sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Capítulo 10

Mesmo que eu quisesse, eu não poderia ter caminhado ao redor para ver o que tinha se
passado no terraço. Bill e Eric pareciam amortecidos, e quando vampiros parecem
amortecidos, isso significa que você realmente não quer ir investigar.
"Nós vamos ter que queimar a cabana," disse Eric há poucos metros de distância. "Eu
queria que Calisto tivesse cuidado de sua própria bagunça."
"Ela nunca cuidou," disse Bill, "é o que tenho ouvido. Ela é a loucura. O que faz a
verdadeira loucura se preocupar em ser descoberta?"
"Ah, eu não sei," disse Eric descuidadosamente. Ele soou como se estivesse levantando
algo. Houve um pesado baque. "Eu já vi algumas pessoas que estavam definitivamente
loucas e bem astutas com isso."
"É verdade," disse Bill. "Não deveríamos deixars uns dois deles na varanda?"
"Como se pode prever?"
"Isso é verdade, também. Esta é uma noite rara comigo podendo concordar desse tanto com
você."
"Ela me ligou e me pediu para ajudar." Eric estava respondendo às entrelinhas ao invés da
afirmação.
"Então, tudo bem. Mas lembre-se do nosso acordo."
"Como posso esquecer?"
"Você sabe que Sookie pode nos ouvir."
"Por mim está tudo muito bem," disse Eric, e sorriu. Eu lancei um olhar para a noite e me
perguntei, não muito curiosamente, sobre que diabos eles estavam falando. Não é como se
eu fosse a Rússia, para ser distribuída para o ditador mais forte. Sam estava descansando ao
meu lado, de volta à sua forma humana, e nu em absoluto. No momento, eu não poderia ter
me importado menos. O frio não incomodava Sam, uma vez que ele era um metamorfo.
"Opa, aqui tem um vivo," Eric gritou.
"Tara," Sam chamou.
Tara se arrastou pelos degraus do terraço em nossa direção. Ela atirou seus braços em volta
de mim e começou a chorar. Com enorme cansaço, eu a segurei e a deixei soluçar como um
bebê. Eu ainda estava no meu disfarce com aquele short curtíssimo,
e ela estava com sua lingerie de incendiar-o-motor. Éramos como grandes lírios brancos
aquáticos em um lago gelado, nós duas. Consegui me estabilizar e sustentar Tara.
"Haveria um cobertor naquela cabana, você não acha?" Perguntei a Sam. Ele correu
devagar sobre os degraus, e eu notei que o efeito era interessante por trás. Após um minuto,
ele voltou correndo – uau, esta visão era ainda mais notável – e enrolou um cobertor em
volta de nós duas.
"Eu devo que estar viva," Eu murmurei.
"Por que você diz isso?" Sam era curioso. Ele não pareceu demasiadamente surpreendido
pelos acontecimentos da noite.
Eu dificilmente poderia dizer a ele que era porque eu o vi saltitando por aí, então eu disse,
"Como estão Ovos e Andy?"
"Soava como um programa de rádio," Tara disse de repente, e sorriu. Eu não gostei do som
daquilo.
"Eles ainda estavam de pé quando ela os deixou," relatou Sam. "Ainda encarando."
"Eu estou-ainda-encarando," Tara cantou, ao som da música do Elton John "I'm Still
Standing."
Eric riu.
Ele e Bill estavam prestes a começar o fogo. Eles passaram por nós para nos checar no
último momento.
"Em qual carro você veio?" Bill perguntou a Tara.
"Ooo, um vampiro," disse ela. "Você é o namorado de Sookie, não é? Por que você foi ao
jogo da outra noite com uma cadela como Portia Bellefleur?"
"Ela é gentil, também," disse Eric. Ele olhou para baixo para Tara com uma espécie de
sorriso benevolente mas decepcionado, como um criador de cães admirando um fofo, mas
inferior, filhote.
"Em qual carro você veio?" Bill perguntou novamente. "Se houver um lado sensível em
você, quero vê-lo agora."
"Eu vim no Camaro branco," disse ela, bem sobriamente. "Vou levá-lo para casa. Ou talvez
seja melhor não. Sam?"
"Claro, eu deixo você em casa. Bill, você precisa de minha ajuda aqui?"
"Acho que Eric e eu podemos lidar com isso. Você pode levar o magrelo?"
“Ovos? Eu vou ver."
