segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Morro dos Ventos Uivantes, Cap Vlll

Numa bela manhã de junho, nasceu o primeiro bebezinho de quem tive de cuidar e último rebento do velho ramo dos Earnshaw. Estávamos juntando o feno, num campo distante, quando a garota que geralmente nos trazia o desjejum chegou uma hora mais cedo, correndo pelos prados e chamando por mim.
— Um bebê e tanto! — ofegou ela. — A mais bela criança que eu já vi! Mas o médico diz que a patroa está muito mal: que há muitos meses que ela está com a tísica. Ouvi-o falar com o Sr. Hindley. Disse-lhe que não há mais nada a fazer e que ela vai morrer antes de chegar o inverno. Vá já para casa, Nelly. Você é que vai ter de alimentá-lo, de lhe dar leite com açúcar e tomar conta dele, dia e noite. Quem me dera estar no seu lugar, porque ele seria todo meu, quando a patroa se for!
— Mas ela está mesmo assim tão doente? — per­guntei, largando o ancinho e amarrando a minha touca.
— Acho que sim. Mas não parece — replicou a moça —, e fala como se esperasse viver até ele ser ho­mem. Está louca de alegria, ele é tão bonito! Se eu fosse ela, tenho a certeza de que não morreria; ficaria melhor só de olhar para o bebê, apesar do que o médico diz. Fiquei furiosa com ele. A Sra. Archer levou o anjinho para o patrão vê-lo na sala, e o rosto dele estava se abrindo num sorriso, quando o pássaro de mau agouro disse: "Earn­shaw, é uma sorte que sua esposa tenha podido lhe dar este filho. Quando ela chegou, fiquei convencido de que não ia durar muito; e, agora, devo preveni-lo de que o inverno provavelmente dará cabo dela. Não se aflija de­masiado! Nada se pode fazer. Além do mais, você deveria ter tido o cuidado de não escolher uma mulher tão fraquinha!"
— E que foi que o patrão respondeu? — perguntei.
— Acho que praguejou; mas não prestei atenção, só queria ver o bebê — e começou a descrevê-lo, entusias­mada. Corri para casa, ansiosa por vê-lo; mas estava muito triste por Hindley. No seu coração só havia lugar para dois ídolos: a mulher e ele próprio. Adorava a mu­lher, e eu não podia imaginar como ele iria suportar a perda.
Quando cheguei ao Morro dos Ventos Uivantes, lá estava ele, à porta. Ao entrar, perguntei-lhe: — Que tal o menino?
— Daqui a pouco vai correr por aí, Nell — respon­deu, com um sorriso.
— E a patroa? — atrevi-me a perguntar. — O mé­dico diz que. . .
— Para o diabo com o médico! — interrompeu ele, corando. — Frances está muito bem; daqui a uma sema­na vai estar perfeitamente. Você vai subir? Diga-lhe que eu subirei, se ela prometer não falar. Saí do quarto porque ela não queria ficar calada. Diga-lhe que o Dr. Kenneth mandou dizer que ela tem de repousar.
Dei o recado à Sra. Earnshaw; ela parecia felicíssima e respondeu, alegremente:
— Eu mal falei, Ellen, e ele saiu duas vezes do quar­to, chorando. Bem, diga-lhe que eu prometo não falar . . . mas isso não me impede de rir dele!
Pobrezinha! Até a semana da sua morte, o seu alegre coração nunca a traiu e o marido persistiu, obstinadamente, ou melhor, furiosamente, em afirmar que a saúde dela me­lhorava de dia para dia. Quando o Dr. Kenneth lhe disse que os remédios eram inúteis naquela fase da doença e que não precisava gastar mais dinheiro com ele, Hindley retrucou:
— Bem sei que não é preciso... ela está bem e não necessita mais do seu atendimento! Nunca esteve tísica. Foi só uma febre, mas já acabou. O pulso dela está agora tão lento quanto o meu e as suas faces tão frescas quanto as minhas.
Dizia a mesma coisa à esposa, e ela parecia acreditar nele; mas uma noite, quando, apoiada ao ombro dele, ela lhe dizia que talvez pudesse levantar-se no dia seguinte, um acesso de tosse, um acesso bem leve, sacudiu-a. Ele a tomou ao colo, ela lhe enlaçou o pescoço, o rosto trans­figurado, e, coitadinha, morreu.
