quarta-feira, 6 de julho de 2011

Férias!! - MARIAN KEYES Cap.12


O jantar foi maravilhoso, de uma maneira totalmente asquerosa.
Serviram batatas fritas, filé de peixe, cebolas em fatias, vagens e ervilhas.
Quantidades ilimitadas, segundo Clarence.
— Pode comer o quanto quiser — avisou ele, num cochicho cúmplice.
— Basta ir à cozinha e pedir a Sadie, a sádica. Agora que ela sabe que você é
uma viciada, pode comer o quanto quiser.
Estremeci com o "você é uma viciada", mas logo minha paixão por
batatas falou mais alto e comecei a devorá-las.
— Já engordei uns seis quilos desde que vim para cá — ele
acrescentou.
Senti um aperto gelado no coração. Meu garfo cheio freou no ar como
um carro cantando pneu, já prestes a desaparecer boca adentro. Não queria
engordar nenhum quilo, os meus já estavam de bom (mau) tamanho.
Enquanto tentava me convencer de que uma refeição altamente
calórica não faria tanto mal assim e que eu começaria a controlar minha
alimentação no dia seguinte, ouvi um ruído desagradável à esquerda. Era o som
de John Joe comendo!
Era muito alto. E estava ficando cada vez mais alto. Por que ninguém
mais parecia se dar conta? Tentei me fazer de surda, mas era impossível. Meus
ouvidos haviam subitamente se tornado como aqueles microfones poderosos que
eles usam na televisão para ampliar o som da respiração das formigas.
Concentrei-me em minhas batatas fritas, mas a única coisa que
conseguia ouvir eram os sorvos, a mastigação e os bufos de rinoceronte. Meus
ombros foram se retesando cada vez mais, até quase chegarem às orelhas. O
volume das lambidas e mastigadas foi num crescendo, até finalmente ocupar
cem por cento dos meus tímpanos.
Era um nojo. Eu sentia uma fúria absurda, um ódio feroz. "Diz isso a
ele", me encorajei. "Pede para abaixar um pouco o volume da lambança." Mas
não conseguia. Em vez disso, tinha fantasias em que me virava para ele e lhe
acertava uma porretada fenomenal, pondo-me a esmurrar seu peito para
arrancar aqueles ruídos de dentro dele.
Não é de admirar que ninguém queira se casar com ele, pensei,
furibunda. Bem-feito, por nunca ter perdido a virgindade. Ele merecia isso e
muito mais. Quem é que ia dormir com um homem que promovia aquela
lambança xexelenta e ensurdecedora três vezes por dia?
O ruído de uma garfada particularmente entusiasmada alcançou meus
ouvidos. Assim já era demais! Atirei meus talheres no prato com estardalhaço.
Não daria mais nenhuma garfada nessas condições.
Para aumentar minha irritação, ninguém percebeu que eu parara de
comer. Eu esperava interesse da sua parte, "Rachel, por que não está
comendo?". Mas ninguém deu uma palavra. A começar pelo próprio John Joe,
aquele filho-da-mãe velho, burro e porco.
O que eu não conseguia compreender era por que estava tão furiosa.
Durante o dia inteiro, alternara períodos de calma e ódio feroz. Ao mesmo tempo,
tinha vontade de romper em lágrimas. Nada disso era do meu feitio. Eu era uma
pessoa tranqüila a maior parte do tempo. Deveria estar feliz, pois, afinal, quisera
vir para o Claustro. E estava feliz por estar lá. Mas talvez ficasse ainda mais feliz
quando pusesse os olhos em algumas celebridades e, quem sabe, batesse um
papinho com elas.
Depois das batatas fritas etc., veio o bolo. John Joe gostou.
Provavelmente, ouviram-no no Peru.
Enquanto eu me encurvava e retesava de desespero e tensão,
imaginando John Joe sendo torturado, o suéter marrom sentado à minha direita
se levantou e Christy apareceu em seu lugar. Enquanto eu tinha um ataque de
nervos, ele se dirigiu ao suéter marrom: "Suéter Marrom (ou seja lá qual fosse
seu nome), você já terminou? Se importa se eu me sentar aqui um pouco? Ainda
não tive oportunidade de conversar com Rachel." E sentou-se, como se fosse a
coisa mais natural do mundo. Tratei imediatamente de tirar John Joe e sua
lambança da cabeça e me forcei a abrir um sorriso radiante.
— Oi, sou Chris — apresentou-se ele.
Seus olhos, brilhantes como que pelo efeito do cloro, eram tão azuis
que parecia que a luz os fazia doerem.
— Pensei que seu nome fosse Christy — sorri para ele, tentando dar ao
comentário um tom entre saliente e íntimo.
— Não, isso é coisa do Oliver. — (Presumi que se referisse a Stalin.) —
Ele não consegue pronunciar o nome de ninguém sem acrescentar um "ey" ao
final.
Fascinada, observei sua boca linda e expressiva a me fazer as
perguntas de costume: de onde eu era, que idade tinha etc. etc. Respondi a elas
com um entusiasmo muito maior do que sentira durante as conversas idênticas
que tivera mais cedo. ("Sim, ha, ha, é uma cidade linda. Não, você encontra