Tara me deu um beijo na bochecha e começou a pegar seu caminho pelo jardim até o seu
carro. "Deixei as chaves dentro," ela gritou.
"E a sua bolsa?" A polícia certamente questionaria se eles encontrassem a bolsa de Tara em
uma cabana com um monte de corpos.
"Ah... Está lá dentro."
Olhei Bill silenciosamente, e ele correu para buscar a bolsa. Ele voltou com uma enorme
bolsa à tiracolo, grande o suficiente para conter não só maquiagem e itens cotidianos, mas
também uma muda de roupa.
"Isto é seu?"
"Sim, obrigada," disse Tara, pegando sua bolsa dele como se ela estivesse com medo
que os dedos dele pudessem tocar os dela. Ela não tinha sido tão exigente no início da
noite, eu pensei.
Eric estava transportando Ovos para o carro dela. "Ele não vai lembrar de nada disto," Eric
disse a Tara enquanto Sam abria a porta traseira do Camaro para que Eric pudesse deitar
Ovos dentro.
"Gostaria de poder dizer o mesmo." Seu rosto parecia decair sobre seus ossos pelo peso do
conhecimento sobre o que tinha acontecido esta noite. "Eu gostaria de nunca ter visto
aquela coisa, o que quer que ela seja. Gostaria de nunca ter vindo aqui, pra começo de
conversa. Eu odiava fazer isso. Eu só achei que Ovos valia a pena." Ela deu uma olhada na
forma inerte no banco traseiro de seu carro. "Ele não valia. Ninguém vale."
"Posso remover a sua memória, também." Eric fez a oferta sem constrangimento.
"Não," disse ela. "Eu preciso lembrar um pouco disso, e vale a pena carregar o fardo do
resto." Tara parecia vinte anos mais velha. Às vezes nós podemos amadurecer em um
minuto; eu tinha feito isso quando eu estava por volta dos sete anos e os meus pais
morreram. Tara tinha feito isso esta noite.
"Mas eles estão todos mortos, todos exceto a mim e Ovos e Andy. Vocês não estão com
medo do que possamos falar? Vocês irão atrás de nós?"
Eric e Bill trocaram olhares. Eric chegou um pouco mais perto de Tara. "Olha, Tara,"
ele começou, em uma voz muito razoável, e ela cometeu o erro de olhar para cima. Então,
quando ela fixou o olhar, Eric começou a apagar a memória daquela noite. Eu estava
simplesmente cansada demais para protestar, como se isso fosse melhorar alguma coisa.
Ainda que Tara pudesse levantar a questão, ela não deveria ser sobrecarregada com o
conhecimento. Eu esperava que ela não repetisse seus erros, tendo sido desligada do
conhecimento do quanto eles tinham custado a ela; mas ela não podia ser autorizada a
contar histórias.
Tara e Ovos, conduzidos por Sam (que tinha tomado emprestado as calças de Ovos),
estavam em seu caminho de volta para a cidade quando Bill começou a organizar um
incêndio-de-aspecto-natural para consumir a cabana. Eric estava aparentemente contando
os ossos sobre o terraço, para se certificar de que os corpos estavam completos o suficiente
para tranquilizar os investigadores. Ele atravessou todo o terreno para verificar Andy.
"Por que é que Bill odeia tanto os Bellefleurs?" Perguntei-lhe novamente.
"Ah, essa é uma velha história," disse Eric. "Desde antes de Bill ter sido transformado." Ele
pareceu satisfeito com a situação de Andy e voltou ao trabalho.
Eu ouvi um carro se aproximar, e tanto Bill quanto Eric apareceram no jardim
instantaneamente. Eu podia ouvir um estalo fraco do outro lado da cabana. "Não podemos
iniciar o incêndio em mais de um local, ou eles poderão ser capazes de dizer que não foi
natural," disse Bill a Eric. "Odeio esses avanços na ciência da polícia."
"Se não tivéssemos decidido a ir público, eles teriam de pôr a culpa em um deles," disse
Eric. "Mas do jeito que está, nos tornamos bodes expiatórios tão atraentes... É irritante,
quando você pensa no quanto nós somos muito mais fortes."
