segunda-feira, 18 de julho de 2011

Charlaine Harris - Morto até o Anoitecer Cap.10

Ao dia seguinte, enquanto me preparava para sair para o trabalho, dava-me conta de que

estava farta de vampiros para uma boa temporada. Inclusive do Bill. Já me tocava recordar

que era humano.

O problema é que não podia passar por cima que era uma humana modificada.

Não era nada sério. depois da primeira dose de sangue do Bill, a noite que os Ratos me

golpearam, senti-me sanada, saudável, forte. Mas não era uma diferença marcada. Pode que

mais... bom, sexy.

Depois do segundo gole de sangue me notei forte de verdade, e fui mais valente porque

tinha mais segurança em mim mesma. Tive mas confiança em minha sexualidade e seu

poder. Estava claro que tinha dirigido meu discapacidad com mais aprumo e aptidão que

antes.

Então ingeri por acidente o sangue de Sombra Larga. À manhã seguinte, quando me

olhei no espelho, tinha os dentes mais brancos e afiados, o cabelo mais claro e vital, e os

olhos mais brilhantes. Parecia a garota de um pôster para uma boa higiene ou de alguma

campanha de saúde, como tomar vitaminas ou beber leite. A selvagem dentada de meu

braço (o último sinal de Sombra Larga sobre a terra, refleti) não estava curado de tudo, mas

andava em caminho.

Nesse momento me derrubou a bolsa ao agarrá-lo, e as moedas rodaram por debaixo do

sofá. Levantei o extremo do sofá com uma mão enquanto com a outra recolhia as moedas.

Latido.

Endireitei-me e respirei fundo. Ao menos o sol não me fazia machuco aos olhos e não

me entravam vontades de morder ao primeiro que via. Desfrutei da torrada do café da

manhã e não gostava do molho de tomate. Não me estava convertendo em uma vampira.

Talvez fora uma espécie de humana melhorada?

Certamente, minha vida era muito mais singela quando não saía com ninguém.

Quando cheguei ao Merlotte's tudo estava preparado salvo as rodelas de limão e lima.

Estamos acostumados a servir a fruta tanto com os coquetéis como com o chá, assim

agarrei a madeira para cortar e uma faca afiada. Enquanto tirava os limões do frigorífico

grande me encontrei com o Lafayette, que estava grampeando o avental.

-Esclareceste-te o cabelo, Sookie?

Neguei com a cabeça. Sob a coberta do avental branco, Lafayette era uma autêntica

sinfonia de cor. Levava uma camiseta fúcsia de suspensórios finos, jeans de cor púrpura

escura, sapatilhas vermelhas e uma sombra de olhos mais ou menos framboesa.

-Pois parece mais claro-disse com cepticismo, arqueando suas sobrancelhas depiladas.

-estive muito ao sol-lhe assegurei.

Dawn nunca se levou bem com o Lafayette, talvez porque era negro ou talvez porque era

gay, não sei... Possivelmente por ambas as coisas. Arlene e Charlsie se limitavam a aceitálo,

mas não se esforçavam por ser especialmente amáveis com ele. Mas sempre me tinha

cansado bem, porque devia ter uma vida dura e entretanto a levava com entusiasmo e

humor.

Olhei a madeira de cortar. Todos os limões estavam em quartos, todas as limas em

rodelas. Minha mão sustentava a faca e estava manchada dos sucos: tinha-o feito sem me

dar conta. Em uns trinta segundos. Fechei os olhos. meu deus.

Quando os voltei a abrir, Lafayette passava o olhar de meu rosto a minhas mãos.

-me diga que não vi isso, amiga -sugeriu.

-Não o viu -pinjente. Surpreendeu-me comprovar que minha voz resultava serena e

equilibrada-. me Desculpe, tenho que me levar isto. -Pus a fruta em contêineres separados

dentro da geladeira portátil que há detrás da barra, onde Sam guarda a cerveja. Quando

fechei a porta descobri que Sam estava junto a mim, cruzado de braços. Não parecia muito

contente.

-Está bem? -perguntou. Seus brilhantes olhos azuis me analisaram de cima abaixo-. Te

tem feito algo no cabelo? - disse, não muito convencido.

Ri. Dava-me conta de que meu amparo mental se ativou sem dificuldade, que não tinha

por que ser um processo doloroso.

-estive ao sol -respondi.

-O que te passou no braço?

Olhei-me o antebraço direito. Tinha abafado a dentada com uma vendagem.

-Mordeu-me um cão.

-Terão-lhe sacrificado, não?

-É obvio.

Olhei ao Sam, a não muita distância, e me deu a impressão de que seu áspero cabelo

loiro avermelhado estalava de energia. Pareceu-me como se pudesse ouvir o batimento do

coração de seu coração. Pude sentir sua insegurança, seu desejo. Meu corpo respondeu

imediatamente. Concentrei-me em seus finos lábios, e o agradável aroma de sua loção pósbarba

invadiu meus pulmões. aproximou-se uns centímetros. Pude notar o ar que entrava e

saía de seu peito. Soube que seu pênis ficava duro.

Nesse momento Charlsie Tooten entrou pela porta dianteira e a fechou de uma portada.

