O verão de Nova York deu lugar ao outono, uma estação muito mais
humana. O calor assassino amainou, o ar ficou friozinho e revigorante e as
folhas nas árvores se coloriram de todos os tons de vermelho e dourado.
Continuei a ver Luke todos os fins de semana, e durante a maior parte da
semana também. Se por um lado ainda vivia com medo do escárnio de certas
pessoas, por outro estava se tornando cada vez mais difícil negar, tanto para os
outros quanto para mim mesma, que ele era meu namorado. Afinal, não estava
comigo naquele histórico dia em que comprei um novo casaco de meia-estação,
uma capa de chuva cor de chocolate, com um cinto, no estilo de Diana Rigg? Não
segurei sua mão na rua? (Embora a tenha soltado quando entramos na Donna
Karan.) E, na volta para casa, ele não insistiu em parar diante de cada loja,
apontando roupas na vitrine e declarando "Ei, Rachel, gata, aquele ali ficaria um
estouro em você"?
E eu tinha que arrastá-lo o tempo todo, dizendo, severa: "Não, Luke. E
curto demais. Até para mim."
Mas ele não parava de protestar, tentando me puxar para dentro da
loja: "Não existe nada curto demais para alguém com as suas pernas, gata."
Em outubro, Brigit conheceu outro micro-hispânico, dessa vez um
porto-riquenho chamado José, que se revelou tão escorregadio quanto Carlos.
Seu emprego incumbiu-se de reduzir o tempo livre de que ela dispunha antes.
Mas, o pouco que tinha, passava plantada em casa, esperando que Josie (como
Luke e eu o chamávamos) lhe telefonasse. Plus ça change...*
(Plus ça change, plus ça reste la même chose [Quanto mais isso muda,
mais permanece o mesmo] Dito francês).
—Por que nunca conheço alguém legal? — indagou de mim uma noite,
com lágrimas nos olhos. — Por que eu e Josie não podemos ser como você e
Luke? Quer dizer, José. Que é que há com você e Luke, que não conseguem
chamar Josie pelo nome certo? Quer dizer, José! — gritou, exasperada.
Eu estava adorando a infelicidade de Brigit. Enquanto estivesse puta
da vida com Josie, não se lembraria de ficar puta da vida comigo. Era uma troca
muito oportuna.
— Como assim, "eu e Luke"? — perguntei.
— Você sabe. — Ela agitou os braços. — Apaixonados.
— Ah, nem um pouco — protestei, encantada com a sugestão de que
Luke estava apaixonado por mim. Mas não tinha certeza se estava ou não,
apesar de ele ser muito generoso com os "Eu te amo". O problema é que dizia a
todo mundo o quanto os amava, até mesmo a Benny, o vendedor de rosquinhas.
Sempre que eu fazia alguma gentileza para ele, dizia: "Valeu, gata, te amo." E
não precisava ser nenhuma gentileza fora do comum, bastava uma coisa
simples, como preparar-lhe um queijo-quente. Se houvesse outras pessoas
presentes, ele esticava o braço, me apontando, e dizia: "Eu amo essa mulher."
Para dizer a verdade, ele às vezes fazia isso até quando estávamos a sós.
Brigit observou minha expressão confusa.
— Está tentando seriamente me dizer que não está apaixonada por
Luke Costello? — indagou. — Ainda se recusando a abrir o jogo em relação a
ele?
— Eu gosto dele — me defendi. — Sinto tesão por ele. Isso não basta
para você?
Era verdade. Eu gostava mesmo dele e sentia mesmo tesão por ele.
Simplesmente não podia deixar de pensar que devia haver mais alguma coisa.
— O que você quer? Que um mensageiro celestial baixe à Terra com
uma trombeta e te diga que você se apaixonou por ele? — indagou ela, venenosa.
— Calma lá, Brigit — tornei, ansiosa. — Só porque passou da hora de
Josie telefonar para você, não precisa me humilhar por eu não sentir por Luke o
que deveria.
— Se parece um pato, anda feito um pato e faz quá-quá feito um pato,
então é provável que seja um pato — disse Brigit, sombria.
Olhei para ela, sem compreender. Por que estava chamando Josie de
pato?
— O que quero dizer — ela suspirou —, é que você gosta de Luke, sente
tesão por ele, vive comprando sutiãs novos e não consegue ficar longe dele. Toda
noite chega em casa e diz, "Hoje a gente se obrigou a tirar uma noite de folga um
do outro", mas aí, as cinco para as nove, você liga para ele, isso se ele já não
tiver ligado para você antes. Ato contínuo, enfia uma escova de dentes e uma
calcinha limpa na bolsa e desembesta para a casa dele como uma lebre que
escapou da armadilha. Não me vem com esse papo de que não está apaixonada
por ele. — Calou-se por um momento. — Aliás, você nem tem levado a sua
escova de dentes ultimamente, sua porca. Não escova mais os dentes?
— Escovo. — Corei.
— Ah-ha! — exclamou ela. — AH-HA! Está tudo muito claro. Você tem
uma escova de dentes nova, que mora na casa de Luke. Uma escova especial, do
amor.
— Pode ser. — Dei de ombros, constrangida.
— Aposto. — Brigit observava minhas reações, astuta. — Aposto que
também tem lá um desodorante novo e um pote novo de algum creme facial
maravilhoso.
Não tive coragem de negar.
— EU SABIA! — gritou ela, vitoriosa. — Bolinhas de algodão?
