocupante... se ando com gente
suspeita, que usava drogas... nunca tinha um centavo... deve dinheiro a todo
mundo... desmaiou na frente do prédio... podia ter sido estuprada ou
assassinada...
E tome polca. Enquanto ouvia Brigit torcer e distorcer minha vida,
apresentando uma coisa banal e inofensiva como doentia comecei a me enfezar.
Afinal, ela não era nenhum modelo de pureza.
— ...eu tinha medo de ir para casa... torcendo para que ela não
estivesse lá... extremamente constrangida por sua causa... a qualquer hora do
dia ou da noite... sempre matando o trabalho... pedindo às pessoas para
telefonarem dizendo que ela estava doente...
Quando dei por mim, estava berrando a plenos pulmões:
— E você? Desde quando é alguma santinha? Foi só depois de ser
promovida a rainha da cocada preta, à custa de muita puxação de saco, diga-se
de passagem, que resolveu ficar careta em relação às drogas!
— Rachel, comporte-se — ordenou Josephine.
— Não me comporto, não! — urrei. — Não vou ficar aqui assistindo a
esse... arremedo de júri me condenando, quando eu é que poderia contar a você
algumas coisas que ela fez...
— Rachel — ameaçou Josephine —, cale a boca e tenha pelo menos a
educação de ouvir alguém que viajou quase cinco mil quilômetros por se
preocupar com o seu bem-estar.
Abri a boca para dizer "Se preocupar? HA!", mas então vi o rosto de
Luke. O misto de pena e nojo estampado nele descarrilhou minha fúria. Estava
tão habituada a vê-lo olhando para mim com admiração que, por um momento,
cheguei a me sentir zonza, de tão confusa. Humilhada, me calei.
Brigit pareceu abalada, mas recomeçou:
— ...paranóica em último grau... me acusando de flertar com Luke...
cada vez mais irracional... não conseguia falar com ela... não só cocaína... vidros
enormes de Valium... baseados... tequila... nunca topava fazer nada que não
tivesse a ver com drogas... parou de lavar o cabelo... ficando macérrima... dizia
que não...
Muito tempo depois, ela parou. Abaixou a cabeça com um ar tão
envergonhado, que, obviamente, tratava-se de um ardil. Provavelmente ela e
Luke tinham ensaiado a cena no avião.
— Está satisfeita, agora? — Dei um sorriso de escárnio, transbordando
de amargura e rancor.
— Não — ela gemeu e, para minha surpresa, desatou a chorar. Que
motivo tem ela para chorar? Essa prerrogativa sem dúvida é minha, não é?
—Pode contar ao grupo por que está tão abalada? — pediu-lhe
Josephine, com toda a delicadeza.
—Eu não queria fazer isso — ela soluçava. — Não quero ser
mesquinha. Ela era minha melhor amiga...
Apesar de todas as acusações que lançara contra mim, senti um súbito
nó na garganta.
— Só estou fazendo isso para ajudá-la a se curar — chorava ela. —
Reconheço que estava furiosa, com ódio dela...
Essa confissão me horrorizou. Não podia ser verdade. Brigit, com ódio
de mim? Brigit, furiosa comigo? Não podia ser. Por que se sentiria assim? Só
porque eu tinha filado um pouco da sua coca, uma vez ou outra? Ela precisava
urgentemente acordar, precisava mesmo.
— Mas não é por esse motivo que estou fazendo isso. Só quero que ela
ponha sua vida nos eixos novamente e volte a ser como era antes...
Brigit tornou a romper em lágrimas. Calado, Luke pousou a mão sobre
a dela e apertou-a com força.
Como um casal cujo filho está com meningite, corajosamente
esperando no corredor do hospital por notícias da UTI.
Que gentileza, Luke, pensei, cheia de despeito.
Eu tinha que dar asas ao meu despeito, para diminuir a dor causada
pela vista de sua mão segurando a mão de outra mulher.
Era a minha mão que ele devia estar segurando, pensei, infeliz.
Sem dúvida graças à injeção de ânimo que o aperto firme de Luke lhe
proporcionou, Brigit se recompôs e conseguiu responder às inúmeras perguntas
que Josephine estava afoita para fazer.
— Há quanto tempo você diria que o consumo de drogas de Rachel se
tornou problemático?