Sam e eu nos afastamos um do outro. Graças a Deus que estava Charlsie, pensei. Roliça,

boba, bem-intencionada e esforçada trabalhadora, Charlsie era a empregada ideal. Casada

com o Ralph, seu noivo do instituto, que trabalhava em uma das novelo de processado de

frangos, tinha uma filha em secundária e outra já casada. Ao Charlsie adorava trabalhar no

bar, para poder sair e conhecer gente, e tinha manha para tratar com os bêbados e tirá-los

pela porta sem brigar.

-Né, olá aos dois! -saudou-nos alegre. Seu cabelo, castanho escuro (L'Oreal, segundo

Lafayette), caía-lhe teatralmente do cocuruto com uma cascata de saca-rolhas. Levava uma

blusa imaculada e os bolsos dos pantaloncitos abertos, já que tinha metido muitas coisas.

Vestia meias três-quartos completamente negros, bambas brancas e suas unhas postiças

eram de uma espécie de vermelho borgoña-. Essa minha filha está grávida. Podem me

chamar avó! -anunciou, e certamente, estava contente como umas castanholas. Dava-lhe o

abraço de rigor e Sam lhe deu umas palmadas no ombro. Os dois nos alegrávamos de vê-la.

-Para quando espera ao bebê? -perguntei, e Charlsie começou a soltá-lo tudo. Não

precisei dizer nem palavra durante os seguintes cinco minutos. Então Arlene chegou até

nós, com os grãos do pescoço talheres torpemente com maquiagem, e terá que explicá-lo

tudo de novo. Em certo momento meus olhos se encontraram com os do Sam, e depois de

um breve instante os dois apartamos de uma vez o olhar.

Então começamos a atender às pessoas que devia comer, e o incidente ficou esquecido.

A maioria das pessoas não bebe muito no almoço; no máximo uma cerveja ou um copo

de vinho, e uma considerável proporção só toma chá gelado ou água. A clientela da hora da

comida se compunha de pessoas que estavam perto do bar quando chegava o momento, de

outros que eram habituais e acudiam como sempre, e dos alcoólicos do povo, para os que a

taça do almoço era a terceira ou a quarta do dia. Enquanto começava a apontar os pedidos,

lembrei-me do rogo de meu irmão.

Escutei durante todo o dia, e foi exaustivo. Nunca me tinha passado tantas horas

escutando, não tinha mantido baixo meu guarda durante tanto tempo. Embora possa que

não fora tão duro como antigamente: talvez agora me sentia mais distante do que ouvia. O

xerife Bud Dearborn se sentava em uma mesa com o prefeito, Sterling Norris, amigo de

minha avó. O Sr. Norris se levantou a lombriga e me deu um tapinha no ombro, e recordei

que era a primeira vez que o via do funeral.

-Como vai, Sookie? -perguntou com voz amável. Ele não parecia estar muito bem.

-Estupendamente, Sr. Norris. E a você?

-Sou já um ancião, Sookie-disse com sorriso indefinível. Nem sequer esperou que eu

lhe levasse a contrária-. Estes crímenes estão acabando comigo. Não tínhamos tido um

assassinato no Bon Temps desde que Darryl Mayhew disparou ao Sue Mayhew. E ali não

houve nenhum mistério.

-Isso foi... quando? Faz seis anos? -perguntei-lhe ao xerife, solo para seguir perto deles.

O Sr. Norris se sentia tão triste de lombriga porque pensava que meu irmão ia ser detido por

assassinato, por matar ao Maudette Pickens, e considerava que, segundo isso, era provável

que também tivesse matado à avó. Agachei a cabeça para que não me vissem os olhos.

-Acredito que sim. Vejamos, lembrança que nos arrumávamos para o recital de baile do

Jean-Arme... Então foi... sim, está no certo, Sookie, faz seis anos. -O xerife assentiu com

aprovação-. esteve Jason hoje por aqui? -perguntou de maneira casual, como se lhe

acabasse de passar pela cabeça.

-Não, não o vi -respondi. O xerife me pediu um chá gelado e um hambúrguer, e estava

lembrando-se de quando pilhou ao Jason com seu Jean-Arme, fazendo-o como loucos no

chão da caminhonete de meu irmão.

OH, céus, estava pensando que Jean-Anne teve sorte de que não a estrangulasse. E então

teve um pensamento nítido que me deixou geada: o xerife Dearborn acreditava que "de

todos os modos, estas garotas são todas umas fracassadas". Pude interpretar o pensamento

em seu contexto porque o xerife resultou muito fácil de ler. Consegui detectar os matizes de

sua idéia, estava pensando: "Trabalhos pouco qualificados, sem estudos universitários,

jodiendo com vampiros... são desfeitos da sociedade".

As palavras "ferida" e "furiosa" não começam sequer a descrever como me sentia ante a

valoração do xerife.

Passei de mesa em mesa de modo quase instintivo, indo procurar as bebidas e os

sanduíches e recolhendo os restos, trabalhando tão duro como sempre, com esse terrível

sorriso me cruzando a cara. Falei com vinte pessoas que conhecia, a maioria das quais

tinham pensamentos tão inocentes como os de um menino. Quase todos os clientes

pensavam em seu trabalho, em tarefas que tinham que fazer em casa, ou em algum pequeno

problema que precisassem solucionar, como chamar o serviço técnico do Sears para que

lhes arrumassem a lava-louça ou limpar a casa para a reunião do fim de semana.