"Ei, rapazes, eu não sou uma marciana, sou uma humana, e eu posso ouvi-los muito bem,"
eu disse. Eu estava olhando furiosa para eles, e eles estavam parecendo talvez com umquinquagésimo
de vergonha, quando Portia Bellefleur saiu de seu carro e correu para seu
irmão. "O que vocês fizeram com o Andy?" disse ela, sua voz áspera e afiada. "Seus
vampiros malditos." Ela puxou o colarinho da camisa de Andy de um lado e do outro,
procurando por marcas de perfuração.
"Eles salvaram a vida dele," eu disse a ela.
Eric olhou para Portia por um longo momento, avaliando-a, e então ele começou a procurar
os carros dos participantes da orgia que estavam mortos. Ele pegou as chaves dos carros
deles, o que eu não queria nem ver.
Bill foi até Andy e disse, "Acorde," numa voz mais silenciosa, tão silenciosa que
dificilmente poderia ser ouvida há poucos metros de distância.
Andy piscou. Ele olhou em volta para mim, confuso por eu não estar maisem seu domínio,
eu acho. Ele viu Bill, tão perto dele, e ele recuou, esperando retaliação. Ele registrou que
Portia estava ao seu lado. Então ele olhou passando de Bill para a cabana.
"Está pegando fogo," ele observou, lentamente.
"Sim," disse Bill. "Eles estão todos mortos, com exceção dos dois que já voltaram para
a cidade. Eles não sabiam de nada."
"Então... Estas pessoas realmente mataram Lafayette?"
"Sim," eu disse. "Mike, e os Hardaways, e acho que talvez Jan sabia de tudo.”
“Mas não tenho nenhuma prova."
"Ah, eu acho que tem," Eric chamou. Ele estava olhando dentro do porta-malas do Lincoln
de Mike Spencer.
Todos nós fomos até o carro para ver. A visão superior de Bill e Eric tornava fácil para eles
dizerem que havia sangue estampado da mala do carro, sangue e algumas roupas
manchadas e uma carteira. Eric se abaixou e cuidadosamente abriu a carteira.
"Você pode ler de quem é?" Andy perguntou.
"Lafayette Reynold," disse Eric.
"Então se nós apenas deixarmos os carros como estão, e formos embora, a polícia vai
encontrar o que está no porta-malas e estará tudo acabado. Estarei limpo."
"Oh, graças a Deus!" Portia disse, e deu uma espécie de suspiro gemido. Seu rosto claro e
cabelos castanhos espessos captaram um clarão do luar filtrado através das árvores. "Ah,
Andy, vamos para casa."
"Portia," Bill disse, "olhe para mim."
Ela lançou o olhar para ele, então afastou. "Lamento ter envolvido você nisso desse
jeito," disse ela rapidamente. Ela estava envergonhada de pedir desculpas a um vampiro,
você poderia notar. "Eu estava apenas tentando conseguir que uma dessas pessoas que
vinham aqui me convidasse, assim eu poderia descobrir por mim mesma o que estava
acontecendo."
"Sookie fez isso por você," disse Bill suavemente.
O olhar pasmo de Portia lançou-se sobre mim. "Espero que não tenha sido tão terrível,
Sookie," disse ela, me surpreendendo.
"Foi realmente terrível," eu disse. Portia encolheu-se. "Mas acabou."
"Obrigado por ajudar Andy," disse Portia corajosamente.
"Eu não estava ajudando Andy. Eu estava ajudando Lafayette," Eu rebati.
Ela tomou um fôlego profundo. "É claro," disse ela, com alguma dignidade. "Ele era seu
colega de trabalho."
"Ele era meu amigo," Eu corrigi.
Suas costas ficaram eretas. "Seu amigo," disse ela.
O fogo estava se estendendo na cabana agora, e logo chegariam a polícia e os bombeiros.
Era definitivamente hora de ir.
Notei que nem Eric nem Bill se ofereceram para remover quaisquer memórias de Andy.
"É melhor você sair daqui," eu disse a ele. "É melhor você voltar para sua casa, com Portia,
e dizer à sua avó para jurar que você estava lá a noite toda."
Sem uma palavra, irmão e irmã se amontoaram no Audi de Portia e foram embora. Eric se
dobrou dentro do Corvette para dirigir de volta para Shreveport, e Bill e eu fomos pelo
bosque para o carro de Bill, escondido entre as árvores ao lado da estrada. Ele me carregou,
como ele gostava de fazer. Tenho de adimitir, eu gostava disso, também, de vez em quando.
Essa foi definitivamente uma das vezes.
Não estava longe de amanhecer. Uma das mais longas noites da minha vida estava prestes a
chegar ao fim. Eu me encostei sobre o banco do carro, cansada além da conta.
