Depois que tudo terminou, cambaleei em direção ao corredor, à
procura do banheiro. Estava totalmente desorientada, quando a primeira pessoa
com quem dei de cara foi Brigit.
— Mas... — murmurei — ...não estamos em casa, estamos?
— Não — disse ela, curta e rasteira. — Estamos no apartamento dos
Homens-de-Verdade.
— Mas o que você está fazen... — Subitamente, compreendi. — Qual
deles? — perguntei, alegre.
— Joey. — Ela apertava os lábios, com ar azedo.
— Que foi que aconteceu? — indaguei. Tinha vontade de dançar de
alegria, por não ser a única.
— Muita coisa — murmurou.
— Vocês transaram ou só ficaram?
— Transamos. — Após um momento, acrescentou: — Duas vezes.
Parecia arrasada.
— Eu não devia. Tenho vontade de me matar. Como pude? Depois de
ele me dar uma surra daquelas.
— Ele deu uma surra em você? — Eu mal podia acreditar no que ouvia.
— No concurso de fantasias, sua besta, não ontem à noite.
Quando eu já estava de saída, Luke pediu o número de meu telefone.
Em silêncio, arranquei uma folha de meu diário, anotei o número com todo o
capricho e, sob seu olhar atônito, amassei a folha numa bolinha e atirei-a na
cesta de lixo.
— Pronto — disse eu, com um sorriso deslumbrante. — Para poupar
você do trabalho.
Ele estava na cama, recostado na parede. Belo peito, pensei, distraída.
Para um babaca desses.
Ele parecia chocado.
— Tchau-tchau — disse eu, com outro sorriso cegante, girando nos
calcanhares de minhas mules. Senti uma dor dos diabos nos calcanhares e nas
panturrilhas.
— Espera aí — chamou ele.
Que foi, agora?, pensei. Imaginei que ele quisesse um beijo de
despedida. Pois bem, ia ficar na vontade.
— Que é? — perguntei, irritada, mal disfarçando a impaciência em
minha voz.
— Você esqueceu seus brincos.
Brigit e eu capengamos de volta para casa, imundas e com os olhos
quase fechando, ainda com nossas roupas de festa. Embora fossem apenas oito
horas da manhã, já estava quente e abafado. Demos uma parada na banca de
Benny, o Judeu Madrugador, onde sempre comprávamos café e rosquinhas a
caminho do trabalho. Fomos submetidas a um intenso interrogatório a propósito
de nosso enxovalho.
— Órra essa, olha só, olha só, o que as garróta anda fazendo? Hein?
Hein? — indagou, saindo de trás da banca para nos inspecionar. Metade da rua
olhava para nós e o trânsito estava quase paralisado, ao que Benny gesticulava
para os transeuntes.
— Eu gosta saberr — bateu no próprio peito — o que acontecerr aqui.
— Agitava os braços a esmo para indicar a mim e a Brigit, nossos cabelos
desgrenhados e nossa maquiagem escorrida numa lambança abstracionista.
— E o que eu vê? — Apontou os próprios olhos. — Vê dois bagaça, é
isso que eu vê. — Mais bracejos. — E eu que achava vocês erra boas garróta —
reclamou.
— Põe a mão na consciência, Benny — disse eu. — Não achava, não.
Apesar do sexo maravilhoso, eu não tinha a menor intenção de rever
Luke. A humanidade passaria o resto de seus dias rindo de mim. Fiz uma
autópsia do encontro com Brigit. Mas não foi uma daquelas agradáveis, em que
nos arrepiávamos de prazer com as lembranças, discutindo a transa nos seus
mínimos detalhes, às vezes recorrendo até a diagramas para descrever o pênis
do homem.
Foi mais um papo do tipo "redução de prejuízos".
— Você acha que alguém me viu beijando Luke? — perguntei.
— Um monte de gente viu vocês. Eu, por exemplo.
— Não. Alguém que... você sabe, importe.
Luke me ligou. Tinha que ligar, é claro. Os que eu queria que ligassem,
nunca ligavam. Devia ter pescado o papel amassado da cesta de lixo, depois que
fui embora.
Brigit atendeu o telefone.
— Quem está falando, por favor? — Fez a pergunta num tom de voz tão
estranho, que levantei o rosto. Ela estava gesticulando freneticamente para mim.
— É para você — anunciou, com a voz embargada.
Tapou o bocal com a mão, fez uma expressão de dor intensa, arriou as
cadeiras e entortou os joelhos para dentro, como fazem os homens quando levam
com uma bola de críquete nos ovos.
— Quem é? — perguntei. Mas já sabia.
— Luke — ela respondeu por mímica labial.
Minha cabeça girava pelo aposento, buscando uma saída.
— Diz que eu não estou — sussurrei, em tom de súplica. — Diz que
voltei a morar em Dublin.
— Não posso — ela sussurrou. — Eu riria. Desculpe.
— Sua cachorra — disse eu, entre os dentes, tomando o fone de sua
mão. — Não vou me esquecer disso.
— Alô? — disse eu.
— Rachel, gata — disse ele. Que estranho. Sua voz era muito mais
bonita do que eu me lembrava. Grossa, com um tom de riso. — É Luke. Lembra
de mim?
O "Lembra de mim" me varou como uma espada. Quantas vezes eu
perguntara o mesmo para homens que não estavam interessados em mim, mas
para os quais insistia em ligar, mesmo assim?
— Eu me lembro de você, Luke — respondi. O que já era mais do que
alguns daqueles homens haviam chegado a me dizer.
— E então, como tem passado? — perguntou ele. — Conseguiu
trabalhar na quarta? Eu passei o dia inteiro me sentindo um caco.
Ri educadamente, acalentando a idéia de desligar e fingir que o telefone
tinha quebrado de repente.
Ele me falou de sua semana, e tive certeza de que intuía minha
impaciência mal disfarçada sob o verniz artificial da cortesia.
Eu estava agindo da mesma maneira cautelosa e excessivamente
cortês empregada pelos homens que não estavam interessados em mim. Uma
profusão de "Ah, é?" e "Mesmo?". Era fascinante ver a coisa do ângulo oposto.
Finalmente, ele foi ao que interessava. Gostaria de me ver de novo. Me
levar para jantar, se eu quisesse.
Brigit passou o telefonema inteiro perto de mim, vigorosamente
tocando uma guitarra invisível. Com as pernas bem afastadas, sacudia os
cabelos feito uma alucinada, para cima e para baixo.
Enquanto eu recusava o convite de Luke, canhestra e constrangida, ela
ficou projetando o púbis na minha direção e tremelicando a língua fora da boca.
Dei as costas para ela, mas ela me seguiu.
— Hum, não, acho que não — murmurei para Luke. — Sabe, eu, bom,
não quero um namorado. — Uma mentira deslavada. Era ele que eu não queria
como namorado.
Brigit estava de joelhos, tocando freneticamente, os olhos fixos no teto
com aquela expressão de "Estou tendo um orgasmo" que esses guitarristas
sempre exibem.
Felizmente, Luke não tentou me convencer de que podíamos nos
encontrar como amigos. Os garotos que eram Erros sempre tentavam fazer isso.
Fingiam não se importar quando eu os mandava tomar no rabo e insistiam que
ficariam felizes em ser apenas meus amigos. Em geral, eu me sentia tão culpada
que acabava me encontrando com eles. E, quando dava por mim, estava bêbada
feito uma gambá e na cama com eles.
— Desculpe — pedi. Sentia-me envergonhada e nervosa, porque ele era
uma pessoa muito legal.
— Não, de modo algum — disse ele, tranqüilo. — Com certeza, a gente
se vê por aí uma hora dessas. Vamos bater um papo.
— Tudo bem — arrematei. — Tchau. — Bati com o telefone.
— Sua filha-da-puta! — gritei para Brigit, que, por então, tentava
deslizar pelo chão de azulejos da cozinha. — Espera só até Joey ligar para você.
— Ele não vai ligar — disse ela, com ar presunçoso. — Não pediu meu
telefone.
Sentei-me e vasculhei minha bolsa, procurando o vidro de Valium.
Despejei três na mão, mas pensei bem e acrescentei mais dois. Que sufoco!
Estava com ódio dele por ter me telefonado e me feito passar por tudo aquilo. Por
que minha vida era uma seqüência de fatos tão desagradáveis? Será que eu era
vítima de alguma maldição?
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