Conforme a garota tinha antecipado, o pequenino Ha­reton ficou inteiramente aos meus cuidados. Desde que o visse com saúde e não o ouvisse chorar, o Sr. Earnshaw estava satisfeito quanto ao filho. Quanto a si próprio, esta­va desesperado: o seu sofrimento era do tipo que não se lamenta. Nem chorava nem rezava: amaldiçoava e desafia­va, maldizia Deus e os homens e entregava-se a todas as dissipações. Os criados não suportaram por muito tempo o seu comportamento amargurado e tirânico. Joseph e eu fomos os únicos a ficar. Eu, porque não tinha coragem de deixar o bebê e, além do mais, fora criada com Hindley e sabia perdoar a sua conduta; Joseph, porque podia mandar à vontade nos rendeiros e nos trabalhadores, e porque a sua vocação era estar onde houvesse muita impiedade a censurar.
Os maus modos e as más companhias do patrão eram um péssimo exemplo para Catherine e Heathcliff. A ma­neira como ele tratava este último era suficiente para trans­formar um santo num demônio. E, na verdade, parecia que o rapaz estivesse possuído de algo demoníaco, durante esse período. Comprazia-se em ver Hindley degradar-se cada vez mais; e dia a dia se tornava mais conhecido pelo mau gênio e pela ferocidade. Não lhe posso descrever o ambien­te infernal que tínhamos em casa. O cura deixou de visi­tar-nos; por fim, ninguém decente se aproximava de nós. A única exceção eram as visitas que Edgar Linton fazia a Cathy. Aos quinze anos, ela era a rainha da região; não havia moça que se comparasse a ela. Ela sabia disso e tornava-se uma criatura altaneira e voluntariosa. Confesso que não gostava dela, agora que já não era mais criança; censurava-a freqüentemente, tentando corrigir-lhe a arro­gância. . . mas ela nunca mostrou aversão por mim. Era maravilhosamente fiel às velhas amizades; até mesmo Heathcliff conseguia manter o mesmo lugar no seu coração; e o jovem Linton, com toda sua superioridade, achava difícil rivalizar com ele. Edgar Linton era o meu falecido patrão; aí está o retrato dele, sobre a lareira. An­tigamente, os retratos dele e da esposa estavam pendura­dos lado a lado; mas o dela foi removido, o que é uma pena, pois o senhor poderia fazer uma idéia de como ela era. Que tal o acha?
A Sra. Dean ergueu a vela e distingui um rosto de feições suaves, muito parecido ao da jovem que vira na casa do Morro, mas mais pensativo e de expressão mais agradável. Era um belo homem. O cabelo, longo e louro, encaracolava-se ligeiramente nas têmporas; os olhos eram grandes e sérios; a silhueta, quase dema­siado graciosa. Não me surpreendi de que Catherine Earn­shaw tivesse esquecido o seu primeiro amigo ao conhecer aquele rapaz. O que me surpreendia, e muito, era que ele, com um espírito correspondente à sua pessoa, pudesse ter gostado de Catherine Earnshaw, tal como eu a imaginava.
— Bonito retrato — comentei com a governanta. — É fiel?
— Muito — respondeu ela; — só que ele parecia melhor quando estava animado. A expressão do quadro é a que ele tinha geralmente; faltava-lhe o que se chama espírito.
Catherine conservara a amizade com os Linton, desde que passara em casa deles aquelas cinco semanas; e, como não lhe interessava mostrar o seu lado selvagem em pre­sença deles e tinha juízo suficiente para se envergonhar de ser malcriada diante de uma tão invariável cortesia, foi se impondo aos velhos pela sua engenhosa cordialidade, ao mesmo tempo que conquistava a admiração de Isabella e o coração do irmão; conquistas que desde o princípio a lisonjeavam, pois era cheia de ambição e elas a levaram a adotar uma dupla personalidade sem que exatamente pre­tendesse enganar ninguém. Na casa em que ouvia Heath­cliff ser chamado "um jovem e vulgar rufião" e "pior do que uma besta", tinha o cuidado de não proceder como ele; mas, de volta ao lar, mostrava-se pouco inclinada a afetar uma polidez que só iria provocar risos, bem como a controlar a sua natural insubordinação, sem que isso lhe trouxesse crédito ou elogios.
