quarta-feira, 6 de julho de 2011

Férias!! - MARIAN KEYES Cap.40


Para a sessão de grupo.
Desabalamos pelo corredor, Eddie gritando às minhas costas: "Só
porque eu sei dar valor ao meu dinheiro!"
Dermot e sua peruca já estavam lá. Agora que eu sabia que ele usava
uma, não conseguia mais tirar os olhos dela. Era tão óbvia. E grande o bastante
para merecer uma cadeira só para si.
Dermot se enfatiotara todo em homenagem à sua participação como
OIE de Chaquie. Usava um paletó traspassado, tipo jaquetão, que tentava, sem
sucesso, botar sua barriga dentro dos conformes. De lado, parecia uma letra D
garrafal.
Chaquie estava perfumada e impecavelmente maquiada, mais ainda do
que de costume.
Eu me sentia a um tempo curiosa e cética em relação ao que Dermot
tinha a dizer. Acreditava na palavra de Chaquie, quando dizia que não bebia
mais do que um Bacardi com Coca-Cola de vez em quando com as amigas.
Chaquie não era Neil, e eu tinha certeza de que não me enganara sobre a
gravidade de seu problema com a bebida, como Neil.
Na verdade, eu desconfiava que Chaquie, apesar de irritante com suas
idéias declaradamente direitistas, tinha levado uma vida totalmente ilibada.
Fiquei surpresa por constatar que minha atitude mudara desde que eu
conhecera Chaquie. Agora, sentia uma estranha afeição por ela.
Josephine chegou. Tratamos de nos endireitar e ficar em silêncio.
Ela agradeceu a Dermot por sua presença e disse:
— Não gostaria de falar um pouco sobre o alcoolismo de Chaquie?
Enfiei a língua no dente, distraída. Não conseguia parar de fazer isso.
Estava extremamente orgulhosa de mim mesma e do meu canal.
— Ela sempre gostou de beber — disse Dermot, sem uma gota da
reticência de Emer.
Chaquie fez uma expressão chocada.
— Sempre me vinha com aquela lengalenga de que o uísque era para o
resfriado e o vinho do Porto ou o conhaque eram para a dor de estômago...
— Que é que eu posso fazer, se vivo indisposta? — interrompeu-o
Chaquie, seu sotaque mais afetado do que nunca.
Josephine lançou-lhe um olhar feroz e Chaquie amunhecou.
— Como eu disse — suspirou Dermot —, ela sempre gostou de beber,
mas escondeu a gravidade da coisa até estar com uma aliança no dedo. E aí
começou a me fazer passar vexame.
Chaquie soltou uma exclamação, que Josephine calou com o cenho
franzido.
— Que tipo de vexame?
— Eu trabalho muito duro — disse Dermot. — Muito duro. Sou um
homem que se fez sozinho, construí meu negócio praticamente do nada...
— E fez isso sem ajuda de ninguém, não é? — atalhou-o Chaquie, a voz
de súbito esganiçada. — Pois bem, você não teria feito o que fez sem mim. A
idéia de comprar as cabines de bronzeamento artificial foi minha.
— Não foi! — disse Dermot, irritado. — Eu li sobre elas num catálogo
muito antes de você vê-las naquela loja em Londres.
— Não leu, não! Que mentira mais deslavada. Você nem sabia como
funcionavam.
— Estou dizendo — Dermot enfatizava cada palavra desferindo um
golpe com a mão nanica —, eu li sobre elas.
— Talvez possamos voltar a esse assunto mais adiante — murmurou
Josephine. — Estamos aqui para falar sobre o problema de Chaquie com a
bebida.
— Nesse caso, podemos passar a semana inteira aqui — disse Dermot,
com um riso amargurado.
— Está muito bem. Por favor, continue — pediu Josephine.