"Para onde Calisto foi?" Perguntei a Bill.
"Eu não tenho ideia. Ela se desloca de um lugar para outro. Não foram muitas as
bacantes que sobreviveram à perda do deus, e aquelas que encontram florestas, ficam
vagando nelas. Eles se mudam antes de sua presença ser descoberta. Elas são astutas assim.
Eles adoram guerra e a sua loucura. Você nunca vai encontrá-las longe de um campo de
batalha. Eu acho que todas elas se mudariam para o Oriente Médio se lá houvesse mais
florestas."
"Calisto estava aqui porque...?"
"Só de passagem. Ela ficou talvez dois meses, agora ela vai tomar o seu caminho... Quem
sabe? Para Everglades, ou subir o rio para Ozarks."
"Eu não consigo entender Sam, ah, se amigando por aí com ela."
"É assim que você chama isso? É isso que nós fazemos, nos amigamos por aí?"
Eu o alcancei e dei-lhe uma cotovelada no braço, que era como pressionar uma madeira.
"Você," eu disse.
"Talvez ele só quisesse caminhar no lado selvagem," disse Bill. "Afinal, é difícil para Sam
encontrar alguém que possa aceitar a sua verdadeira natureza." Bill pausou
significativamente.
"Bem, isso pode ser difícil de fazer," eu disse. Eu lembrei de Bill voltando para a mansão
em Dallas, todo rosado, e eu engoli seco. "Mas pessoas apaixonadas dificilmente se
mantêm fora dos assuntos do outro." Pensei em como eu me senti quando eu ouvi dizer que
ele estava saindo com Portia, e pensei de como eu reagi quando eu o vi no jogo de futebol.
Eu estendi minha mão para repousar sobre sua coxa, e a apertei delicadamente.
Com seus olhos na estrada, ele sorriu. Suas presas apareceram um pouco.
"Você deixou tudo acertado com os metamorfos em Dallas?" Perguntei depois de um
momento.
"Eu resolvi em uma hora, ou melhor, Stan resolveu. Ele ofereceu-lhes a sua fazenda para as
noites de lua cheia, pelos próximos quatro meses."
"Oh, isso foi legal da parte dele."
"Bem, isso não lhe custou nada exatamente. E ele não caça, então os cervos precisam ser
abatidos de qualquer forma, como ele salientou."
"Oh," eu disse em reconhecimento, e então após um segundo, "Ooooh."
"Eles caçam."
"Certo. Entendi."
Quando chegamos de volta à minha casa, não faltava muito até amanhecer. Eric deveria já
estar chegando em Shreveport, eu imaginei. Enquanto Bill tomava banho, eu comi um
pouco de manteiga de amendoim e geléia, já que eu não tinha comido nada por mais horas
do que eu poderia somar. Então eu saí para escovar meus dentes.
Pelo menos ele não teve que sair com pressa. Bill tinha passado várias noites do mês
anterior criando um lugar para ele na minha casa. Ele cortou o fundo do armário no meu
antigo quarto, aquele que eu tinha usado durante anos antes de minha avó morrer e eu
começar a usar o dela. Ele transformou o fundo inteiro do armário em um alçapão, assim
ele poderia abri-lo, entrar, e fechá-lo depois que ele estivesse dentro, e ninguém teria sido
mais sensato, além de mim. Se eu estivesse ainda acordada quando ele fosse se enterrar,
colocaria uma mala velha mala no armário e uns dois pares de sapatos para dar uma
aparência mais natural. Bill mantinha uma caixa acomodada na área abaixo para dormir
nela, porque era extremamente sujo lá embaixo. Ele não ficava lá com frequencia, mas
vinha a calhar de vez em quando.
"Sookie," Bill chamou do meu banheiro. "Venha, eu tenho tempo para esfregar você."
"Mas se você me esfregar, vai ser difícil para eu pegar no sono."
"Por quê?"
"Porque eu vou ficar frustrada."
"Frustrada?"
"Porque eu estarei limpa, mas não... amada."
