segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Morro dos Ventos Uivantes, Cap X

Que belo começo para quem pretende levar uma vida de eremita! Quatro semanas de tortura, agitação e doença! Oh, estes ventos cortantes, estes céus fechados, estas estra­das intransitáveis, estes negligentes médicos do interior! E, oh! esta ausência de rostos humanos! O pior é que o Dr. Kenneth me afirma que eu não devo esperar poder sair de casa antes da primavera!
O Sr. Heathcliff acaba de me fazer uma visita. Há cerca de uma semana, mandou-me um par de faisões — os últimos da estação. Malandro! Não está isento de culpa nesta minha doença, e eu tinha pensado dizer-lhe isso. Mas bolas! Como poderia eu ofender um homem que teve a caridade de se sentar à minha cabeceira durante uma boa hora e de me falar de coisas outras que não comprimidos e poções, ampolas e sanguessugas? Estou demasiado fraco para ler, mas sinto necessidade de distração. Por que não pedir à Sra. Dean que acabe de me contar a sua história? Lembro-me dos principais incidentes, até onde ela chegou. Sim: recordo que o protagonista fugira e não se ouvira falar dele durante três anos; e que a heroína tinha casado. Vou tocar a campainha: ela vai ficar contente de me ver tão animado. A Sra. Dean acaba de chegar.
— Faltam ainda vinte minutos para o senhor tomar o remédio — começou ela.
— Fora com ele! — repliquei. — Quero que. . .
— O doutor diz que o senhor não precisa mais tomar os pós.
 — Felizmente! Mas não me interrompa. Sente-se aqui. Largue esse terrível exército de frascos. Tire o seu tricô do bolso. . . assim. . . e continue a contar a história do Sr. Heathcliff, de onde tinha parado até hoje. Estou curioso por saber: ele teria partido para o continente e voltado, já homem feito, um gentleman? Será que arranjou uma bolsa de estudos em alguma universidade, ou teria ido para a América e feito fortuna, ou então arranjado dinhei­ro de maneira mais rápida, nas estradas inglesas?
— Talvez tenha feito um pouco de tudo isso, Sr. Lockwood, mas eu não poderia jurar por nenhuma dessas coisas. No outro dia lhe disse que não sabia como ele tinha ganho o dinheiro que tem; tampouco sei como con­seguiu educar-se e instruir-se; mas, com a sua licença, con­tinuarei a contar a história à minha maneira, se é que o senhor acha que vai distraí-lo. Está se sentindo melhor, esta manhã?
— Muito melhor.
— Ótimo!


Bem, vim com Catherine para a Granja Thrushcross, e, para minha agradável surpresa, ela se comportou infinita­mente melhor do que eu ousava esperar. Parecia gostar demais do Sr. Linton, e até com a irmã dele ela se mos­trava muito carinhosa. Naturalmente, ambos a agradavam em tudo. Não era o espinho que se retraía ante as madres-silvas, e sim as madressilvas que ocultavam o espinho. Não havia concessões mútuas; o espinho mantinha-se ereto e as madressilvas se curvavam: quem pode mostrar-se mal-humorado quando não se encontra oposição ou indiferen­ça? Observava que o Sr. Edgar tinha muito medo de lhe causar qualquer dissabor. Procurava esconder esse fato dela; mas, se me ouvia responder asperamente ou via qual­quer outra criada fechar a cara a uma ordem imperiosa da mulher, mostrava a sua preocupação por meio de um fran­zir de testa que lhe escurecia o rosto. Muitas vezes me censurou por retrucar à esposa; e confessava que uma punhalada não lhe daria mais sofrimento do que ver a sua Catherine irritada. Não desejando fazer sofrer o meu bom patrão, aprendi a controlar-me; e, durante meio ano, a pólvora permaneceu tão inofensiva quanto se fosse areia, sem nada que a fizesse explodir. Catherine passava, de vez em quando, por temporadas de abatimento e silêncio, que eram respeitadas pelo marido, pronto a atribuí-las a uma alteração produzida, no seu temperamento, por alguma doença que a atacara, pois nunca tinha sido sujeita a de­pressões. A volta da animação era recebida com igual animação, por parte dele. Creio poder afirmar que eles eram realmente felizes, nesse tempo.
Mas essa felicidade, profunda e crescente, terminou. Bem, no fim a gente precisa zelar por si mesma; os pa­cientes e os generosos são apenas mais justamente egoístas do que os déspotas; e essa felicidade terminou quando as circunstâncias fizeram com que cada um deles sentisse que o interesse de um não era o principal interesse do outro. Numa doce tarde de setembro, eu estava vindo do pomar com um cesto cheio de maçãs que estivera colhendo. Era a hora do lusco-fusco e a lua debruçava-se sobre o muro do pátio, projetando sombras indefinidas nos cantos das várias partes da casa. Pousei o cesto nos degraus da porta da cozinha e parei para descansar, respirando aquele ar suave e perfumado; tinha os olhos fitos na lua e as costas para a porta, quando ouvi uma voz perguntar, atrás de mim:
— Nelly, é você que está aí?