Arlene estava aliviada porque lhe tivesse vindo a regra e Charlsie estava imersa em

reflexões de cor rosa sobre sua contribuição à imortalidade, seu neto. Rogava

fervientemente por um embaraço fácil e um parto são para sua filha. Lafayette pensava que

trabalhar comigo se estava convertendo em algo horripilante. O agente de polícia Kevin

Pryor se perguntava o que estaria fazendo sua companheira Kenya durante seu dia livre. Ele

estava ajudando a sua mãe a limpar o abrigo das ferramentas e cada minuto lhe resultava

odioso.

Escutei muitos comentários, tanto em voz alta como mentais, sobre meu cabelo e minha

cútis, e sobre a vendagem de meu braço. Parecia resultar mais desejável ante muitos

homens e uma mulher. Alguns dos meninos que tinham participado da expedição para

queimar aos vampiros pensavam que já não tinham nenhuma possibilidade comigo, devido

a minhas simpatias vampíricas, e lamentavam aquele ato impulsivo. Apontei-me no cérebro

seus nomes; não ia esquecer que podiam ter matado a meu Bill, inclusive embora naquele

momento o resto da comunidade vampírica ficasse bastante abaixo em minha lista de

favoritos.

Andy Bellefleur e sua irmã Porta comiam juntos, algo que faziam ao menos uma vez à

semana. Porta era a versão feminina do Andy: média estatura, compleição robusta e

queixada e boca de gesto decidido. A similitude entre irmão e irmã favorecia mais ao Andy

que a Porta. Tinha entendido que era uma advogada muito competente; talvez a tivesse

recomendado ao Jason quando estava procurando ajuda legal, de não ter sido mulher... E

me preocupava mais pelo amparo de Porta que pela dele.

Aquele dia a advogada se sentia deprimida em seu interior porque, embora tinha bons

estudos e ganhava bastante dinheiro, nunca tinha uma entrevista. Essa era sua preocupação

íntima.

Por sua parte, Andy se sentia aborrecido por minha prolongada relação com o Bill

Compton, fascinado pela melhoria de meu aspecto e intrigado por como teriam sexo os

vampiros. Também lamentava ter que prender o Jason com toda probabilidade.

Considerava que as provas contra ele não eram muito mais sólidas que as que havia contra

alguns outros homens, mas Jason era o que parecia mais assustado, o que significava que

tinha algo que ocultar. E além disso estavam os vídeos, nos que aparecia Jason mantendo

relações sexuais (e não precisamente ao estilo tradicional) com o Maudette e Dawn.

Fiquei olhando-o enquanto processava seus pensamentos, o que lhe fez incomodar-se.

Ele sim sabia do que era capaz.

-Sookie, vais trazer me essa cerveja?-perguntou por último, enquanto fazia um gesto

com a mão no ar para assegurar-se de que lhe emprestava atenção.

-Claro, Andy -respondi distraída, e tirei uma da geladeira-. Quer mais chá, Porta?

-Não, obrigado, Sookie-disse ela com educação, limpando-os lábios com um lenço de

papel. Porta recordava sua época de instituto, onde tivesse vendido sua alma por uma

entrevista com o muito bonito Jason Stackhouse. perguntava-se o que teria feito Jason

agora, se teria algum pensamento na cabeça que pudesse lhe interessar. Mereceria aquele

corpo o sacrifício da companhia intelectual? Assim Porta não tinha visto as cintas, não

sabia de sua existência. Andy estava sendo um bom polícia.

Tratei de imaginar a Porta com o Jason, e não pude evitar sorrir. Seria toda uma

experiência para ambos. Desejei, e não pela primeira vez, poder implantar idéias de igual

modo que podia as detectar.

Para quando terminou meu turno, tinha-me informado de... nada. Exceto os vídeos que

tinha gravado meu irmão com tanta imprudência continham um pouco de bondage suave, o

que tinha levado ao Andy a pensar nas marcas de cordas nos pescoços das vítimas.

Assim, em seu conjunto, abrir minha mente para meu irmão tinha sido um exercício

inútil. Tudo o que tinha ouvido sozinho servia para me preocupar mais e não proporcionava

nenhuma informação adicional que pudesse ajudar a sua causa.

De noite viria gente distinta. Alguma vez tinha ido ao Merlotte's por gosto, devia ir

aquela noite? O que pensaria Bill? Igual era melhor estar com ele.

Senti-me sem amigos, não tinha a ninguém com quem pudesse falar do Bill, a ninguém

que obtivesse sequer não ficar meio assustado sozinho vendo-o. Como podia lhe contar ao

Arlene que estava preocupada porque os colegas vampíricos do Bill eram aterradores e

desumanos, e que um deles me tinha mordido a noite passada, tinha sangrado sobre minha

boca e lhe tinham atravessado com uma estaca enquanto o tinha em cima? Não era a classe

de problemas que Arlene estava preparada para dirigir.

Não me ocorreu ninguém que o estivesse. Não pude recordar a nenhuma garota que se

citasse com um vampiro e que não fora uma fanática indiscriminada, uma colmillera que se

ataria com qualquer chupasangres.

Para quando terminou meu turno, meu aspecto físico melhorado já não conseguia me dar

confiança em mim mesma. Senti-me como um inseto estranho.

Passeei tranqüila por meu lar, joguei-me uma pequena sesta e reguei as flores da avó.

