segunda-feira, 18 de julho de 2011

Charlaine Harris - Morto até o Anoitecer Cap.01

Quando o vampiro entrou no bar, eu levava anos esperando-o.

Desde que os vampiros tinham começado a sair do ataúde (como se está acostumado a

dizer médio em brincadeira) quatro anos atrás, tinha estado desejando que alguém viesse ao

Bon Temps. Se em nosso pequeno povo já tínhamos a todas as demais minorias, por que

não a mais nova, os mortos viventes reconhecidos pela lei? Mas, ao parecer, o norte rural

da Luisiana não resultava muito atraente para os vampiros. Pelo contrário, Nova Orleáns

era um autêntico ponto focal para eles: tudo pela Anne Frise, verdade?

Não há tanta distância em carro desde o Bon Temps a Nova Orleáns, e todos os que

vinham ao bar diziam que, naquela cidade, se atirava uma pedrada a uma esquina acertaria

a um vampiro. Solo que era melhor não fazê-lo.

Mas eu estava esperando meu próprio vampiro.

pode-se dizer, sem medo a equivocar-se, que não saio muito. E não é porque não seja

bonita. Sou-o: loira, de olhos azuis e vinte e cinco anos, e minhas pernas são firmes, meus

peitos apreciáveis e tenho uma cintura de vespa. Tenho muito bom aspecto com o uniforme

de garçonete do verão que nos deu Sam: pantaloncitos negros, camiseta e meias trêsquartos

brancos e umas Nike negras.

Mas tenho uma discapacidad. Ou ao menos eu trato de considerá-la assim. Os clientes do

bar simplesmente dizem que estou louca.

Em qualquer caso, o resultado é que quase nunca tenho uma entrevista. Assim que

qualquer detalhe é muito importante para mim. E ele se sentou em uma de minhas mesas: o

vampiro.

Soube imediatamente o que era. Surpreendeu-me que ninguém mais se virasse para

contemplá-lo. Não se davam conta! Mas vi que sua pele resplandecia levemente e estive

segura.

Poderia ter dançado de alegria, e de fato me marquei uns passos junto à barra. Sam

Merlotte, meu chefe, elevou o olhar do coquetel que estava mesclando e me dedicou um

leve sorriso. Agarrei uma bandeja e o bloco de papel e me dirigi à mesa do vampiro.

Confiei em que meu pintalabios se mantivera ainda em seu sítio e que o acréscimo estivesse

bem posto. Sou bastante nervosa, e notei que um sorriso me atirava para cima das

comissuras dos lábios.

Ele parecia perdido em seus pensamentos, assim pude lhe jogar uma boa olhada antes de

que elevasse o olhar. Calculei que rondava o metro oitenta. Tinha o cabelo castanho e

comprido, penteado reto para trás; chegava-lhe até o pescoço e suas largas costeletas

pareciam de algum jeito antiquadas. Era pálido, é obvio; de fato estava morto, se fizer caso

às velhas lendas. A teoria politicamente correta, a que os próprios vampiros respaldam em

público, afirma que aquele menino foi vítima de um vírus que o deixou na aparência morto

durante um par de dias e, a partir desse momento, alérgico à luz do sol, à prata e ao alho. Os

detalhes dependiam do periódico que escolhesse: naqueles dias, estavam cheios de artigos

sobre vampiros.

O caso é que tinha uns lábios adoráveis, esculpidos com delicadeza, e sobrancelhas

escuras e arqueadas. Seu nariz surgia de forma súbita justo entre os arcos, como a de um

príncipe de um mosaico bizantino. Quando ao fim elevou a vista, descobri que sua íris eram

inclusive mais escuras que seu cabelo, e a córnea dos olhos extraordinariamente branca.

-No que posso lhe servir? -perguntei-lhe, feliz quase além das palavras. Ele elevou as

sobrancelhas.

-Têm sangue sintético engarrafado? -perguntou.

-Não, sinto muito! Sam encarregou algumas garrafas, deveriam chegar a semana que

vem.

-Então veio tinjo, por favor -disse com uma voz fina e clara, como um riacho sobre

pedras alisadas. Ri-me em voz alta, pois era muito perfeita.

-Não se zangue com o Sookie, senhor, está louca-interveio uma voz familiar do

reservado que havia junto à parede. Toda minha alegria se desinflou, embora pude notar

que o sorriso ainda esticava meus lábios. O vampiro me olhava fixamente, contemplando a

vida que desaparecia de minha cara.

-Trarei-lhe seu vinho imediatamente -disse, e me afastei com grandes pernadas, sem

olhar sequer o rosto presunçoso do Mack Rattray. Ia ao bar quase cada noite; ele e sua

esposa Denise. Eu os chamava o Casal Rato. Faziam todo o possível por me fazer a vida

miserável desde que se transladaram à caravana de aluguel no Four Tracks Corner. naquela

época abrigava a esperança de que se largassem do Bon Temps tão de improviso como

tinham vindo.

A primeira vez que entraram no Merlotte's, escutei seus pensamentos sem nenhuma

discrição. Sei, é algo muito ordinário por minha parte, mas estava aborrecida de todos

outros, e embora me passado a maior parte do tempo bloqueando os pensamentos da gente

que tratam de penetrar em meu cérebro, às vezes me rendo. Assim conhecia algumas

costure dos Rattray que talvez ninguém mais soubesse. Para começar, sabia que tinham

estado no cárcere, embora não por que. Além disso, tinha lido os sujos pensamentos aos

que se entregava Mack Rattray sobre uma servidora. E depois escutei na mente do Denise

que tinha abandonado a um bebê que teve dois anos antes, um menino que não era do

Mack.

E ainda por cima não deixavam gorjeta.

Sam encheu um copo com o tinjo da casa e o pôs em cima da bandeja enquanto

observava de reojo a mesa do vampiro. Quando me devolveu o olhar, tive claro que ele

também sabia que nosso novo cliente era um não-morto. Os olhos do Sam também são

azuis, mas de um azul ao Paul Newman, enquanto que meu som de um azul cinzento,

nebuloso. Sam também é loiro, mas com o cabelo áspero, e de fato não é do todo loiro, mas

sim de uma espécie de dourado ao vermelho vivo. Sempre está um pouco queimado pelo

sol e, embora pareça enxuto com essas roupas, vi-o descarregar caminhões com o peito

descoberto e tem força de sobra no torso. Nunca escuto seus pensamentos; é meu chefe, e

no passado já tive que deixar mais de um trabalho por descobrir coisas de meus chefes que

tivesse preferido não conhecer.

Mas Sam não fez nenhum comentário, limitou-se a me entregar o vinho. Olhei o copo

para me assegurar de que estivesse bem limpo e retornei à mesa do vampiro.

-Seu vinho, senhor-disse ceremoniosamente, antes de colocá-lo com cuidado sobre a

mesa, justo diante dele. Voltou-me a olhar e eu contemplei tudo o que pude seus adoráveis

olhos-. Que lhe aproveite -acrescentei com satisfação. Detrás, Mack Rattray gritou.

-Né, Sookie, aqui necessitamos outra jarra de cerveja!

Suspirei e me voltei para agarrá-la jarra vazia da mesa dos Ratos. Fixei-me em que

Denise estava em boa forma essa noite: vestia um Top sem mangas e umas calças muito

curtas, e seu arbusto de cabelo castanho formava um matagal na moda. Denise não era

realmente bonita, mas sim tão ostentosa e segura de si mesmo que alguém demorava um

tempo em dar-se conta do escasso de sua beleza.

Um ratito depois, observei para minha decepção que os Rattray se transladaram à mesa do vampiro e estavam conversando com ele. Pude comprovar que ele não respondia muito

freqüentemente, mas tampouco partia.

-Olhe isso! -comentei desgostada ao Arlene, minha companheira garçonete. Arlene é

ruiva, sardenta e dez anos maior que eu. esteve casada quatro vezes, tem dois filhos e, de

vez em quando, acredito que me considera o terceiro.

-Um novo menino, né?-respondeu, com pouco interesse. Arlene sai agora com o Rene

Lenier, e embora não sou capaz de detectar atração entre eles, parece bastante satisfeita.

Acredito que Rene foi seu segundo marido.

-Bom, é um vampiro -acrescentei, solo para compartilhar meu interesse com alguém.

-Sério? Aqui? Vá, note -disse, sonriendo um pouco para demonstrar que compreendia

minha alegria-. Embora não pode ser muito preparado, doçura, se estiver com os Ratos. Por

outro lado, o certo é que Denise está lhe dedicando todo um espetáculo.

Dava-me conta disso depois de que Arlene me assinalasse isso. Ela é muito melhor que

eu valorando as situações sexuais, graças a sua experiência e a minha falta da mesma.

O vampiro estava faminto. ouvi muitas vezes que o sangue sintético que desenvolveram

os japoneses bastava para a nutrição dos vampiros, mas que não chegava a satisfazer

verdadeiramente sua fome, por isso de vez em quando ocorriam "desafortunados

incidentes" (esse era o eufemismo vampírico para o assassinato de um ser humano por seu

sangue). E ali estava Denise Rattray, acariciando-a garganta, girando o pescoço de lado a

lado... Que zorra.

Meu irmão, Jason, entrou justo então no bar e se aproximou para me dar um abraço.