Era uma voz profunda e de tom desconhecido; con­tudo, havia algo, na maneira de pronunciar o meu nome, que a fazia soar familiarmente. Virei-me para ver quem falava, confesso que com medo; pois as portas estavam fechadas, e eu não vira ninguém ao me aproximar dos degraus. Algo se moveu no alpendre; chegando mais per­to, distingui um homem alto, trajando roupas escuras e de rosto e cabelos também escuros. Tinha os dedos na tranca, como se pretendesse abrir a porta sozinho. "Quem será?", pensei. "O Sr. Earnshaw? Oh, não! A voz não se parece com a dele."
— Estou esperando há uma hora — continuou, en­quanto eu o olhava —, e durante esse tempo nada se mexeu por aqui. É como se todo o mundo tivesse morrido. Não ousei entrar. Você não me conhece? Olhe bem para mim e verá que me conhece!
O luar iluminou os seus traços; as faces eram pálidas e semicobertas por bigodes negros; a testa afundada, os olhos fundos e estranhos. Lembrava-me daqueles olhos.
— O quê! — exclamei, não sabendo se havia de con­siderá-lo como uma pessoa deste mundo, e ergui as mãos espantada. — O quê! Você voltou? É você mesmo?
— Sim, sou eu. . . Heathcliff — respondeu ele, le­vantando os olhos para as janelas, que refletiam uma por­ção de luas, mas não deixavam transparecer nenhuma luz de dentro. — Não estão em casa? Onde é que ela está? Nelly, você não está satisfeita de me ver! Não precisa ficar tão preocupada. Ela está em casa? Responda! Quero falar uma palavrinha com ela, com a sua patroa. Suba e diga que uma pessoa de Gimmerton quer vê-la.
— Como é que ela reagirá? — exclamei. — Que irá ela fazer? A surpresa deixou-me tonta, vai colocá-la fora de si! Você é mesmo Heathcliff? Mas tão mudado! Não, não posso compreender. Esteve servindo como sol­dado?
— Vá levar-lhe o meu recado — interrompeu ele, com impaciência. — Não sossego enquanto você não for!
Levantou a tranca e eu entrei; mas, quando cheguei à sala, onde o Sr. e a Sra. Linton estavam, fiquei sem saber como fazer. Finalmente, resolvi usar o pretexto de per­guntar se queriam que acendesse as velas e entrei.
Estavam os dois sentados junto a uma janela cuja gelosia estava corrida e deixava ver, para além das árvo­res do pomar e do parque, o vale de Gimmerton, com uma longa faixa de neblina subindo quase até o seu cume (por­que, logo após passar a capela, como talvez o senhor tenha observado, o canal que sai da charneca junta-se a um ria­cho que acompanha a curva do vale). O Morro dos Ventos Uivantes erguia-se acima daquele vapor prateado, mas a nossa antiga casa não se via; debruça-se mais para o outro lado. Tanto a sala como os seus ocupantes e a paisagem que descortinavam, tudo parecia maravilhosamente pací­fico. Relutava em transmitir o recado; e já estava mesmo indo embora, sem coragem para dá-lo, quando compreendi que tinha de fazê-lo. Voltei e murmurei: — Senhora, está lá fora uma pessoa de Gimmerton que deseja falar-lhe.
— A respeito de quê? — inquiriu a Sra. Linton.
— Não lhe perguntei — respondi.
— Bem, pode fechar os cortinados, Nelly — falou ela. — E traga o chá. Voltarei logo.
Saiu da sala, e o Sr. Edgar perguntou, com indife­rença, quem era a pessoa.
— Alguém que a patroa não espera — repliquei. — Heathcliff, creio que o senhor se lembra dele... o rapaz que vivia em casa do Sr. Earnshaw.
— O quê! O cigano. . . o moço do arado? — excla­mou ele. — Por que não disse quem era a Catherine?
— Psiu! O senhor não deve chamá-lo por esses no­mes — falei. — A patroa ficaria muito ofendida se o ouvis­se. Ela quase morreu quando ele sumiu. Acho que a volta dele vai ser um motivo de festa para ela.
O Sr. Linton dirigiu-se a uma janela, do outro lado da sala, que dava para o pátio. Abriu-a e debruçou-se. Creio que eles estavam bem embaixo, pois ele gritou: — Não fique aí, meu bem! Convide a pessoa a entrar, se for alguém conhecido. — Não tardou que se ouvisse o bater da tranca, e Catherine subiu correndo a escada, descabelada e ofegante, demasiado excitada para mostrar alegria; ao contrário, olhando para o rosto dela, poder-se-ia ter pensado numa terrível calamidade.
