Arrastamo-nos para o refeitório, esgotados pelas emoções da sessão.
Todas as tardes, depois da terapia em grupo, dois dos internos mais antigos iam
até a loja de doces da cidade e traziam montanhas de cigarros e chocolates. A
hora de fazer a lista das encomendas era bastante animada.
— Quero chocolate, e como quero — disse Eddie a Frederick, que
anotava as encomendas numa folha de bloco A4. Frederick tinha o nariz mais
imenso e vermelho que eu já vira na vida. — Diz aí o nome de alguma coisa
gostosa.
— Turkish Delight — ele sugeriu.
— Não, pequeno demais, uma mordida e já era.
— Aero?
— Não, não vou gastar meu rico dinheirinho prá comer buracos.
Essa resposta foi saudada por um coro de "Ah, seu babaca pão-duro",
formado por Mike, Stalin e Peter, que discutiam acaloradamente as vantagens
das Mars Bars com sorvete sobre as Mars Bars comuns. ("As com sorvete são
três vezes mais caras." "Mas são mil vezes melhores." "Três vezes melhores?"
"Bom, isso eu não sei.")
— Curly Wurly? — sugeriu Chris.
— Já não disse que não vou gastar meu rico dinheirinho prá comer
buracos?
— E o chocolate se desmilingüe todo — acrescentou Clarence.
— Double-Decker? — arriscou Nancy, a dona-de-casa cinqüentona
viciada em tranqüilizantes. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz. A conversa
sobre chocolates conseguira penetrar naquele mundo nebuloso que ela parecia
habitar.
— Não.
—Fry's Chocolate Creme? — sugeriu Sadie, a sádica, que por acaso
estava presente.
— Não.
— Toffee Crisp? — Sugestão de Barry, o Bebê.
— Não.
— Mas são maravilh...
— Minstrels! — sugeriu Mike.
— Qual é mesmo o slogan? Uma avelã em cada mordida? — De
Vincent.
— Walnut WHIP? — gritou Don. - "Desfrute o SONHO de um Walnut
WHIP?"
— Milky Way? — Peter.
— Bounty? — Stalin.
— Caramel? — Misty.
— Revellers. — Fergus, a vítima do LSD.
— Revels — corrigiu-o Clarence.
— Vai à merda. — Fergus ficou irritado.
— Um Picnic — disse Chaquie.
— Uma Lion Bar? — Eamonn.
— Acho que os Picnics e as Lions Bars são a mesma coisa — disse
Chaquie.
— Não são, não — insistiu o balofo Eamonn. — São totalmente
diferentes. A Lion Bar tem amendoins dentro, o Picnic tem passas.
Superficialmente são a mesma coisa, porque tanto um quanto o outro têm
recheio de biscoito.
— Está certo — cedeu Chaquie.
Eamonn sorriu.
— Se há alguém que saiba a diferença, esse alguém é você —
acrescentou ela.
Eamonn atirou a cabeça para trás, altivo, com as mandíbulas
tremendo como uma tigela de gelatina. Continuaram a chover sugestões.
— Um Fuse?
— Um Galaxy?
— Um Marathon?
— Peraí! — berrou Eddie. — Peraí, volta a fita novamente, um o quê?
—Um Fuse? — repetiu Eamonn.
— Isso — declarou Eddie, com o rosto mais vermelho do que nunca. —
O Fuse. É algum lançamento?
Todos olharam para Eamonn.
— Não exatamente — disse ele, pensativo. — Foi lançado no mercado
irlandês há mais de um ano, e tem vendido sistematicamente bem, atraindo os
consumidores que querem um chocolate relativamente descomplicado, mas não
no formato tradicional de oito quadradinhos. É uma mistura interessante —
uma fusão, se preferirem — de passas, flocos crocantes de cereal, pedaços de
caramelo e, é claro... — correu um sorriso vitorioso pela mesa — ...chocolate.
O pessoal só faltou aplaudir de pé.
— Ele é fantástico, não é? — cochichou Don. — Realmente entende do
riscado.
— O.k. — disse Eddie, convencido. — Vou querer sete.
— Eu também — gritou Mike.
— Anota aí, cinco prá mim — berrou Stalin.
— Prá mim também.
— Seis.
— Oito.
— Três — disse eu, sem sentir, embora não tivesse pretendido
encomendar nada. Tal era o poder retórico de Eamonn.
Em seguida, cada um encomendou cem cigarros e alguns tablóides, e
Don e Frederick saíram para a noite fria, rumo ao povoado.
Depois do chá, quando flanávamos pelo refeitório, Davy levantou os
olhos do jornal, exclamando:
— Olha! Olha! Traz aqui um retrato do Snorter na farra. — Foi um
corre-corre de gente, todos se aglomerando ao redor de Davy para dar uma
olhada.
— Parece que ele voltou à birita — comentou Mike, triste.
— Não durou muito, né? — disse Oliver.
Todos sacudiam a cabeça, desiludidos, parecendo muito, muito
chocados.
— Pensei que ele fosse ficar bem — murmurou Barry.
— Disse que dessa vez ia se esforçar prá valer — disse Misty.
— Acho que no ramo de trabalho dele —groupies, cocaína, Jack
Daniels... — disse Fergus, melancólico. — Enfim, que é que se pode esperar?
Uma atmosfera pesada baixara sobre a mesa.
— Este é o Snorter do Killer? — perguntei, cautelosa. Killer era uma
banda heavy-metal, ou, para o meu gosto, heavy-merda, que, apesar de
ordinária, era muito popular. Provavelmente, Luke tinha todos os seus discos.
— É o próprio — disse Mike.
— Como é que vocês conhecem ele? — perguntei, como quem não quer
nada. Não queria bancar a idiota tirando conclusões precipitadas.
— Porque ele esteve AQUI! — gritou Don, seus olhos esbugalhados de
bócio quase explodindo da cabeça. — Internado aqui! Com A GENTE!
— É mesmo? — murmurei, a esperança fazendo meu coração bater um
pouquinho mais forte. — E que tal ele é?
Houve um coro de aprovação para Snorter.
— Um ótimo sujeito — afirmou Mike.
— Gente finíssima — concordou Stalin.
— Uma cabeleira fabulosa — disse Clarence.
— Umas calças tão apertadas que dava para ver quando ficava
arrepiado — disse John Joe.
— Umas calças tão apertadas que, se não se cuidar, nunca vai fazer
um filho — berrou Peter, contorcendo-se de rir.
Entretanto, a dar-se crédito aos tablóides, Snorter não tinha nenhum
problema nesse departamento, já tendo sido processado várias vezes por
mulheres que ficaram na alça de mira de suas estressadas gônadas.
— E onde foi que ele... er... ficou? —Tentei ser diplomática. Mas achava
difícil de acreditar que pudesse ter ficado em um daqueles quartos atulhados.
Snorter era habitué de hotéis cinco estrelas.
— Ele ficou com a gente, é claro — disse Mike. — Dormia na cama
entre a minha e a do jovem Christy aqui.
Ora, ora, pensei. Como então, um dos esporádicos famosos realmente
se internara no Claustro. Mas o conhecimento desse fato não me alegrou. Não
havia praticamente nada que pudesse me alegrar, vivendo como eu vivia à
sombra do questionário.
Ainda assim, os três Fuses ajudaram.
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