Para o anoitecer comi algo detrás esquentá-lo no microondas. Vacilei até o último momento

entre ir ou não, e ao final me pus uma camisa vermelha e umas calças brancas, algumas

jóias e saí de volta para o Merlotte'S.

Era muito estranho entrar como cliente. Sam estava ao fundo, detrás da barra, e arqueou

as sobrancelhas ao reparar em minha chegada. Aquela noite trabalhavam três garçonetes às

que solo conhecia de vista, e pelo guichê dos pratos vi que outro cozinheiro se encarregava

dos hambúrgueres. Jason estava na barra. Por autêntico milagre o tamborete contigüo

estava vazio, e me sentei nele. girou-se para mim com o rosto preparado para uma nova

mulher: a boca entreabierta e sorridente, os olhos resplandecentes e bem abertos. Quando

viu que era eu, sua expressão experimentou uma mudança cômica.

-Que demônios está fazendo aqui, Sookie? -perguntou-me com voz indignada.

-Vá, e eu que acreditava que não te alegraria de lombriga - sublinhei. Quando Sam se

deteve diante de mim, pedi-lhe um bourbon com a Coca Cola, sem olhá-lo à cara-. Tenho

feito o que me pediu, e por agora nada -sussurrei a meu irmão-. vim esta noite para sondar

a algumas pessoas mais.

-Obrigado, Sookie -disse depois de uma larga pausa-. Suponho que não me dava conta

do que te pedia. Né, tem-te feito algo no cabelo?

Inclusive me pagou a bebida quando Sam me serve isso. Não tínhamos muito do que

falar, o que de fato foi positivo, já que tratava de escutar a outros clientes. Havia uns

poucos forasteiros, e os sondei primeiro para ver se podiam ser possíveis suspeitos. Tive que reconhecer, relutante, que não parecia provável. A gente pensava com intensidade em

tudo o que sentia falta da sua esposa, e o trasfondo indicava que lhe era fiel. Outro

considerava que era a primeira vez que vinha ao bar e que a bebida parecia boa, e outro se

limitava a concentrar-se em permanecer direito e confiar em ser capaz de conduzir de volta

ao motel.

Tomei outra taça.

Jason e eu tínhamos estado intercambiando conjeturas sobre a quanto ascenderiam as

tarifas dos advogados quando resolvesse a herança da avó. Jogou um olhar à porta e disse:

-OH, OH.

-O que ocorre? -perguntei, sem me girar ainda para ver o que lhe tinha surpreso.

-Hermanita, aqui está seu noivo. E não está sozinho.

Minha primeira idéia foi que Bill se trouxe para um de seus colegas vampiros, o que

tivesse sido triste e pouco inteligente por sua parte, mas ao me girar me dava conta de por

que Jason parecia tão zangado. Bill estava com uma garota humana. Ele a agarrava do

braço e ela o seguia como uma furcia. O vampiro contemplava à clientela, e ficou claro que

estava tratando de me provocar.

Desci-me do tamborete, mas tivesse sido melhor não fazê-lo. Estava bêbada. Quase

nunca bebo, e embora os dois bourbon com a Coca Cola em poucos minutos não tinham

bastado para me tombar, sim estava um pouco achispada.

O olhar do Bill se topou com a minha; vi que em realidade não esperava me encontrar

ali. Não podia ler sua mente como fiz com a do Eric durante um terrível instante, mas sim

podia interpretar sua linguagem corporal.

-Ey, vampiro Bill! -saudou-o Hoyt, o amigo do Jason. Bill inclinou a cabeça com

educação em direção ao Hoyt, mas começou a conduzir à garota (pequena e moréia) para

onde eu estava. Não tinha nem idéia do que fazer.

-Hermanita, do que vai este?-disse Jason. Estava ficando furioso-. Essa garota é uma

colmillera do Monroe, conheci-a quando ainda gostava dos humanos.

Seguia sem saber o que fazer. A dor era terrível, mas meu orgulho seguia tratando de

contê-lo. acrescentou-se um pingo de culpabilidade a aquele matagal de sentimentos: eu

não estava onde Bill me esperava e não lhe tinha deixado nenhuma nota. Mas também, por

outro lado (o quinto ou sexto lado), a noite anterior já tinha sofrido muitos sustos no traje

de gala a pedido real do Shreveport, e se tinha tido que assistir a esse guateque foi sozinho

por minha relação com ele.

Meus impulsos contrapostos me deixaram imóvel. Entravam-me vontades de me lançar

sobre ela e moê-la a pauladas, mas não me tinham educado para brigar nos bares. Também

queria moer a pauladas ao Bill, mas para o dano que ia fazer lhe, o mesmo serviria dar-se

de cabaçadas contra a parede. Por outro lado, queria me pôr a chorar porque tinha ferido

meus sentimentos, mas isso mostraria minha debilidade. A melhor opção era não

demonstrar nada, porque Jason estava a ponto de lançar-se contra Bill, e o menor gesto por

minha parte bastaria para disparar o gatilho. Muitos problemas e muito álcool.

Enquanto repassava todas essas opções, Bill se aproximou de mim abrindo-se passo

entre as mesas, com a garota detrás. Observei que na sala imperava o silêncio; em vez de

estudar a outros, agora era eu a observada. Notei que me enchiam os olhos de lágrimas

enquanto apertava os punhos. Genial, o pior das duas respostas.

-Sookie-disse Bill-, isto é o que Eric deixou diante de minha casa.