— Oh, Edgar, Edgar! — balbuciou, atirando-lhe os braços ao pescoço. — Oh, Edgar, meu bem! Heathcliff voltou! — E abraçou-o ainda com mais força.
— Está bem, está bem! — disse o marido, irritado. — Não precisa estrangular-me só por causa disso! Ele nunca me pareceu algo assim tão maravilhoso. Não há necessidade de tanta excitação!
— Sei que você não gostava dele — retrucou ela, reprimindo um pouco a intensidade do seu júbilo. — Mas, por minha causa, vocês agora vão ter de ser amigos. Digo-lhe para subir?
— Para onde? — disse ele. — Aqui, para a sala?
— Para que outro lugar? — perguntou ela.
O Sr. Linton franziu a testa e sugeriu a cozinha como sendo um lugar mais indicado para ele. A Sra. Linton olhou-o com uma expressão indefinível. . . meio zangada, meio divertida.
— Não — disse, após um momento. — Não posso recebê-lo na cozinha. Ponha duas mesas para o chá, aqui na sala, Ellen: uma para o patrão e a Srta. Isabella, como gente bem; e a outra para mim e para Heathcliff, que so­mos de classes inferiores. Assim você fica satisfeito, meu bem? Ou terei de mandar acender fogo noutro lugar? Nesse caso, diga onde. Eu tenho de correr lá para baixo. Temo que a minha alegria seja demasiado grande para ser real!
Ia precipitar-se escada abaixo, quando Edgar a de­teve.
— Convide-o você a subir — ordenou, dirigindo-se a mim. — E, Catherine, esforce-se por estar alegre sem ser absurda! A casa toda não precisa ver você receber um criado fujão como se fosse um irmão.
Desci e encontrei Heathcliff à espera no alpendre, evidentemente antecipando o convite para entrar. Seguiu-me sem trocar palavra, e conduzi-o até onde estavam os meus patrões, cujos rostos afogueados traíam sinais de discussão. Mas o dela brilhou de uma maneira toda espe­cial quando o amigo surgiu à porta: correu para ele, tomou-lhe as duas mãos e levou-o até Linton; depois pegou na relutante mão do marido e fez com que apertasse a mão do outro. À luz do fogo e das velas, fiquei, mais do que nunca, espantada de ver a transformação de Heathcliff. Tornara-se um homem alto, atlético e bem-conformado; junto a ele, o meu patrão parecia magro e agarotado. A sua atitude ereta dava a impressão de ele ter estado no Exército. A expressão do seu rosto era de pessoa muito mais velha do que o Sr. Linton: parecia inteligente e não conservava sinais da antiga degradação. Contudo, uma ferocidade semicivilizada lhe reluzia ainda nos olhos fun­dos e negros, embora de maneira contida; e os seus gestos exalavam dignidade, apesar de destituídos de graça. A surpresa do meu patrão foi igual à minha ou ainda maior: permaneceu por um minuto sem saber como dirigir-se ao moço do arado, conforme o chamara. Heathcliff deixou cair a mão fina e ficou olhando calmamente para ele.
— Sente-se — disse, finalmente, o meu patrão. — A Sra. Linton, em memória dos velhos tempos, deseja que eu lhe dê uma recepção cordial, e eu, como é natural, fico satisfeito quando ocorre algo que lhe dê prazer.
— Eu também — respondeu Heathcliff —, princi­palmente quando se trata de algo em que eu participo. Ficarei uma hora ou duas, com todo o prazer.
Sentou-se diante de Catherine, que não despregava os olhos dele, como se temesse vê-lo desaparecer se dei­xasse de olhá-lo. Heathcliff não erguia muito o seu olhar para ela; apenas de vez em quando e rapidamente. Mas o seu olhar refletia, e a cada vez mais, a incontida alegria que ele bebia no dela. Estavam demasiado felizes para se sentirem embaraçados. O mesmo não acontecia com o Sr. Edgar: empalidecera, e ficou quase lívido quando a esposa levantou-se, agarrou novamente as mãos de Heathcliff e riu como louca.
— Amanhã vou pensar que sonhei! — exclamou. — Não poderei acreditar que o vi, que o toquei, que falei com você, depois de tanto tempo. E, no entanto, Heathcliff, você não merece ser bem-vindo. Ficar ausente e silencioso durante três anos, sem nunca pensar em mim?
— Pensei um pouco mais do que você em mim — murmurou ele. — Tive notícia do seu casamento, Cathy, não faz muito; e, enquanto esperava no pátio, tracei o seguinte plano: vislumbrar apenas o seu rosto, provocar nele um olhar de surpresa ou, talvez, de fingida satisfação; depois acertar contas com Hindley e, finalmente, anteci­par-me à lei, dando cabo de mim mesmo. A sua boa aco­lhida afastou essas idéias da minha mente. . . mas cuidado para não me receber de outra maneira, da próxima vez! Não, você não mais me afastará! Sentiu realmente pena de mim, não foi? Bem, e com razão. Lutei muito e passei por muita coisa, desde que ouvi pela última vez a sua voz; mas tem de me perdoar, porque lutei só por você!