Edgar raramente reunia coragem para ir abertamente ao Morro dos Ventos Uivantes. Tinha pavor da reputação de Earnshaw e temia encontrar-se com ele. Não obstante, era sempre recebido com os nossos melhores esforços de cordialidade; mesmo o patrão evitava ofendê-lo, sabendo por que ele vinha; se não conseguia ser gentil, pelo menos não se intrometia. Mas eu acho que as visitas de Edgar não agradavam a Catherine; ela não era diplomática, não sabia coquetear, e era evidente que não gostava de que os seus dois amigos se encontrassem; porque, quando Heath­cliff expressava desprezo por Linton na sua própria pre­sença, ela não podia concordar, como fazia na ausência dele; e quando Linton evidenciava antipatia e repugnância por Heathcliff ela não ousava tratar os seus sentimentos com indiferença, como se a depreciação do seu compa­nheiro de infância fosse de pouca importância para ela. Muitas vezes ria das suas perplexidades e dilemas secretos, que ela em vão tentava esconder de mim. Isso parece pouco generoso da minha parte; mas ela era tão orgulhosa, que era impossível sentir pena dela, enquanto não aprendesse a ser um pouco mais humilde. Por fim passou a confiar em mim, pois não havia outra pessoa a quem ela pudesse pedir conselhos.
Uma tarde em que o Sr. Hindley havia saído, Heath­cliff resolveu aproveitar para dar a si próprio uma folga. Contava, nessa altura, creio que dezesseis anos, e, em­bora não tivesse feições más ou fosse de inteligência defi­ciente, todo ele suscitava uma repulsa física e mental, que a sua atual aparência não mais provoca. Em primeiro lugar, tinha, por esse tempo, esquecido quase tudo o que apren­dera: o trabalho duro e contínuo, começando cedo e ter­minando tarde, extinguira nele toda a curiosidade que antes mostrara quanto a aprender coisas novas, e todo o interes­se que tinha pelos livros ou por aprender. O seu antigo senso de superioridade, nele instilado pela preferência do falecido Sr. Earnshaw, havia desaparecido. Durante muito tempo, ele se esforçara por manter-se a par de Catherine nos estudos, e acabara rendendo-se com um desgosto pro­fundo, embora silencioso; mas rendera-se completamente; e não havia como insistir com ele para que lutasse por progredir, quando ele sentia que tinha afundado tanto. A sua aparência não tardou a acompanhar essa determinação mental: adquiriu um andar encurvado e um aspecto ignó­bil; a sua maneira de ser, já de si reservada, tornou-se exageradamente e quase que estupidamente insociável; além do quê, parecia ter um prazer estranho em provocar a aversão, e não a estima das poucas pessoas que com ele tratavam.
Ele e Catherine continuavam a ser companheiros cons­tantes, sempre que Heathcliff tinha algum descanso do trabalho; mas ele cessara de expressar por palavras a sua amizade por ela, e rechaçava, com ar de suspeita, os cari­nhos que ela lhe fazia, como se consciente de que não podia haver satisfação em mostrar-lhe tanto afeto. Na tarde já mencionada, entrou na sala para anunciar a sua intenção de tirar uma folga, quando eu ajudava Cathy a se arrumar. Ela não contara com essa idéia dele e, imagi­nando que ficaria a sós, conseguira, não sei como, infor­mar Edgar da ausência do irmão, e estava a preparar-se para recebê-lo.
— Cathy, você vai fazer alguma coisa esta tarde? — perguntou Heathcliff. — Vai a algum lugar?
— Não. Está chovendo — respondeu ela.
— Então para que botou esse vestido de seda? — insistiu ele. — Não está esperando visita, espero. . .
— Não — gaguejou ela. — Mas você devia estar no campo, Heathcliff. Já se passou uma hora desde o almo­ço. Pensei que você já tinha ido.
— Hindley não costuma livrar-nos da sua maldita presença — observou o rapaz. — Vou aproveitar para não trabalhar mais hoje e ficar com você.
— Oh, mas Joseph vai contar-lhe — disse ela. — É melhor você ir.
