Tive sorte aquela noite. Fiquei com um cara chamado Daryl, que
ocupava um cargo importante numa editora. Dizia que conhecia o escritor Jay
Mclnerney e que já tinha estado em seu rancho no Texas.
— Oh. — Prendi o fôlego, impressionada. — Ele tem dois ranchos?
— Como...? — perguntou Daryl.
— É, eu sabia que ele tinha um rancho em Connecticut, mas não que
tinha um no Texas também — disse eu.
Daryl pareceu um pouco desconcertado.
Compreendi que estava falando demais.
Como não conseguíssemos entrar no meu quarto para dar uma
trepada, saímos da festa e fomos para o apartamento de Daryl. Infelizmente, as
coisas deram uma guinada para lá de esquisita, pouco depois de chegarmos.
Matamos o resto da minha coca. Mas, justo no momento em que
devíamos estar subindo na cama juntos, para descobrir qual dos dois era mais
invencível, ele se enroscou em posição fetal e começou a se balançar para a
frente e para trás, repetindo uma vez atrás da outra, com voz de bebê:
— Mama. Má. Má. Mam. Má. Mama.
Primeiro pensei que estivesse brincando, e entrei na dança, fazendo
uns "mamas" junto com ele. Até que compreendi que não era nenhuma piada, e
eu não passava de uma perfeita idiota.
Empertiguei-me, pigarreando, e tentei chamá-lo à razão, mas ele não
me via nem me ouvia.
A essa altura, o dia já amanhecera. Eu estava num loft lindo, espaçoso,
de paredes brancas na Rua 9 West, olhando um marmanjo rolar de um lado
para o outro no chão envernizado de cerejeira como uma criança pequena. E a
solidão me bateu com tamanha intensidade, que cheguei a me sentir oca.
Observava a dança das partículas de poeira na luz da manhã recém-nascida e
me sentia como se estivesse em linha direta com o centro do universo, e este
também estivesse oco, vazio, isolado. Eu continha o vazio de toda a Criação no
espaço que um dia fora ocupado por meu estômago. Quem diria que um ser
humano pode conter tamanho nada? Eu era uma Tardis emocional, contendo
desertos de uma vastidão inverossímil, feitos de abandono e vazio, semanas
inteiras de jornada por um vácuo desértico, isolado.
(Tardis: Nome da nave que viajava no tempo e no espaço, na série de
TV inglesa Doctor Who. A Tardis tinha o poder de se transformar em qualquer
coisa, para se adaptar à época visitada.)
Vazio ao meu redor. Vazio dentro de mim.
Olhei para Daryl. Tinha dormido com o polegar na boca.
Pensei em me deitar ao seu lado, mas, por algum motivo, achei que ele
não gostaria de me ver lá, quando acordasse.
Fiquei ali parada, hesitante, sem saber o que fazer. Por fim, arranquei
uma folha de minha caderneta, anotei meu número, escrevi "Me liga!" e assinei
meu nome. Fiquei preocupada, sem saber se devia pôr "Com carinho, Rachel" ou
só "Rachel". Achava "Rachel" mais seguro, mas menos afetuoso. No fim da
página, escrevi: "A garota da festa", para o caso de ele não se lembrar de mim.
Cogitei até de fazer um desenho de mim mesma, mas me contive. Então fiquei
em dúvida se o ponto-de-exclamação ao fim de "Me liga!" não seria prepotente
demais. Talvez eu devesse ter escrito "Me dá uma ligada...?".
Sabia que estava sendo boba. Mas, quando os dias se passassem e ele
não me ligasse, como fatalmente aconteceria, eu ficaria me atormentando com o
que fizera ou deixara de fazer. (Talvez o bilhete tenha sido frio demais — talvez
ele ache que no fundo eu não quero que me ligue. Ele pode estar em casa neste
exato momento, louco para me ligar, mas acha que não quero que ele ligue. Ou
talvez eu tenha sido agressiva demais — ele pode ter percebido como estou
desesperada. Eu devia ter bancado a difícil, escrevendo "Não me liga" etc. etc.)
Coloquei o bilhete embaixo de sua mão e fui dar uma olhada na geladeira.
Gostava de espiar as geladeiras das pessoas chiques. Não havia nada ali, a não
ser uma fatia de pizza e um pedaço de queijo brie. Pus o queijo na bolsa e fui
para casa.
Tentei me obrigar a voltar a pé, na manhã ensolarada, para a Avenida
A, pois acreditava que fazer exercício era um ótimo jeito de se voltar ao normal.
Mas não consegui. As ruas tinham um ar ameaçador, intimidante.
Terra de ficção científica. Sentia que as poucas pessoas que estavam na rua
àquela hora — seis da manhã de domingo — viravam-se à minha passagem.
Tinha a sensação de que cada olho em Nova York estava colado em mim, com
ódio de mim, desejando meu mal.
Quando dei por mim, estava caminhando cada vez mais depressa,
quase correndo.
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