Sabe que às mulheres gosta dos homens carinhosos com sua família e amáveis com os

discapacitados, assim me abraçar é para ele como uma carta de recomendação. Não é que

Jason necessite muitos mais estímulos dos que já tem de por si. É atrativo, e embora

também pode comportar-se mau, a maioria das garotas parecem dispostas a passar isso por

alto.

-Olá, hermanita, como está a avó?

-Está bem, mais ou menos como sempre. te passe a vê-la.

-Farei-o. Quem está a atiro esta noite?

-Olha-o você mesmo. -Observei que quando Jason começou a passear o olhar, houve

um bato as asas de mãos femininas que foram ao cabelo, à blusa ou aos lábios.

-Né, vejo o DeeAnne. Está livre?

-Está aqui com um caminhoneiro do Hammond, que foi agora ao serviço. Tome

cuidado.

Jason me sorriu, e me surpreendi uma vez mais de que as demais mulheres não vissem o

egoísmo que havia nesse sorriso. Inclusive Arlene se arregaçou a blusa ao entrar Jason, e

ela, depois de quatro matrimônios, já deveria ter aprendido a avaliar aos homens. A outra

garçonete que trabalhava ali, Dawn, fez ondear seu cabelo e se endireitou para que lhe

marcassem as tetas. Jason lhe dedicou um gesto afável e ela simulou bufar. Tinha discutido

com ele, mas mesmo assim queria que se fixasse nela.

Estive muito ocupada (todo mundo vem ao Merlotte's na sábado, em um momento ou

outro da tarde-noite), assim durante um tempo lhe perdi o rastro a meu vampiro. Quando

tive um momento para lhe jogar uma olhada, vi que estava falando com o Denise. Mack o

olhava com uma expressão tão ávida que me preocupou.

Aproximei-me mais a sua mesa, sem perder de vista ao Mack. Ao fim deixei que

caíssem minhas defesas e escutei: Mack e Denise tinham estado no cárcere por sangrar a

um vampiro.

Embora me afetou profundamente, consegui servir por puros reflexos a jarra de cerveja e

os copos que levava na mão a uma ruidosa mesa de quatro pessoas. supunha-se que o

sangue de vampiro aliviava de forma temporária os sintomas das enfermidades e aumentava

o vigor sexual, uma espécie de cortisona e viagra todo em um, e havia um enorme mercado

negro para o sangue vampírica genuína e sem diluir. Levava um par de anos sendo a droga

de moda, e embora alguns consumidores se voltavam loucos depois de beber sangue puro

de vampiro, isso não freava o mercado. E onde há mercado, há fornecedores; neste caso,

como acabava de descobrir, o repugnante Casal Rato. Já tinham apanhado antes a outros

vampiros e os tinham drenado, vendendo as pequenas redomas de sangue até por duzentos

dólares cada uma.

Como regra geral, um vampiro sangrado não dura muito. Os drenadores abandonam aos

não-mortos atravessados com uma estaca, ou simplesmente os atiram ao ar livre. Quando

sai o sol, acabou-se. de vez em quando se lêem histórias de um vampiro que conseguiu

voltar as voltas, e então se obtêm uns drenadores mortos.

E nesse momento meu vampiro se levantou e partiu com os Ratos. Mack cruzou seu

olhar comigo e comprovei que se surpreendia ante a expressão de meu rosto. Mas

imediatamente se afastou, passando de mim como todo mundo.

Isso me enfureceu, enfureceu-me muito.

O que devia fazer? Enquanto lutava comigo mesma, saíram pela porta. Acreditaria-me o

vampiro se corria detrás deles e o contava? Certamente, ninguém mais o faria, e embora me

acreditassem, também me odiariam e me teriam medo por ler os pensamentos encerrados

no cérebro de outros. Arlene me tinha rogado que lesse a mente de seu quarto marido

quando veio a recolhê-la uma noite, porque estava quase segura de que planejava

abandoná-los a ela e aos pirralhos, mas não o fiz porque queria conservar a única amiga que

tinha. E nem sequer Arlene se atreveu a me pedir isso diretamente, porque isso suporia

admitir que eu possuía este dom, esta maldição. A gente não pode admiti-lo. Preferem

acreditar que estou louca, o que em ocasiões quase é certo!

Assim vacilei, confusa, assustada e furiosa, e então soube que acima de tudo tinha que

atuar. Empurrou a isso o olhar que me tinha dedicado Mack, como se eu fora insignificante.

Cruzei o bar até chegar junto ao Jason, que estava seduzindo ao DeeAnne. Claro que isso

não resultava muito difícil, conforme afirmava a opinião popular. O caminhoneiro do

Hammond o olhava com o cenho franzido, do outro flanco da garota.

-Jason-disse com tom imperioso. voltou-se para me jogar um olhar de advertência-.

Escuta, segue levando essa cadeia na caixa da caminhonete?

-Alguma vez saio de casa sem ela-disse com lentidão, me olhando à cara em busca de

sinais de problemas-. vais brigar te, Sookie?

Sorri-lhe, o que me resultou fácil pelo costume.

-Certamente, espero que não-disse alegremente.

-Né, necessita ajuda? -ao fim e ao cabo, era meu irmão.

-Não, obrigado -respondi, tratando de soar confiada. E então dirigi ao Arlene-. Escuta,

tenho que sair um pouco antes. Minhas mesas estão bastante tranqüilas, pode me cobrir? -

Não acredito haverpedido nunca antes uma coisa assim ao Arlene, embora eu a havia talher

muitas vezes. Ela também me ofereceu sua ajuda-. Não passa nada -pinjente-, voltarei

antes de fechar se me é possível. Se podas minha zona me encarregarei de sua caravana.

Arlene assentiu e sua juba avermelhada seguiu o movimento com entusiasmo.

Assinalei à porta de empregados para mim mesma e fiz com os dedos um gesto de

caminhar, para que Sam soubesse que ia. Ele assentiu, embora não parecia contente.

Assim saí pela porta de atrás, tratando de que meus pés não fizessem ruído sobre o

cascalho. O estacionamento para empregados está atrás do bar, acessível através de uma

porta que leva a armazém. Ali estava o carro do cozinheiro, assim como o do Arlene, o do

Dawn e o meu. A minha direita, que ficava ao este, estava a caminhonete do Sam e detrás

sua caravana.

Afastei-me do estacionamento de cascalho para empregados para o asfalto que cobria o

de clientes, muito maior e situado ao oeste do bar. As árvores rodeavam o claro no que se

elevava Merlotte's, e as confine do lugar eram sobre tudo arenisca. Sam o mantinha bem

iluminado, e o resplendor surrealista das altas luzes fazia que tudo cobrasse um ar estranho.

Descobri o amolgado esportivo vermelho do Casal Rato, assim soube que andavam

perto. Ao fim encontrei a caminhonete do Jason: negra, com uns redemoinhos de cores rosa

e celeste desenhadas nos laterais. Sem dúvida, adorava chamar a atenção. Impulsionei-me

para cima pela parte traseira e rebusquei pelo piso até encontrar sua cadeia, uma série de

elos grossos que sempre levava se por acaso havia briga. Enrolei-a e me tive pega isso ao

corpo, de modo que não tilintasse.

Meditei durante um segundo. O único lugar mínimamente privado ao que poderiam ter

atraído ao vampiro os Rattray era o fundo do estacionamento, onde as árvores chegam a

tampá-los carros. Assim que me arrastei nessa direção, tratando de me mover com rapidez

mas sem que me vissem.

Detinha-me cada poucos segundos para escutar. Logo ouvi um gemido e o débil ruído de

vozes. Deslizei-me entre os carros e os descobri justo onde pensava que estariam. O

vampiro estava atirado no chão, de barriga para cima, com o rosto contorsionado pela dor.

O brilho das cadeias cruzava suas bonecas e baixava até seus tornozelos: prata. Já havia

dois frasquitos cheios de sangre no chão, junto aos pés do Denise, e enquanto os olhava ela

ajustou um novo tubo à agulha. O torniquete que lhe tinham colocado por cima do cotovelo

se cravava profundamente na pele de sua vítima.

Tal como estávamos todos situados, eles dois me davam as costas e o vampiro ainda não

me tinha visto. Soltei a cadeia enrolada até ter um metro pendurando. A quem deveria

atacar primeiro? Os dois eram pequenos e perigosos.

Lembrei-me do olhar depreciativo do Mack e de que nunca deixava gorjeta. Ele seria o

primeiro.

Nunca antes me tinha visto metida em uma verdadeira briga. De algum modo, tinha

vontades de que ocorresse. Saltei desde detrás de uma caminhonete e hasteei a cadeia.

Impactou contra as costas do Mack enquanto este se ajoelhava diante do vampiro. Gritou e

saltou de repente. Depois de me jogar uma olhada, Denise se dispôs a inserir o terceiro

tubo. A mão do Mack desceu para sua bota e reapareceu acompanhada de um brilho.

Traguei saliva. Levava uma faca.

-OH, OH-disse, lhe dirigindo uma careta.

-Zorra estúpida! -gritou. Parecia ter vontades de usar a faca. Eu estava muito ocupada

para manter minha barreira mental, assim obtive uma imagem bastante clara do que Mack

queria me fazer. Pô-me feita uma fúria. Fui a por ele com vontades de lhe causar o maior

dano possível. Mas ele se esperava meu movimento e saltou para diante com a faca

enquanto eu fazia girar a cadeia. Arremeteu contra meu braço e falhou pelos cabelos. A

cadeia, em seu retrocesso, rodeou seu magro pescoço como uma amante. O grito de triunfo

do Mack se converteu em um fervo. Soltou a faca e se aferrou aos elos com ambas as mãos.