— Catherine, a menos que tomemos o chá frio, faça o favor de vir para a mesa — interrompeu Linton, esfor­çando-se por conservar o seu tom de voz habitual e um mínimo de polidez. — O Sr. Heathcliff vai ter muito que caminhar, para ir aonde quer que esteja pensando em per­noitar; e eu tenho sede.
Ela tomou o seu lugar à mesa e Isabella entrou; depois de tê-los ajudado a sentar-se, saí da sala. O chá mal de­morou dez minutos. Catherine não chegou a encher a xíca­ra: não podia comer nem beber. Edgar tinha feito uma poça no pires e mal comera. Quanto ao visitante, não ficou mais do que uma hora. À saída, perguntei-lhe se ia para Gimmerton.
— Não, para o Morro dos Ventos Uivantes — res­pondeu. — O Sr. Earnshaw convidou-me a pernoitar lá, quando o fui visitar, esta manhã.
O Sr. Earnshaw convidara a ele! E ele tinha ido visitar o Sr. Earnshaw! Fiquei meditando naquilo, depois que Heathcliff se foi. "Ter-se-á tornado hipócrita e terá vindo semear discórdia sob uma capa de cordialidade", pensei. No fundo do coração, tinha um pressentimento de que teria sido melhor ele não ter voltado.
Pelo meio da noite, fui despertada do meu primeiro sono pela Sra. Linton, que entrou no meu quarto, sentou-se à beira da minha cama e me puxou o cabelo, com o fim de acordar-me.
— Não posso dormir, Ellen — disse ela, à guisa de desculpa. — E preciso de que alguém me acompanhe na minha felicidade! Edgar está melindrado por me ver alegre com algo que não lhe interessa: recusa-se a falar, exceto para dizer coisas bobas; imagine que me acusou de cruel e egoísta por querer conversar, quando ele estava se sen­tindo doente e cheio de sono. Sempre diz que está doente quando qualquer coisinha o aborrece! Elogiei Heathcliff, e ele, não sei se por dor de cabeça ou por inveja, começou a chorar. Aquilo irritou-me, e deixei-o sozinho.
— Para que elogiar Heathcliff diante dele? — pon­derei. — Quando garotos, tinham aversão um pelo outro, e acho que Heathcliff também detestaria que lhe fossem elogiar o Sr. Linton. . . é a natureza humana. Não fale dele ao Sr. Linton, a menos que queira suscitar uma briga entre os dois.
— Mas você não acha que isso revela uma grande fraqueza? — insistiu ela. — Não sou invejosa: nunca sinto raiva dos cabelos louros de Isabella, da brancura da sua pele, da sua elegância e do carinho que toda a família de­monstra por ela. Até você, Nelly, se porventura discuti­mos, coloca-se logo ao lado de Isabella; e eu cedo como se fosse uma irmã mais velha: chamo-a de querida e faço tudo para que lhe passe o mau humor. O irmão gosta de nos ver de bem, e isso me dá prazer. Mas a verdade é que eles são muito parecidos: crianças mimadas, pensam que o mundo é deles; por isso, embora eu os mime a ambos, acho que, de vez em quando, um bom castigozinho é ne­cessário para o bem deles.
— Engana-se, Sra. Linton — retruquei. — Eles é que a mimam, e eu bem sei o que seria se não o fizessem. A senhora não se importa de lhes tolerar alguns caprichozinhos, desde que eles tratem de lhe satisfazer todos os desejos. Mas tome cuidado e não exija demasiado, porque aquele a quem acusa de fraqueza é bem capaz de se mos­trar tão obstinado quanto a senhora.
— E então combateremos até a morte, não, Nelly? — replicou ela, rindo. — Não, eu tenho tanta confiança no amor de Linton, que, mesmo se o matasse, acho que ele não reagiria.
Aconselhei-a a estimá-lo mais, por esse seu afeto.
— É o que eu faço — respondeu ela. — Mas ele não precisava choramingar por ninharias. É infantil; em vez de desmanchar-se em lágrimas por eu ter dito que Heathcliff era agora digno da consideração de qualquer pessoa e que seria para ele uma honra ser seu amigo, ele próprio o devia ter dito e mostrado alegria por minha cau­sa. Heathcliff tem mais razões para não gostar dele, e acho que se portou maravilhosamente!
— Que acha de ele ter ido para o Morro dos Ventos Uivantes? — perguntei. — Aparentemente, a transforma­ção foi completa. A sua atitude é a de um autêntico cris­tão: oferecer a mão direita, a mão da amizade, a todos os seus antigos inimigos!
