quarta-feira, 6 de julho de 2011

Férias!! - MARIAN KEYES Cap.2


A aeromoça tentou passar entre mim e Paul.
— Podem sentar, por favor? Estão bloqueando o corredor.
Eu e Paul continuamos onde estávamos, constrangidos. Margaret,
como boa menina que era, já ocupara seu assento ao lado da janela.
— Qual é o problema? — A aeromoça olhou nossos cartões de
embarque, e depois os números dos assentos.
— Mas esses são os assentos certos — disse, por fim.
Esse era o problema. Os números nos cartões de embarque me haviam
posto sentada ao lado de Paul, e a idéia de passar o vôo inteiro até Dublin
sentada ao lado dele me dava engulhos. Não conseguiria relaxar minha coxa
direita durante as próximas sete horas.
— Desculpe — pedi —, mas não vou me sentar ao lado dele. —
Apontei Paul.
— Nem eu vou me sentar ao lado dela — disse ele.
— Bem, e a senhora? — perguntou a aeromoça a Margaret. — Faz
alguma objeção a quem se sente ao seu lado?
— Não.
— Ótimo — disse ela, paciente. Voltando-se para Paul: — Por que não
senta aqui na ponta? — E, para Margaret: — A senhora passa para o meio. E a
senhora — disse para mim — fica ao lado da janela..
— Está bem — concordamos, obedientes.
Um homem no assento da frente virou o pescoço para dar uma boa
olhada em nós três.
— Perdoem-me a indiscrição, mas que idade vocês têm?
Sim, eu concordara em voltar para a Irlanda. Embora não tivesse
absolutamente nenhuma intenção de fazê-lo, duas coisas me levaram a mudar
de idéia. A primeira foi a ida de Luke ao meu apartamento — Luke, alto, moreno
e sensual. Fiquei encantada de vê-lo.
— Você não devia estar trabalhando? — perguntei, logo tratando de
apresentá-lo, orgulhosa, a Margaret e Paul.
Luke trocou um educado aperto de mão com eles, mas sua expressão
era fechada e tensa. Para vê-lo sorrir novamente, pus-me a narrar minha
aventura no Hospital Mount Solomon, mas ele me agarrou com força pelo braço,
murmurando:
— Gostaria de dar uma palavra com você em particular.
Perplexa, deixei Margaret e Paul sentados na sala e levei Luke para
meu quarto. Depreendi, pelo seu ar sério, que não iria partir para cima de mim e
dizer "Depressa, vamos tirar essas suas roupas molhadas", para então despir
minhas peças de vestuário com suas mãos experientes, como costumava fazer.
Mesmo assim, eu não estava preparada para o que de fato aconteceu.
Ele deu a entender que não achara a menor graça na minha estada no hospital.
Na verdade, parecia chocado.
— Quando foi que você perdeu o senso de humor? — perguntei,
atônita. — Está igual a Brigit.
— Não vou nem responder a isso — disse ele, entre os dentes.
Em seguida, para meu total horror, disse que estava tudo acabado
entre nós. O choque me deixou gelada. Ele estava terminando comigo!
— Mas por quê? — perguntei, enquanto cada célula do meu corpo
gritava "NÃO!" — Você conheceu alguém?
— Não seja burra — disparou ele.
— Então por quê?
—Porque você não é a pessoa que eu pensei que fosse. Ora, isso não
esclarecia absolutamente nada para mim. Em seguida, ele me insultou
brutalmente, insinuando que a culpa era minha e que ele não tinha opção senão
romper comigo.
— Ah, não. — Eu não ia me deixar manipular. — Pode romper
comigo, se quiser, mas não tenta me culpar.
— Meu Deus — disse ele, feroz —, é inútil tentar fazer você entender.
Levantou-se e se dirigiu para a porta. Não vai.
Detendo-se apenas para atirar mais alguns comentários desagradáveis
na minha cara, ele finalmente saiu do apartamento, batendo a porta. Fiquei
arrasada. Não era a primeira vez que um homem me dava o fora sem nenhum
motivo óbvio, mas eu não esperava isso de Luke Costello. Nosso relacionamento
já durava seis meses. Eu começava até a achar que era um bom relacionamento.
Lutei contra o choque e a dor, tentando fingir para Margaret e Paul que
estava tudo ótimo. Então, em meio à minha mescla de infelicidade,
atordoamento e náusea, Margaret disse:
— Rachel, você tem que voltar para casa. Papai já pagou o depósito
para você no Claustro.
O Claustro! O Claustro era famoso.
Centenas de astros do rock já haviam passado pelo mosteiro reformado
em Wicklow (sem dúvida aproveitando os descontos do imposto de renda
oferecidos pelo Governo aos artistas), onde permaneceram os dois meses
exigidos. Então, antes que a gente pudesse dizer "Para mim, uma água mineral
com gás", eles já tinham deixado de depredar quartos de hotel e cair com o carro
na piscina, lançado um novo álbum, aparecido em todos os programas de
entrevistas da atualidade, falando com voz pausada e tranqüila, o cabelo cortado
e bem penteado, enquanto os críticos assinalavam uma nova qualidade e uma
dimensão extra em seu trabalho.