Ao ficar sem ar, deixou-se cair de joelhos sobre o duro pavimento, me arrancando a cadeia

das mãos.

Bom, aí se acabou o uso da cadeia do Jason. Agachei-me para recolher a faca do Mack e

o sustentei como se soubesse usá-lo. Denise tinha estado avançando, com todo o aspecto de

uma bruxa sulina sob as linhas de luz e sombra que projetavam as luzes do estacionamento.

deteve-se em seco assim que viu que eu tinha a faca. Soltou um taco, bramou e disse coisas

terríveis. Esperei a que terminasse e então disse:

-lhes largue. Já.

Denise me olhou com olhos cheios de ódio. Tratou de levá-los frascos de sangue, mas a

obriguei a deixá-los ali, assim ajudou ao Mack a ficar em pé. Ele ainda tossia e emitia sons

borboteantes enquanto agarrava a cadeia. Denise o arrastou virtualmente até o carro e o

introduziu pela porta do co-piloto. Rebuscou então algumas chaves no bolso e se colocou

no assento do condutor.

Para ouvir que o motor cobrava vida, de repente me dava conta de que agora os Ratos

tinham outra arma. Com mais velocidade da que nunca fui capaz, corri até ficar junto à

cabeça do vampiro e lhe disse com voz entrecortada:

-Empurra com os pés!

Agarrei-o por debaixo dos braços e atirei dele com todas minhas forças. Chegamos a

confine das árvores justa quando o carro se equilibrava rugindo para nós. Denise não nos

deu por menos de um metro, gesso porque teve que girar para não chocar-se contra um

pinheiro. Depois escutei o potente motor do carro dos Ratos afastar-se na distância.

-OH, latido -disse com um suspiro. Ajoelhei-me junto ao vampiro porque as pernas se

negavam a me sustentar por mais tempo. Respirei com pesadez durante um minuto,

tratando de me recuperar. O vampiro se agitou levemente e o olhei. Descobri horrorizada

que surgiam volutas de fumaça de suas bonecas, nas zonas que entravam em contato com a

prata.

-OH, pobrecito-pinjente, furiosa comigo mesma por não me ocupar dele quanto antes.

Ainda me esforçando por recuperar o fôlego, comecei a soltar as finas tiras de prata, que

pareciam pertencer a uma cadeia muito larga-. Pobre pequeno-sussurrei, sem me dar conta

até muito mais tarde que quão incongruente soava aquilo. Possuo dedos ágeis, e muito em

breve lhe liberei as bonecas. Perguntei-me como teriam podido distrai-lo-os Ratos para

colocar-se em posição de atacá-lo, e notei que me ruborizava ao imaginar o El vampiro se

llevó los brazos al pecho mientras yo me enfrascaba con la plata que le rodeaba las piernas.

Sus tobillos lo habían pasado mejor, ya que los drenadores no se habían molestado en

subirle las perneras de los vaqueros y, por lo tanto, la plata no apretaba la piel desnuda.

O vampiro se levou os braços ao peito enquanto eu me enfrascaba com a prata que lhe

rodeava as pernas. Seus tornozelos o tinham acontecido melhor, já que os drenadores não se

incomodaram em subir as pernas das calças dos jeans e, portanto, a prata não apertava a

pele nua.

-Lamento não ter chegado antes-pinjente, me desculpando-. Se sentirá melhorem um

minuto, verdade? Quer queime vá?

-Não. -Isso me fez me sentir muito a gosto até que acrescentou-: Poderiam voltar, e

ainda não posso me defender-sua voz soava intranqüila, mas não se pode dizer que

estivesse resfolegando.

Pu-lhe má cara, e enquanto se recuperava tomei algumas precauções. Sentei-me lhe

dando as costas, para lhe conceder um pouco de intimidade. Sei o desagradável que é que

lhe olhem quando está ferido. Agachei-me sobre o pavimento, vigiando o estacionamento.

Vários carros se foram e outros chegaram, mas nenhum se aproximou até o extremo junto

às árvores, onde estávamos nós. Graças ao tremor de ar a meu redor, soube quando se

levantou o vampiro.

Não falou imediatamente. Girei a cara para a esquerda para olhá-lo; estava mais perto do

que acreditava. Seus grandes olhos escuros olhavam ao interior de meus. Tinha as presas

retraídas; senti-me um pouco defraudada por isso.

-Obrigado -disse com rigidez.

Assim não lhe entusiasmava que lhe tivesse resgatado uma mulher. Que típico em um

homem.

Como estava sendo tão pouco amável, pensei que eu também podia fazer algo grosseiro

e o escutei, abrindo minha mente por completo.

E ouvi... nada.

-OH -disse, notando eu mesma a confusão de minha voz, sem saber bem o que dizia-.

Não posso te ouvir.

-Obrigado! -repetiu o vampiro, movendo os lábios de modo exagerado.

-Não, não... Posso te ouvir falar, mas... -e em minha agitação fiz algo que normalmente

nunca faria, porque resultava muito agressivo e pessoal, e além disso revelava que era uma

discapacitada. Voltei-me por completo para ele e pus minhas mãos a ambos os lados de sua

pálida cara, olhando-o com intensidade. Concentrei toda minha energia. Nada. Era como ter

que escutar a rádio sem parar, em emissoras que não precisava sintonizar, e de repente

chegar a uma longitude de onda em que não podia receber nada.

Era perfeito.

Seus olhos se abriam cada vez mais ao tempo que se obscureciam, embora seguiu por

completo imóvel.

-OH, me desculpe -disse, com um gemido de vergonha. Apartei as mãos e segui

estudando o estacionamento. Comecei a tagarelar sobre o Mack e Denise, pensando todo o

tempo quão maravilhoso seria ter um companheiro ao que não pudesse ouvir salvo quando

ele queria falar em voz alta. Que formoso sua era, silêncio.

-...assim pensei que era melhor sair fora a ver que tal estava -pinjente por último, sem

ter nem idéia do que lhe tinha contado antes disso.

-vieste a me salvar. Isso foi muito valente - respondeu, com uma voz tão sedutora que

faria que ao DeeAnne lhe caíssem suas calcinhas de nylon vermelho.

-OH, deixa isso-disse com tom áspero, me esquecendo de meus castelos no ar.

Ele pareceu assombrado uns instantes, mas logo seu rosto recuperou sua pálida

homogeneidade.

-Não te dá medo estar sozinha com um vampiro faminto? - perguntou, com um tom

travesso mas lhe atemorizem sob as palavras.

-Para nada.

-Está caso que, já que vieste a meu resgate, está a salvo? Que depois de todos estes anos

ainda albergo uma dose de sentimentalismo? Os vampiros freqüentemente se voltam contra

os que confiam neles. Não temos os valores humanos, já sabe.

-Um montão de humanos se voltam contra os que confiam neles -assinalei; estou

acostumado a ser prática-. Não sou uma completa estúpida -elevei a mão e girei o pescoço.

Enquanto ele se recuperava, eu me tinha rodeado garganta e braços com as cadeias dos

Ratos.

O vampiro tremeu de maneira visível.

-Mas também tem uma saborosa artéria na virilha-disse depois de uma pausa quando se

recuperou, com a voz tão escorregadia como uma serpente em um tobogã.

-Não diga guarradas -lhe avisei-, não penso escutar coisas assim.

Uma vez mais nos olhamos o um ao outro em silêncio. Tive medo de não voltar a vê-lo

nunca mais. A1 fim e ao cabo, sua primeira visita ao Merlotte's não tinha sido todo um

êxito, precisamente. Assim que me esforcei por captar todos os detalhes que pudesse.

Entesouraria este encontro e o rememoraria durante muito, muito tempo. Era algo especial,

um prêmio. Queria tocar de novo sua pele, porque não conseguia recordar como era o tato.

Mas isso iria além de qualquer norma de educação, e além disso era possível que ante algo

assim lhe desse de começar de novo com esse lixo sedutor.

-Quer te beber o sangue que agarraram?-perguntou-me de maneira inesperada-. Seria

para mim um modo de te mostrar minha gratidão -fez um gesto para os frasquitos bem

tampados que tinham ficado sobre o asfalto-. Se supõe que meu sangue melhora sua vida

sexual e sua saúde.

-Estou tão sã como um cavalo -lhe respondi com sinceridade-, e não tenho vida sexual

que melhorar. Faz o que queira com ela.

-Poderia vendê-la-sugeriu, mas pensei que era sozinho por ver o que respondia a isso.

-Não a tocaria nem louca -pinjente, me sentindo insultada.

-É distinta-disse-, o que é? -Pelo modo em que me olhava, parecia estar repassando em

sua cabeça uma lista de possibilidades. Para meu alívio, não pude ouvir nenhuma sozinha.

-Bom, sou Sookie Stackhouse, e sou garçonete-lhe respondi-. Qual é seu nome?-pensei

que ao menos podia lhe perguntar isso sem parecer atrevida.

-Bill-disse ele.

antes de poder evitá-lo pus-se a rir até me dobrar pela metade.

