sexta-feira, 1 de julho de 2011

MELANCIA - MARIAN KEYES Cap.10

O jantar foi meio esquisito; estávamos todos ligeiramente desconcertados por
causa de Adam.
Helen tinha sempre multidões de homens (embora seja mais exato chamá-los
de "rapazes") apaixonados por ela. Não se passou um dia sem que o telefone
tocasse, com algum jovem gaguejando do outro lado do fio, perguntando sobre suas
chances de sair com Helen.
E a casa mantinha um constante fluxo de visitantes masculinos. O fato de
serem convidados para o chá geralmente coincidia com a quebra do aparelho de
som de Helen, ou com o desejo de Helen de mandar pintar seu quarto, ou, no caso
em pauta, com a necessidade de Helen ter um trabalho escrito e sua ausência de
intenção de fazer isso ela própria.
E o prometido chá raramente se materializava depois de completada a tarefa.
Mas nenhum deles fora como Adam.
Eram, em geral, um pouco mais como Jim.
Pobre Jim, para lhe dar seu título completo.
Ele era desengonçado e magricela, e circulava em toda parte vestindo preto o
tempo inteiro e o ano todo. Mesmo no auge do verão, usava um sobretudo preto,
quilômetros maior do que ele, e grandes botas negras. Seu cabelo cheio era pintado
de preto e ele jamais me olhava nos olhos. Não falava muito e, quando o fazia, era
geralmente para discutir métodos de suicídio. Ou para falar de cantores de bandas
obscuras que haviam se matado.
Uma vez ele me disse "olá" e me deu uma espécie de sorrisinho simpático, e
eu pensei que o julgara mal, porém mais tarde descobri que ele estava bêbado de
cair.
Sempre carregava um decrépito exemplar de Fear and Loathing in Las Vegas
ou de American Psycho no forro rasgado do seu sobretudo preto. Queria entrar para
uma banda e matar-se, quando completasse 18 anos.
Mas acabei concluindo que ele adiara o prazo final para o suicídio, porque
completou 18 anos no Natal anterior e eu ainda não ouvira falar de sua morte, mas
estou certa de que ouviria.
Helen definitivamente o detestava.
Ele lhe telefonava sempre e, todas as vezes que o fazia, mamãe falava com ele
e mentia loucamente sobre o paradeiro de Helen. Dizia alguma coisa como: "Não,
Helen está fora, supõe-se que bêbada", enquanto Helen estava sentada no saguão,
olhando para mamãe, abanando os braços freneticamente e dizendo por mímica
labial: "Diga a ele que morri."
Depois que mamãe desligava o telefone, gritava com Helen.
- Não vou mais mentir por você. Estou colocando em perigo minha alma
imortal. E por que não fala com ele? É um rapaz simpático.
- É um babaca - respondia Helen.
- Ele é apenas tímido - dizia mamãe, em sua defesa.
- É um babaca - sustentava Helen, desta vez com voz mais alta.
Em ocasiões como o Dia dos Namorados ou no aniversário de Helen, pelo
menos um buquê de rosas negras seria entregue, da parte dele. Cartões feitos à
mão chegavam pelo correio, com desenhos muito vividos de corações partidos e
sangue, ou então uma única lágrima vermelha. Terrivelmente simbólico.
Houve um tempo em que não se podia entrar em nossa cozinha sem encontrar
Jim lá dentro, ainda usando o comprido casaco preto e conversando com mamãe.
Mamãe se tornara sua melhor amiga. Sua única aliada na luta para conquistar o
coração de Helen.
A maioria dos candidatos a namorado de Helen passava muito mais tempo
com mamãe do que jamais passara com Helen.
Papai o detestava. Possivelmente ainda mais do que Helen.
Acho que se desapontou com Jim.
Porque papai era tão ávido por companhia masculina que esperara estabelecer
alguns laços viris com Jim, já que tinha o rapaz como um elemento mais ou menos
permanente na cozinha, juntamente com a máquina de lavar ou a cesta de pão.