Logo que consegui entender o que queria dizer.

-E? -respondi furiosa. Olhei diretamente aos olhos da garota, que eram grandes e

escuros, e refletiam sua excitação. Mantive meus muito abertos, sabendo que se piscava

correriam as lágrimas.

-Como recompensa-acrescentou Bill. Não compreendi bem como se sentia a respeito.

-Bebida grátis? -pinjente, sem me acreditar quão venenosas soaram minhas palavras.

Jason me pôs a mão no ombro.

-Tranqüila, moça -disse, em voz tão baixa e cheia de aversão como a meu-. Ele não

merece a pena.

Não sabia de que não era digno Bill, mas estava a ponto de averiguá-lo. Resultou quase

estimulante não ter nem idéia do que ia fazer a seguir, depois de toda uma vida de

autocontrol.

Bill me estudava com marcada atenção. Sob os fluorescentes de em cima da barra

parecia pálido em grau supremo. Não se tinha alimentado dela, e tinha as presas retraídas.

-Vamos fora a falar-disse.

-Com ela? -minha voz era quase um grunhido.

-Não -disse-, comigo. Tenho que enviar a de volta.

A repulsão de sua voz exerceu certa influência sobre mim, e o segui ao exterior,

mantendo alta a cabeça e sem me enfrentar a nenhum olhar. Bill manteve sua presa sobre o

braço da garota, que quase se via obrigada a andar nas pontas dos pés para poder segui-lo.

Não me inteirei de que Jason nos acompanhava até que me girei e o vi detrás de mim,

quando já saíamos ao estacionamento. Ali a gente entrava e saía, mas era algo mais íntimo

que o abarrotado bar.

-Olá -disse a garota de maneira informal-. Me chamo Desiree. Acredito que te conheço

de antes, Jason.

-O que está fazendo aqui, Desiree? -perguntou-lhe Jason com voz tranqüila. A gente

quase poderia pensar que estava depravado.

-Eric me enviou aqui, ao Bon Temps, como recompensa para o Bill-disse com paquera,

olhando ao Bill pela extremidade do olho-. Mas ele não parece nada entusiasmado, e não

sei por que. Quase se pode dizer que sou uma colheita especial.

-Eric? -perguntou Jason dirigindo-se a mim.

-Um vampiro do Shreveport. O dono de um bar, o mandão.

-Deixou-a diante de minha porta -me explicou Bill-, eu não a pedi.

-E o que vais fazer a respeito?

-Enviar a de volta -disse com impaciência-. Você e eu temos que falar.

Traguei saliva e relaxei os dedos.

-Necessita que a levem de volta ao Monroe? -perguntou Jason.

Bill pareceu surpreender-se.

-Sim, oferece-te para isso? Eu tenho que falar com sua irmã.

-Claro -disse Jason, todo simpatia. Comecei a desconfiar imediatamente.

-Não posso acreditar que me rechace-disse Desiree, olhando ao Bill e pondo morritos-.

Nunca antes ninguém me desprezou.

-Certamente, estou agradecido. E não duvido que seja, como você diz, uma colheita

especial-disse Bill com educação-. Mas disponho de minha própria adega.

A pequena Desiree o contemplou sem entender durante um segundo, antes de que a

compreensão iluminasse pouco a pouco seus olhos castanhos.

-Esta mulher é tua? -perguntou, me assinalando com a cabeça.

-É-o.

Jason se agitou nervoso ante a sóbria afirmação do Bill. Desiree me dedicou um bom

repasse ocular.

-Tem uns olhos curiosos -declarou ao fim.

-É minha irmã -avisou Jason.

-OH, sinto muito. Você é muito mais... normal. -Desiree submeteu ao mesmo repasse

ao Jason e pareceu mais agradada com o que via-. Ey, qual era seu sobrenome?

Jason a agarrou da mão e começou a levá-la para sua caminhonete.

-Stackhouse-dizia, tendo olhos só para ela, enquanto se afastavam-. Pode que de

caminho a casa queira me contar um pouco a que te dedica...

Girei-me para o Bill, me perguntando quais seriam os motivos do Jason para realizar

aquele generoso ato, e me encontrei com seu olhar. Era como tropeçar-se com um muro de

tijolos.

-Assim quer falar? -perguntei com voz áspera.

-Aqui não, vêem casa comigo.

Removi o cascalho com o sapato.

-Não, a sua casa não.

-Então à tua.

-Tampouco.

Levantou suas arqueadas sobrancelhas.

-Então aonde?

Boa pergunta.

-Ao lago de meus pais. -Como Jason ia levar a casa à Senhorita Moréia e Pequena, não

estaria ali.

-Sigo-te-disse com brevidade. Separamo-nos para subir a nossos respectivos carros.

A propriedade em que tinha passado meus primeiros anos de vida estava situada ao oeste

do Bon Temps. Percorri a familiar entrada de cascalho e estacionei junto à casa, um

modesto rancho que Jason conservava bastante bem. Bill saiu de seu carro ao tempo que eu

fazia o próprio do meu, e lhe indiquei que me seguisse. Rodeamos a casa e baixamos o

pendente ao longo de um caminillo empedrado. Em apenas um minuto estávamos junto ao

lago artificial que meu pai colocou no jardim traseiro e povoou de peixes, com a esperança

de pescar junto a seu filho nessas águas durante muitos anos.