— Ele explicou — replicou ela. — Disse que tinha ido pedir-lhe informações a meu respeito, pensando que você ainda lá morasse; Joseph foi chamar Hindley, que saiu e começou a perguntar-lhe o que tinha sido feito dele, que vida ele levara; por fim, convidou-o a entrar. Havia várias pessoas jogando cartas; Heathcliff juntou-se a elas; meu irmão perdeu algum dinheiro para ele e, vendo que Heathcliff estava bem recheado, pediu-lhe que voltasse à noite, ao que ele anuiu. Hindley não sabe escolher com prudência as pessoas com quem se dá: não se preocupa em refletir sobre os motivos que deveria ter para descon­fiar de alguém a quem tanto humilhou. Mas Heathcliff afirma que a sua principal razão para reatar relações com o seu antigo inimigo é o desejo que tem de se instalar perto da granja e da casa onde vivemos juntos, além de esperar que eu tenha mais oportunidades de vê-lo do que se ele se instalasse em Gimmerton. Pretende pagar regiamente pelo privilégio de se hospedar no Morro; e, sem dúvida, a cobiça do meu irmão o levará a aceitar isso. Sempre foi louco por dinheiro, embora agarre com uma das mãos o que joga fora com a outra.
— Belo lugar foi Heathcliff escolher para se fixar! — comentei. — Não tem medo das conseqüências, Sra. Linton?
— No que toca a ele, não — respondeu ela. — A sua inteligência saberá afastá-lo de qualquer perigo. Tenho um certo medo por Hindley; mas ele não pode ficar pior, moralmente, do que já é, e eu evitarei que lhe aconteça qualquer coisa. O que aconteceu hoje reconciliou-me com Deus e com a humanidade! Eu me sentia revoltada contra a Providência. Oh, você não sabe como eu sofri, Nelly! Se essa criatura soubesse, teria vergonha de mostrar-se petulante. Foi só bondade para com ele que me fez supor­tar sozinha o sofrimento. Se eu tivesse mostrado a agonia que sentia ele teria desejado, tanto quanto eu, o seu alívio. Mas agora tudo acabou, e não me vingarei da sua falta de sensibilidade; doravante posso agüentar tudo! Se a pessoa mais vil me esbofeteasse uma face, eu não só lhe daria a outra face, como ainda lhe pediria perdão por tê-la pro­vocado; como prova, vou agora mesmo fazer as pazes com Edgar. Boa noite, Ellen! Sou um anjo!
Nessa feliz convicção, partiu; e o bom sucesso da sua resolução tornou-se óbvio logo de manhã: o Sr. Linton não só pusera de lado a sua irritação (embora ainda pa­recesse algo incomodado pela vivacidade de Catherine), como não fez objeção a que a esposa e Isabella fossem, nessa mesma tarde, ao Morro dos Ventos Uivantes. Em compensação, Catherine mostrou-se de uma tal doçura, que transformou a casa, durante vários dias, num paraíso, de que tanto o patrão como a criadagem aproveitaram.
Heathcliff — daqui por diante o chamarei Sr. Heath­cliff — a princípio usou cautelosamente a liberdade de freqüentar a Granja Thrushcross: parecia estar medindo até que ponto o dono da casa toleraria a sua intromissão. Ca­therine também achou prudente moderar as suas manifes­tações de prazer ao acolhê-lo; e ele foi gradualmente esta­belecendo o seu direito a essa acolhida. Conservava bas­tante da reserva que o notabilizara na infância, e ela servia para reprimir nele quaisquer demonstrações demasiado exuberantes de sentimento. A apreensão do meu patrão foi, aos poucos, sendo desviada para outro setor.
A sua nova fonte de preocupação originava-se no fato, tão desagradável quanto não antecipado, de Isabella Linton demonstrar uma súbita e irresistível atração pelo visitante. Ela era, na época, uma encantadora jovem de dezoito anos, infantil de maneiras, mas possuidora de vivos sentimentos e de inteligência — além de um gênio igualmente vivo, quando irritado. O irmão, que a adorava, ficou atônito ante aquela fantástica preferência. Mesmo não levando em conta a degradação de uma aliança com um homem sem sobrenome e a possibilidade de que toda a sua propriedade, à falta de herdeiros do sexo masculino, viesse a passar às mãos de uma tal pessoa, ele tinha sensi­bilidade suficiente para compreender as intenções de Heath­cliff, para saber que, embora a sua aparência estivesse mu­dada, o seu espírito continuava inalterado e incapaz de modificar-se. E temia aquele espírito; causava-lhe revolta, e ele estremecia ante a idéia de lhe confiar a sua querida Isabella. Mais teria estremecido, se soubesse que o senti­mento dela não encontrava nele qualquer reciprocidade; ao contrário, assim que descobriu a sua existência, pôs toda a culpa em Heathcliff, como se ele o tivesse delibera­damente suscitado.