Dermot não se fez de rogado:
—Eu não soube o quanto a coisa era grave durante muito tempo,
porque ela bebia na moita — contou ele. — Escondia as garrafas e dizia que
estava com enxaqueca, quando na verdade ia se deitar com uma garrafa de
bebida.
O rosto de Chaquie estava vermelho como um pimentão.
— E inventava um monte de mentiras para mim. Uma vez encontrei
umas vinte garrafas vazias de Bacardi nos fundos do jardim, mas ela disse que
não sabia como tinham ido parar ali e culpou uns rapazes do conjunto
habitacional.
"Uma noite, convidamos o gerente do banco e a esposa para jantarem
lá em casa. Eu estava tentando conseguir um empréstimo com ele para ampliar
as instalações, quando Chaquie começou a cantar, 'Parabéns, Sr. Presidente,
coocoocachoo', igual a Marilyn Monroe cantando para Kennedy, rebolando o
traseiro e exibindo o decote para ele.
Dei uma espiada em Chaquie. Seu rosto era o retrato do horror. Senti
um misto vergonhoso de pena e regozijo.
— ...ela tinha passado a tarde inteira bebendo. Mas, quando lhe
perguntei se tinha bebido, ela mentiu, dizendo que estava totalmente sóbria.
Quando até uma criança poderia ver que estava bêbada. Então, foi para a
cozinha, para servir o roulade de salmão defumado, e não voltou. Esperamos
horas a fio, eu morto de vergonha, tentando manter o pique da conversa com o
Sr. O'Higgins. E, quando fui procurar por ela, onde é que fui encontrá-la, senão
na cama, totalmente chumbada...
— Eu não estava me sentindo bem — murmurou Chaquie.
— Não preciso nem dizer — continuou Dermot, com ar satisfeito — que
não consegui o empréstimo. Depois disso, ela começou a beber cada vez mais,
até o ponto em que se embebedava quase todos os dias da semana — e noites,
também. Eu não podia contar com ela para nada.
— Você nunca vai me deixar esquecer aquele episódio do empréstimo,
não é? — exclamou Chaquie. — E não teve nada a ver com o fato de eu não estar
me sentindo bem. Foi porque as contas não fechavam, e eu te disse isso antes de
você ir atrás de 0'Higgins com aquelas suas propostas idiotas.
Dermot não deu a mínima para ela.
— Enquanto isso, eu ia tocando o negócio — continuou ele. —
Trabalhando dia e noite para abrir o maior salão de beleza [que ele pronunciava
"salon de beléze" do sul do condado de Dublin.)
— Eu também trabalhava dia e noite! — exclamou Chaquie. — A
maioria das idéias saiu da minha cabeça. Fui eu quem bolou a idéia dos
descontos especiais.
— Bolou é o cace...! — Dermot se deteve. — Não bolou, não. Nós
oferecemos descontos especiais, sabem? — Disse isso olhando para mim e Misty.
— Um dia inteiro de mordomias, o diabo a quatro. Uma sessão de aromaterapia,
um banho de lama, sauna, uma manicure ou uma pedicure e uma fatia de torta
para fechar o pacote, tudo por cinqüenta paus. Mais um desconto de quinze
paus, se você optar pela manicure, ou de dezoito, se optar pela pedicure.
Josephine abriu a boca, mas tarde demais. Lá vinha Dermot de novo
com sua típica lábia de vendedor:
— Também atendemos à clientela masculina [que ele pronunciava
"clientele masculine"]. Descobrimos que o homem irlandês está muito mais
exigente em relação à sua aparência, e que, se no passado, um homem que
cuidasse da pele seria tachado de maricas, hoje não tem nada de mais. Eu
mesmo... — passou a mãozinha rechonchuda pela bochecha cheia de
microvarizes — ...uso produtos para a pele e colho os melhores benefícios.
Clarence, Mike, Vincent e Neil encaravam Dermot com um olhar
gelado. John Joe, no entanto, parecia interessado.
— Dermot — disse Josephine, ríspida —, estamos aqui para discutir o
alcoolismo de Chaquie.
— Ele vive fazendo isso — interveio Chaquie, olhando com ódio para
Dermot. — É tão constrangedor. Uma vez, na missa, quando estava dando o
abraço da paz na mulher ao lado, olhou para as unhas dela e disse que
precisavam de uma manicure. Na Casa do Senhor! Onde é que já se viu?
— Tenho que ganhar a vida — defendeu-se Dermot, exaltado. — Se
fôssemos depender de você, já teríamos ido à falência há muito tempo.
— Por quê? — perguntou Josephine, levando a conversa de volta para
os problemas de Chaquie.
— Eu tive que proibi-la de trabalhar no salon de beléze, porque ela
ficava de porre e incomodava a clientele. E fazia tudo errado, marcando hora
para as pessoas nas cabines de bronzeamento artificial logo depois de depilarem
as pernas, quando todo mundo sabe que não se pode fazer isso sem correr o
risco de ser processado, e depois que a gente fica com o nome sujo, está frita...
— É verdade? — Josephine o interrompeu. — Você trabalhava
embriagada, Chaquie?
— Não mesmo. — Ela dobrou os braços e abaixou a cabeça, formando
uma papada que lhe conferia um ar de indignação virtuosa.
— Pois pode perguntar a qualquer uma das garotas que trabalham lá
— insistiu Dermot, inflamado.
— “Pode perguntar a qualquer uma das garotas que trabalham lá" —
imitou-o Chaquie, venenosa. — Ou a uma garota em particular, não é isso
mesmo?
Pode-se sentir o interesse de todos aumentar dramaticamente.
— Sei exatamente o que você pretende, Dermot Hopkins — prosseguiu
Chaquie. — Me fazer passar por alcoólatra, negar que eu alguma vez tenha
contribuído para o negócio, trazer sua namorada aqui para concordar com você e
acabar com a minha vida.
Voltando-se para os demais presentes:
— Não estávamos casados há nem um ano quando ele começou a ter
seus casos. Contratava as garotas do salão não pela sua competência, mas
pelo... — Dermot tentava berrar mais do que ela, mas Chaquie berrou mais alto:
— ...MAS PELO TAMANHO DOS SEUS PEITOS. E, quando não dormiam com
ele, iam para o olho da rua.
— Sua filha-da-puta mentirosa — berrou Dermot ao mesmo tempo que
ela.
— E agora botou na cabeça que está apaixonado por uma delas, uma
pirralhinha de dezenove anos chamada Sharon, que está louca prá subir na vida
sem fazer força. — O rosto de Chaquie estava vermelho, e seus olhos brilhavam
de ódio e mágoa. Tornou a respirar fundo e gritou: — E não pense que ela tá
apaixonada por você, Dermot Hopkins. Ela só tá interessada em fazer um bom
pé de meia. E vai te fazer de trouxa com tê maiúsculo!
O sotaque de Chaquie mudara. A dicção classe média desaparecera, e
em seu lugar surgira um sotaque vulgar de Dublin.
— E o seu caso? — A raiva deixara a voz de Dermot fina como a de um
soprano.
— Que caso? — perguntou Chaquie, também aos gritos.
Josephine tentava acalmar os ânimos, mas não tinha a menor chance.
— Estou sabendo de você com o sujeito que instalou o carpete novo.
As coisas ficaram um pouco confusas depois disso, porque Chaquie
saltou da cadeira e tentou dar um sopapo em Dermot. Mas, pelo que pudemos
depreender, Dermot estava insinuando que o carpete não fora o único a ir parar
no chão. Chaquie negou com veemência sua versão dos fatos, e foi impossível
saber quem estava dizendo a verdade.
Em meio ao pandemônio, a sessão terminou.
E a primeira pessoa a chegar até Chaquie, abraçá-la e levá-la para
tomar chá, fui eu.

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