Uma noite, ele chegou em casa do trabalho, como de costume, e encontrou
Jim sentado na cozinha com mamãe. Helen foi direto para o quarto, logo que soube
que Jim estava nas imediações. Papai sentou-se à mesa da cozinha, tentando
conversar com ele.
Disse: "Você viu a partida?"
Jim limitou-se a olhar para papai com uma expressão inteiramente vazia. A
única partida da qual Jim parecia saber alguma coisa era a de um suicida.
Então, este foi o fim da história.
Agora, papai também pensava que Jim era um caso perdido.
Disse que Jim devia calar a boca, parar de só falar em se matar, e, em vez
disso, partir para o fato concreto.
Mamãe disse que Jim era realmente uma gracinha de pessoa, quando a gente
o conhecia melhor.
E que era pecado encorajar alguém a acabar com a própria vida.
Minha impressão era de que Jim estava sempre ali. Todas as vezes que eu
chegava em casa, vinda de Londres, ele parecia ter despencado em cima da mesa
da cozinha, com uma pequena nuvem negra em cima de sua cabeça, carregando
por toda parte seu ar de tragédia, como quem carrega uma pasta de documentos.
Mas eu sempre lhe dizia "Olá, Jim". Pelo menos era cortês.
Embora ele me ignorasse inteiramente.
Depois descobri o motivo.
Em meu segundo dia em casa, vinda de Londres, a campainha da porta tocou,
atendi e descobri, em pé no degrau da entrada, um corte de cabelo usando um
grande e comprido casaco negro.
Não tinha certeza se ele viera ver Helen ou mamãe, mas mamãe tinha saído,
então chamei Helen.
- Helen, Jim está à porta.
Helen desceu a escada, parecendo confusa.
- Ah, olá, Conor - disse ela para o sombrio jovem no degrau. Virou-se para
mim.
- Onde está Jim? - perguntou.
- Bem... este aqui... não é ele? - perguntei, um pouco surpresa, apontando para
o rapaz que usava o comprido casaco preto.
- Esse não é Jim, esse é Conor. Há mais ou menos um ano que não vejo Jim.
Acho melhor você entrar, Conor - disse ela, de má vontade. - Ah, sim, esta é minha
irmã, Claire. Está em casa, vinda de Londres, porque seu marido a deixou.
- Muito obrigada, Claire - rosnou ela para mim, zangada, enquanto levava
Conor para a sala de estar. - Há um mês que estou evitando esse sujeito.
Não há dúvida de que ela arderá nas fogueiras do inferno.
Pelo menos isso explicava por que Jim me ignorava todas as vezes que eu
dizia: "Olá, Jim."
Não era Jim, de jeito nenhum.
Mas era a cara de Jim.
E depois, todas as vezes que eu via Jim, dizia: "Olá, Conor."
Só que continuava errada.
O nome do sujeito agora era William.
Mas era igualzinho a Jim e Conor.
Adam era uma proposta inteiramente diferente de Jim e dos seus clones.
Bonito, parecendo medianamente inteligente, apresentável... sabem, normal!
Ele tinha algumas habilidades sociais, não parecia prestes a se desmanchar em
poeira, se fosse apanhado diretamente por um raio de sol, e era capaz de fazer mais
do que apenas ficar babando e olhando para Helen com os olhos vidrados.
Após apertar as mãos de todos nós, ele disse a mamãe, educadamente:
- Posso ajudar a senhora a pôr a mesa?
Mamãe ficou muito desconcertada. Não apenas pelo oferecimento de ajuda.
Que já era notável por si mesmo.
Mas, pura e simplesmente, pela sugestão de que puséssemos a mesa.
Você percebe, as pessoas, em nossa casa, tendem a se virar sozinhas na hora
das refeições e a comer seu jantar diante da televisão, vendo "Neighbours", em vez
de se sentar à mesa da cozinha.
