quarta-feira, 6 de julho de 2011

Férias!! - MARIAN KEYES Cap.11


Ansiosa, tentei imaginar o que viria a seguir. Será que agora iríamos
fazer massagem? Observei atentamente os outros, a expectativa percorrendo
meus terminais nervosos, para ver aonde iam. Seguiram até o fim do corredor,
contornaram uma parede e... ah, não!... voltaram ao refeitório. Todos os internos
do grupo de Josephine, bem como os dos outros grupos, invadiram o aposento e
puseram-se a tomar chá, conversando em voz alta e fumando com prazer. Talvez
fossem só dois dedos de chá e prosa antes de correrem para a sauna. Talvez.
Sentei-me na beirinha da cadeira e recusei a xícara de chá. Não queria
passar a sessão de aromaterapia inteira apertada para ir ao banheiro. Meus
olhos pulavam ansiosos de uma xícara de chá para outra. Andem logo,
apressava-os em pensamento, acabem com este chá de uma vez! Senão, daqui a
pouco vai estar na hora do jantar e não vamos ter tempo de fazer uma
massagem decente. Mas o chá continuou a ser bebido com lentidão exasperante.
Eu tinha ímpetos de arrancar as xícaras das mãos deles e terminar de beber
uma por uma.
E, para meu horror, assim que acabaram de degustar as borras do chá
com um ar odiosamente relaxado, levantaram languidamente o bule e serviram
uma segunda xícara, que puseram-se a bebericar com prazer indolente.
Tá muito bem, pensei, nervosa. Quem sabe depois da segunda xícara?
Mas, quando vi os minutos passarem, as segundas xícaras serem
bebericadas, os cigarros acesos e, finalmente, a terceira rodada de chá servida,
admiti, a contragosto, que todos pareciam aboletados para passar um bom
tempo ali. Quem sabe não era depois do chá que as coisas começavam a
acontecer?
Claro, bastava eu perguntar a alguém, para ter certeza.
Mas, por algum motivo, não consegui.
Talvez temesse que os clientes comuns, como Mike e John Joe, me
julgassem frívola, se eu me mostrasse interessada demais nos tratamentos de
luxo ou nos aposentos das celebridades. Compreendi que provavelmente já
esperavam que eu lhes perguntasse sobre tais coisas. Provavelmente já estavam
fartos de recém-chegados dizendo, com ar de desdém, "Saiam da minha frente,
estou indo confraternizar com gente do gabarito de Hurricane Higgins (Campeão
irlandês de sinuca) numa banheira de algas".
Bem, eu fingiria estar achando ótimo ficar ali sentada bebendo chá
com eles por toda a eternidade. Desse modo, eles fatalmente gostariam de mim.
Eu passaria dois meses ali, me acalmei; havia tempo de sobra.
Corri os olhos pela mesa. Eles ainda estavam lá, jogando colheradas de
açúcar em suas xícaras de chá e virando uma após a outra, comentando como
era delicioso. Que coisa mais triste.
— Você não fuma? — perguntou uma voz de homem. Alarmada, me dei
conta de que era Vincent, o Feroz.
— Não — respondi, nervosa. Pelo menos, cigarros, não.
— Parou, é? — Ele se aproximou de mim.
— Nunca cheguei a começar. — Recuei. Como desejava que ele fosse
embora! Não queria fazer amizade com ele. Ele me dava medo, com sua barba
preta e seus dentões. A melhor palavra para descrevê-lo é lupino, se lupino se
refere a alguém com cara de lobo.
— Vai estar fumando sessenta por dia quando sair daqui — garantiu,
dando-me um sorriso antipático e uma amostra grátis do seu bodum. ("Ah,
Vincent, como você cheira bem.")
Olhei ao redor à procura de Mike para me proteger, mas nem sinal
dele.
Dei as costas para Vincent tanto quanto foi possível sem com isso
parecer grosseira, e me vi cara a cara com o estranho Clarence. Da frigideira
para o fogo. Mesmo com medo de uma reprise do episódio de alisamento de
cabelo, dirigi-me a ele, a contragosto.
De repente, me dei conta de que passara uma tarde inteira ali sem pensar
em drogas uma única vez. Sequer me lembrara que existiam! Isso me
proporcionou uma sensação de bem-estar e auto-estima que perdurou ao longo
das conversas sucessivas e idênticas que mantive com cada um dos homens
presentes. Todos disputavam minha atenção, tentando descobrir tudo a meu
respeito. Todos, menos o bonitão que eu vira à mesa durante o almoço. Só
porque eu teria gostado muito de conversar com ele, ele me ignorou totalmente.
Bem, para ser justa, ele sequer se encontrava no aposento.