Havia já algum tempo que todos vínhamos reparando que Isabella mostrava inquietação e sofrimento. Tornara-se irritadiça, explodindo por qualquer motivo e provocando continuamente Catherine, sob pena de esgotar a sua limi­tada paciência. Atribuímos aquela irritabilidade à falta de saúde: ela emagrecia a olhos vistos. Mas, um dia em que Isabella passara da conta, rejeitando o desjejum, queixan­do-se de que os criados não faziam o que ela lhes dizia, que a cunhada não lhe permitia ter voz ativa na casa e que Edgar não ligava para ela, que pegara um resfriado por causa das portas abertas e que tínhamos deixado apagar o fogo da sala de propósito, para aborrecê-la, mais uma cen­tena de outras acusações igualmente frívolas, a Sra. Linton insistiu peremptoriamente em que ela fosse para a cama; e, depois de ter ralhado com ela, ameaçou mandar chamar o médico. Ao ouvir mencionar o Dr. Kenneth, ela exclamou logo que a sua saúde era perfeita e que era apenas a aspe-reza de Catherine que a tornava infeliz.
— Como pode você dizer que eu sou áspera, sua criança mimada? — gritou a Sra. Linton, espantada com a injustiça da acusação. — Você deve estar perdendo a razão. Quando foi que eu fui áspera, hein?
— Ontem — soluçou Isabella. — E agora também!
— Ontem! — repetiu a cunhada. — Em que oca­sião?
— Quando fomos passear na charneca: disse para eu ir por onde quisesse, enquanto você caminhava com o Sr. Heathcliff!
— E é a isso que você chama aspereza? — perguntou Catherine, rindo. — Não quis dizer que a sua companhia fosse demais; não nos importava que você viesse ou não conosco; pensei apenas que a conversa de Heathcliff não teria interesse para você.
— Não — chorou a jovem. — Você quis me afastar porque sabia que eu queria ir com vocês!
— Será que ela está boa da cabeça? — perguntou a Sra. Linton, dirigindo-se a mim. — Vou lhe repetir a nossa conversa, palavra por palavra, Isabella; e então me dirá que interesse ela poderia ter para você.
— Não me interessa a conversa — retrucou ela. — Eu só queria estar com. . .
— Bem! — disse Catherine, percebendo a hesitação dela em completar a frase.
— Com ele; e não tolerarei mais ser afastada! — continuou, esquentando. — Você é terrivelmente egoísta, Cathy, e não quer que ninguém mais seja amado... só você!
— Isto é o cúmulo da impertinência! — exclamou a Sra. Linton, surpreendendo-se. — Mas não posso acredi­tar nessa bobagem! É impossível que você possa almejar a admiração de Heathcliff, que o considere uma pessoa agra­dável! Espero não ter entendido bem, Isabella!
— Não, você entendeu muito bem — replicou a jo­vem. — Amo-o mais do que você jamais amou meu irmão; e ele também poderia amar-me, se você o deixasse!
— Pois então eu não queria estar na sua pele! — declarou Catherine enfaticamente (e parecia falar com sin­ceridade). — Nelly, ajude-me a convencê-la de sua insen­satez. Diga-lhe o que Heathcliff é: uma criatura incorrigível, sem refinamento, sem cultura; um matagal de urze e pedra dura. Antes queria pôr aquele canarinho no par­que, num dia de inverno, do que lhe recomendar que nu­trisse qualquer sentimento por ele! Só uma deplorável ignorância do caráter de Heathcliff é que lhe pode meter esse sonho na cabeça. Por favor, não imagine que ele escon­de um fundo de benevolência e afeto sob uma aparência severa! Ele não é um diamante bruto, uma ostra con­tendo, no seu interior, uma pérola. . . é um homem feroz e impiedoso. Eu nunca lhe digo: "Deixe este ou aquele inimigo em paz, porque seria pouco generoso ou cruel cau­sar-lhe mal"; digo: "Deixe-o em paz, porque eu não quero vê-lo prejudicado"; ele a esmagaria como a um ovo de pardal, Isabella, se achasse a sua presença inconveniente. Sei que ele não seria capaz de amar uma Linton. No entan­to, seria bem capaz de casar-se com você por causa da sua fortuna! A avareza está crescendo dentro dele, tornando-se um verdadeiro pecado. Acredite no que lhe digo; e eu sou amiga dele... a tal ponto que, se ele tivesse pensado, seriamente, em casar com você, eu talvez tivesse ficado calada e permitido que você caísse na armadilha.
Isabella olhava para a cunhada com indignação.
— Que vergonha, que vergonha! — repetiu. — Você é pior do que vinte inimigos, venenosa como ninguém!
— Ah, você não quer acreditar em mim? — disse Catherine. — Pensa que tudo o que lhe disse foi por puro egoísmo?
— Estou convencida de que sim — retrucou Isabella —, e estremeço de horror!
— Muito bem! — exclamou a Sra. Linton. — Expe­rimente, então! Já disse o que tinha a dizer, e não estou para suportar a sua insolência.