"Está quase de manhã," Bill admitiu, empurrando a cabeça pela cortina do chuveiro. "Mas
nós teremos um tempo só nosso amanhã à noite. "
"Se Eric não nos fizer ir para outro lugar," Eu murmurei, quando sua cabeça estava
seguramente sob a cascata de água. Como de costume, ele estava esgotando a maior parte
da minha água quente. Eu me contorci para tirar o maldito short e resolvi jogá-lo fora
amanhã. Puxei a camiseta pela minha cabeça e me estirei sobre minha cama para esperar
por Bill. Pelo menos o meu sutiã novo estava intacto. Eu virei para um lado, e fechei os
olhos contra a luz que vinha da porta banheiro meio aberta.
"Amor?"
"Você saiu do chuveiro?" Perguntei sonolenta.
"Sim, doze horas atrás."
"O quê?"Meus olhos se abriram voando. Eu olhei para as janelas. Não estava totalmente
escuro, mas escurecendo.
"Você adormeceu."
Eu tinha um cobertor sobre mim, e eu ainda estava usando o conjunto de sutiã azul
acinzentado e calcinha. Eu me senti como pão mofado. Eu olhei para Bill. Ele não estava
vestindo nada.
"Segure esse pensamento," eu disse e fiz uma visita ao banheiro. Quando eu voltei, Bill
estava esperando por mim sobre a cama, apoiado sobre um cotovelo.
"Você notou a roupa que você me deu?" Eu dei uma voltinha para mostrar ele todos os
benefícios de sua generosidade.
"É lindo, mas você pode estar levemente muito arrumada para a ocasião."
"Que ocasião seria essa?"
"O melhor sexo de sua vida."
Eu senti um solavanco de puro desejo descendo no meu interior. Mas eu mantive meu rosto
tranquilo. "E você pode ter certeza de que vai ser o melhor?"
"Ah, sim," disse ele, tornando sua voz tão suave e calma que era como água correndo sobre
pedras. "Eu posso ter certeza, e você também pode."
"Prove," disse, sorrindo muito ligeiramente.
Os olhos dele estavam nas sombras, mas eu podia ver a curva de seus lábios quando ele
sorriu de volta. "Com prazer," disse ele.
Algum tempo depois, eu estava tentando recuperar a minha força, e ele estava enrolado
sobre mim, um braço cruzando minha barriga, uma perna cruzando a minha. Minha boca
estava tão cansada que mal podia contraí-la para beijar seu ombro. A língua de Bill estava
suavemente lambendo as minúsculas marcas de furos no meu ombro.
"Você sabe o que precisamos fazer?" Eu disse, sentindo-me preguiçosa demais para me
mover alguma vez novamente.
"Hm?"
"Precisamos pegar o jornal."
Após uma longa pausa, Bill se desembrulhou de mim lentamente e deu uma voltinha até
a porta da frente. A minha jornaleira para na entrada da garagem e lança o jornal
diretamente na varanda porque eu dou a ela uma excelente gorjeta por esse discernimento.
"Olha só," disse Bill, e eu abri meus olhos. Ele estava segurando uma bandeija embrulhada
em papel laminado. O jornal estava enfiado debaixo do braço.
Eu rolei para fora da cama e fomos automaticamente para a cozinha. Eu coloquei meu robe
cor-de-rosa enquanto eu caminhava depois de Bill. Ele ainda estava ao natural, e eu
admirava o resultado.
"Tem uma mensagem na secretária eletrônica," eu disse, enquanto servia um café. A coisa
mais importante estava pronta, eu removi a folha de papel laminado e vi um bolo com duas
camadas de cobertura de chocolate, salpicado com nozes-pecã e um desenho de estrela no
topo.
"Esse é o velho bolo de chocolate da Sra. Bellefleur," eu disse, com reverência em minha
voz.
"Você pode dizer quem o fez simplesmente olhando?"
"Ah, este é um bolo famoso. É uma lenda. Nada é tão bom quanto o bolo da Sra. Bellefleur.
Se ela o introduz na feira regional, a faixa de campeã está garantida. E ela o traz quando
alguém morre. Jason dizia que valia a pena alguém morrer, só para pegar um pedaço do
bolo da Sra. Bellefleur."
"Que cheiro maravilhoso," disse Bill, para minha admiração. Ele se curvou para baixo e
cheirou. Bill não respira, então eu ainda não descobri exatamente como ele sente cheiros,
mas ele consegue. "Se você pudesse usar isso como um perfume, eu comeria você."
"Isso você já fez."
"Eu o faria uma segunda vez."
"Eu não acho que eu aguentaria." Eu me servi uma xícara de café. Eu encarei o bolo, cheia
de admiração. "Eu nem sequer achava que ela sabia onde eu morava."