Durante duas horas, falei de meu passado n vezes, repetindo uma
atrás da outra:
— Meu nome é Rachel. Tenho vinte e sete anos. Não, não sou
anoréxica, mas obrigada por perguntar, é claro que fico lisonjeada. Não, nem
sempre fui alta assim, era um pouco mais baixa no dia em que nasci. Passei os
últimos dois anos e meio em Nova York. Antes disso, morei em Praga...
— Onde fica Praga? — perguntou John Joe. — É no condado de
Tipperary?
— Pela mãe do guarda. — Clarence fez um ruído com os lábios em sinal
de desaprovação e sacudiu a cabeça, cheio de desprezo. — Ouviu o que ele
disse? "É no condado de Tipperary?" Que bestalhão. Quem é que não sabe que
fica no condado de Sligo?
Eu estava arrependida por ter deixado escapar que morara em Praga,
porque bastava dizer isso para que todo mundo ficasse alvoroçado, e o pessoal
do Claustro não foi exceção à regra. Diga a qualquer um, em qualquer lugar, que
já morou em Praga, e se prepare para ouvir as perguntas. As. Mesmas. Três.
Perguntas. De sempre. Era insuportável. Toda vez que eu vinha de Praga passar
as férias em casa, ficava com os nervos em frangalhos, já tensa por antecipação,
sabendo que ouviria As Três Perguntas mais uma vez. No fim, toda vez que o
assunto Praga vinha à baila, minha vontade era distribuir uma circular com as
respostas: "(1) Sim, é verdade, Praga é linda (. 2) Para dizer a verdade, não, as
lojas são muito melhores agora, a gente encontra a maioria das coisas que não
encontra aqui. Mas não a manteiga Kerrygold, ha, ha, ha." (A pergunta sobre a
manteiga Kerrygold era a que me irritava para valer. E, quando não era a
manteiga Kerrygold, era o chá Barrys.) "3) Sim, é melhor ir para lá antes que os
americanos tomem conta do lugar."
Essas conversas sobre Praga sempre me faziam lembrar o quanto eu
era ignorante. Envergonhava-me por não ter me sentido à vontade lá, pois,
embora a cidade fosse linda e pitoresca, era excessivamente saudável e certinha
para mim, com sua vida ao ar livre. Se houvesse um pouco menos de esqui e
alpinismo nos fins de semana e um pouco mais de noitadas numa boate atrás da
outra, eu teria gostado mais de lá.
Enquanto Eddie, o sujeito com o rosto vermelho e brilhante, me
sabatinava sobre o preço de tudo em Praga, o bonitão entrou no refeitório.
— Chegou Christy — berrou um sujeito com uma vasta cabeleira negra
e um portentoso bigode à la Stalin que, por estranho que pareça, era grisalho.
Pronunciou o nome do rapaz "Chreeeeeeesty", graças ao que compreendi que ele
era o sal da terra, bairrista até a medula, do tipo que adora dizer "Este seu
criado foi criado e procriado em Dublin".
Christy sentou-se alguns lugares depois de mim, o que me atirou num
estado tal de confusão mental e excitação que perdi o fio da meada e disse a
Eddie que a cerveja era muito mais cara em Praga do que na Irlanda. Coisa que,
naturalmente, não era verdade. Ele pareceu muito surpreso, e intensificou seu
interrogatório:
— E a vodca?
— Que é que tem?
— É mais cara ou mais barata?
— Mais barata.
— E o uísque?
— Mais caro.
— E o Bacardi?
— Ah... mais barato, acho eu.
— Mas por que o Bacardi seria mais barato e o uísque mais caro? —
indagou.
Limitei-me a fazer "hum" e "ah", em tom distraído. Estava ocupada
demais fazendo um exame completo, embora disfarçado, em Christy. Estava
certa desde o começo. Ele era bonito. E seria, mesmo fora do Claustro. Seus
olhos azuis ardiam de brilho e claridade, como se ele tivesse nadado numa
piscina com excesso de cloro.
Uma vozinha interior protestou que ainda assim preferia Luke, mas
calei-a na hora. Pretendia me interessar por Christy, quer gostasse disso ou não.
Estava desesperada para me livrar da mágoa causada por Luke, e que maneira
melhor havia, do que ficando obcecada por outra pessoa? Por sorte e por acaso,
Christy era tão bonito que eu não conseguia desgrudar o olho dele. (Só consegui
desgrudar o outro olho porque Eddie era um interlocutor muito exigente.)
Observava Christy de soslaio, enquanto ele conversava animadamente
com o sujeito do bigode à la Stalin. Christy tinha meu tipo de boca favorito —
uma boca Dave Allen.
(Dave Allen era um humorista desbocado a cujo programa eu assistia
no fim da década de setenta. Papai sempre tenta divertir as pessoas, ou seja,
enche o saco delas até entrarem em coma, contando-lhes como eu gritava feito
uma histérica para que me deixassem ficar acordada e assistir ao programa de
Dave Allen na tevê.)
(Eu tinha vinte e cinco anos.)