-O vampiro Bill! -pinjente-. Pensei que seria Antoine, ou Basil, ou Langford! Mas Bill!

-fazia tempo que não me ria com tantas vontades-. Bom, já nos veremos, Bill, tenho que

voltar para trabalho. -Notei que a careta tensa voltava a apoderar-se de meu rosto ao pensar

no Merlotte'S. Pus a mão sobre o ombro do Bill para me apoiar nele e poder me levantar.

Era duro como a rocha. Estive de pé tão rápido que tive que me deter para não tropeçar.

Olhei-me os meias três-quartos para me assegurar de que as voltas estivessem bem

emparelhadas, repassei minha uniforme em busca de algum quebrado provocado pela briga

com os Ratos e finalmente me sacudi o traseiro, já que tinha estado sentada sobre o sujo

pavimento. Fiz um gesto para o Bill e comecei a cruzar o estacionamento.

Tinha sido uma noite estimulante, que deixava detrás de si muitas coisas nas que pensar.

Ao pensar nisso quase me sentia tão alegre como indicava meu sorriso.

Mas Jason ia zangar se muito com o da cadeia.

Aquela noite, depois de terminar o turno, voltei de carro a casa, que solo está a uns seis

quilômetros e médio ao sul do bar. A1 retornar do estacionamento, Jason já se foi (e

também DeeAnne), e isso também tinha suposto uma boa notícia. Repassava a noite

enquanto me aproximava da casa de minha avó, onde eu vivia. Estava situada justo antes de

chegar ao cemitério do Tall Pene, de que sai uma estreita estrada comarcal de dois sulcos.

Meu retatarabuelo tinha construído a casa e tinha idéias muito firmes sobre a intimidade,

assim para chegar a ela tinha que sair da estrada comarcal à altura da entrada do imóvel,

atravessar uma zona de bosque e então alcançava o claro onde estava a casa.

Reconheço que não é nenhum edifício histórico, já que quase todas as partes antigas

foram derrubadas e substituídas ao longo dos anos, e certamente tem eletricidade,

sanitários; isolamento térmico e todas essas coisas modernas. Mas ainda conserva um

telhado de estanho que brilha cegador os dias de sol. Quando terá que substituir o telhado,

eu queria lhe pôr telhas normais, mas minha avó se negou. E embora eu pagava a obra era

sua casa, assim naturalmente ficou estanho.

Histórica ou não, eu levava vivendo naquela casa dos sete anos, e a tinha visitado

freqüentemente antes disso, assim que me era muito querida. Era tão solo uma velha e

ampla casa familiar, muito grande para a avó e para mim, imagino. Tinha uma ampla

entrada coberta por um alpendre gradeado e estava grafite de branco, porque a avó era uma

tradicionalista dos pés à cabeça. Andei até a enorme sala de estar, cheia de móveis

deteriorados dispostos como mais nos convinha, e cruzei o corredor até o primeiro

dormitório à esquerda, o maior.

Adele Vai Stackhouse, minha avó, recostava-se em sua alta cama, com um milhão de

travesseiros rodeando seus fracos ombros. Vestia uma camisola de algodão de largas

mangas, a pesar do calor daquela noite da primavera, e o abajur da mesita ainda estava

acesa. Um livro descansava sobre seu regaço.

-Olá-pinjente.

-Olá' céu.

Minha avó é muito pequena e muito velha, mas segue conservando o cabelo forte, tão

branco que quase mostra uns debilísimos matize verdes. Durante o dia o tem recolhido à

altura do pescoço, mas de noite o deixa solto ou em tranças. Olhei a capa do livro.

-Está lendo ao Danielle Steele outra vez?

-OH, essa mulher sim que sabe contar uma história. -Os grandes prazeres de minha avó

eram ler ao Danielle Steele, ver teleseries (que ela chamava seus "histórias") e assistir às

reuniões do milhar de clubes aos que, ao parecer, tinha pertencido durante toda sua vida

adulta. Seus favoritos eram os Descendentes dos Mortos Gloriosos e a Sociedade Botânica

do Bon Temps.

-Adivinha o que aconteceu esta noite -disse.

-O que? tiveste uma entrevista?

-Não -respondi, tratando de manter um sorriso na cara-. Um vampiro veio ao bar.

-Ooh! Tinha presas?

Tinha visto suas presas brilhar sob as luzes do estacionamento, enquanto os Ratos o

sangravam, mas não havia necessidade de lhe explicar isso à avó.

-Claro, mas estavam retraídos.

-Um vampiro aqui, no Bon Temps -a abuelita não estava nada contente com o assunto-.

E mordeu a alguém do bar?

-OH, não, avó! Simplesmente se sentou e se tomou um copo de vinho tinjo. Bom, pediuo,

mas não tomou. Acredito que solo procurava um pouco de companhia.

-Pergunto-me onde se refugia.

-Não acredito que vá contar lhe isso a ninguém.

-Não -disse a avó, pensando nisso por um instante-, suponho que não. Você gosta?

Essa sim que era uma pergunta difícil. Refleti um pouco.

-Não sei. Parecia bastante interessante-pinjente com cautela.

-eu adoraria conhecê-lo-não me surpreendeu que a avó dissesse isso, porque as coisas

novas gostava quase tanto como a mim. Não era uma dessas reacionárias que pensam que

todos os vampiros estão malditos, sem conhecê-los sequer-. Mas será melhor que durma já.

Estava esperando a que chegasse para apagar as luzes.

Inclinei-me para lhe dar um beijo e pinjente:

-boa noite.

Entreabri sua porta ao sair e ouvi o clique do abajur ao apagar-se. Minha gata, Tina,

chegou de onde tivesse estado dormindo até esse momento para esfregar-se contra minhas

pernas; agarrei-a em braços e a acariciei um momento antes de tirá-la para que passasse a

noite fora. Olhei o relógio: eram quase as duas da manhã, e a cama me chamava.

Meu quarto estava justo ao outro lado do corredor respeito ao da avó. Quando usei pela

primeira vez essa habitação, depois de que morreram meus pais, a avó transladou até ela os

móveis de minha quarto da outra casa, para que me sentisse mais a gosto. E ali estavam

ainda, a cama individual e a nécessaire de madeira branca, e a pequena cômoda.

Acendi meu próprio abajur, fechei a porta e comecei a me despir. Ficavam ao menos

cinco pantaloncitos negros e muitas, muitas camisetas brancas, já que tendiam a manchar-se

com soma facilidade. E nem sequer merecia a pena contar todos os pares de meias trêsquartos

brancos que tinha enrolados na gaveta, assim que essa noite não era necessário

fazer a penetrada. E estava muito cansada para tomar banho. Lavei-me os dentes e me

desmaquillé, pu-me um pouco de nata hidratante e me tirei a cinta da cabeça.

Meti-me na cama com minha camisa de dormir do Mickey Mouse favorita, queime

chega quase até os joelhos. Tendi-me de lado, como sempre, e desfrutei de do silêncio da

habitação. Quase todo mundo tem o cérebro apagado a essas horas da madrugada, e as

vibrações desaparecem, não tenho que rechaçar nenhuma intrusão. Com uma paz assim,

tive tempo de sobra para pensar nos escuros olhos do vampiro e me deslizar então no

profundo sonho do esgotamento.

Ao dia seguinte, na hora de comer, encontrava-me sobre meu tumbona dobradiça de

alumínio, no pátio dianteiro, me pondo cada vez mais moréia. Tinha posto meu vestido de

duas peças preferido, sem suspensórios, que por certo ficava mais folgado que o verão

anterior, assim estava mais contente que umas castanholas.

Então ouvi que se aproximava um veículo pelo caminho de entrada e a caminhonete

negra do Jason, com seus brasões rosas e celestes, deteve-se menos de um metro de meus

pés.

Jason descendeu até o chão (mencionei que sua caminhonete luz essas rodas enormes?) e

me aproximou. Vestia suas roupas habituais de trabalho: camisa e calças cáquis, e levava

uma faca de monte encaixado no cinturão, como quase todos os trabalhadores de estradas

do condado. Pelo modo em que andava, soube que estava cheio o saco.

Pu-me os óculos de sol.

-por que não me há dito que lhes deu uma surra aos Rattray ontem à noite? -Meu irmão se deixou cair na cadeira de alumínio para exteriores que havia junto a meu tumbona-.

Onde está a avó? -acrescentou com atraso.

-Pendurando a penetrada-respondi. A avó usava a secadora quando era necessário, mas

adorava tender a roupa molhada ao sol. E certamente, a corda para tender estava no pátio

traseiro, como deve ser-. Está preparando bife ao estilo campestre, batata-doces e feijões

que recolheu o ano passado, para a comida -disse, sabendo que isso distrairia um pouco ao

Jason. Confiei em que a avó seguisse na parte de atrás, não queria que escutasse aquela

conversação-. Mantén a voz baixa -lhe recordei.

-Rene Lenier estava impaciente esta manhã por me contar isso tudo, assim que entrei em

trabalhar. passou-se pela caravana dos Rattray ontem à noite para comprar um pouco de

erva, e Denise apareceu com o carro como se queria assassinar a alguém. Rene diz que o

poderia ter matado com quão furiosa estava. Entre os dois puderam subir ao Mack à

caravana, e depois o levaram a hospital do Monroe -Jason me lançou um olhar acusador.

-E te contou Rene que Mack me atacou com uma faca? -perguntei, decidindo que o

melhor modo de me enfrentar a aquilo era passar à ofensiva. Sabia que o aborrecimento do

Jason se devia em grande medida ao feito de haver-se informado por uma terceira pessoa.

-Pois se Denise o disse ao Rene, ele não me contou - respondeu isso Jason lentamente, e

vi que seu atrativo rosto avermelhava pela fúria-. Te atacou com uma faca?

-Sim, assim tive que me defender-disse, como se fora algo óbvio-. E se levou sua

cadeia-todo era certo, embora um pouco enviesado-. Voltei para lhe contar isso mas

quando retornei ao bar já te tinha partido com o DeeAnne -prossegui-, e como eu estava

bem, não me pareceu que merecesse a pena sair para te buscar. Sabia que se sentiria

obrigado a ir a por ele se te contava o da faca -acrescentei de maneira diplomática. Aquilo

tinha uma maior percentagem de verdade, já que Jason adora as brigas.

-Mas que demônios estava fazendo ali? -perguntou-me, embora muito mais depravado.

Soube que estava começando a assumi-lo.

-Sabia que, além de vender drogas, os Ratos são desangradores de vampiros?

Agora o via fascinado.

-Não... e?

-Bom, um de meus clientes de ontem à noite era um vampiro, e estavam deixando-o

seco no estacionamento do Merlotte'S. Não podia permiti-lo!

-Há um vampiro no Bon Temps?

-Sim. E embora não queira ter a um como melhor amigo, não pode deixar que uma

escória como os Ratos o drenem. Não é como roubar gasolina do depósito de um carro. E o

teriam deixado entre as árvores para que morrera. -Embora os Ratos não me tinham

revelado suas intenções, isso era o que eu supunha. Inclusive embora lhe tivessem posto a

talher para que pudesse sobreviver ao sol, um vampiro drenado demora mais de vinte anos

em recuperar-se, ou ao menos isso é o que disse um deles no programa do Oprah. E isso se

outro vampiro pode encarregar-se dele.

-E o vampiro estava no bar quando eu fui? - perguntou Jason assombrado.

-Estraguem. O tipo de cabelo escuro que se sentava com os Ratos.

Jason sorriu ante meu qualificativo para os Rattray. Mas ainda não estava disposto a

deixar passar o da

noite anterior.

-Como soube que era um vampiro? -perguntou-me, mas ao me olhar soube que tivesse

preferido mordê-la

língua.

-Simplesmente soube-pinjente, com meu tom mais anódino.

-Muito bem-e compartilhamos toda uma muda conversação.

-Homulka não tem um vampiro-disse Jason enquanto refletia. Jogou atrás a cara para que

lhe desse o sol,

e soube que tínhamos deixado atrás o terreno perigoso.

-Certo -reconheci. Homulka é o povo que Bon Temps adora odiar. fomos rivais em

futebol americano, em

basquete e em importância histórica há gerações.

-Nem tampouco Roedale-disse a avó de detrás nosso, provocando que tanto Jason como

eu nos

levantássemos. Tenho que reconhecer que, sempre que vá à avó, Jason fica em pé e lhe dá

um abraço.

-Avó, tem suficiente comida no forno para mim?

-Para ti e para dois mais -disse a avó enquanto lhe sorria. Não ignorava os defeitos do

Jason (nem meus),

mas o queria-. Acaba de me chamar Everlee Mason, e me contou que ontem à noite te atou

com o DeeAnne.

-OH, céus! É que não pode fazer nada neste povo sem que todo mundo saiba? -respondeu

Jason, embora

não estava realmente zangado.

-Essa DeeAnne- acrescentou a avó com tom de advertência enquanto entrávamos na casa

-já esteve

grávida uma vez, que eu saiba. Você tome cuidado e que não tenha um teu, ou estará lhe

acontecendo

dinheiro o resto de sua vida. Embora claro, igual essa é a única maneira de que eu tenha

bisnetos algum dia!-

A avó já tinha a comida sobre a mesa, assim assim que Jason trouxe sua cadeira nos

sentamos e benzemos a

mesa, depois do qual a avó e ele começaram a compartilhar rumores (embora eles o

chamam "ficar ao dia")

sobre os habitantes de nosso pequeno povo e sua paróquia. Meu irmão trabalha para o

estado, fiscalizando os

grupos de manutenção de estradas. me dava a impressão de que a jornada de trabalho do

Jason consistia em ir

de um lado para outro em uma caminhonete oficial, fichar à saída, e então ir de um lado

para outro com sua

própria caminhonete. Rene estava em um dos grupos de trabalho que fiscalizava Jason, e

tinham ido juntos ao

instituto. Saem bastante com o Hoyt Fortenberry.

-Sookie, tive que substituir o aquecedor de água de casa -disse Jason de modo repentino.

Ele vive no

velho edifício de meus pais, no que residíamos os quatro quando eles morreram na

enchente. depois daquilo

nos transladamos com a avó, mas quando Jason terminou seus dois anos de colégio

universitário e começou a

trabalhar para o estado, voltou para aquela casa, que sobre o papel é minha metade.

-Necessita um pouco de dinheiro?-perguntei.

-O que vai, tenho suficiente.

Os dois contamos com nossos salários, mas além nos chegam pequenos benefícios de um

fundo que se

criou quando abriram um poço de petróleo nas terras de meus pais. O poço se secou em uns

poucos anos, mas

meus pais e depois a avó se asseguraram de investir bem o dinheiro. Esse colchão nos tinha

economizado a

mim e ao Jason um montão de problemas. Não sei como tivesse podido nos manter a avó

de não ter sido por

aquele dinheiro. Ela estava decidida a não vender nenhuma parcela das terras, mas seus

ganhos se reduzem

aos da segurança social. Essa é uma das razões pelas que não fui a um apartamento: se vivo

com ela e trago

comida, parece-lhe razoável; mas se comprar a comida, levo-a a sua casa e a sotaque na

mesa, e depois me

volto para minha casa, isso é caridade e a põe furiosa.

-E de que tipo o colocaste? -perguntei-lhe, solo para mostrar interesse.

Estava ansioso por nos contar isso Jason é um fanático dos aparelhos elétricos e queria

nos descrever com

detalhe todas as comparações que tinha feito antes de comprar o novo aquecedor. Escutei-o

com toda a

atenção que pude reunir. Justo nesse momento se interrompeu e disse:

-Ey, Sook, lembra-te do Maudette Pickens?

-Claro -respondi surpreendida-. Fomos à mesma classe.

-Pois alguém a assassinou em seu apartamento ontem à noite.

A avó e eu ficamos atônitas.

-Quando? -perguntou a avó, assombrada por não haver-se informado antes.

-Encontraram-na esta mesma manhã em seu dormitório. Seu chefe a chamou por telefone

para saber por

que não tinha ido trabalhar nem ontem nem hoje, e ao não receber resposta foi até ali,

convenceu ao porteiro e

abriram o ferrolho da porta. Sabia que tinha o apartamento em frente do do DeeAnne? -Bon

Temps só tem

um complexo legal de apartamentos de aluguel, um conjunto de três edifícios, cada um de

dois novelo em

forma de Ou, assim sabíamos exatamente de que lugar nos falava.

-Mataram-na ali? -Senti-me doente. Recordava com claridade ao Maudette: tinha uma

mandíbula muito

proeminente e o culo quadrado, um cabelo negro muito bonito e ombros firmes. Era boa

empregada, mas nem

brilhante nem ambiciosa. Parecia-me recordar que trabalhava no Grabbit Kwik, um posto

de gasolina e

cafeteria, e assim o comentei.

-Sim, levava trabalhando ali mais ou menos um ano, calculo eu -confirmou Jason.

-Como o fizeram?-Minha avó pôs essa careta de "diga-me isso sem rodeios" que usa a

gente amável

quando pergunta pelas más notícias.

-Tinha algumas dentadas de vampiro em seus... né... a cara interna das coxas-disse meu

irmão, sem

levantar os olhos do prato-. Mas não foi isso o que a matou. Foi estrangulada. DeeAnne me

contou que ao

Maudette gostava de ir a esse bar de vampiros do Shreveport assim que tinha um par de

dias livres, assim

pode que fora ali onde a morderam. É possível que não fora o vampiro do Sookie.

-Maudette era uma colmillera? -senti náuseas ao imaginar a achaparrada e mentalmente

cortita Maudette

envolta nas exóticas roupagens negras tão queridas pelos colmilleros.

-O que é isso? -perguntou a avó. Deveu perder-se Sally-Jessy o dia que analisaram esse

fenômeno.

-São homens e mulheres que saem com vampiros, gostam que os remoam. São como fãs

dos vampiros.

Mas me parece que não duram muito, porque querem que os remoam tudo e1 momento, e

antes ou depois

recebem uma dentada de mais.

-Mas não foi uma dentada o que matou ao Maudette -a avó queria assegurar-se de ter

entendido isso.

-Não, estrangulamento. -Jason já estava terminando sua comida.

-Não põe sempre gasolina no Grabbit?-perguntei-lhe.

-Claro, como muita gente.

-E não saía de vez em quando com o Maudette? -perguntou a avó.

-Bom, até certo ponto-respondeu Jason com cautela.

Pareceu-me que isso queria dizer que se deitava com o Maudette quando não podia

conseguir a nenhuma

outra.

-Espero que o xerife não queira falar contigo-acrescentou a avó, sacudindo a cabeça

corno se esse gesto o

fizesse menos factível.

-O que? -Jason estava vermelho, e ficou à defensiva.

-Bom, vê o Maudette na loja cada vez que põe gasolina, mais ou menos sai com ela, e

acaba morta em uns

apartamentos com os que tem familiaridade- resumi. Não era muito, mas sim algo, e há tão

poucos

homicídios misteriosos no Bon Temps que estava segura de que removeriam céu e terra na

investigação deste.

-Não sou o único que encaixa nesse perfil. Muitíssimos outros tios põem gasolina ali, e

todos conhecem o

Maudette.

-Sim, mas em que sentido?-espetou a avó-. Não era uma prostituta, verdade? Assim que

lhe terá

comentado a alguém com quem saía.

-Simplesmente gostava de passar-lhe bem, não era uma profissional. -Foi bonito por sua

parte defender ao

Maudette, considerando o que eu sabia do caráter egoísta do Jason. Comecei a ter melhor

opinião de meu

irmão maior-. E se sentia algo sozinha, suponho-acrescentou.

Jason olhou às duas então, e viu que estávamos surpreendidas e comovidas.

-Falando de prostitutas -prosseguiu com rapidez-, há uma no Monroe especializada em

vampiros. Sempre

tem perto um tipo com uma estaca se por acaso algum vai muito longe. Bebe sangue

sintético para manter-se

com as reservas sangüíneas altas.

Era certamente uma mudança de tema bastante definitivo, assim que a avó e eu tratamos

de pensar alguma

pergunta que pudéssemos fazer sem resultar indecentes.

-Pergunto-me quanto cobra- aventurei a comentar, e quando Jason nos disse a cifra

ficamos assombradas.

Uma vez ficou atrás o assunto do assassinato do Maudette, a comida prosseguiu como

sempre, com o

Jason olhando seu relógio e dizendo que tinha que ir-se justo quando tocava lavar os pratos.

Mas descobri que a avó ainda lhe dava voltas ao dos vampiros. Um momento depois veio

a minha

habitação, enquanto me maquiava para ir trabalhar.

-Que idade crie que tem o vampiro, que conheceu?

-Não tenho nem idéia, avó -estava me aplicando a máscara de pestanas, com as pálpebras

muito abertas e

tratando de me manter imóvel para não me colocar a maquiagem em um olho, assim que

minha voz teve um

tom agudo, como se estivesse praticando para um filme de terror.

-Crie que... poderia recordar a Guerra?

Não fez falta perguntar que guerra. Ao fim e ao cabo, a avó era membro fundador dos

Descendentes dos

Mortos Gloriosos.

-Poderia ser-pinjente, movendo a cara de lado a lado para me assegurar de que o ruge

estava bem

repartido.

-Crie que poderia vir para falamos sobre isso? Poderíamos ter uma reunião especial.

-De noite-lhe recordei.

-OH, sim, claro, teria que ser de noite. -Os Descendentes revistam se reunir a meio-dia na

biblioteca e

levá-la comida em uma bolsa.

Pensei nisso. Seria muito grosseiro por minha parte me aproximar do vampiro e lhe

sugerir que devia dar

um bate-papo no clube da avó porque eu lhe tinha salvado de que os desangradores o

deixassem seco, mas

possivelmente ele se oferecesse se lhe dava uma pista... Não gostava, mas o faria pela avó.

-O perguntarei a próxima vez que vá-prometi.

-Ou ao menos poderia falar comigo e eu gravaria suas lembranças-comentou ela. Quase

pude ouvir como

giravam as engrenagens de sua cabeça ao pensar no pancada nas costas que suporia para ela

algo assim-.

Seria tão interessante para os outros membros do clube... -disse com modéstia.

Contive as vontades de rir.

-O comentarei -repeti- Já veremos.

Quando me parti, a avó já estava vendendo a pele do urso.

Não pensei que Rene Lenier fora ao Sam com a história da briga no estacionamento, mas

parecia que Rene

tinha muito tempo livre. Quando entrei em trabalhar essa tarde, pensei que a agitação que

se sentia no

ambiente se devia ao assassinato do Maudette. Logo descobri o contrário.

Sam me fez passar ao armazém assim que cheguei. Estava expulsando de raiva, e me leu

a cartilha do

direito e do reverso. Sam nunca se zangou comigo, assim em seguida estive a um cabelo de

chorar.

-E se crie que um cliente não está a salvo, diz-me isso e eu me encarregarei disso, não

você. -Estava-o

dizendo pela sexta vez, e ao fim me dava conta de que tinha estado preocupado por mim.

Captei-o em sua

mente, justo antes de reforçar minha negativa absoluta a "escutá-lo". Escutar a seu chefe

leva a desastre.

Não me tinha ocorrido em nenhum momento pedir ajuda ao Sam, ou a qualquer outro.

-E se crie que estão fazendo mal a alguém em nosso estacionamento, o que deve fazer é

chamar à polícia,

não te lançar à refrega como uma patrulha cidadã -acrescentou zangado. Sua pele, sempre

corada, estava mais

vermelha que nunca, e seu áspero cabelo dourado tinha aspecto despenteado.

-De acordo-pinjente, tratando de manter uma voz serena e os olhos muito abertos para

que não caíssem as

lágrimas-. vais despedir me?

-Não, não! -exclamou, ao parecer ainda mais zangado-. Não quero te perder! -Agarroume

pelos ombros

e me deu um pequeno empurrão. Então ficou me olhando com seus olhos grandes e azuis, e

senti uma quebra

de onda de calor que emanava dele. O contato físico acelera meu discapacidad, faz

imperativo que escute à

pessoa que me toca. Olhei-o fixamente aos olhos durante um comprido instante; então

recuperei o controle e

me retirei ao tempo que seus braços me soltavam. Girei-me e saí do armazém, assustada.

Tinha aprendido um par de coisas desconcertantes: que Sam me desejava e que não podia

ouvir seus

pensamentos com tanta claridade como os de outra gente. Senti feitas ondas com

impressões do que ele sentia,

mas não pensamentos. parecia-se mais a levar um anel anímico que a receber um fax.

Assim, o que faria com essas informações? Absolutamente nada.

Nunca antes tinha considerado o Sam um homem com o que ir-se à cama (ou ao menos

com o que eu iria à

cama) por muitos motivos. Mas o mais singelo é que nunca olhava a ninguém assim, não

porque me faltassem

hormônios (e tanto que as tinha!), mas sim porque sempre as estou contendo, já que para

mim o sexo é um

desastre. Pode alguém imaginá-lo que significa saber tudo o que está pensando seu casal

sexual? Sim, coisas

como "Deus, olhe que lunar... tem o culo um pouco gordo... eu gostaria que se movesse um

pouco asa

direita... por que não capta a idéia Y...?". Já sabem do que falo. É como um jarro de água

fria para as

emoções, me acreditem. E durante o coito, não há maneira possível de manter uma barreira

mental de nenhum

tipo.

Outra razão é que Sam eu gosto como chefe, e também eu gosto de meu trabalho, porque

me obriga a sair,

mantém-me ativa e ganho um pouco de dinheiro, de modo que não me converta na espécie

de reclusa solitária

que minha avó teme que acabe sendo. Trabalhar em uma oficia me resulta complicado, e

foi impossível

acabar o colégio universitário pela espantosa concentração que devia manter. Deixava-me

esgotada.

Assim, naquele momento, tão solo quis meditar sobre a quebra de onda de desejo que

havia sentido

emanar dele. Não era como se me tivesse feito uma proposição verbal ou me tivesse

arrojado sobre o chão do

armazém. Conhecia seus sentimentos e podia ignorá-los se queria. Apreciei a delicadeza da

situação e me

perguntei se Sam me havia meio doido a propósito, se realmente sabia o que me passava.

Cuidei-me de ficar a sós com ele, mas tenho que admitir que essa noite me senti muito

agitada.

As seguintes duas noites foram melhores. Retomamos nossa confortável relação e me

notei aliviada. E

desgostada. Também estive muito ocupada, já que o assassinato do Maudette fez que

tivéssemos mais

afluência no Merlotte'S. Pelo Bon Temps circulava toda classe de rumores, e o programa de

notícias do

Shreveport até preparou uma breve reportagem sobre a terrível morte do Maudette Pickens.

Eu não fui ao

funeral, mas a avó sim e me contou que a igreja estava enche a transbordar. A pobre

Maudette, essa toco de

coxas mordidas, resultou mais interessante morta do que tinha sido nunca viva.

Logo me tocariam dois dias livres e tinha medo de não poder contatar mais com o

vampiro, Bill. Tinha

que lhe transmitir a petição de minha avó, mas ele não tinha voltado para bar e começava a

me perguntar se o

faria alguma vez.

Mack e Denise tampouco tinham voltado para o Merlotte's, mas Rene Lenier e Hoyt

Fortenberry se

asseguraram de que soubesse que tinham ameaçado me fazendo coisas horríveis. Não posso

dizer que me

sentisse muito assustada: a escória criminal como os Ratos abunda nas auto-estradas e

estacionamentos de

caravanas de toda a América, sem a inteligência nem a moral necessárias para assentar-se e

dedicar-se a uma

vida proveitosa. Nunca deixariam um sinal positivo no mundo nem teriam a menor

relevância, a meu modo de

ver. Passei das advertências do Rene.

Mas lhe me encantava comunicar isso Rene Lenier era pequeno como Sam, mas assim

como Sam era

corado e loiro, Rene era moreno e tinha uma pelambrera negra com algumas cãs cinzas que

lhe cobria toda a

cabeça. Rene estava acostumado a vir ao bar e conversar com o Arlene porque (como

gostava de contar a todo

mundo no bar) ela era seu ex-algema favorita. Tinha tido três. Hoyt Fortenberry era um

zero à esquerda,

ainda mais que Rene. Não era nem moreno nem loiro, nem grande nem pequeno. Sempre

parecia alegre e

deixava gorjetas decentes. E admirava a meu irmão Jason mais do que este se merecia, em

minha opinião.

Alegrou-me que nem Rene nem Hoyt estivessem no bar a noite que retornou o vampiro.

sentou-se na mesma mesa.

Agora que de verdade o tinha diante, senti-me um pouco atalho. Descobri que já me tinha

esquecido do

quase imperceptível brilho de sua pele, e tinha exagerado sua altura e as linhas bem

definidas de sua boca.

-O que posso te servir?-perguntei-lhe.

Olhou-me. Também tinha esquecido quão profundos eram seus olhos. Não sorriu nem

piscou, estava

completamente imóvel. Pela segunda vez, seu silêncio me relaxou; quando deixo cair meu

guarda noto que

me relaxa a cara, e é tão agradável quanto lhe dêem uma massagem (embora isso é sozinho

uma conjetura).

-O que é? -perguntou-me. Era a segunda vez que queria sabê-lo.

-Sou uma garçonete-disse, o interpretando mal de novo a propósito. Pude notar que meu

sorriso voltava

para seu sítio; meu pequeno intervalo de paz tinha desaparecido.

-Veio tinjo-pediu, e se estava aborrecido sua voz não o deixou entrever.

-É obvio -respondi-. O sangue sintético deveria chegar no caminhão de amanhã. Escuta,

poderia falar

contigo depois do trabalho? Tenho que te pedir um favor.

-Certamente. Estou em dívida contigo -e não soou nada contente por isso.

-Não é para mim! -eu também me senti um pouco ofendida-. É para minha avó. Se estiver

acordado...

bom, suponho que o estará. Quando sair do trabalho à uma e meia, importaria-te me esperar

na porta de

empregados, atrás do bar? -Assinalei nessa direção, e o acréscimo me dançou sobre os

ombros. Seus olhos

seguiram o movimento de meu cabelo.

-Será um prazer.

Não soube se estava mostrando a cortesia que, conforme insistia a avó, era a norma em

tempos pretéritos,

ou se simplesmente se estava burlando de mim. Resisti a tentação de lhe tirar a língua ou de

lhe fazer uma

pedorreta. Dava meia volta e retornei à barra. Quando lhe trouxer o vinho, deixou-me uma

gorjeta de vinte

por cento. Pouco depois olhei a sua mesa e me dava conta de que tinha desaparecido.

Perguntei-me se

manteria sua palavra.

Arlene e Dawn partiram antes de que eu terminasse, por uma razão ou por outra, mas

sobre tudo porque

todos os servilleteros de minha zona resultaram estar quase vazios. Por último recolhi

minha bolsa da

bilheteria (com fechadura) do despacho do Sam, onde o guardo enquanto trabalho, e me

despedi do chefe.

Pude ouvi-lo trastear no lavabo de homens, provavelmente tratando de arrumar o váter que

perdia água.

Detive-me um instante no de mulheres para lhe jogar um olho a meu penteado e à

maquiagem.

Quando saí, observei que Sam já tinha apagado as luzes do estacionamento para clientes.

Solo a luz do

poste do tendido elétrico, junto a sua caravana, iluminava o de empregados. P ra deleite do

Arlene e Dawn,

Sam tinha posto um jardincillo diante da caravana e tinha plantado boj nele, e

constantemente estavam

tomando o cabelo com a pulcra linha de seu sebe. Em minha opinião ficava muito bonito.

como sempre, o caminhão do Sam estava estacionado diante da caravana, assim que meu

carro era o único

que ficava no estacionamento.

Estirei-me e olhei a todos lados. Nem sinal do Bill. Surpreendeu-me que aquilo me

desgostasse tanto,

tinha esperado dele que fora cortês, embora não lhe saísse do coração (tinha coração?).

Talvez, pensei, saltaria de uma árvore ou apareceria no meio d e uma nuvem de fumaça

diante de mim,

envolto com uma capa negra de forro vermelho. Mas nada disso ocorreu, assim caminhei

até o carro.

Esperava-me uma surpresa, mas não a que me levei.

Mack Rattray surgiu desde detrás de meu carro e em uma pernada se aproximou o

suficiente para me

golpear a mandíbula. Não se conteve o mínimo, e caí sobre o cascalho como um saco de

cimento. Deixei

escapar um grito enquanto caía, mas o golpe com o chão me deixou sem fôlego e sem um

pouco de pele, e

fiquei em silêncio, indefesa e sem poder respirar. Então vi o Denise, vi como balançava sua

pesada bota, e

tive a reação justa para me encolher antes de que os Rattray começassem a me dar patadas.

A dor foi imediato, intenso e desumano. Cobri-me de modo instintivo a cara com os

braços, por isso o pior

me levei isso nos antebraços, as pernas e as costas.

Acredito que ao princípio, durante os primeiros golpes, estava segura de que se deteriam,

cuspiriam-me

suas ameaças e advertências e partiriam. Lembrança o momento exato no que me dava

conta de que tratavam

de me matar. Podia ficar ali quieta e suportar uma simples surra, mas não me ia ficar in

móvel para que me

matassem.

Assim que tive perto uma perna, lancei-me a agarrá-la e me a ferré a ela como se me fora

a vida no

intento. Tratei de morder, ao menos de lhe deixar uma marca a um deles. Nem sequer sabia

bem de quem era

a perna.

Então, desde atrás se ouviu um grunhido. OH, não, pensei, trouxeram-se um cão. O

grunhido era

claramente hostil. Se tivesse tido algum modo de expressar minhas emoções, me teria posto

o cabelo de

ponta.

Recebi outra patada na coluna, e a surra terminou.

A última patada me tinha feito algo mau. Pude ouvir minha própria respiração, os

estertores e um estranho

som lhe fervam que parecia provir de meus pulmões.

-Que demônios é isso?-perguntou Mack Rattray, e soava assaz apavorado.

Voltei a ouvir o grunhido, mais próximo, justo detrás de mim. E de outra direção me

chegou uma espécie

de grasnido. Denise começou a lamentar-se, Mack soltava tacos. Ela liberou sua perna de

meu abraço, que já

era muito débil. Meus braços caíram inertes ao chão; parecia que não obedeciam minhas

ordens. Embora

tinha a visão imprecisa, pude ver que meu braço direito estava quebrado. Notava o rosto

úmido, e me deu

medo seguir avaliando minhas feridas.

Mack começou a gritar e depois também Denise, e de repente surgiu a meu redor um

revôo de atividade,

mas eu não podia me mover. Quão único podia ver era meu braço quebrado, meus joelhos

machucados e a

zona escura de debaixo do carro.

Pouco depois se impôs o silêncio. Detrás, o cão gemeu. Um nariz frio me tocou a orelha e

uma língua

cálida a lambeu. Tratei de elevar a mão para acariciar ao animal que, sem lugar a dúvidas,

tinha-me salvado a

vida, mas não fui capaz. Ouvi-me chorar, um som que parecia vir desde muito longe.

me enfrentando aos fatos, pinjente:

-Morro. -Começava a me parecer cada vez mais e mais factível. As rãs e os grilos que

estavam

acostumados a encher de ruídos a noite tinham calado ao começar a briga e o ruído no

estacionamento, assim

que minha débil voz surgiu clara e se derramou pela escuridão. Embora pareça estranho,

pouco depois

ouvidos vozes.

Um par de joelhos, cobertas por uns jeans manchados de sangue, entraram em meu

campo de visão. O

vampiro Bill se inclinou para que pudesse lhe ver a cara. Tinha sangue ao redor da boca e

as presas

desdobradas, de um branco reluzente que contrastava sobre seu lábio inferior. Tratei de lhe

sorrir, mas meu

rosto não acabava de funcionar bem.

-vou levantar te-disse Bill. Parecia tranqüilo.

-Morrerei se o faz -sussurrei.

Estudou-me com muita atenção.

-Ainda não-disse depois de me avaliar. Curiosamente, isso fez que me sentisse melhor. A

quantidade de

feridas que terá visto em sua vida, pensei.

-Isto te vai doer-me acautelou. Era difícil imaginar-se algo que não me fora a doer.

Passou os braços por debaixo de meu corpo antes de que me desse tempo a me assustar.

Gritei, mas

fracamente.

-Rápido -disse outra voz com tom de urgência.

-Vamos às árvores, onde não nos vejam -disse Bill, levantando meu corpo como se não

pesasse nada.

foram enterrar me ali atrás, onde não lhes visse ninguém? Justo depois de me resgatar dos

Ratos? Quase

nem me importava. Senti um pequeno alívio quando me deixou sobre um manto de agulhas

de pinheiro na

escuridão do bosque. Na distância pude ver o resplendor da luz do estacionamento. Davame

conta de que me

gotejava sangue pelo cabelo, e notei a dor do braço quebrado e o padecimento dos

profundos machucados,

mas o pior era o que não sentia.