- Ah, não é preciso; obrigada, Adam, eu mesma farei isso.
E, com um ar ligeiramente estupidificado, ela fez exatamente isso.
- Você merece ganhar um petisco, esta noite - disse a Adam, com um tom
infantil.
Honestamente, foi tão embaraçoso. Uma mulher adulta se comportando como
uma adolescente apaixonada.
- Claire fez o jantar para nós.
- Sim, ouvi dizer que Claire é uma grande cozinheira - ele sorriu para mim,
lançando-me numa agradável confusão. Ele realmente não deveria sorrir para mim
daquele jeito, enquanto eu estava escorrendo a massa, pensei, enquanto cuidava da
minha mão escaldada.
Fiquei imaginando quem lhe dissera que sou uma grande cozinheira, porque
tinha certeza de que certamente não fora Helen. Talvez ele simplesmente estivesse
sendo simpático. Mas, ora, o que há de errado nisso?
- Muito bem, senhoras e senhores, por favor tomem seus assentos para o
espetáculo desta noite - chamei, indicando que o jantar estava pronto.
Adam riu.
Fiquei pateticamente satisfeita.
Houve um arrastar geral de pés e ruído de cadeiras sendo movimentadas, e
todos se sentaram.
Adam pareceu totalmente incongruente quando se sentou à mesa, tornando a
cadeira uma anã, com aquela sua ridícula beleza, de maxilar quadrado.
Era um pouco como ter o Super Homem na cozinha ou Mel Gibson aparecendo
para tomar uma xícara de chá.
Tirei meu chapéu para Helen; daquela vez ela pescara um bonitão.
A boa aparência integral de Adam era uma mudança agradável, diante da
magra infelicidade de Jim/Conor/William.
Dentro de mais alguns anos ele seria inteiramente devastador.
Coloquei no centro da mesa a salada que havia preparado. Depois, coloquei a
massa e o molho em pratos e trouxe-os para os convivas.
A chegada da comida lançou mamãe, papai e Helen numa espécie de dilema.
O fato de que fora feita em casa deixou papai e Helen desconfiados.
Com toda a razão.
Deus sabe que eles tinham todos os motivos do mundo para estarem assim,
após tudo que haviam passado. Acho que aquilo fazia lembrar demais todos os
desastres de mamãe.
E, naturalmente, mamãe adorava fomentar problemas. Se ela os encorajasse a
se recusarem de imediato a comer aquilo, significaria que eu não prepararia mais
nenhum jantar, e a antiga ordem seria restabelecida, deixando-a assim em
liberdade.
Quando o prato de Helen foi colocado diante dela, a moça fez ruídos como se
fosse vomitar.
- Uuuughhhh! - disse, olhando fixamente o prato, com repugnância. - Que diabo
é isso?
- Apenas massa e molho - respondi, calmamente.
- Molho? - gritou ela, em um tom estridente. - Mas é verde.
- Isso mesmo - confirmei, nem por um segundo negando que o molho fosse
verde. - E verde. Molho pode ser verde, sabe?
Então Adam veio em meu socorro. Estava empanturrando-se de massa, com
grande prazer.
Quem sabe ele era um desses estudantes sem um tostão que podem passar
meses sem fazer uma refeição completa e que comeriam praticamente qualquer
coisa?
Mas ele agia como se estivesse apreciando a comida. E isso para mim
bastava.
- É uma delícia - disse, interrompendo de modo encantador as gracinhas de
Helen. - Você devia experimentar, Helen.
Helen fulminou-o com o olhar.
- Não vou tocar nisso. O aspecto é repulsivo.
Papai, mamãe e Helen olhavam fixamente para Adam, enquanto ele engolia a
comida, e prendiam o fôlego, os rostos gelados de horror, obviamente esperando
que morresse.
E quando, após cerca de cinco minutos, ele ainda estava vivo e não rolando de
um lado para o outro no chão, como uma vítima dos Bórgias, gritando para que
pusessem fim à sua dor, papai aventurou-se a experimentar a massa.