— Mas eu tenho de sofrer pelo egoísmo dela! — so­luçou a jovem, quando a Sra. Linton saiu da sala. — Tudo, todo está contra mim; ela destruiu o meu único consolo. Só disse falsidades, não foi? O Sr. Heathcliff não é como ela disse; tem um coração grande e muito fiel; senão, como pôde não esquecê-la?
— Tire-o da cabeça — respondi. — Ele é uma ave de mau agouro, não é marido para a senhorita. A Sra. Linton não usou meios termos, mas eu não posso contra-dizê-la. Ela o conhece melhor do que eu ou qualquer outra pessoa, e nunca o pintaria pior do que ele é. As pessoas honestas não escondem o que fazem. Como é que ele viveu, durante estes três anos? Como ficou rico? Por que está hospedado no Morro dos Ventos Uivantes, na casa de um homem que ele detesta? Dizem que o Sr. Earnshaw está cada vez pior desde que ele chegou. Ficam toda a noite jogando, e Hindley hipotecou as suas terras e não faz outra coisa senão jogar e beber. Faz uma semana, encontrei Jo­seph em Gimmerton, e ele me disse: "Nelly, lá em casa está mesmo um antro de perdição. Tem um que qualquer dia vai ter de cortar os dedos para poder pagar as dívidas. É o patrão, você sabe, que não pára de se afundar no jogo. Nunca teve medo do Juízo Final, nem seguiu os exemplos de Paulo, nem de Pedro, nem de João, nem de Mateus, nem de ninguém! Parece que está desejando se ver nas chamas do inferno! E o nosso velho Heathcliff parece mais um diabo! Ele não diz nada da boa vida que leva, quando vai lá na granja? É mais ou menos assim: levanta-se quan­do o sol se deita, e é dado, brandy, gelosia fechada e luz de vela até o meio-dia do dia seguinte. Depois sobe para o quarto dele, praguejando e gritando tanto que as pessoas decentes têm de tampar os ouvidos de vergonha; e ele con­ta o dinheiro que ganhou, come, dorme e vai embora pra casa do vizinho, para visitar a esposa dele. Será que ele conta pra Dona Catherine como o dinheiro do pai dela está passando para o bolso dele e como o irmão galopa para a perdição, com ele abrindo as porteiras?" Ora, Srta. Linton, Joseph pode ser tudo, mas não é mentiroso; e, se o que ele diz da conduta de Heathcliff for verdade, quem o desejaria para marido?
— Você é pior do que os outros, Ellen! — replicou ela. — Não vou dar ouvidos às suas calúnias. Que malevolência deve haver em vocês, para me quererem conven­cer de que não há felicidade neste mundo!
Talvez ela esquecesse o seu capricho com o passar do tempo, ou, ao contrário, o preservasse — não posso dizer. Só sei que as coisas se precipitaram. No dia seguin­te, houve um julgamento na cidade vizinha; o meu patrão foi obrigado a comparecer e o Sr. Heathcliff, sabedor da sua ausência, veio mais cedo do que de costume. Cathe­rine e Isabella estavam na biblioteca, mergulhadas num silêncio hostil: a última, alarmada com a sua recente indis­crição e com o fato de ter revelado os seus mais secretos sentimentos, num arroubo de paixão, e a primeira, real­mente, ofendida com a cunhada; embora troçasse da sua impertinência, fazia questão de não mostrar isso a ela. Riu, ao ver Heathcliff passar debaixo da janela. Eu estava var­rendo a lareira e vi um sorriso malicioso nos seus lábios. Isabella, absorta nos seus pensamentos ou no livro que ti­nha no regaço, assim permaneceu até que a porta se abriu
— e então já era demasiado tarde para tentar fugir, o que decerto teria feito, se possível.
— Entre, seja bem-vindo! — exclamou alegremente a dona da casa, puxando uma poltrona para junto do fogo.
— Estamos mesmo precisando de que alguém venha der­reter o gelo entre nós duas; e você é justamente o mais indicado. Heathcliff, sinto-me feliz de lhe mostrar, final­mente, alguém que gosta mais de você do que eu. Espero que se sinta lisonjeado. Não, não se trata de Nelly! Não precisa olhar para ela! É a minha pobre cunhadazinha, que se consome à simples contemplação da sua beleza física e moral. Depende da sua vontade tornar-se irmão de Edgar! Não, não, Isabella, você não vai embora — con­tinuou, detendo, com ar de brincadeira, a jovem, que se erguera indignada. — Estávamos discutindo a seu respei­to, Heathcliff, e ela me venceu, em protestos de devotamento e admiração; além do mais, fui informada de que, se tivesse a consideração de me afastar, a minha rival, co­mo ela se proclama, mandaria uma flecha para o seu cora­ção, que o prenderia para sempre a ela, lançando a minha imagem no eterno esquecimento!
— Catherine! — disse Isabella, apelando para a sua dignidade e não procurando soltar-se da outra. — Ficaria grata se você respeitasse a verdade e não me caluniasse, nem mesmo de brincadeira! Sr. Heathcliff, tenha a bon­dade de pedir à sua amiga que me solte: ela parece esque­cer que eu e o senhor não somos íntimos e que o que a diverte é para mim extremamente doloroso.