Havia uma espécie de pátio que dominava as águas, e sobre uma das cadeiras metálicas

encontram uma manta dobrada. Sem nenhum comentário, Bill a agarrou e a sacudiu, para

estendê-la depois sobre a erva da ladeira que descendia do pátio. Sentei-me sobre ela não

sem certa relutância, considerando que a manta não era segura pelas mesmas razões que me

reunir com ele em qualquer casa não era seguro. Quando estava perto do Bill, solo pensava

em me aproximar ainda mais a ele.

Abracei-me os joelhos e olhei longe, por cima das águas. Havia uma luz ao outro lado

do lago, e podia vê-la refletida sobre as serenas águas. Bill se tombou de costas junto a

mim; senti seu olhar. Enlaçou as mãos sobre seu peito, as mantendo longe de mim de forma

manifesta.

-Ontem à noite te assustou -disse com tom neutro.

-Acaso você não estava um pouco assustado? -perguntei, com mais tranqüilidade da que

me acreditava capaz.

-Por ti. E um pouco por mim mesmo.

Entraram-me vontades de me tombar de barriga para baixo, mas me preocupava me

aproximar tanto a ele. Quando vi sua pele resplandecer sob a luz da lua, ansiei tocá-lo.

-Dá-me medo que Eric possa controlar nossas vidas enquanto sejamos casal.

-Quer que deixemos de sê-lo?

A dor de meu peito foi tão intenso que me pus a mão em cima, apertando a zona sobre

meu seio.

-Sookie? -Estava ajoelhado junto a mim, me rodeando com um braço. Não pude lhe

responder, faltava-me o fôlego-. Me ama?

Assenti.

-Então, por que falas de me deixar?

A dor se abriu passo até chegar a meus olhos em forma de lágrimas.

-Assustam-me muito os outros vampiros e sua forma de ser. O que será o seguinte que

me peça? Tratará de conseguir que faça algo mais. Dirá-me que do contrário te matará. Ou

ameaçará ao Jason. E pode cumprir suas ameaças.

A voz do Bill resultou tão suave como o som de um grilo sobre a erva. Um mês atrás

sem dúvida não tivesse podido ouvi-la.

-Não chore -me pediu-. Sookie, tenho que te dar más notícias.

Não sentiu saudades. A única boa noticia que tivesse podido me dar a essas alturas era

que Eric tinha morrido.

-Eric se sente intrigado por ti -explicou-. Sabe que possui poderes mentais que a

maioria dos humanos não têm, ou que ignoram que possuem. Intui que seu sangue resultará

saborosa e doce -a voz do Bill enrouqueceu ao dizer isso, e me fez tremer-. E é preciosa.

Agora é inclusive mais preciosa. Ele não se dá conta de que já tomaste nosso sangue três

vezes. -Sabia que Sombra Larga sangrou sobre mim?

-Sim, vi-o.

-Há algo mágico no das três vezes?

Ele riu, com essa lenta risada oxidada e retumbante.

-Não. Mas quanta mais sangue de vampiro beba, mais desejável te voltará para os de

nossa espécie, e de fato, para todos. E Desiree pensa que é um aprimoramento! Perguntome

que vampiro lhe contou isso.

-Um que queria meter-se entre suas calcinhas -disse com sinceridade, provocando que

ele voltasse a rir. Adorava escutar sua risada-. Com todas estas frases de quão adorável sou,

está tratando de me dizer que Eric me deseja?

-Sim.

-E o que lhe impede de tomar ?Contou-me que é mais forte que você.

-A cortesia e o costume, acima de tudo.

Não soprei, mas me faltou pouco.

-Não despreze isso. Nós, os vampiros, somos todos muito respeitosos com o costume.

Temos que viver juntos durante séculos.

-Algo mais?

-Não sou tão forte como Eric, mas não sou um vampiro recente. Poderia ferir o de

gravidade em uma briga. E inclusive poderia ganhar se tiver sorte.

-Algo mais? -repeti.

-Talvez-reconheceu Bill com lentidão-: você mesma.

-Como é isso?

-Se pode lhe ser valiosa de outra maneira, pode que te deixe em paz. Se compreender

que é o que deseja em realidade.

-Mas não quero lhe ser valiosa! Não quero voltar a vê-lo nunca!

-Prometeu-lhe que voltaria a lhe ajudar-me recordou Bill. -Se entregava o ladrão à

polícia -disse-. E o que fez Eric? Atravessou-o com uma estaca!

-O qual possivelmente te tenha salvado a vida.

-Bom, mas encontrei a seu ladrão.

-Sookie, não sabe muito do mundo.

Olhei-o surpreendida.

-Suponho que isso é certo.

-As coisas não resultam... justas. -Bill olhou para a escuridão-. Incluso eu mesmo penso

às vezes que já não sei muito. - Houve outra pausa lúgubre-. Solo em outra ocasião tinha

visto que um vampiro lhe aplicasse a estaca a outro; Eric está cruzando os limites de nossa

sociedade.

-Assim não é muito provável que empreste muita atenção a esse costume e cortesia da

que te gabava faz nada. -Pode que Pam o retenha nas velhas maneiras.

-O que é Pam para ele?

-Ele a criou. Quer dizer, converteu-a em vampiro, faz séculos. de vez em quando ela

retorna junto a ele e o ajuda com o que seja que ele esteja fazendo nesse momento. Eric

sempre foi uma espécie de pícaro, e quanto mais velho se faz, mais teimoso se volta. -

Chamar teimoso ao Eric era, em minha opinião, ficar muito curto.