(Brincadeirinha.)
Enfim, uma boca Dave Allen é um atributo e tanto num homem. É
uma boca incomum, porque parece um pouco grande demais para o rosto a que
pertence. Mas isso de uma maneira atraentíssima. Uma boca ímpar, cujos
cantos sobem ou descem como se tivessem vida própria. Os homens abençoados
com uma boca Dave Allen sempre parecem um pouco irônicos.
Continuei a fazer uma discreta vistoria em Christy. Até seu cabelo era
bonito. Louro cor de trigo, bem cortado.
A par da boca expressiva e personalíssima, ele parecia ser um homem
com H, desses com quem você pode realmente contar. Não daqueles que você
pode contar que não vão telefonar. Refiro-me a uma infalibilidade saudável, do
tipo "Eu te salvaria até de um prédio em chamas".
Enfim, achei-o lindo, menos, é claro, pela altura. Quando ele se
levantou para alcançar o bule mais à frente na mesa, vi que não era muito mais
alto do que eu. Uma decepção a que eu já estava acostumada.
Apesar disso, havia uma certa mobilidade em seu físico que me atraía
muito. Ele era magro. Mas não de uma magreza pálida, côncava, raquítica,
daquele tipo cujas fieiras de costelas parecem dois escorredores de pratos e as
pernas parecem duas bisnagas de pão. A melhor palavra para descrevê-lo era
esguio. Suas mangas estavam enroladas, deixando entrever os antebraços
musculosos que eu queria tocar. E ele tinha umas pernas fantásticas. Um
pouquinho mais curtas do que o ideal, mas, por mim, tudo bem. Quando um
homem que eu achava bonito tinha, de quebra, pernas um pouquinho curtas,
era elevado à categoria de atraentérrimo. Não sei bem por quê. Talvez tivesse
algo a ver com a sugestão de robustez.
A sugestão de robustez de um pau grosso. Mesmo sabendo que o lógico
seria adorar pernas compridas num homem, não era louca por elas. Eram
consideradas o supra-sumo no mundo das pernas. Em outras palavras, eu não
entendia a razão dessa preferência. Homens de pernas finas sempre me faziam
pensar em girafas, bailarinas e veadagem generalizada.
Christy não tinha nada de efeminado.
De repente, compreendi por que faziam tanto estardalhaço em torno do
Corpus Christy na missa. Agora que eu o experimentava em primeira mão, na
certa nunca mais faria qualquer objeção a me ajoelhar para... mas já bastava
dessas bobagens. Com uma pontada de solidão, percebi que sentia falta de
Brigit, de Luke, de ter alguém com quem falar porcaria.
Forcei-me a despejar Luke do pensamento para ocupá-lo outra vez com
Christy.
Não seria ótimo, pensei, a mente divagando, se acontecesse alguma
coisa entre mim e Christy? Se nos apaixonássemos. E ele me acompanhasse em
minha volta a Nova York e encontrássemos Luke. E Luke ficasse arrasado e
descobrisse que no fundo me amava e me implorasse para deixar Christy. E eu
dissesse alguma coisa horrível para Luke, do tipo "Sinto muito, Luke, mas
descobri o quanto você é superficial. O que existe entre mim e Christy é
profundo..."
Eu acabava de chegar à parte em que Luke tentava dar um soco em
Christy, que agarrava Luke pelo braço e dizia, cheio de pena, "Deixa disso, cara,
ela não te quer, certo?", quando, subitamente, dois homens começaram a atirar
punhados de garfos e facas sobre a mesa, num retintim estridente. Christy era
um deles, o que me surpreendeu, porque, na minha cabeça, ele ainda estava
humilhando Luke.
— Hora do chá — bradou alegremente o balofo Eamonn.
Mas o que...? O que era...? Que diabos estavam fazendo? Para minha
estupefação, os internos estavam pondo a mesa! Eu pensava que estivessem
retinindo os talheres para avisar o pessoal da cozinha que já estavam prontos
para o chá, mas não: o retintim fora um mero prelúdio à arrumação da mesa.
Eles passavam canecas de leite e fatias de pão e distribuíam manteigueiras e
potes de geléia por toda a mesa. ("Toma, coloca isso na cabeceira e não deixa
Eamonn comer.")
— Por que vocês estão pondo a mesa? — perguntei a Mike, nervosa.
Estavam perdendo seu tempo, se achavam que eu ia ajudar. Não punha uma
mesa nem no dia-a-dia, muito menos durante minhas férias.
— Porque somos boas pessoas — ele sorriu. — Queremos economizar o
dinheiro do Claustro, porque pagamos muito pouco a ele.
Vá lá, pensei, contanto que não sejam obrigados a fazer isso. Só que,
por algum motivo, eu não estava convencida. Talvez por causa do coro de
gargalhadas homéricas que se seguiu à resposta de Mike.

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