Agora, eu adoraria poder contar a vocês que, um a um, todos os membros de
minha família pegaram um garfo e, apesar de seu preconceito anterior, foram
conquistados por minha culinária sofisticada. E que todos nos abraçamos, com
sorrisos amarelos e acenos de cabeça auto depreciativos, admitindo francamente
como estávamos errados. Mais ou menos como numa comédia americana.
Mas não posso fazer isso.
Helen, com grandes tremores e rosto contorcido, recusou-se ostensivamente a
tocar na comida, embora o belo Adam lhe houvesse conferido seu zelo de
aprovação.
Fez para si mesma algumas torradas.
Déjà vu, ou sei lá o quê.
Papai comeu um pouquinho e declarou que, sem dúvida, era maravilhoso, mas
que seus gostos eram humildes. Que ele não tinha possibilidade de apreciar uma
comida tão exótica e sofisticada. Como disse:
- Sou um homem simples. Só provei torta de limão com suspiro aos 35 anos.
Mamãe também comeu um pouquinho, mas com um ar de martírio. Deixou
muito claro que desperdiçar comida era pecado.
Mesmo comida horrível.
Assim sendo, comeu-a. Sua atitude parecia ser a de que fomos postos nesta
terra para sofrer e que aquele jantar fora enviado para ela como alguma espécie de
castigo. Mas que, dada a escolha entre escalar Croagh Patrick com uma perna
quebrada ou terminar seu prato de massa, ela preferiria começar, qualquer dia da
semana, a amarrar os cordões de suas botas de alpinismo.
Mas, ao mesmo tempo, tinha de esforçar-se para conter sua alegria pelo fato
de papai e Helen recusarem-se a comer.
De vez em quando, captava meu olhar e obviamente era com dificuldade que
mantinha o rosto impassível.
Embora preferisse morrer a admitir isso, estava exultante.
E então Anna chegou em casa.
Entrou perambulando pela cozinha, muito bonita, com uma espécie de beleza
um tanto étnica, etérea, arrastando lenços e uma saia comprida de crochê,
transparente, além de bijuterias coloridas. Obviamente já conhecia Adam.
- Ah, olá, Adam - disse, ofegante, obviamente encantada, corando de prazer.
Será que ele sempre faz corarem todas as mulheres com quem entra em
contato?, imaginei.
Ou seria apenas nossa família?
De alguma forma, suspeitei que não.
Que esperança poderia haver para um homem tão jovem que já provocava um
efeito tão intenso sobre as mulheres? Só poderia acabar se transformando num
completo filho-da-puta.
Esperando que as mulheres chorassem, desmaiassem, gritassem e se
apaixonassem por ele tão facilmente como respiravam.
O fato de ser bonito demais não era bom para ele.
Um ou dois desfiguramentos não lhe fariam mal, de jeito nenhum.
É de pequenino que se torce o pepino.
- Olá, Anna - sorriu-lhe ele. - Que bom vê-la novamente.
- Ah, sim - ela murmurou, corando ainda mais e derrubando uma xícara. A
parte de dentro de suas pálpebras estava provavelmente vermelho - vivo, neste
estágio.
Solidarizei-me com ela. Provavelmente, eu não tinha mais um só vaso
sangüíneo intacto em meu rosto, depois do rubor provocado anteriormente por
Adam. Todos os capilares de minhas faces explodiram como bolhas que afloram à
superfície de uma taça de champanha.
À mesa do jantar, a conversa não foi exatamente brilhante. Helen, que nunca
fazia o papel de anfitriã, mesmo nas melhores ocasiões (jamais dispensava a
característica grosseria), pegara uma revista (era, na verdade, um exemplar da Hello
- como foi que essa passou pelo pente fino?, imaginei eu) e a leu durante todo o
jantar.
- Helen, guarde essa revista - disse-lhe papai com dureza, obvia mente
constrangido.