Como ele nada respondesse nem se levantasse, pare­cendo completamente indiferente aos sentimentos que ela pudesse nutrir com relação à sua pessoa, Isabella murmu­rou à cunhada que a libertasse.
— Absolutamente! — exclamou a Sra. Linton. — Não quero mais ser chamada de egoísta! Você fica aqui! Então, Heathcliff, você não mostra satisfação pela agra­dável notícia que lhe dei? Isabella jura que o amor que Edgar me tem nada é, perto do que ela sente por você. Tenho a certeza de que ela disse isso, não disse, Ellen? E não comeu desde o passeio de anteontem, de tristeza e de raiva por eu lhe ter dito que a nossa conversa não lhe interessava.
— Acho que você está mesmo caluniando-a — disse Heathcliff, virando a cadeira de modo a encará-las. — Ela parece estar desejosa de escapar à minha companhia!
E olhou fixamente para o objeto da conversa, como se estivesse vendo um animal estranho e repulsivo: uma centopéia, por exemplo — com essa curiosidade que nos faz aproximar-nos, apesar da aversão suscitada. A pobre­zinha não pôde suportar aquilo: empalideceu, ficou ver­melha, e, com lágrimas tremulando-lhe nos cílios, os seus pequenos dedos tentaram soltar a mão de Catherine; como não tivesse força para tanto, começou a fazer uso das unhas — e não tardou que a mão da sua torturadora exibisse as marcas das unhadas.
— Parece um tigre! — exclamou a Sra. Linton, largando-a e sacudindo a mão, de dor. — Vá-se embora, pelo amor de Deus, e esconda esse gênio de víbora! Que falta de inteligência, mostrar essas garras a ele! Pode ima­ginar as conclusões que ele há de tirar? Veja, Heathcliff! São autênticas garras. . . você precisa ter cuidado com os seus olhos.
— Eu as arrancaria dos dedos, se porventura elas me ameaçassem — respondeu ele, brutalmente, assim que a porta se fechou atrás de Isabella. — Mas qual a sua inten­ção, em brincar dessa maneira com a criatura? Você não estava falando a verdade, certamente.
— Garanto-lhe que estava — replicou Catherine. — Há várias semanas que ela se vem consumindo por sua causa; e ainda ontem se enfureceu comigo, só porque eu pus a nu os seus defeitos, Heathcliff, a fim de diminuir a adoração que ela tem por você. Mas não lhe ligue: só quis castigar-lhe a impertinência. Gosto demasiado dela para permitir que você a pegue e a devore.
— E eu a detesto demasiado para sequer tentá-lo — retrucou ele —, exceto, talvez, à maneira de um vampiro. Se eu vivesse com aquela cara insípida, de cera, não sei o que faria; acho que pintaria nela as cores do arco-íris e transformaria aqueles olhos azuis em negros, de dois em dois dias; são detestavelmente parecidos com os de Linton.
— Deliciosamente, dirá você! — comentou Catheri­ne. — São olhos de anjo!
— Ela é a herdeira do irmão, não é? — perguntou Heathcliff, após um breve silêncio.
— Não gostaria de pensar isso — respondeu Cathy. — Se Deus quiser, meia dúzia de sobrinhos lhe tirarão essas pretensões! Mas tire daí a sua idéia. Sei que você cobiça os bens do próximo; não se esqueça, porém, de que estes bens são meus.
— Se fossem meus, seriam seus, igualmente — obser­vou Heathcliff. — Mas, embora Isabella Linton seja estú­pida, não me parece louca, de maneira que não se fala mais no assunto, como você diz.
E não falaram mais, nem, provavelmente, Catherine pensou mais no assunto. O outro, ao contrário, sem dúvi­da pensou várias vezes, pois o vi sorrir sozinho e entre­gar-se a uma inquietante meditação, de cada vez que a Sra. Linton saía da sala.
Resolvi vigiar os movimentos dele. O meu coração sempre pendia para o lado do patrão, em vez de para o de Catherine; e com razão, pois ele era bom, honesto e honrado, ao passo que ela, embora não se pudesse dizer que era o oposto, parecia permitir-se tanta coisa, que eu tinha pouca fé nos seus princípios e menos simpatia ainda pelos seus sentimentos. Queria que algo acontecesse para livrar o Morro dos Ventos Uivantes e a granja da presença do Sr. Heathcliff, deixando -nos como estávamos antes da sua chegada. As visitas dele à granja eram um pesadelo para mim e, suspeitava-o, também para o patrão. O fato de ele estar vivendo no Morro era como que uma premonição. Parecia-me que Deus deixara a ovelha tres­malhada entregue à própria sorte e que uma fera rosnava entre ela e o rebanho, esperando a ocasião de atacar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário