Não exatamente. Não cheguei a dizer, ali e naquele momento, as
palavras "Adeus, Daryl". Não para ele. Mas disse-as para meus botões.
Principalmente porque ele deixou escapar que o loft maravilhoso para onde me
levara depois da minha festa sequer era seu.
Por isso, mesmo tendo passado a noite e boa parte da manhã seguinte
juntos, eu não acalentava a menor esperança de que em breve eu e Daryl
estaríamos abrindo uma conta conjunta. Só o aturei com sua conversa fiada por
causa da minha parte nas drogas.
É claro que aquele babaca pão-duro não gostou muito quando ficou
claro que não iria fugir de mim com seus dois gramas intactos.
Mas pensei, "Problema seu, você me deve", e ponto final.
Já tarde da noite, me ocorreu como um soco na cara que eu estava
pensando em Marinhagem para Iniciantes, não em Jardinagem para as Forras
das Bailarinas.
Nos dias que se seguiram, não ouvi falar de Luke. Minha cabeça não
parava de dizer "Ele vai me ligar." Mas não ligou.
A coitada da Brigit era obrigada a sair comigo toda noite, para virar a
cidade ao avesso atrás dele. Aonde quer que fosse com ela, mesmo ao mercado
do outro lado da rua para comprar dez tubos de Pringles, eu estava sempre em
estado de alerta constante e maquiagem máxima.
Não deveria tê-lo deixado escapar, repetia incessantemente para mim
mesma, desesperada. Cometera um erro terrível.
Nunca topávamos com ele. Isso não era justo, pois quando eu não dava
a mínima para ele, bastava pôr o pé fora de casa para esbarrar com ele ou algum
de seus amigos cabeludos.
Por fim, não tive escolha senão arregimentar uma seleta meia dúzia de
amigos, uma seletíssima meia dúzia de amigos, para me ajudarem na busca.
Mesmo assim, não tive sorte. Quando encontrava, digamos, Ed no Cute Hoor e
ele dizia que tinha visto Luke no Tadgh's Boghole há menos de dez minutos e eu
e Brigit desembestávamos para lá, tudo que restava da passagem de Luke era
um copo vazio de JD, um cinzeiro fumegante e um assento ainda quente com
uma mossa no feitio da sua bunda.
Muito frustrante.
Finalmente, esbarrei com ele no dia que batizei de Terça-feira Negra —
o dia em que perdi o emprego e Brigit foi promovida.
Há séculos que eu já sabia que meus dias no Old Shillayleagh estavam
contados, e mesmo assim não conseguia esquentar com isso. Odiava trabalhar
mais do que à minha própria vida. E, desde o dia em que recortei um artigo
sobre tratamentos para a impotência e o colei com durex no armário do meu
patrão, com o PS "Achei que poderia lhe ser útil", senti a fila dos desempregados
avançar alguns passos na minha direção.
Mesmo assim, ser posta no olho da rua não teve a menor graça.
E teve menos graça ainda quando cheguei em casa e encontrei Brigit
dançando gigas pelo apartamento afora, porque seu salário dobrara e ela
ganhara uma nova sala e um novo título: assistente adjunta da vice-presidência
do seu departamento.
— Antes eu era só sub-assistente adjunta da vice-presidência. Olha só
como progredi! — disse, eufórica.
— Maravilha — comentei, amarga. — E agora aposto como vai virar
uma machona nova-iorquina, chegando ao escritório às quatro da manhã,
trabalhando até a meia-noite, trazendo arquivos para casa, metendo a cara até
nos feriados e se achando a tal.
— É bom saber que você está tão feliz por mim, Rachel — disse ela,
com a voz sumida. Foi para o quarto e bateu a porta com tanta força que a
fachada do prédio quase desabou. Fiquei olhando para a porta, ressentida. Que
bicho mordeu Brigit?, me perguntei, do alto de minha superioridade. Não fora
ela quem perdera o emprego! Isso é que é tripudiar sobre a desgraça alheia, o
resto é conversa fiada! Atirei-me no sofá, curtindo minha merecida autopiedade.
Sempre achei que a quantidade de sorte em circulação no universo é
limitada. Pois Brigit tinha simplesmente abiscoitado a quota inteira do nosso
apartamento, sem deixar nem um pouquinho para mim, nem um mísero átomo.
Filha-da-puta egoísta, pensei, furiosa, revirando a casa atrás de
alguma bebida ou droga. E eu, pobre desempregada, que provavelmente vou ter
que trabalhar no McDonald's? Isso se tiver sorte! Pois bem, tomara que Brigit
não esteja à altura do cargo e sofra um colapso nervoso. Isso vai servir de lição
para aquela mocréia metida a besta.
Abri todos os guarda-louças à procura de uma garrafa de rum que
estava certa de ter visto em algum lugar, mas então lembrei que a bebera na
noite anterior.
Ah, que merda, pensei, remoendo minha desgraça.