Bill pressionou o botão de mensagens da secretária eletrônica. "Senhorita Stackhouse,"
disse a voz de uma aristocrata muito velha e muito sulista. "Eu bati na sua porta, mas você
devia estar ocupada. Deixei um bolo chocolate para você, já que eu não sabia o que mais
poderia fazer para agradecê-la pelo que Portia me contou que você fez pelo meu neto
Andrew. Algumas pessoas têm a amabilidade de me dizer que esse bolo é bom. Eu espero
que você goste. Se eu algum dia eu puder ser útil a você, me ligue."
"Não disse o nome dela."
"Caroline Holliday Bellefleur espera que todo mundo saiba quem ela é."
"Quem?"
Levantei o olhar para Bill, que estava de pé perto da janela. Eu estava sentada na mesa da
cozinha, bebendo café em uma das xícaras floridas da minha avó.
"Caroline Holliday Bellefleur."
Bill não poderia ficar ainda mais pálido, mas ele estava indubitavelmente atordoado. Ele
sentou bem abruptamente na cadeira em frente a mim. "Sookie, me faça um favor."
"Claro, amor. O que é?"
"Vá até minha casa e pegue a Bíblia que está na estante de livros com portas de vidro no
corredor."
Ele parecia tão chateado, que agarrei minhas chaves e me dirigi até lá de robe, esperando
que eu não encontrasse ninguém pelo caminho. Não havia tantas pessoas que viviam pelas
ruas em nossa região, e nenhum deles estaria fora às quatro da manhã.
Eu entrei sozinha na casa do Bill e encontrei a Bíblia exatamente onde ele disse que estaria.
Eu a tirei facilmente da estante com muito cuidado. Era obviamente muito antiga. Eu estava
tão nervosa carregando-a pelo caminho até a minha casa que eu quase tropeçei. Bill estava
sentado onde eu o tinha deixado. Quando eu coloquei a Bíblia na frente dele, ele ficou
olhando fixamente para ela por um longo minuto. Eu comecei a me perguntar se ele poderia
tocá-la. Mas ele não pediu ajuda, então eu esperei. Sua mão a alcançou e os dedos brancos
acariciaram a capa de couro gasta. O livro era pesado, e as letras douradas na capa eram
ornamentadas.
Bill abriu o livro com os dedos suaves e virou uma página. Ele estava olhando para uma
página familiar, com registros desbotados em tinta, feitos em várias caligrafias diferentes.
"Eu fiz esses," disse ele em um sussurro. "Esses aqui." Ele apontou para algumas linhas de
escrita.
Meu coração estava na minha garganta como eu dei a volta pela mesa para olhar sobre seu
ombro. Eu coloquei minha mão sobre seu ombro, para estabelecer uma ligação dele com o
aqui e agora.
Eu mal podia decifrar a escrita.
William Thomas Compton, sua mãe tinha escrito, ou talvez seu pai. Nascido em 9 de
abril de 1840. Outra mão tinha escrito Morto em 25 de novembro de 1868.
"Você tem uma data aniversário," eu disse, de todas as coisas estúpidas que eu poderia
dizer. Eu nunca pensei em Bill fazendo aniversário.
"Eu era o segundo filho," disse Bill. "O único filho que cresceu."
Me lembrei que Robert, o irmão mais velho de Bill, tinha morrido quando ele tinha doze ou
algo assim, e outros dois bebês tinham morrido na infância. Havia todos estes nascimentos
e mortes registrados, na página sob os dedos de Bill.
"Sarah, a minha irmã, morreu sem filhos." Eu me lembrava disso. "Seu jovem marido
morreu na guerra. Todos os homens jovens morreram na guerra. Mas eu sobrevivi, apenas
para morrer mais tarde. Esta é a data da minha morte, até onde a minha família tem
conhecimento. Esta é a letra de Sarah."
Segurei meus lábios pressionados firme, assim eu não emitiria um som. Havia algo na voz
do Bill, a maneira que ele tocava a Bíblia, que era quase insuportável. Eu podia sentir meus
olhos se enchendo de lágrimas.
"Aqui está o nome da minha esposa," disse ele, sua voz cada vez mais inaudível.
Eu me iclinei novamente para ler, Caroline Isabelle Holliday. Por um segundo, a sala
balançou de lado, até que eu percebi que isso não podia ser.