— Joseph está carregando lodo no extremo de Peniston Crag e não voltará antes de escurecer.
Assim dizendo, aproximou-se da lareira e sentou-se. Catherine pensou um instante, as sobrancelhas franzidas; achava necessário aplainar as surpresas de uma intrusão. — Isabella e Edgar Linton falaram que talvez viessem cá, esta tarde — disse ela, ao cabo de um minuto de silêncio. — Como está chovendo, não os espero; mas talvez eles resolvam vir assim mesmo, e, se vierem, você corre o risco de ser escorraçado.
— Diga a Ellen para avisá-los de que você está ocupa­da, Cathy — insistiu ele. — Não me troque pelos idiotas dos seus amigos! Às vezes chego a ter vontade de me quei­xar de que eles. . . mas, não.. .
— De que eles o quê? — exclamou Catherine, olhan­do para ele com ar preocupado. — Oh, Nelly! — acres­centou, com petulância, tirando a cabeça das minhas mãos.
— Você me desmanchou os cachos todos! Chega, deixe-me! De que é que você sente vontade de se queixar, hein, Heathcliff?
— De nada. Olhe só para a folhinha que está naquela parede. — E apontou para uma folhinha perto da janela, dizendo: — As cruzes marcam as tardes e as noites que você passou com os Linton, os pontos as que passou co­migo. Está vendo? Marquei todos os dias!
— Sim. . . uma idiotice; como se eu reparasse nisso!
— replicou Catherine, em tom caprichoso. — E para que tudo isso?
— Para mostrar que eu reparo nisso — respondeu Heathcliff.
— Quer dizer que eu devia ficar sempre com você?
— perguntou ela, cada vez mais irritada. — Que vantagem eu teria? De que é que você fala? Até parece que você é idiota ou um bebê, pelo que fala comigo!
— Você nunca me disse que eu falava pouco ou que a minha companhia não lhe agradava, Cathy! — excla­mou Heathcliff, agitado.
— Não é companhia nenhuma a de uma pessoa que nada sabe e nada diz — murmurou ela.
Heathcliff levantou-se, mas não teve tempo de retru­car, pois as patas de um cavalo ressoaram no pátio, e, após ter batido de leve na porta, o jovem Linton entrou, o rosto resplandecente de satisfação pelo chamado ines­perado quê recebera. Sem dúvida, Catherine reparou na diferença entre os dois amigos, um entrando e o outro saindo. O contraste lembrava o que existe entre uma região anda, de minas de carvão, e um belo e fértil vale, e a voz e a maneira de cumprimentar do recém-chegado contras­tavam igualmente com as de Heathcliff. Tinha um modo de talar suave e agradável e pronunciava as palavras como o senhor faz, ou seja, mais suavemente do que é costume aqui.
— Não cheguei cedo demais, cheguei? — perguntou ele, lançando-me um olhar. Eu começara a limpar e a arrumar umas gavetas do aparador.
— Não — respondeu Catherine. — Que é que você está fazendo aí, Nelly?
— O meu trabalho, senhorita — repliquei. (O Sr. Hindley dera-me ordens para estar sempre presente durante as visitas que Linton fizesse.)
Ela se aproximou de mim e sussurrou, irritada: — Ponha-se daqui para fora, você e mais os seu espanadores! Quando há visitas na sala, os criados não têm nada que limpar!
— Estou aproveitando que o patrão não está em casa — respondi, em voz alta. — Ele detesta ver-me limpar na sua presença. Tenho a certeza de que o Sr. Edgar vai me desculpar.
— Pois eu também detesto ver você limpar na minha presença! — exclamou a jovem imperativamente, não dan­do ao rapaz oportunidade de responder; ainda não recupe­rara a calma, após a sua discussão com Heathcliff.
— Lamento muito, senhorita — respondi; e continuei com o que estava fazendo.
Supondo que Edgar não a pudesse ver, Catherine arrancou-me a flanela da mão e beliscou-me, com toda a fúria, no braço. Já lhe disse que não gostava dela e sentia satisfação em mortificá-la, de vez em quando; além disso, o beliscão doeu muito. Levantei-me e gritei: — Oh, senhorita, isso não se faz! Não tem o direito de me beliscar, e não vou tolerar isso!