A falta de estimulantes artificiais, tentei me consolar pensando que a
vida de Brigit seria horrível, que eles a matariam de tanto trabalhar, que o preço
a ser pago por uma carreira bem-sucedida era alto. E se Brigit me abandonar?,
pensei, em pânico. E se Brigit se mudasse para um apartamento maravilhoso
perto do centro da cidade, com ar-condicionado central e academia? E aí, o que
eu faria? E aí, para onde iria? Não tinha dinheiro para arcar com um aluguel
daqueles sozinha.
De repente, tive uma revelação ao estilo de São Paulo no caminho de
Damasco: Fica quieta no seu canto, se não quiser perdê-lo.
Levantei do sofá, engoli minhas mágoas e bati com delicadeza à porta
do quarto de Brigit.
— Desculpe, Brigit — pedi. — Sou uma cachorra egoísta, me desculpe,
mesmo.
Uma muralha de silêncio.
— Desculpe — tornei a pedir. — É que eu fui despedida hoje de tarde e
estava me sentindo meio... entende?
Nem um sinal de vida.
— Ah, Brigit, por favor — implorei. — Me perdoa, de coração.
A porta se escancarou e Brigit apareceu no umbral, o rosto desfigurado
de choro.
— Ah, Rachel — suspirou. Não identifiquei o tom de sua voz. Seria de
perdão? Exaspero? Pena? Cansaço? Podia ser qualquer um deles, mas torci para
que fosse de perdão.
— Deixa eu te levar para tomar uma champanhe, para comemorar —
me ofereci.
Ela abaixou a cabeça e traçou um desenho no chão com o dedo do pé.
— Não sei, não...
— Ah, vam'bora — incentivei-a.
— Tá — ela cedeu.
— Só tem um probleminha — disse eu, falando muito depressa. —
Tômeioduranomomento,massevocêmeemprestarumdinheiroeutedevolvo
assimquepuder.
Calada — um pouco calada demais para o meu gosto —, ela suspirou e
concordou.
Fiz questão de que fôssemos ao Llama Lounge.
— A gente tem que ir, Brigit — disse eu. — Não é todo dia que uma de
nós duas é promovida. Certamente não se for eu, ha, ha, ha.
A gerência do Llama Lounge tinha pendurado um cartaz ao lado do
sofá inflável, com os seguintes dizeres: "AVENTUREIROS QUE SE SENTAREM
AQUI COM AS PERNAS DE FORA, FÁ-LO-ÃO POR SUA CONTA E RISCO." Brigit
e eu demos uma olhada e dissemos em uníssono: "Não vamos sentar aí!" Torci
para que essa simultaneidade fosse um indício de que Brigit me perdoara. Mas a
conversa continuou emperrada. Fiz de tudo e muito, provavelmente até demais,
para demonstrar o quanto estava feliz por sua sorte, mas foi um osso duro de
roer.
No exato momento em que eu lhe dizia mais uma vez como estava feliz
por ela, Brigit olhou para a porta e disse:
— Olha aí o seu namorado.
Por favor, Deus, faça com que seja Luke, rezei, com as entranhas
tremendo. E Deus atendeu ao meu pedido, mas com uma cláusula adicional. Era
Luke, realmente.
Só que estava acompanhado por ninguém menos do que a estonteante
Anya, esguia, bronzeada, de olhos amendoados.
A primeira coisa que me passou pela cabeça foi: "Se ele é bom o
bastante para Anya, então é bom o bastante para mim."
Não que eu estivesse em condições de escolher, é claro. Luke fez um
aceno evasivo com a cabeça para mim e Brigit, mas não se aproximou.
Meu mundo se espatifou no chão quando Brigit se perguntou em voz
alta:
— Que é que há com o Sempre-na-Dele?
Luke e Anya pareciam muito íntimos. Como se tivessem acabado de
sair da cama. Eu só podia estar imaginando isso, ou não?, me perguntei,
ansiosa. Mas seus rostos estavam muito próximos, de frente um para o outro.
De repente, suas coxas se encostaram. Sob meu olhar horrorizado, ele passou o
braço pelas costas da cadeira em que ela estava sentada, roçando de leve seus
ombros esguios, mas bem definidos.
Eu sempre soube que ele se sentia atraído por Anya, o tempo todo,
pensei, rancorosa. Sempre soube. Porra. E ele com aquela conversa mole de que
ela era muito legal.
— Pára de ficar encarando — sussurrou Brigit.
Estremunhei, voltando à realidade.
— Troca de lugar comigo — ordenou Brigit. — Você vai se sentar de
costas para ele. E pára de fazer essa cara de bebê com fome. E bota essa língua
para dentro da boca, está balançando entre os seus joelhos.
Fiz o que ela mandou, mas logo me arrependi. Então, tentei fazer com
que Brigit olhasse para ele por procuração.
— O que ele está fazendo agora? — perguntei a ela. Ela deu uma
olhada furtiva nele.
— Está segurando a mão dela. Gemi baixinho.
— Ainda? — perguntei, alguns segundos depois.
— Ainda o quê?
— Ele ainda está segurando a mão dela?
— Ainda.
— Ai, Jesus. — Eu estava quase chorando. — E ele, como é que está?
