Permaneci no refeitório enquanto os restos da refeição desapareciam.
Quando não me envolvia ativamente em alguma coisa, as lembranças de Luke
me subjugavam. A dor da rejeição passava de uma sutil impressão subliminar a
um sofrimento agudo. Eu precisava de alguma distração, e já. Tinha que ser
hora da massagem, da ginástica e tudo o mais, tinha que ser! Não podia mais
continuar ali, sentada em silêncio, tomando chá, atormentada pela consciência
de que Luke me dera o fora, não podia!
A histeria, que antes me fizera sentir um bolo no estômago, resolveu
dar um nó na minha garganta. O suor comichava no couro cabeludo.
Subitamente, me vi impelida a partir para a ação. Quando dei por mim, já estava
de pé, procurando Mike. Esquecendo minha relutância anterior em parecer
íntima demais dele, marchei até sua frente e indaguei, feroz:
— E AGORA?
Consegui conter o ímpeto de agarrá-lo pela camisa e urrar, com olhos
esgazeados de louca furiosa: "E, caso esteja pensando em sugerir, não vou mais
tomar essa porra de chá!"
Ele pareceu surpreso com a agressividade de minha investida, mas
apenas por um momento. Logo sorriu, tranqüilo, dizendo:
— O que quisermos. Como não temos palestras nem encontros nas
noites de sexta, podemos fazer o que quisermos.
— O quê, por exemplo? — perguntei. Pode parecer mentira, mas minha
fúria era tamanha que eu chegava a estar com falta de ar.
— Vem, vou te levar para fazer uma excursãozinha — ofereceu-se.
Senti-me dividida entre a curiosidade e a relutância em aceitar sua
companhia. Mas ele já disparava porta afora, e eu, ainda tentando recobrar o
fôlego, fui atrás dele.
Primeira parada: Sala de Estar. Como o resto do lugar, estava sendo
reformada. Só que essa estava realmente na casca. Toda a mobília fora retirada,
com exceção de um par de sofás gastos, e o carpete estava cheio de pedaços de
reboco, que deviam ter caído do teto. As janelas estavam sendo substituídas,
mas, enquanto isso não acontecia, um vento gelado fazia-as trepidarem,
soprando por todo o aposento. Só havia uma única pessoa ali. Era para não
haver nenhuma, considerando a temperatura siberiana. Quando nos
aproximamos, vi que se tratava de Davy, o jogador solitário. Não o reconhecera
porque estava usando um casaco e um boné com protetores de orelhas. Sentado
na beira do sofá, assistia atentamente ao programa You Bet Your Life. (Programa
norte-americano de perguntas e respostas, com prêmios em dinheiro,
apresentado originalmente pelo humorista Groucho Marx. Teve uma versão mais
recente, na década de noventa, apresentada por Bill Cosby).
— Tudo — murmurava para a tela. — Vai, aposta tudo.
— Que é que estão passando, Davy? — perguntou Mike, num tom de
voz estranho, cantarolado.
Davy pulou, literalmente pulou, correndo na hora a desligar a tevê.
— Não conta para ninguém, promete? — implorou.
— Desta vez, não — disse Mike. — Mas, pelo amor de Deus, vê se toma
mais cuidado, sua besta!
Eu não tinha a menor idéia do que os dois estavam falando.
Próxima parada: Sala de Leitura.
Também estava sendo reformada. Ainda assim, havia um bom número
de internos ali. Embora fosse chamada de Sala de Leitura, estavam todos
escrevendo. O quê?, me perguntei. Cartas? Mas por que a redação de uma carta
os faria dar tapas de desespero na mesa, aos gritos de "Não consigo fazer isso"?
Sim, porque era o que todos faziam. Eu estava lá há não mais que três
segundos, e nesse espaço de tempo pelo menos cinco deles deram tapas na
mesa. Outros amassavam os papéis e atiravam as bolas na parede. O ar estava
pesado da fumaça de cigarro e do desespero. Fiquei aliviada por sair de lá.
— E agora — anunciou Mike —, a melhor parte.
Aos pulos, meu coração expulsou de vez os últimos vestígios de raiva.
O que ele estaria prestes a me mostrar? A academia? A ala das celebridades? A
piscina?
Seu quarto.
Depois de me arrastar pelas escadas, escancarou uma porta e
declarou: "Eis a pièce de resistance." Nem sequer tentou fazer sotaque francês.
Não era esse tipo de homem.
Agora que a fúria cedera, fora substituída pela vergonha e o desejo de
agradar. Era a seqüência de praxe. Portanto, embora eu não chegasse ao ponto
de achar que ele merecia uma chupada, se era esse o motivo pelo qual me levara
até lá — afinal, não me sentia tão culpada assim —, por outro lado estava mais
do que disposta a enfiar a cabeça pela porta, dar uma olhada e elogiar seu
quarto até dizer chega.
Mal pude acreditar no que vi! Era como se tivessem feito um concurso
para ver quantas camas de solteiro cabem num quarto. Estava atulhado. Lotado.
Cada cama encostava, no mínimo, em uma outra.
— Aconchegante e íntimo, não? — perguntou Mike, irônico.
Ri, achando graça do que ele dissera. Mas teria rido, mesmo que não
achasse.
— Vem, vamos voltar lá para baixo — chamou Mike, quando eu já
empregara todos os elogios que conhecia para descrever seu quarto.
— Não, me mostra o resto do lugar — protestei.
— Ah, não, está escuro e frio lá fora — argumentou ele. — Amanhã eu
mostro.
A academia, a piscina e a sauna devem ficar num edifício separado,
concluí. Assim, tornamos a nos despencar para o refeitório, onde ainda se
encontravam uns dez internos. Ainda tomando chá, ainda pondo colheradas de
açúcar em suas canecas, ainda acendendo um cigarro atrás do outro.
Adoravam o refeitório. Era como se fosse uma espécie de lar espiritual
para eles. Começando a me desanimar, finalmente admiti que esses homens
provavelmente nunca freqüentavam a academia. Provavelmente, sequer
chegavam a sair do refeitório. Não me surpreenderia se descobrisse que dormiam
ali. Era óbvio que nenhum deles dava a mínima para o próprio corpo ou
aparência.
Com exceção de Chris. Havia desaparecido, e eu era capaz de apostar
que sabia onde estava.
À medida que o tempo passava, comecei a me sentir — não havia como
negar — deprimida. As paredes amarelas começavam a me incomodar, o chá me
enervava, mesmo não sendo eu que o tomava. E as lembranças de Luke
voltaram à minha cabeça. O glamour de que eu estava dependendo para tirá-lo
da cabeça permanecia escondido, para meu tormento.
Tentei me animar perguntando a Oliver, o homem com o bigode de
Stalin, de onde ele era, só para ouvi-lo dizer que "Este seu criado foi criado e
procriado em Dublin". E, quando ele respondeu "Dublin, sou de Dublin. Este seu
criado foi criado e procriado em Dublin", isso levantou um pouco meu astral,
mas não por muito tempo.
Não era assim que eu esperava que as coisas fossem, pensei, com uma
tristeza infinita.
No momento em que me passou pela cabeça a idéia, acompanhada por
um violento tranco no estômago, de que talvez houvesse dois Claustros, e eu
estava no errado, Clarence entrou. Tinha o rosto vermelho como um tomate,
seus parcos cabelos estavam molhados e ele sorria de orelha a orelha.
— Onde você estava? — perguntou Peter, com uma gargalhada forçada
que me deu ganas de despejar uma xícara de chá fervendo em cima dele.
— Lá na sauna — respondeu Clarence.
Meu coração se encheu de alegria com essas palavras. E de alívio, devo
admitir. Agora que tinha uma prova, meus medos pareciam infundados.
Ridículos, na verdade.
— Como foi? — perguntou Mike.
— Ótimo! — disse Clarence. — Uma beleza.
— Foi sua primeira vez, não foi? — perguntou alguém.
— Foi — confirmou ele. — E foi fantástico, simplesmente fantástico. Eu
me senti muito bem depois.
— E nem poderia deixar de ser — comentou um outro. — Assim é que
se fala.
— É uma maravilha se livrar daquelas impurezas, não é? — perguntei,
ansiosa por participar.
— Nem me fale de impurezas — Clarence riu. — Preciso dizer que eu
não tinha uma só cueca limpa?
Ah, meu Deus!, recuei, enojada. Ugh! Meu estômago se embrulhou.
Para que ele fora mencionar as cuecas? Deixei de gostar dele na hora. Que pena.
Logo agora, que estava começando a ir com a sua cara.
Clarence se sentou e o tema da conversa voltou a ser o mesmo de
antes de minha chegada, fosse lá qual fosse. De repente, me senti morta de sono
e incapaz de me concentrar no que os homens diziam. Só conseguia ouvir o
murmúrio de suas vozes, se elevando e abaixando, ao sabor dos altos e baixos
da conversa. Lembrei-me de quando era pequena e ia para o chalé de vovó
Walsh, em Clare. No silêncio da noite, as visitas iam e vinham, sentando-se ao
redor da lareira, com seu fogo alimentado a turfa, tomando chá e conversando
até altas horas. Como nosso quarto dava para a sala, minha irmã e eu
adormecíamos embaladas pelos murmúrios dos homens da região, que vinham
visitar vovó. (Não, ela não era uma prostituta.)
Agora, ao que as ondas de vozes masculinas, sobretudo rurais,
quebravam sobre mim, comecei a me sentir sonolenta, exatamente como naquela
época.
Queria ir me deitar, mas o medo de chamar atenção, quando
levantasse para lhes desejar boa-noite, me paralisava. Fora um grande erro da
minha parte sentar entre eles.
Eu sempre detestara ser alta. Tanto é que, quando tinha doze anos, e
minha irmã Claire me disse, em tom de horror sádico, "Mamãe vai falar com você
sobre a Maldição", achei que ela queria dizer que mamãe ia falar comigo sobre
minha altura.
Embora, por incrível que pareça, foi só uns dois meses depois de me
fazer a preleção "Introdução às Regras" (que incluía o sub-discurso "Absorventes
íntimos são obra de Satanás"), que mamãe me puxou para um canto, para outra
conversa de mãe para filha.
E dessa vez realmente foi sobre minha altura e o fato de eu me curvar
para a frente de tal modo, que quase me dobrava em duas.
— Se endireite, vamos lá, pare de se curvar como uma árvore sobre um
poço sagrado — ordenou ela, seca. — Ombros para trás, cabeça para cima. Deus
te fez alta, não há do que se envergonhar.
É claro que ela não acreditava numa palavra do que dizia. Embora
também fosse alta, achava que a conjunção de um metro e setenta de altura com
doze anos de idade era bizarra o bastante para que eu fizesse jus à minha
própria página no Livro dos Recordes. Murmurei "Tá" e prometi que tentaria.
— Pare de andar fuçando o chão — advertiu ela. — Ande como uma
pessoa alta! — Aqui, foi vítima de algo semelhante a um frouxo de riso. — É
claro. De que outra maneira você poderia andar? — E saiu correndo do quarto,
aos risos, deixando-me apatetada, a olhar para a porta. Ela não podia estar
rindo de mim, podia? Quer dizer, minha própria mãe...?
Assim que saiu, Claire irrompeu porta adentro e me agarrou.
— Vem cá — disse, em tom de urgência. — Não ligue para uma palavra
do que ela disse.
Eu venerava Claire. Era meu ídolo. Com seus dezesseis anos, eu a
achava a quinta-essência da sofisticação. E, naturalmente, acreditava em tudo
que ela me dizia.
— Não ande como uma pessoa alta — ensinou —, nem levante a
cabeça. — Acrescentou em tom sinistro: — Não se quiser ter um namorado
algum dia.
Ora, é claro que eu queria ter um namorado. Queria um namorado
mais do que qualquer coisa no mundo, mais até do que uma minissaia
pregueada e um par de botinhas, de modo que fui toda ouvidos para o que ela
tinha a me dizer.
— Eles não vão nem chegar perto de você se for mais alta do que eles —
alertou. Assenti com a cabeça, solene. Ela era tão sabida! — Para dizer a
verdade, eles não gostam das mulheres mais altas do que eles. Faz com que se
sintam ameaçados — concluiu, sombria.
— Baixa e burra — resumiu. — É disso que eles gostam. É o tipo
favorito deles.
Assim, segui à risca o conselho de Claire. E descobri que ela tinha
razão. Para ser franca, a própria Claire devia ter tido o bom senso de pôr em
prática sua própria teoria. Eu estava convicta de que seu casamento fracassara
simplesmente porque, quando usava saltos altos, ela ficava da mesma altura de
James. Era demais para o ego dele.
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