-Assim estamos andando em círculos -perguntei. Bill pareceu pensar-lhe -No estabas

en casa, y tenía que localizarte -su tono no resultaba acusador, pero tampoco alegre.

-Assim é-confirmou, com um matiz de pesar em sua voz-. Você não gosta de te

associar com outros vampiros além de mim, e já te hei dito que não fica eleição.

-O que passou com tudo este assunto do Desiree?

-Eric fez que alguém a deixe diante de minha porta, com a esperança de me adular me

enviando um bonito presente. Além disso, se bebia dela poria em dúvida minha devoção

para ti. Talvez tenha envenenado seu sangue de algum jeito, de modo que me tivesse

debilitado de tomá-la, ou talvez não tivesse sido mais que uma greta em minha armadura. -

encolheu-se de ombros-. Não considerará que tive uma entrevista?

-Sim. -Senti que minha expressão se endurecia ao pensar no Bill entrando no bar com a

garota.

-Não estava em casa, e tinha que te localizar -seu tom não resultava acusador, mas

tampouco alegre.

-Tratava de ajudar ao Jason escutando às pessoas. E ainda estava triste pelo de ontem à

noite.

-E já nos reconciliamos?

-Não, mas isto é tudo quão bem podemos estar - respondi-. Suponho que quisesse a

quem quisesse, as coisas não iriam sempre sobre rodas. Mas não tinha contado com

obstáculos tão drásticos. Imagino que não há modo de que possa chegar a superar em fila

ao Eric, já que o critério vem dado pela idade.

-Não -explicou Bill-. Superá-lo em fila, não... -e de repente pareceu pensativo-.

Embora poderia fazer algo nessa linha. Não é algo que eu goste, vai contra minha natureza,

mas estaríamos mais seguros.

Deixei-o pensar.

-Sim -concluiu, pondo fim a suas largas meditações. Não se ofereceu a me explicar isso

e eu não lhe fiz perguntas-. Te amo -acrescentou, como se isso fora o fundamental de

qualquer curso de ação que estivesse considerando. Seu rosto se inclinou sobre mim,

luminoso e atrativo na penumbra.

-Eu sinto o mesmo por ti -lhe disse, pondo as mãos sobre seu peito para não cair na

tentação-, mas agora mesmo temos tantas coisas em contra... Ajudaria-nos muito se

pudéssemos nos tirar ao Eric de cima. E outra coisa, temos que deter esta investigação dos

assassinatos. Seria um segundo grande problema sobre nossas costas. O assassino deve

responder das mortes de seus amigos e das do Maudette e Dawn. -Fiz uma pausa para

respirar fundo-. E da morte de minha avó. -Pisquei para conter as lágrimas; tinha-me

acostumado a que a avó não estivesse em casa quando retornava, e me estava adaptando a

não falar com ela nem compartilhar os problemas entre as duas, mas de vez em quando me

assaltava um sentimento de tristeza tão pronunciado que me deixava sem fôlego.

-por que crie que o mesmo assassino é o responsável por que queimassem aos vampiros

do Monroe?

-Acredito que foi o assassino o que plantou a idéia, esse espírito de patrulha cidadã, nos

homens que estavam no bar aquela noite. Acredito que foi ele quem partiu de grupo em

grupo, incitando aos meninos. passei aqui toda minha vida e nunca tinha visto que a gente

da zona atuasse desse modo. Tem que haver uma razão para que esta vez o fizessem.

-Agitou-os? Fomentou a queima?

-Sim.

-E escutando não tem descoberto nada?

-Não -tive que admitir de maneira sombria-. Mas isso não quer dizer que manhã

tampouco consiga nada.

-É uma otimista, Sookie.

-Sim, sou-o. Devo sê-lo.

Acariciei-lhe a bochecha, considerando até que ponto tinha estado justificado meu

otimismo desde que ele entrou em minha vida.

-Segue escutando, já que crie que pode dar frutos-me disse-. por agora eu provarei com

outra coisa. Vemo-nos amanhã, de noite em sua casa, de acordo? Pode que... Não, melhor

lhe explico isso então.

-Vale -sentia curiosidade, mas era óbvio que Bill ainda não estava disposto a me contar

isso -¿Sí? -dijo. Siempre ponía un tono desconfiado. -¡Bill -dije con dificultad-, hay

alguien fuera!

De caminho a casa, enquanto seguia as luzes de posição de seu carro até chegar à

entrada, pensei o aterradoras que tivessem resultado as últimas semanas se não tivesse

contado com sua presença. Ao avançar com cuidado entre as árvores, desejei que Bill não

tivesse decidido ir-se a sua casa a realizar algumas chamadas de telefone que considerava

necessárias. Não se pode dizer que as poucas noites que tínhamos passado separados tivesse

estado me retorcendo de medo, mas sim que me havia sentido alterada e nervosa. Quando

ficava sozinha em casa, passava um montão de tempo me assegurando de que portas e

janelas estivessem bem fechadas, e não estava acostumada a viver assim. Senti-me

desalentada ao pensar na noite que me esperava.

antes de sair do carro, joguei uma olhada ao jardim. Alegrei-me de ter deixado acesas as

luzes antes de partir para o bar. Nada se movia. O habitual era que Tina viesse correndo

para mim assim que retornava a casa, ansiosa por entrar e tomar um pouco de comida para

gatos, mas aquela noite devia estar caçando pelos bosques.