— Com uma calça de couro, uma camiseta branca...
— Não! Como é que está a cara dele? Está com um ar feliz, de quem
está louco por ela?
— Termina o seu drinque — Brigit ordenou, curta e grossa, apontando
meu copo. — Vam'bora.
— Não — protestei, veemente, em voz baixa. — Quero ficar. Tenho que
ficar e observar os dois...
—Não. — Brigit foi peremptória. — Nem pensar, isso não faz bem a
ninguém. E que te sirva de lição. Da próxima vez que conhecer um cara gato e
gente fina como Luke Costello, talvez não ferre as coisas.
— Você acha Luke gato e gente fina? — perguntei, extremamente
surpresa.
— Claro que sim — disse ela, estarrecida.
— Ora, e por que nunca me disse?
— E por que diria? Você precisa que eu endosse as coisas para você
antes de se permitir gostar delas? — perguntou.
Sua cretina, pensei, irritada. Só tinha sido promovida há duas horas e
já estava se comportando como se fosse chefe dos outros.
Sofri por Luke durante alguns dias. Sentia agudamente a sua perda.
Mas não acalentava nenhuma esperança, pois sabia que não podia competir com
Anya. Nem em sonho. Conhecia minhas limitações.
Dediquei meu tempo a dar uma espiada em alguns empregos. O
esforço consagrado a essa atividade não chegou a merecer o título de "procura".
Como minha experiência profissional era pouca e eu não tinha curso superior,
minhas opções eram muito limitadas. No entanto, encontrei, por acaso, um
emprego em outro hotel. Não tão bom quanto o Old Shillayleagh. Embora não
esteja querendo dizer com isso que o Old Shillayleagh fosse bom. O lugar onde
me empreguei se chamava Motel Barbados. Mas não se parecia em nada com
Barbados, a menos que lá os patrões também paguem os empregados por hora.
Meu patrão, Eric, era um dos homens mais gordos que eu já tinha
visto, e seu apelido era o Gorduroso Chefão, em homenagem à banha colossal de
seus pneus. Quase todo o quadro de empregados era composto por imigrantes
ilegais, devido a uma quedinha da gerência por ordenados abaixo do salário
mínimo.
Ainda assim, era um emprego.
Em outras palavras, trabalheira, tormento e tédio, os três em um.
Ao fim do meu primeiro dia, voltei cambaleando para casa, exausta e
deprimida. Quando cheguei, o telefone estava tocando.
— Pronto! — atendi, com um tom de voz não muito fino, disposta a
descarregar meu humor cão em quem quer que se encontrasse do outro lado da
linha.
Seguiu-se uma breve — e intensa — pausa. Por fim, a voz de Luke,
como uma carícia, disse "Rachel?". E meu mundo desenhado a toco de carvão
explodiu numa luminosidade resplandecente.
Por intuição, eu sabia que não era um telefonema de investigação, do
gênero "Não estou encontrando minha cueca Beavis e Butthead. Será que não
deixei aí na sua casa? Você não daria uma lavadinha nela e traria aqui?".
Pelo contrário.
Pelo tom de sua voz, pela simples maneira como dissera "Rachel" —
como se me acariciasse —, eu soube que tudo terminaria bem.
Melhor do que bem.
Estava convicta de que ele nunca mais me procuraria. Quase chorei de
alívio, de alegria, de libertação, de gratidão por ter mais uma chance.
— Luke? — disse eu. Está vendo como eu não disse "Daryl?",
"Frederick?", "Belzebu?" ou qualquer outro nome de homem, como faria, se
ainda estivesse brincando com você?
— Como vai? — ele perguntou.
Me chama de gata, ansiei.
— Muito bem — respondi. — Bom, fui despedida do meu emprego e
arranjei outro num lugar horroroso que, desconfio, é usado por prostitutas, e o
salário é uma merreca, mas vou muito bem. E você, como vai?
Ele deu um risinho meigo e afetuoso, do tipo acho-você-incrível, e me
senti como se o amasse.
— Será que posso levar você para jantar fora? — ele perguntou.
Levar você para jantar fora. Levar você para jantar. Quanta coisa essa
única palavra transmite. Significa: Eu gosto de você. Vou tomar conta de você.
E, o mais importante de tudo, vou pagar a conta para você.
Tive vontade de perguntar sobre Anya, mas, pela primeira vez na
minha vida autodestrutiva, consegui fazer a coisa certa e calei minha boca
idiota.
— Quando? — perguntei. Agora, agora, agora!
— Que tal hoje à noite?
Achei que devia alegar algum compromisso. Não é uma das regras de
ouro da captura de um homem? Mas eu não tinha a menor intenção de deixá-lo
escapar da rede novamente.
— Hoje à noite está ótimo — disse, meiga.
— Ah, e desculpe não ter ido falar com você e Brigit aquela noite — ele
acrescentou. — Anya tinha acabado de levar um fora do namorado e eu estava
tentando levantar o astral dela.
Minha taça transborda. (Últimas palavras do versículo 5 do Salmo 22).
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