- Cale a boca, papai - disse Helen, com um tom monótono, sem sequer
levantar os olhos.
Mas, de vez em quando, ela olhava para Adam e lhe dava um sorrisinho de
feiticeira. Ele também a olhava, totalmente encantado, e, depois de sustentar seu
olhar por alguns momentos, retribuía-lhe o sorriso.
A tensão sexual era tão densa que podia ser cortada com uma faca de pão.
Anna, que nunca se mostrava brilhante, mesmo em ocasiões melhores, agora
parecia inteiramente abestalhada diante de Adam, tal a sua reverência.
Todas as vezes que ele lhe dirigia uma pergunta, ela exibia um sorriso tolo e,
depois, soltava umas risadinhas e baixava a cabeça, agindo como o idiota da aldeia.
Era muito aborrecido, para ser honesta com você.
Ele era apenas um homem, e, na verdade, muito jovem, pelo amor de Deus.
Não algum tipo de deus.
Mamãe e papai remexiam sua comida, nervosamente. Também não falavam
muito.
Papai fez uma rápida investida, tentando conversar com Adam.
- Rúgbi? - murmurou para ele, como se estivesse numa sociedade secreta e
tentasse descobrir se Adam também era membro.
- Como? - perguntou Adam, olhando confuso para papai, numa desesperada
tentativa de entender o que ele tentava dizer-lhe.
- Rúgbi? Na escola, talvez?
- Ah, desculpe, mas o que o senhor quer dizer?
- Rúgbi? Você joga? - Papai decidiu pôr suas cartas na mesa.
- Não.
- Ah - papai suspirou, como um balão que murcha.
- Mas gosto de ver - disse Adam, corajosamente.
- Ora, bah! - disse papai, praticamente virando as costas para ele, expressando
seu desapontamento com uma ondulação depreciativa do braço.
E isso, suponho, foi o fim daquela incipiente amizade.
Por algum motivo, senti que era minha responsabilidade conversar com nosso
visitante. Talvez fosse porque eu me acostumara a estar na sociedade civilizada,
onde os convidados eram tratados como convidados. Onde, se alguém convida você
para jantar, não o atira no meio de um grupo de estranhos, ignorando-o por
completo.
Talvez já tenha dito, ou devo ter dito, aliás, mil vezes, que não entendia como
Helen livrava a cara, comportando-se do jeito como se comportava.
- Então, você está na turma de Helen, na universidade? - perguntei a ele com
uma falsa animação, tentando, em desespero de causa, iniciar algum tipo de
conversa.
- Sim - respondeu ele. - Estou na mesma turma de Antropologia que ela.
E isso pareceu encerrar o assunto. Ele continuou a comer. Continuou a viver.
Papai continuou a se maravilhar.
Era um prazer observar Adam. Havia algo de tão saudável nele. Tinha um
apetite enorme e era tão grato.
- A comida está realmente maravilhosa - disse, sorrindo para mim. - Será que
posso me servir de um pouquinho mais?
- Claro - disse mamãe com um ar coquete, quase derrubando sua cadeira, na
pressa de servi-lo. - Vou pegar para você. Gostaria de tomar outro copo de leite?
- Muito obrigado, Sra.Walsh - disse ele, educadamente.
Era tão simpático. E não digo isso apenas porque ele foi o único que comeu o
jantar preparado por mim.
Tinha um jeito de menino, de uma forma bem masculina.
Ou talvez fosse tão viril, com uma espécie de jeito de menino.
Bem, fosse lá o que fosse, era muito atraente.
Mas, apesar de sua alarmante boa aparência, senti-me muito descontraída
com ele porque sabia que devia ter mais ou menos seus 18 anos. Embora seu
aspecto e comportamento revelassem muito mais maturidade do que isso.
Para ser honesta, quase senti um pouco de inveja de Helen, por conseguir
aquele pedaço de homem.
Lembrei-me vagamente do que era ser jovem e estar apaixonado.