"E tínhamos filhos," disse ele. "Nós tivemos três filhos."
Seus nomes estavam lá, também. Thomas Charles Compton, nascido em 1859. Ela ficou
grávida logo depois que eles se casaram, então.
Eu nunca teria um filho de Bill.
Sarah Isabelle Compton, nascida em 1861. Teve seu nome dado em honra da sua tia (irmã
do Bill) e sua mãe. Ela tinha nascido na época que Bill tinha partido para a guerra. Lee
Davis Compton, nascido em 1866. Um bebê no retorno ao lar. Morto em 1867, uma mão
diferente tinha acrescentado.
"Os bebês morriam como moscas naquela época," Bill sussurrou. "Nós éramos tão pobres
após a guerra, e não havia qualquer medicamento".
Eu estava prestes a me retirar triste e chorona da cozinha, mas depois percebi que se Bill
podia suportar isso, eu tinha que conseguir ainda mais.
"As outras duas crianças?" Perguntei.
"Elas viveram," disse ele, a tensão em seu rosto aliviando um pouco. "Eu tinha os tinha
abandonado, obviamente. Tom estava apenas com nove anos quando eu morri, e Sarah
tinha sete. Ela era loirinha, como a mãe dela." Bill sorriu um pouco, um sorriso que eu
nunca tinha visto em seu rosto antes. Ele pareceu bastante humano. Foi como ver um ser
diferente sentado aqui na minha cozinha, não a mesma pessoa com quem eu tinha feito
amor tão intimamente a menos de uma hora antes. Eu puxei um lenço de papel da caixa da
prateleira de bolos e passei levemente em meu rosto. Bill estava chorando também, e eu lhe
entreguei um. Ele olhou para o lenço surpreso, como se ele esperasse ver algo diferente –
talvez um lenço de algodão com monograma. Ele passou de leve em suas próprias
bochechas. O lenço ficou rosa.
"Eu nunca sequer tinha procurado saber o que aconteceu com eles," disse ele de forma
questionadora. "Me afastei de todos completamente. Eu nunca voltei, é claro, não enquanto
houvesse qualquer possibilidade de que um deles estivesse vivo. Isso seria muito cruel." Ele
leu a página abaixo.
"Minha descendente Jessie Compton, de quem recebi a minha casa, foi a última da minha
linhagem direta," Bill me disse. "A linhagem de minha mãe, também, tinha diminuído, até
os Loudermilks que restaram são apenas meus parentes bem distantes. Mas Jessie era
descedente do meu filho Tom, e aparentemente, a minha filha Sarah se casou em 1881. Ela
teve um fiho em - Sarah teve um filho! Ela teve quatro filhos!Mas um deles nasceu morto."
Eu não podia sequer olhar para Bill. Em vez disso, eu olhei para a janela. Tinha começado a
chover. Minha avó amava seu telhado de estanho, por isso quando teve que ser substituído,
colocamos de estanho novamente, e o barulho da chuva era normalmente o som mais
relaxante que eu conhecia. Mas não esta noite.
"Olha, Sookie," Bill disse, apontando. "Olha! A filha da minha filha Sarah, nomeada
Caroline em honra da sua avó, casou com um primo dela, Matthew Phillips Holliday. E a
sua segunda filha foi Caroline Holliday." Seu rosto estava resplandescente.
"Então a velha Sra. Bellefleur é a sua bisneta."
"Sim," disse ele incredulamente.
"Então, Andy," eu continuei, antes que eu pudesse pensar duas vezes sobre isso, "é o seu,
ah, tatara-tatara-tatara-neto. E Portia..."
"Sim," disse ele, de modo menos feliz.
Eu não tinha ideia do que dizer, então, por uma vez, eu não disse nada. Após um
minuto, tive a sensação de que poderia ser melhor se me afastasse, então tentei deslizar por
ele para sair da pequena cozinha.
"Do que eles precisam?" ele me perguntou, segurando meu pulso.
Certo. "Eles precisam de dinheiro," eu disse imediatamente. "Você não pode ajudá-los com
suas personalidades problemáticas, mas eles estão sem grana da pior maneira possível. A
velha Sra. Bellefleur não vai desistir daquela casa, e mantê-la está comendo cada centavo."
"Ela é orgulhosa?"
"Eu acho que você pode perceber pela sua mensagem ao telefone. Se eu não tivesse
descoberto que o seu nome do meio é Holliday, eu teria pensado que era ‘Soberba’." Eu
fitei Bill. "Acho que ela é assim naturalmente."