quase tudo que encontra aqui. Menos manteiga Kerrygold, ha, ha, ha.")
Ele sorria muito para mim. Que coisa mais linda, a ironia dançando da
esquerda para a direita e o centro. Ele é tão descolado, pensei, admirada, muito
mais descolado do que Luke. Luke apenas se achava descolado, audacioso,
vivendo no limite. Mas não chegava aos pés de Chris. Afinal, Chris era um
toxicômano. Segura essa, Luke Costello!
E, embora eu fosse louca por homens descolados, mesmo que as
drogas estivessem incluídas no pacote, era classe média o bastante para me
sentir aliviada ao constatar que Chris era bem-falante e articulado. Pouco
depois, descobri que morava a uns dez minutos de onde eu crescera.
— Acho que Nova York deve ser um lugar fantástico — comentou. —
Tanta coisa para se fazer. Um teatro fantástico, produções alternativas
fantásticas.
Eu discordava totalmente, mas de bom grado deixei passar, para que
ele gostasse de mim.
— Fantásticas! — concordei, com falso entusiasmo. Por sorte,
Dois meses antes, visitara com Luke e Brigit uma "instalação
interativa" medonha, uma espécie de performance em cartaz numa garagem
abandonada em TríBeCa. Consistia em pintura corporal e piercings nos mamilos
ao vivo no palco. Embora com "palco" ei me refira à parte do chão sujo de graxa
onde a platéia não tinha permissão de pisar.
Nossa ida deveu-se exclusivamente ao fato de que Brigit andava às
voltas com um garoto chamado José. (Pronunciava-se Rossê, mas eu e Luke o
chamávamos de Josie para implicar com Brigit.) A irmã de Josie fazia parte da
tal performance, e Brigit achou que cairia nas suas boas graças se
comparecesse. Implorou a mim e Luke que a acompanhássemos para lhe dar
apoio imoral, chegando mesmo a se oferecer para nos pagar. Mas a coisa era tão
atroz que saímos meia hora depois, até mesmo Brigit. E fomos para o bar mais
próximo, onde enchemos a cara e ficamos inventando falsas resenhas. ("Uma
fina merda", "Emprestem as roupas para o lanterninha".)
Recusando-me a reviver o sentimento de perda deflagrado pela
lembrança daquela noite, fiz das tripas coração e urdi uma descrição elogiosa da
peça para Chris, incrementando-a com palavras tais como "inovadora" e
"assombrosa" (e era, mesmo).
Eu estava no auge da minha dissertação quando ele se levantou,
dizendo:
— Acho melhor continuar a tirar a mesa. Não posso deixar os rapazes
na mão.
Um pouco aturdida, olhei ao meu redor. Os internos estavam raspando
os pratos e colocando-os num carrinho. Um deles varria, ou melhor, fazia
cócegas no linóleo com uma vassoura. Por que faziam isso?, eu me perguntava,
confusa. Por que o Claustro não tem uma equipe de lacaios para tirar e pôr a
mesa? Será que os internos estão realmente fazendo isso só porque são boas
pessoas?
— Posso ajudar de alguma maneira? — perguntei, educada, embora
não tivesse a menor intenção de fazê-lo. Se tivessem dito "sim", eu ficaria
extremamente irritada, mas sabia que não diriam.
Como, de fato, não disseram. Houve um coro de "não" e "de jeito
nenhum". O que me agradou, pois indicava que, obviamente, sentiam que eu
não era um deles.
Mas então, quando corria para o quarto a fim de dar um rápido
retoque na maquiagem, em homenagem ao que quer que acontecesse depois do
chá, passei pela cozinha. Onde, para minha grande surpresa, Misty 0'Malley
estava lavando um panelão. Para isso, fora obrigada a trepar numa cadeira.
Embora eu tivesse certeza de que não precisara realmente trepar numa cadeira,
só o fizera para que a achassem uma gracinha, tão delicada!
No ato me arrependi por não ter insistido em ajudar na arrumação. Eu
nunca achava que fazia coisa alguma direito. Se tivesse ajudado e Misty 0'Malley
não, teria me sentido uma perfeita otária. Mas, no caso contrário, com Misty
ajudando e eu tirando o corpo fora, me senti preguiçosa e imprestável.
Assim, quando voltei, experimentei vagar sem rumo pelo aposento com
uma manteigueira, até um dos suéteres me deter:
— Não precisa fazer isso. — Com delicadeza, tomou a manteigueira de
minha mão, que se abriu sem a menor resistência.
Fiquei encantada. Segura essa, Misty 0'Malley!
— Pusemos você na equipe do Don — prosseguiu ele.
Não compreendi o que isso queria dizer. Equipe do Don? Achei que
devia ser alguma coisa do tipo do grupo da Josephine.
— Amanhã você está na equipe do café da manhã. Espero que seja do
tipo que acorda fácil, porque o batente começa às sete.
Ele só podia estar brincando comigo.
— Ha, ha. — Pisquei o olho para ele, conivente. — Essa é boa.

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