Removedor de maquiagem?
Fiz que não com a cabeça.
— Ainda não chegou ao ponto de tirar a maquiagem na frente dele —
ela suspirou. — Ah, o sonho juvenil do amor!
Calou-se por um momento, pensativa.
— Você já até cozinhou para ele. Ele já te levou para passar um fim de
semana no exterior, telefona para o seu trabalho todos os dias, você se
desmancha em sorrisos toda vez que abre a porta para ele e não sabe o que é ter
um pêlo nas canelas desde junho passado. Ele é tão atencioso e romântico! NÃO
me vem com esse papo de que não está apaixonada.
— Mas... — tentei protestar.
— Você é do contra — reclamou ela. — Se ele te tratasse aos pontapés
e rompesse com você, aí, sim, chegaria à conclusão de que é louca por ele.
Eu observava Brigit roendo as unhas e andando de um lado para o
outro. Tentei definir o que sentia por Luke.
Não podia negar que a maior parte do tempo que passava em sua
companhia era maravilhosa. Sentia uma atração violenta por ele. Era sensual,
viril, carinhoso, lindo. Às vezes passávamos dias inteiros na cama. Não apenas
transando, mas conversando. Eu adorava estar com ele, porque era muito
engraçado, um grande contador de casos. E me fazia sentir como se eu também
fosse. Me fazia perguntas, me pedia para contar histórias e ria de cada detalhe
engraçado.
Brigit tinha razão ao dizer que ele era atencioso e romântico. No meu
aniversário, em agosto, me levara para passar um fim de semana em Porto Rico.
(Brigit tentou embarcar como clandestina escondida dentro da minha sacola,
mas, como não coube, me implorou para que raptasse um rapaz para ela. "Só o
que peço", suplicou, "é que ele já tenha idade do ponto de vista legal para
transar.")
E Luke realmente me ligava todo dia no trabalho. Eu passara a
depender de seus telefonemas para dar uma trégua na bagunça que fazia com as
reservas dos hóspedes do Motel Barbados, e chorar minhas mágoas no seu
ouvido amigo. "Diz a esse mauricinho do Eric para tomar cuidado, gata", Luke
ameaçava diariamente. "Se ele sacanear a minha mulher, vai ter que se ver
comigo."
E era maravilhoso cambalear de volta para casa rumo aos seus braços
depois de um dia difícil, e descobrir que mandara Shake e Joey passarem a noite
fora e preparara um jantar para mim. Não importava que os pratos tivessem sido
afanados do Pizza Hut, que os guardanapos fossem de papel e do McDonald's,
que a comida fosse congelada ou comprada pronta, e que o vinho, na verdade,
fosse cerveja. Porque ele tinha providenciado todos os itens românticos
importantes — velas, preservativos e uma torta de queijo com cobertura de
chocolate só para mim.
O telefone tocou, me arrancando do devaneio inspirado pelas
lembranças de Luke. Brigit disparou pela sala e se atirou em cima do aparelho.
Era Josie.
Enquanto tagarelava com ele, no auge da animação, compreendi de
repente qual era o principal problema comigo e Luke. Não era o mais óbvio deles,
o fato de eu ter vergonha de suas roupas horríveis, e sim o fato de termos
prioridades diferentes. Ele tinha uma gama de interesses incrivelmente ampla.
Ampla demais, se você quiser mesmo saber minha opinião. Sempre me obrigava
a fazer coisas que eu não queria, como ir ao cinema ou ao teatro, enquanto
minha maior diversão era agitar nos lugares chiques da moda. Queria badalar
muito mais do que ele. É claro, ele gostava de sair e beber, mas meu método
favorito de me descontrair era cheirar cocaína. E Luke tinha verdadeira ojeriza a
drogas. Vivia brigando com Joey, porque Joey insistia em ter uma "poupança" de
coca no apartamento. Coisa que eu adorava. Era bom saber que havia uma
reserva disponível, para o caso de eu passar por algum aperto.
Brigit desligou o telefone.
— Era Josie — disse, sorrindo de orelha a orelha. — A irmã dele está
participando de uma espécie de instalação performática em TriBeCa. Preciso que
você venha.
— Quando?
— Hoje à noite.
Hesitei. Brigit interpretou mal meu silêncio.
— Eu pago — gritou —, eu pago. Mas você tem que vir. Por favor. Não
posso ir sozinha.
— Luke provavelmente gostaria de ir também — disse eu, em tom
casual. — Você sabe como ele gosta de teatro.
— Sua safada. — Brigit Leneham não era nenhuma boba. — Não era
para vocês dois tirarem uma noite de folga um do outro?
— Nós tínhamos discutido isso, sim, mas agora que surgiu esse
imprevisto... — argumentei, com toda a lógica.
— Você é patética — declarou ela. — Não consegue passar uma noite
longe dele.
— Não é nada disso — disse eu, minha voz calma ocultando o prazer
que sentia a idéia de vê-lo. Até então, não estava sabendo como iria sobreviver
até a noite seguinte. — Ele lamentaria muito perder uma peça, ainda mais
conhecendo o irmão de alguém que faz parte do elenco.
O telefone tocou e Brigit caiu de boca em cima dele.
— Alô — disse, ávida. — Ah, é você. Que é que você quer? Tá, me diz o
que é, que eu dou o recado.
Voltando-se para mim:
— É Luke. Ele manda dizer que não pode viver sem você e quer saber
se pode vir aqui.
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