Eu não me importava de ir para o Claustro. Não havia nenhuma
vergonha nisso. Pelo contrário. E a pessoa nunca sabia com que iria topar lá
dentro.
O fora que levei de Luke me levou a repensar toda a minha vida.
Talvez fosse bom sair um pouco de Nova York, refleti. Principalmente
porque as diversões oferecidas por esta cidade pareciam ter-se tornado
proibitivas. Eu não precisava ficar para sempre, apenas uns dois meses, até me
sentir melhor.
Que mal poderia fazer, agora que eu não tinha um emprego e um
namorado para me segurar? Perder um emprego era uma coisa, porque eu
sempre poderia conseguir outro. Mas perder um namorado... bem...
— O que você acha, Rachel? — perguntou Margaret, ansiosa. — Que
tal?
Naturalmente, eu tinha que encenar um mínimo de protesto. Não podia
admitir que minha vida fosse insignificante a ponto de eu poder abandoná-la
sem sequer um olhar de adeus. Resisti galhardamente, mas era puro bafo,
encenação.
— Como você se sentiria — perguntei a Margaret —, se eu invadisse
sua vida e dissesse: "Anda, Mags, se despede de Paul, dos seus amigos, do seu
apartamento e da sua vida, porque você vai para um hospício a cinco mil
quilômetros daqui, embora não haja nada de errado com você"? E aí, como você
se sentiria?
Margaret estava à beira das lágrimas.
— Ah, Rachel, me perdoe. Mas não é um hospício, e...
Não pude manter a encenação por mais tempo, porque detestava
transtornar Margaret. Muito embora ela fosse esquisitona e economizasse
dinheiro e não tivesse transado antes de casar, ainda assim eu gostava muito
dela. Portanto, quando lhe disse, "Margaret, como sua consciência pode lhe
permitir fazer isso comigo? Como você consegue dormir à noite?", minha
capitulação já era completa.
Quando disse "Tá, eu vou", Brigit, Margaret e Paul trocaram olhares de
alívio, o que me irritou, porque estavam agindo como se eu fosse alguma débil
mental interdita.
Depois de pensar bem no assunto, um centro de reabilitação me
pareceu uma boa idéia. Uma ótima idéia.
Eu não tirava férias há séculos. Bem que andava precisada de um
descanso, um pouco de paz e serenidade. Um lugar para me esconder e lamber
minhas feridas em feitio de Luke.
As palavras do poema Advento, de Patrick Kavanagh, não saíam de
minha cabeça: Já provamos e passamos por tanto, amada, atravessando uma
fenda tão larga, que nada nos surpreende mais.
Eu tinha lido muito sobre o Claustro, e parecia ser um lugar
maravilhoso. Já me fantasiava passando horas a fio sentada, envolta numa
toalha enorme. Imaginava a sauna, as massagens, as sessões de talassoterapia,
os tratamentos à base de algas, esse tipo de coisas. Eu comeria frutas e mais
frutas, prometi a mim mesma, nada mais do que frutas, legumes e verduras. E
beberia litros de água, pelo menos oito copos por dia. Para dar uma boa
descarga no meu organismo, purificá-lo.
Seria bom passar um mês ou dois sem beber e usar drogas.
Um mês inteiro, pensei, tomada por um medo súbito. Então, o Valium
fez efeito, e me tranqüilizei. De qualquer maneira, eles provavelmente serviam
vinho no jantar. Ou talvez permitissem que as pessoas como eu, que não tinham
problemas sérios, freqüentassem o bar da região.
Eu ficaria numa cela monacal reformada. Chão de ardósia, paredes
caiadas, uma cama estreita de madeira, o som remoto do canto gregoriano
pairando no ar noturno. E, é claro, deviam ter uma academia. Todo mundo sabe
que o exercício é a melhor coisa para alcoólatras e que tais. Quando eu saísse,
minha barriga estaria reta como uma tábua. Duzentos abdominais por dia. Seria
ótimo ter algum tempo para dedicar a mim mesma. Assim, quando voltasse para
Nova York, estaria linda de morrer e Luke cairia de joelhos, me implorando para
aceitá-lo de volta.
Seguramente também devia haver algum tipo de terapia. Terapia no
duro, mesmo, não apenas terapia para celulite. Do tipo "Deite no divã e me fale
do seu pai". Cujas sessões eu freqüentaria com o maior prazer. Sem realmente
me submeter a elas, é claro.
Mas seria interessante ver os toxicômanos, de verdade, os magros, com
anoraks e o cabelo duro de tão sujo, abraçando-se e pousando a cabeça nos
ombros uns dos outros como crianças de cinco anos de idade. Eu sairia de lá
limpa, inteira, renovada, renascida. Todas as pessoas que no momento estavam
putas da vida comigo, não ficariam mais. A velha Rachel iria embora, a nova
Rachel estaria pronta para começar do zero.
— Será que ela, er, vai, sabe como é, ficar fissurada? — perguntou
Margaret timidamente a Brigit, enquanto nos preparávamos para encetar o
trajeto de carro debaixo de neve até o aeroporto JFK.