— Há um ano, pelo menos — respondeu Brigit, fungando e secando os
olhos com as pontas dos dedos. — É difícil dizer, porque todos nós bebíamos
bastante e usávamos drogas socialmente. Mas, por volta do verão passado, ela já
estava totalmente fora de controle.
““...vivia pedindo desculpas. O tempo todo, era a palavra mais gasta do
seu vocabulário. Além de 'mais'.
Esse acréscimo foi recebido com algumas risadas. Fiquei vermelha de
raiva.
— ...mas não mudava de comportamento, deixando claro que as
desculpas eram da boca para fora.
"...e eu detestava ser a babá dela, tendo que mantê-la na linha. Tenho
a mesma idade que ela, aliás, ela é três meses mais velha do que eu, e me sentia
como se fosse sua carcereira ou sua mãe. E ela ficava me xingando de
'desmancha-prazeres' e 'filha-da-puta baixo-astral. Coisa que eu não era.
Por um momento me distraí da ladainha de Brigit, ao ver Luke se
remexendo na poltrona, tentando encontrar uma posição confortável. Ele arriou
as costas até embaixo, ficando na horizontal, e escancarou as pernas compridas
e musculosas.
Arrastei minha atenção de volta para Brigit, era menos doloroso.
— ...a obrigação de fazer com que ela mantivesse a disciplina não
deveria recair sobre mim, não levo jeito para essas coisas. E, assim que eu a
perdoava por ter aprontado alguma, ela saía porta afora e aprontava de novo.
"...não sou uma pessoa intratável, detestava o que ela fazia comigo, a
maneira como o comportamento dela me alterava. Eu vivia ressentida. Ou
irritada. Não sou assim, em geral sou uma pessoa de trato muito fácil...
Qual não foi meu espanto ao perceber que, por um momento, me deixei
levar pela compaixão e senti pena de Brigit. Tinha brevemente esquecido que a
vilã de seu dramalhão era eu.
Então me fiz ver o que estava acontecendo. Brigit estava pura e
simplesmente tentando reescrever o passado em função de seu novo e
importante emprego. Queria se distanciar de seu passado de drogada, por medo
de que os patrões o descobrissem. O que estava acontecendo não tinha
absolutamente nada a ver comigo.
Mas quase a esganei pelo que disse em seguida.
— ...e ela era horrível com Luke. Tinha vergonha da aparência dele
porque achava que era démodé demais...
Para que ela tinha que dizer isso?, entrei em pânico. As coisas já
estavam bastante ruins entre mim e Luke, sem que ela precisasse jogar lenha na
fogueira. Olhei depressa para ele, torcendo desesperadamente para que não
tivesse ouvido. Mas tinha, é claro.
— Isso não é verdade — tentei.
— É verdade, sim — rebateu Luke, furioso. Porra.
Não tive escolha senão calar a boca e deixar que Brigit continuasse:
— ...e ela ficava forçando a barra para que eu saísse com algum dos
amigos de Luke, qualquer um dos amigos de Luke, porque tinha medo de não
conseguir enfrentar sozinha gente como Helenka. Não dava a mínima para o fato
de eu não combinar com nenhum dos amigos de Luke, estava preocupada
demais consigo mesma. Simplesmente tentava bancar Deus com a vida das
pessoas ao seu redor...
"...chegava ao ponto de fazer o sotaque de Nova York quando estava
com gente que queria impressionar, usando as expressões de lá...
Eu não estava mais prestando atenção. A raiva de Luke me deixara
abalada demais. Ele costumava ser uma pessoa tão encantadora —
principalmente comigo. Era tudo tão estranho, tão louco — ele era a cara de
Luke Costello, o homem que fora meu amante e melhor amigo durante seis
meses, mas agia como se fosse um estranho. Ou pior, um inimigo.
— Vamos analisar outro aspecto de Rachel — Josephine interrompeu
meus pensamentos. Queria discutir minha vida profissional. Tive o ímpeto
desesperado de berrar: "Quer saber qual é a cor da minha calcinha?"
— Rachel é inteligentíssima — disse Josephine a Brigit. — Por que você
acha que ela não tinha um emprego que aproveitasse sua capacidade?
— Talvez porque seja difícil permanecer num bom emprego, quando a
principal ocupação da pessoa é se drogar — disse Brigit. — Além disso, ela se
acha burra.