— Eu não lhe toquei, sua mentirosa! — retrucou ela, os dedos prontos para me beliscar de novo e as orelhas vermelhas de raiva. Nunca conseguia esconder as suas fúrias, ficava sempre rubra como um pimentão.
— Que é isto, então? — repliquei, mostrando a mar­ca roxa que ela me fizera no braço.
Ela bateu com o pé, hesitou um momento e, depois, impelida pela ira, esbofeteou-me. . . uma bofetada que fez com que as lágrimas me viessem aos olhos.
— Catherine, meu bem! Catherine! — interveio Lin­ton, chocado com a demonstração de mentira e violência que o seu ídolo fizera.
— Saia da sala, Ellen! — repetiu ela, tremendo dos pés à cabeça.
O pequeno Hareton, que me seguia para todo lado e estava sentado perto de mim, no chão, vendo as minhas lágrimas, começou a chorar e a soluçar contra a "má tia Cathy", o que atraiu a fúria dela para cima do inocente: Cathy pegou-o pelos ombros e sacudiu-o até a criança ficar lívida de medo. Edgar correu a lhe agarrar as mãos, para obrigá-la a soltá-lo. Conseguiu soltar uma, mas o atônito jovem não tardou a senti-la cair, com toda a força, no seu próprio ouvido. Recuou, consternado. Tomei Hareton ao colo e dirigi-me com ele para a cozinha, deixando a porta aberta, pois estava curiosa de ver como acabaria aquilo. O insultado visitante aproximou-se do lugar onde deixara o chapéu, pálido e com o lábio trêmulo.
"Ótimo!", pensei comigo mesma. "Aceite o aviso e vá-se embora! Foi uma sorte ter tido a oportunidade de ver como ela é, na realidade!"
— Aonde é que você vai? — perguntou Catherine, avançando para a porta.
Ele se desviou dela e tentou passar.
— Você não pode ir embora! — exclamou ela, com energia.
— Vou, sim! — replicou ele, num fio de voz.
— Não! — insistiu ela, agarrando a maçaneta. — Não pode ir já, Edgar Linton. Sente-se. Você não pode deixar-me neste estado. Passarei toda a noite sem dormir, e não quero ficar sem dormir por sua culpa!
— Mas como é que eu posso ficar se você me bateu?
— perguntou Linton.
Catherine não respondeu.
— Fez-me sentir medo e vergonha de você, Catherine
— continuou ele. — Não voltarei mais aqui!
Os olhos dela começaram a brilhar e as pálpebras a tremular.
— Além disso, você mentiu deliberadamente! — acusou ele.
— Não! — exclamou ela, recobrando a fala. — Não fiz nada deliberadamente. Está bem, vá-se embora, se quiser. . . vá logo! Deixe-me chorar, agora. . . deixe-me chorar até adoecer!
Deixou-se cair de joelhos perto de uma cadeira e co­meçou a chorar desconsoladamente. Edgar persistiu na sua decisão até chegar ao pátio; lá, pareceu hesitar. Resolvi encorajá-lo.
— Ela é terrivelmente caprichosa — disse-lhe. — Pior do que uma criança mimada. É melhor o senhor voltar logo para casa, ou ela adoecerá só para nos preocupar.
O pobre rapaz olhou pela janela: tinha tanta força de vontade quanto um bebê recém-nascido. "Ah", pensei, "não há mais salvação para ele: está condenado, irremediavel­mente!" E assim foi: voltou-se abruptamente, correu para a casa e fechou a porta atrás de si; quando eu entrei na sala, pouco depois, para avisá-los de que Earnshaw voltara bêbedo, perdido e disposto a brigar com todo o mundo (sua reação habitual, quando embriagado), percebi que a contenda resultara apenas numa maior intimidade. Rom­pera toda a timidez e permitira-lhes pôr de lado o disfarce da amizade e confessarem a sua condição de enamorados.
A notícia de que o Sr. Hindley tinha chegado fez com que Linton corresse para o seu cavalo e Catherine para o quarto. Por minha parte, corri a esconder o pequeno Hareton e a tirar as balas da caçadeira do patrão, que costumava dispará-la a esmo, quando ébrio, pondo em risco a vida de quem se metesse na sua frente ou mesmo lhe atraísse demasiado a atenção.

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