— Não seja ridícula — eu ri. — Você está delirando. Fissurada é a mãe.
A pessoa só fica fissurada quando usa heroína.
— Quer dizer então que você não usa heroína? — perguntou Margaret.
Revirei os olhos para ela em sinal de exaspero.
— E como é que eu ia saber? — gritou ela.
— Antes tenho que ir ao banheiro — disse eu.
— Vou com você — ofereceu-se Margaret.
— Não vai, não. — Disparei numa carreira.
Alcancei o banheiro antes dela e bati a porta na sua cara.
— Me deixa em paz — gritei por trás da porta trancada —, ou eu vou
começar a me picar só prá irritar você!
Quando o avião decolou do aeroporto JFK, afundei no meu assento,
surpresa por perceber que sentia um alívio imenso. Tinha a estranha sensação
de estar sendo aerotransportada rumo à minha salvação. De repente, sentia-me
muito feliz por estar indo embora de Nova York. A vida não andava nada fácil
nos últimos tempos. Pouco espaço para manobrar o carro, por assim dizer.
Eu andava numa pindaíba federal e devia dinheiro a quase todo
mundo. Ri secretamente, porque, por um momento, essa constatação quase
dava a impressão de que eu realmente era uma toxicômana. Não era este tipo de
dívida que eu tinha, mas já havia estourado o limite de meus dois cartões de
crédito e sido obrigada a pedir dinheiro emprestado a todos os meus amigos,
sem faltar um.
Tornara-se cada vez mais difícil desempenhar o cargo de subgerente no
hotel onde eu trabalhava. Havia ocasiões em que passava pela porta giratória
para iniciar o expediente e tinha vontade de gritar. Eric, meu patrão, andava
mal-humorado e irascível. Eu vivia tirando licenças por motivo de saúde e
chegando atrasada. O que tornava Eric ainda mais desagradável. O que,
naturalmente, me fazia tirar mais licenças por motivo de saúde. Até que minha
vida se viu reduzida a duas emoções: desespero quando eu estava trabalhando e
sentimento de culpa quando não estava.
Enquanto o avião varava as nuvens acima de Long Island, pensei,
convicta: "Eu poderia estar trabalhando, agora. Não estou e me sinto ótima."
Fechei os olhos e as lembranças de Luke invadiram o recinto sem ser
convidadas. A dor inicial provocada pela rejeição se esgueirara um pouco para
dar espaço à dor da saudade. Eu e ele estávamos praticamente vivendo juntos, e
sua ausência era dolorosa. Não devia ter começado a pensar nele e no que
dissera, pois isso me fez ficar um pouco histérica. Fui tomada pelo ímpeto quase
incontrolável de encontrá-lo naquele exato instante, dizer-lhe o quanto estava
errado e lhe implorar para me aceitar de volta. Mas dar vazão a um ímpeto
incontrolável num avião em pleno vôo logo no começo de uma viagem de sete
horas era o tipo da coisa idiota a fazer, de modo que refreei o impulso de puxar o
freio de emergência. Felizmente, a aeromoça estava servindo os drinques, e
aceitei uma vodca com laranjada com a mesma gratidão de um afogado a quem
atiram uma corda.
— Parem com isso — murmurei para Margaret e Paul, que me
encaravam com rostos pálidos e ansiosos. — Estou nervosa. De mais a mais,
desde quando estou proibida de tomar um drinque?
— Mas não exagera — pediu Margaret. — Promete?
Mamãe recebeu muito mal a notícia de que eu era toxicômana. Minha
irmã mais nova, Helen, estava assistindo à TV de manhã com ela, quando papai
lhes deu a notícia. Pelo visto, assim que terminou de falar com Brigit ao telefone,
correu para a sala de estar e soltou a bomba:
— Sua filha é toxicômana!
A única coisa que mamãe disse foi "Hum?", e continuou a assistir ao
programa de baixarias de Ricki Lake, protagonizado pela classe Z dos Estados
Unidos.
— Mas eu já sei — acrescentou ela. — Precisa dar um nó na cueca por
causa disso?
— Não — disse papai, irritado. — Não é brincadeira. Não estou falando
de Anna. É Rachel!
Segundo consta, uma expressão estranha surgiu no rosto de mamãe, e
ela pulou de pé. Então, sob os olhares de papai e Helen — o de papai, nervoso, o
de Helen, divertido —, saiu tateando pelas paredes como uma cega até a
cozinha, encostou a cabeça na mesa e começou a chorar.
— Uma toxicômana — soluçava. — Não posso suportar isso.
Papai pousou a mão sobre seu ombro, para confortá-la.
— Anna, talvez — ela se lamuriava. — Anna, com certeza. Mas Rachel,
não. Já é bastante ruim ter uma, Jack, mas duas...! Não sei o que elas fazem
com aquela porcaria de papel laminado. Não sei, mesmo! Anna o gasta como
quem vai às goiabas, e quando lhe pergunto o que faz com ele, nunca me dá
uma resposta direta.

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