— Você tem um bom emprego, não tem? — perguntou Josephine.
— Er, tenho — admitiu Brigit, sobressaltada.
— E é formada, não é?
— Sou.
— Em administração de empresas?
— Hum, é.
— Você viajou para Londres, Edimburgo, Praga e Nova York fazendo
estágio para obter seu diploma e Rachel não fez outra coisa senão seguir você,
não é mesmo?
— Eu não diria que ela me seguiu — disse Brigit. — Mas, como eu ia
mesmo para esses lugares e ela já estava cheia de Dublin, resolveu vir comigo.
— E durante esse tempo todo você progrediu na sua carreira e Rachel
não chegou a parte alguma?
— Acho que sim — admitiu Brigit.
Senti-me imprestável como um cachorrinho de madame.
— E agradável viver em companhia de alguém que não faz tanto
sucesso quanto nós — refletiu Josephine, como se estivesse apenas pensando
em voz alta. — O contraste é muito alentador.
— Eu... mas... — Brigit ficou confusa e tentou dizer alguma coisa, mas
Josephine já tinha mudado de assunto.
A sessão finalmente se arrastou para o seu final. Josephine disse que
depois do almoço seria a vez de Luke, e acompanhou Luke e Brigit até o
refeitório dos funcionários. O fato de eles irem para o aposento destinado às
"pessoas normais" me humilhou mais ainda. Fiquei profundamente magoada por
me marginalizarem, por me tratarem como se fosse uma desequilibrada mental.
Quando eles saíam da sala, notei que Luke pousou a mão nas . costas
de Brigit, num gesto protetor. É verdade que eu estava louca para vê-la pelas
costas, mas não daquele jeito, pensei, o azedume mantendo o sofrimento a
distância.
Assim que desapareceram de vista, senti um abatimento terrível. Para
onde fora Luke? Onde eu podia encontrá-lo? Queria que ele passasse os braços
por meu corpo e me puxasse contra o peito. Queria ser consolada, como era no
passado.
Tive uma fantasia louca em que irrompia no aposento dos funcionários
e conseguia me encontrar com ele. Se conversássemos calmamente, ele sem
dúvida chegaria à conclusão de que ainda gostava de mim, não é mesmo? Tinha
gostado tanto de mim um dia, que era inconcebível que esse sentimento
estivesse morto. E, assim que nos entendêssemos, toda essa loucura terminaria.
Por um momento, o plano pareceu perfeitamente viável. Por um breve
instante, vislumbrei um futuro de redenção. Então, caí em mim. Não era viável
em absoluto.
Os internos me cercaram em peso, oferecendo-me sua simpatia e
compaixão.
— Olhem — eu estava louca para me defender —, vocês precisam
entender que o que Brigit disse não tem absolutamente nada a ver comigo. Ela
exagerou tudo ao máximo porque está com um emprego novo, entendem? Os
patrões dela ficariam umas feras se descobrissem que ela se droga. E vocês
precisam ver a quantidade de drogas que ela usa. Foi ela quem me ensinou tudo
que sei. — Soltei um riso forçado, e esperei que Mike e os outros me
acompanhassem. Mas não acompanharam, limitando-se a me consolar com
tapinhas carinhosos e murmúrios tranqüilizadores.
Não consegui comer nada no almoço. Rezei como nunca tinha rezado
antes na vida. Fiz todos os tipos de negociação desesperada com Deus. Uma vida
de missionária se alguma calamidade terrível se abatesse sobre Luke ou, o que
seria infinitamente melhor, se Ele arranjasse de os dois se encontrarem
pessoalmente. Mas eu tinha passado a perna em Deus em alguns acordos no
passado, e talvez Ele não quisesse mais fazer negócio comigo.
Quando faltavam uns dez minutos para começar a sessão em que se
apresentaria a estrela da tarde, senti uma ânsia de vômito violenta, que chegou
a turvar minha visão. Ansiosa, desejei que fosse um presságio de minha morte
iminente.
Cambaleei até o banheiro, arrastando-me rente à parede, pois mal
conseguia enxergar o chão, devido às manchas negras que flutuavam diante de
meus olhos. Porém, assim que vomitei, me senti bem de novo. Certamente meu
prazo de validade não estava prestes a expirar. Quão amarga foi minha
decepção!
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