Mas disse a mim mesma que não fosse tão tola. Eu ajeitaria as coisas com
James. Ou então encontraria outra pessoa igualmente boa.
(Boa?!?, pensei, alarmada. Dissera eu, exatamente, boa? Não era bem a
palavra certa para descrever James, naquele momento.)
Mas Adam, o herói, salvou a conversa.
Mamãe perguntou-lhe onde ele morava.
Isto faz parte de um questionário de rotina: é a primeira pergunta de um
conjunto de duas que mamãe infalivelmente faz aos visitantes do sexo masculino.
A segunda pergunta é para descobrir o que o pai do rapaz faz para ganhar a
vida.
E assim avalia as condições financeiras da família, para o caso de Helen,
eventualmente, passar a pertencer a ela, por meio de um casamento. E também
para mamãe ter uma idéia aproximada de quanto se esperaria que ela gastasse no
vestido de "mãe da noiva".
Mas Adam conseguiu driblar mamãe e evitar o pedido para apresentar uma
cópia recente do contracheque do seu pai, divertindo-nos a todos com trechos
isolados da história de sua vida.
Segundo disse, vinha da América. Seus pais tinham voltado recentemente para
Nova York, e então ele morava num apartamento em Rathmines.
Embora seus pais fossem irlandeses e ele tivesse vivido na Irlanda desde os
12 anos de idade, ainda parecia americano.
Deve ser alguma coisa no ar da América, pensei. Fluoreto, ou algo parecido,
que os faz ficarem assim tão grandes e fornidos.
Era definitivamente um grande balde de água fria na multidão dos que dizem
que a genética tem precedência sobre o meio ambiente.
Se ele tivesse passado os primeiros doze anos de sua vida em Dublin, em vez
de Nova York, teria apenas um metro e sessenta, em vez de quase noventa. Teria
pele branca e sardenta, em vez de ser moreno-claro. Teria um cabelo fino cor de
rato, em vez de cabelos negros e lisos. Seu maxilar seria fraco e indefinido, em vez
de ser quadrado, de granito.
Aquilo era obviamente o resultado de um estilo de vida que incluía comer carne
de vaca com centeio, rosquinhas com creme de queijo e salmão defumado, beber
soda e cerveja, assistir futebol americano, chamar todo mundo de "Mac", mesmo
quando não é esse seu nome, e ter portas de proteção contra tempestades e um
convés em casa.
Adam divertiu todos nós com histórias sobre a sua vida logo que se mudou de
Nova York para Dublin. Disse que as crianças irlandesas o receberam chamando-o
de "fascista imperialista ianque" e agiram como se ele fosse pessoalmente
responsável pela invasão americana a Granada. Elas desprezavam e zombavam de
seu sotaque e seu vocabulário. Enquanto, como disse o pobre Adam: "Eu nem sabia
que falava do jeito errado."
Já os outros rapazes diziam coisas que ele não entendia.
Motivo para furiosas gargalhadas.
E, quando ele tentou defender-se surrando algumas crianças, passou a ser
chamado de brutamontes, porque era muito maior do que os outros meninos.
Todos sacudimos a cabeça, solidariamente, sentados ao seu redor, com
nossos cotovelos na mesa da cozinha, olhando para Adam, nossos corações
partidos pelo pobre e solitário menino de doze anos, que não conseguia fazer nada
certo. O silêncio era tumular. Nosso estado de espírito de repente passara de leve
para sombrio.
Até papai parecia à beira das lágrimas.
Obviamente, pensava: "Ele pode não jogar rúgbi, mas essa não é a maneira
correta de tratar o rapaz."
Depois, Adam voltou toda a força de sua atenção para mim.
Virou-se em sua cadeira e fixou em mim um olhar intenso.
De uma maneira engraçada, fez-me sentir como se eu fosse a única pessoa na
sala.
Era ansioso e entusiasmado a respeito de tudo. Como um filhotinho de
cachorro. Bem, na verdade, como um filhotão de cachorro.