Separei a chave da casa do molho do chaveiro. Saí correndo do carro até a porta

dianteira, introduzi e girei a chave em tempo recorde, e fechei de uma portada detrás de

mim, jogando o ferrolho. Aquele não era modo de viver, pensei, sacudindo a cabeça se

desesperada. E justo quando terminava de pensá-lo, algo impactou na porta com um golpe

surdo. Soltei um chiado antes de poder me conter.

Corri para o telefone portátil, junto ao sofá. Marquei o número do Bill enquanto corria por todo o salão baixando as persianas. E se a linha estava ocupada? Havia-me dito que se

ia a casa precisamente para usar o telefone!

Mas o pilhei enquanto entrava por sua porta. Ao desprender o auricular parecia sem

fôlego.

-Sim? -disse. Sempre punha um tom desconfiado. -Bill -disse com dificuldade-, há

alguém fora!

Pendurou o telefone imediatamente. Isso era um vampiro de ação. Esteve em minha casa

em dois minutos. Eu vigiava o jardim por uma persiana logo que levantada, e o vi

aproximando-se do pátio das árvores, movendo-se com uma velocidade e um silêncio que

um humano nunca poderia igualar. O alívio que senti ao vê-lo foi entristecedor. Durante um

segundo me senti envergonhada por ter chamado ao Bill para que me resgatasse. Deveria

me haver encarregado da situação por meu mesma. E então pensei: por que? Quando

conhece uma criatura pouco mais ou menos invencível que assegura te adorar, alguém tão

difícil de matar que resulta quase imortal, um ser de força sobrenatural, é a ele a quem deve

chamar.

Bill examinou o jardim e as árvores, deslocando-se com uma elegância confiada e

silenciosa. Ao final subiu com agilidade os degraus e se inclinou sobre algo que estava no

alpendre dianteiro. O ângulo resultava muito agudo e não pude ver do que se tratava.

Quando se endireitou tinha algo entre as mãos, e parecia por completo... inexpressivo. Isso

era muito mau.

Aproximei-me relutante à porta dianteira e abri o ferrolho. Apartei a contrapuerta de

mosquiteira.

Bill sustentava o corpo de minha gata.

-Tina? -disse com voz trêmula e nada carinhosa-. Está morta?

Bill assentiu com um pequeno gesto da cabeça.

-Mas... como?

-Estrangulada, acredito.

Senti que me desmoronava. Bill teve que permanecer ali de pé, sustentando o cadáver,

enquanto eu chorava.

-Não cheguei a plantar aquele carvalho-disse quando me tive acalmado logo que-.

Podemos pô-la nesse buraco.

Assim fomos até o pátio traseiro, com o pobre Bill ainda sustentando a Tina e tratando

de não parecer molesto por isso, e eu me esforçando por não me afundar de novo. Bill se

ajoelhou e colocou a pequena massa de cabelo negro no fundo do oco que escavei. Agarrei

a pá e comecei a preenchê-lo, mas assim que vi os primeiros fragmentos de terra golpear a

pelagem de Tina voltei a me sentir destroçada. Sem dizer uma palavra, Bill tomou a pá de

minhas mãos. Eu me voltei de costas e ele terminou a terrível tarefa.

-Vamos dentro -sugeriu com amabilidade quando teve concluído.

Fomos até a casa, para o qual tivemos que rodeá-la até chegar à parte dianteira, porque

não tinha aberto os ferrolhos de detrás.

Bill me acariciou e me reconfortou, embora eu sabia que nunca lhe tinha gostado de

muito Tina.

-Deus te benza, Bill-sussurrei. Abracei-o com força, com um súbito ataque de medo

ante a idéia de que também me tirassem isso a ele. Quando obtive que os soluços se

reduziram a hipidos o olhei, com a esperança de não havê-lo incomodado com minha

quebra de onda emocional.

Bill estava furioso. Contemplava a parede por cima de meu ombro e os olhos lhe

brilhavam. Era a coisa mais aterradora que vi em minha vida.

-encontraste algo no pátio?

-Não. Sozinho rastros de sua presença: algumas pisa, um aroma que ainda se percebia

no ar. Nada que possa levar como prova até tribunal-acrescentou, como se me lesse o

pensamento.

-Importaria-te ficar comigo até que tenha que... te afastar do sol?

-É obvio.-Contemplou-me. Compreendi que pensava fazer o de todas formas, tanto se

eu queria como se não.

-Se ainda precisa chamar por telefone, faz-o daqui, não me importa -quer dizer, se

entravam em meu contrato de linha.

-Tenho um cartão Telefónica -me disse, me surpreendendo uma vez mais. Quem o

tivesse pensado.

Lavei-me a cara e tomei um Tylenol antes de me pôr a camisola, mais triste que nunca

desde que morreu a avó, e em certo sentido incluso mais que então. Está claro que a morte

de um mascote não entra na mesma categoria que a de um membro da família, repreendime

mesma, mas isso não conseguia reduzir meu desconsolo. Fiz todos os raciocínios que

fui capaz e não cheguei a nenhuma conclusão, salvo o fato de que tinha alimentado,

acariciado e querido a Tina durante quatro anos, e que a sentiria falta de.

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