De qualquer maneira, agora que Bill sabia que ele poderia fazer algo por seus descendentes,
ele pareceu se sentir muito melhor. Eu sabia que ele ficaria relembrando o passado por
alguns dias, e eu não me ressentiria dele por isso. Mas se ele decidir assumir Portia e Andy
como causas permanentes, isso pode ser um problema.
"Você não gostava do nome Bellefleur antes disso," eu disse, surpreendendo a mim mesma.
"Por quê?"
"Quando eu falei no clube de sua avó, você se lembra, os Descendentes dos Mortos
Gloriosos?"
"Sim, claro."
"E eu contei uma história, a história do soldado ferido no campo, aquele que ficou
gritando por ajuda? E como o meu amigo Tolliver Humphries tentou resgatá-lo?"
Eu assenti.
"Tolliver morreu na tentativa," disse Bill desoladamente. "E o soldado ferido recomeçou a
pedir ajuda após a morte dele. Nós conseguimos recuperá-lo durante a noite. Seu nome era
Jebediah Bellefleur. Ele tinha dezessete anos de idade."
"Ah meu Deus. Então, isso era tudo o que você sabia dos Bellefleurs até hoje."
Bill assentiu.
Tentei pensar em algo de significativo para dizer. Algo sobre planos cósmicos. Algo
sobre atirar o seu pão sobre as águas*. Todas as ações têm consequências?
(*Uma expressão do Livro do Eclesiastes no Antigo Testamento: "Lançai teu pão sobre
as águas: para que tu devas encontrá-lo depois de muitos dias." Este ditado convida as
pessoas a acreditarem que suas boas ações acabarão por beneficiá-las.)
Tentei sair novamente. Mas Bill pegou meu braço, e me puxou para ele. "Obrigado,
Sookie."
Essa era a última coisa que eu esperava que ele dissesse. "Por quê?"
"Você me fez fazer a coisa certa sem nenhuma ideia da eventual recompensa."
"Bill, eu não posso induzir você a fazer nada."
"Você me fez pensar como um humano, como se eu ainda estivesse vivo."
"O bem que você faz está em você, e não em mim."
"Eu sou um vampiro, Sookie. Tenho sido um vampiro muito mais tempo do que eu fui
humano. Tenho chateado você muitas vezes. Para dizer a verdade, às vezes eu não consigo
entender por que você faz certas coisas, isso porque já se passou muito tempo desde que eu
fui uma pessoa. Nem sempre é confortável lembrar como era ser um homem. Às vezes eu
não quero ser lembrado."
Estes eram problemas sérios para mim. "Eu não sei se estou certa ou errada, mas eu não sei
como ser diferente," eu disse. "Eu estaria extremamente infeliz se não fosse por você."
"Se qualquer coisa me acontecer," disse Bill, "você deve procurar Eric."
"Você já disse isso antes," eu disse a ele. "Se alguma coisa acontecer com você, eu não
tenho de ir procurar ninguém. Eu sou dona de mim mesma. Eu é que tenho que decidir o
que quero fazer. Você tem que ter certeza de que nada acontecerá a você."
"Nós vamos ter mais problemas com a Sociedade nos próximos anos," disse Bill. "As ações
que terão de ser tomadas podem ser repugnantes para você como uma humana. E há os
perigos ligados ao seu trabalho." Ele não se referia a servir mesas.
"Nós vamos atravessar essa ponte quando chegarmos nela." Sentar no colo de Bill era um
verdadeiro prazer, especialmente porque ele ainda estava nu. Minha vida não tinha sido
exatamente cheia de prazeres até eu conhecer Bill. Agora todos os dias guardavam um
prazer, ou dois.
Na cozinha fracamente iluminada, com o cheiro do café tão bom (na sua própria maneira)
quanto o do bolo de chocolate, e a chuva batendo no telhado, eu estava tendo um belo
momento com o meu vampiro, o que se poderia chamar de um caloroso momento humano.
Mas talvez eu não devesse chamar assim, eu refleti, roçando a minha bochecha contra a
do Bill. Esta noite, Bill tinha aparentado ser bem humano. E eu - bem, eu tinha notado
enquanto fazíamos amor em nossos lençóis limpos, que na escuridão a pele de Bill tinha
estado incandescente em sua bela maneira sobrenatural. E a minha tinha, também.

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