Parecia não haver nele nenhum cinismo.
Então, isso que é ser jovem, pensei.
- Então, Claire, me fale do seu trabalho - pediu ele. - Helen contou que você
tinha um emprego realmente importante, trabalhando para uma instituição de
caridade.
Floresci sob o calor do seu interesse, como uma flor ao sol, e ia começar a
falar a respeito.
Mas, antes que pudesse, Helen me interrompeu:
Não disse que era importante - falou, com um tom azedo. - Disse apenas que
era um emprego. E, de qualquer jeito, ela precisou se afastar, quando teve o bebê.
Ah, o bebê - disse ele. - Posso vê-lo?
Claro - disse eu, encantada, mas me perguntando por que Helen se mostrava
tão maldosa.
Por que estava ainda mais maldosa do que de costume, quero dizer.
- Kate está dormindo, no momento, mas acordará em cerca de meia hora, e
então você poderá vê-la.
- Ótimo - disse ele, olhando para mim. Honestamente, ele era maravilhoso.
Seus olhos eram de um tipo
de azul marinho. E ele tinha o corpo mais bonito do mundo.
Pensei isso de um ponto de vista puramente racional.
Ele é o namorado da minha irmã, então está certo que eu admire sua beleza,
mas de um ponto de vista estético, por assim dizer.
Eu me sentia um pouco como uma sábia mulher velha admirando os belos
jovens. Percebendo como eram lindos, enquanto reconhecia que meu tempo de
namoro com eles há muito se fora.
Ele era tão alto e tinha um aspecto tão sensual, mesmo usando apenas um par
de jeans desbotados e um suéter cinzento.
Para sobremesa, eu trouxe a mousse de chocolate, que foi recebida com muito
mais entusiasmo do que o jantar. O acotovelamento e o tumulto que irromperam
entre Anna, Helen e papai, na luta pelo maior pedaço, foram quase vergonhosos - e
nós com um visitante em casa.
Mas Adam apenas riu, com bom humor.
Depois de algum tempo, levei-o para ver Kate.
Entramos no quarto na ponta dos pés.
Posso segurá-la? - perguntou ele, reverente.
Claro - sorri, tocada com seu respeito.
Pensei que fora a coisa mais doce que eu já ouvira, o fato de um homem tão
grande e durão querer ver meu bebê.
Como um imenso e corpulento motorista de caminhão chorando ao ouvir
canções country e western. Incongruente e tocante.
Entreguei-lhe gentilmente Kate, que ele pegou e segurou cuidadosamente.
Ela nem mesmo acordou.
A idiota!
Que tipo de filha eu estava criando?
Sendo carregada, pela primeira vez, por um belo homem, e dormindo o tempo
todo.
Era um quadro lindo. O imenso rapaz segurando o perfeito bebezinho.
De que cor são os olhos dela? - ele perguntou.
Azuis - eu disse. - Mas todos os bebês primeiro têm olhos azuis e depois, em
geral, mudam para outra cor.
Ele continuou a olhá-la atentamente, com uma expressão de deslumbramento
em seu rosto.
- Sabe, se eu e você tivéssemos um bebê, seus olhos sem dúvida seriam azuis
- disse, em tom sonhador, falando quase como para si mesmo.
Dei um pulo, com o choque.
Mal podia acreditar em meus ouvidos!
Será que ele estava flertando comigo?
Senti um impulso de raiva.
Pensara que era tão inocente e simpático. Um doce rapaz.
Mas que coragem a dele!
E não apenas eu tinha idade para ser sua mãe - bem, quase isso -, como ele
estava ali com minha irmã e causava uma impressão muito boa como seu
namorado.
Será que ele não tinha nenhum respeito?
Nenhum senso de decência?
Mas eu estava errada. Olhei para ele e seus olhos se fecharam com força, por
um minuto. Pude perceber que ele estava, de fato, mortalmente constrangido.
Definitivamente, sabia que dera um passo em falso.
Parecia tão jovem e assustado.
Como um menino atrevido.
O quarto ficou coberto por uma atmosfera cheia de tensão e constrangimento.
- Bem, é melhor eu voltar para Helen e o trabalho dela - disse, às pressas,
praticamente atirando Kate de volta na direção do seu berço e saindo às carreiras do
quarto, sem olhar para trás.
Sentei-me na cama, sentindo-me meio esquisita.
Será que eu me achava uma tola pela reação exagerada?
Ou me sentia triste com meu cinismo, por partir precipitadamente para a
conclusão errada?
Será que eu me sentia... Deus me livre... desapontada?
Não, decidi. Definitivamente, desapontada, não. Mas, sem dúvida, um pouco
tola.
Você está afastada do contato com homens há muito tempo, disse a mim
mesma severamente. É melhor voltar a circular. Assim, da próxima vez em que
encontrar um homem atraente, não chegará na mesma hora a nenhuma conclusão
ridícula.
Mas, ao mesmo tempo, devo admitir que fiquei ligeiramente espicaçada pela
maneira como ele reagiu à sugestão de que tivéssemos um bebê. Não havia
necessidade de que parecesse tão horrorizado.
Meu Deus, mas era típico.
Numa velha e honrada tradição feminina, eu passara da fúria pela possibilidade
de que ele estivesse debochando de mim para a fúria de que ele não estivesse
debochando de mim, tudo em cerca de trinta segundos.
A racionalidade nunca foi o meu forte.
Quero dizer, eu podia ser uma "mulher mais velha", mas não era exatamente A
Noiva de Drácula. Faria com que ele soubesse que muitos homens me achavam
atraente.
Bem, eu tinha certeza de que deveria haver alguns, em alguma parte, que
achavam, sim. Há três bilhões de pessoas neste planeta. Nessa massa, tinha
certeza de que poderia encontrar alguns poucos e pobres infelizes que gostassem
da minha aparência.
A audácia daquele sujeito. Só porque por acaso era extremamente bemapessoado,
não tinha nenhum direito de me fazer sentir um horror.
Talvez eu não fosse tão bonita quanto Helen.
Na verdade, eu não era, sequer remotamente, tão bonita quanto Helen.
Mas sou uma boa pessoa.
Embora, na verdade, ninguém jamais queira transar com alguém pelo fato de
ser uma boa pessoa.
Se fosse esse o caso, Madre Teresa teria tido de afugentar seus admiradores
com um cajado.
E no entanto...
Alimentei Kate e coloquei-a de volta na cama.
Depois, fui para o andar de baixo procurar mamãe.
A caminho, passei pelo quarto de Helen, cuja porta estava firmemente fechada.
Aquele par estava obviamente bem escondido ali dentro.
Mas que trabalho para a universidade, que nada!
Mamãe e papai podiam ter engolido aquela história, mas eu mesma a usara
vezes suficientes para saber o que de fato significava.
Mas, ao mesmo tempo, se estivessem fazendo sexo, era muito
silenciosamente.
Não, claro, que eu ficasse escutando à porta, ou algo parecido.
E não, claro, que tivesse algo a ver comigo, pelo amor de Deus.
Helen podia trepar com quem quisesse.
Da mesma forma que Adam.
Nada, como digo, a ver comigo, absolutamente.
Com grande determinação, fiquei vendo televisão com mamãe.
Muito mais tarde, ouvimos Helen e Adam na cozinha.
Depois, ouvimos quando os dois estavam se despedindo.
Ele enfiou sua cabeça pela porta e nos agradeceu pelo jantar maravilhoso,
dizendo que esperava ver-nos novamente em breve.
Mamãe e eu nos despedimos dele com sorrisos.
- Rapaz maravilhoso, tão educado - disse mamãe com satisfação.
Não lhe dei resposta. Estava observando que ele não parecia muito
desgrenhado para alguém que acabara de fazer sexo. E fiquei imaginando por que
eu me importava com isso.

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