Não sentia as pernas.

Notava o abdômen cheio e pesado. A expressão "hemorragia interna" penetrou entre

meus pensamentos,

assim de lúgubres eram.

-Morrerá a não ser que faça o que te diga -me explicou Bill.

-Sinto muito, não quero ser uma vampira-respondi, com voz frágil e tremente.

-Não, não o será-me disse com mais amabilidade-. Sanará rapidamente, tenho uma padre.

Mas deve estar

disposta.

-Então usa-a -sussurrei-. Vou-pude notar que o peso do desespero atirava de mim.

A pequena parte de meu cérebro que ainda recebia sinais do alago exterior ouviu o Bill

grunhir como se o

tivessem ferido. Então me puseram algo na boca.

-Bebe-disse.

Tratei de tirar a língua; obtive-o. Bill estava sangrando, apertando-a ferida para que o

fluxo de sangue de

sua boneca chegasse até minha boca. Senti arcadas, mas queria viver. Obriguei-me a tragar,

e a tragar uma

vez mais.

De repente o sangue me soube bem, salgada, o líquido da vida. Elevei o braço que não

tinha quebrado e

apertei a boneca do vampiro contra meus lábios. Sentia-me melhor com cada gole. E depois

de um minuto me

venceu o sonho.

Quando despertei, estava ainda entre as árvores, tombada sobre o chão. Alguém estava

convexo junto a

mim; era o vampiro. Pude ver seu resplendor, e notei que sua língua se movia sobre minha

cabeça. Estava

lambendo a ferida de meu couro cabeludo. Dificilmente podia tornar-lhe em cara.

-Tenho um sabor distinto ao de outra gente? -perguntei.

-Sim -disse com voz espessa-. O que é?

Era a terceira vez que me perguntava isso. À terceira vai a vencida, como sempre diz a

avó.

-Ouça, não sou uma morta-lhe disse. De repente recordei que já devia estar curada.

Meneei o braço, que

estava quebrado. Tinha pouca força mas já não pendurava inerte. Também podia sentir as

pernas e as mover.

Inspirei e respirei de modo experimental, e a leve dor que senti me alegrou. Tratei de me

sentar. Demonstrou

requerer todo um esforço, mas não foi impossível. Recordou a quando era menina, ao

primeiro dia sem febre

depois de superar a pneumonia: fraco mas ditosa. Era consciente de ter sobrevivido a algo

terrível.

antes de que pudesse me endireitar de tudo, pôs seus braços sob meu corpo e me

aproximou dele.

aproximou-se a uma árvore e me senti muito cômoda assim apoiada, com a cabeça em seu

peito.

-O que sou é telépata -lhe disse-. Posso escutar os pensamentos da gente.

-Inclusive meus? -em sua voz parecia haver só curiosidade.

-Não. Por isso eu gosto tanto -respondi, flutuando em muito bem-estar rosado. Não me

preocupava com

dissimular meus sentimentos.

Riu e senti que seu peito retumbava. A risada soava um pouco oxidada.

-Não te posso ouvir absolutamente-continuei dizendo tolices com voz sonolenta-. Não

tem nem idéia de

quão agradável é. Depois de uma vida de bla bla bla, não ouvir... nada.

-Como consegue sair com homens? Com os meninos de sua idade, seguro que sua única

idéia é como te

levar a cama.

-Bom, não o consigo. E francamente, a qualquer idade acredito que seu objetivo é levarse

a uma mulher à

cama. Não tenho entrevistas. Todo mundo pensa que estou louca, já sabe, porque não posso

lhes dizer a

verdade, que o queime volta louca são todos seus pensamentos e todas essas mentes. Tive

umas poucas

entrevistas quando comecei a trabalhar no bar, com meninos que não tinham ouvido falar

de mim. Mas era o

mesmo de sempre. Não pode te concentrar em estar a gosto com um menino, ou te esquecer

das preocupações

do dia, quando ouve que se perguntam se é tinta ou acreditam que não tem um culo bonito,

ou se imaginam

como serão suas tetas.

De repente me senti mais alerta, e me dava conta de tudo o que lhe estava revelando de

mim mesma a

aquela criatura.

-me desculpe -lhe disse-, não queria te curvar com meus problemas. Obrigado por me

salvar dos Ratos.

-Se lhe atacaram é por minha culpa-respondeu. Pude notar que por debaixo da tranqüila

superfície de sua

voz pulsava a fúria-. Se tivesse tido a cortesia de chegar a tempo, isto não teria ocorrido.

Assim que te devia

parte de meu sangue, devia-te a cura.

-Estão mortos? -para minha vergonha, minha voz soou lhe chie.

-E tanto.

Traguei saliva. Não podia lamentar que o mundo se liberou dos Ratos. Mas tinha que me

enfrentar a isso

cara a cara, não devia me esquecer de que me sentava no regaço de um assassino. Embora

me sentia bastante

feliz ali, rodeada por seus braços.

-Isso deveria me preocupar, mas não o faz -exclamei, antes de me dar conta do que dizia.

Senti de novo

essa risada vigorosa.

-Sookie, do que queria me falar antes?

Tive que me esforçar para poder recordá-lo. Embora fisicamente me tinha recuperado de

maneira

milagrosa da surra, mentalmente ainda me sentia um pouco confusa.

-Minha avó tem muitas vontades de saber quantos anos tem-pinjente dúbia. Não sabia até

que ponto era

essa pessoal pergunta para um vampiro. Aquele em questão me acariciava as costas como

se tratasse de

acalmar a um gatinho.

-Converteram-me em vampiro em 1870, quando tinha trinta anos de idade. -Elevei o

olhar; seu rosto

reluzente carecia de expressão, seus olhos eram poços de negrume na escuridão do bosque.

-Lutou na Guerra?

-Sim.

-Tenho a sensação de que te vais zangar, mas os faria tão felizes a ela e aos de seu clube

se os contas um

pouco da Guerra, de como foi em realidade...

-Seu clube?

-Pertence aos Descendentes dos Mortos Gloriosos.

-Mortos Gloriosos... -a voz do vampiro resultava indecifrável, mas eu estava bastante

segura de que não

se sentia contente.

-Escuta, não tem que lhes contar nada dos vermes e as enfermidades e a fome-lhe disse-.

Têm sua própria

idéia da Guerra, e embora não são estúpidos (viveram outras guerras) gostariam mais

inteirar-se de como

vivia então a gente, uniformize-os e os movimentos de tropas.

-Coisas agradáveis.

Respirei profundamente.

-Sim.

-Faria-te feliz se o fizer?

-E o que importa isso? Faria feliz à avó, e como está no Bon Temps e parece querer viver

por aqui, seria

um bom movimento de relações públicas por sua parte.

-Faria-te feliz?

Não era um tipo ao que pudesse despistar.

-Vale, sim.

-Então o farei.

-A avó diz que será melhor que coma antes de ir - acrescentei.

Escutei de novo essa risada retumbante, esta vez mais profunda.

-eu adorarei conhecê-la. Posso passar a verte alguma noite?

-Ah, claro. Amanhã de noite me toca o último turno, e depois tenho dois dias livres, assim

que a da

quinta-feira seria uma boa noite. -Elevei a boneca para olhar o relógio. Ainda funcionava,

mas a esfera estava

coberta de sangue seca- Arg, que asco-disse, me molhando o dedo na boca e limpando o

relógio com a

saliva. Apertei o botão que iluminava os ponteiros de relógio e me sobressaltei ao ver a

hora que era-. OH,

céus, tenho que ir a casa. Espero que a avó se foi a dormir.

-Deve preocupá-la que esteja fora e só tão tarde pelas noites -soava a recriminação.

Estaria pensando no

Maudette? Experimentei um momento de intranqüilidade, me perguntando se realmente

Bill a tinha

conhecido, se ela o tinha convidado a sua rasa. Mas rechacei a idéia: estava decidida a não

me inundar na

estranha e desagradável natureza da vida e morte do Maudette, não queria que esses

horrores arrojassem

sombras sobre minha pequena ilha de felicidade.

-É parte de meu trabalho -respondi com aspereza-, não se pode evitar. Além disso, não

sempre trabalho

pelas noites. Mas quando posso, faço-o.

-por que? -O vampiro me ajudou a me incorporar e depois se levantou com agilidade.

-Melhores gorjetas, trabalha-se mais duro. Não há tempo para pensar.

-Mas a noite é mais perigosa-disse com desaprovação.

Ele devia sabê-lo bem.

-Não fale como minha avó -lhe repreendi com suavidade. Quase tínhamos chegado já ao

estacionamento.

-Sou maior que sua avó-me disse. E isso pôs ponto final à conversação.

depois de sair das árvores fiquei observando a paisagem. O estacionamento estava

tranqüilo e deserto,

como se não tivesse ocorrido nada, como se não tivessem estado a ponto de me matar a

patadas nessa parte de

cascalho; apenas uma hora antes. Como se os Ratos não tivessem encontrado ali seu

sangrento final.

As luzes da caravana do Sam estavam apagadas.

O cascalho parecia molhada, mas não se via sangue. Encontrei minha bolsa sobre o capô

do carro.

-E o cão?-perguntei.

Girei-me para contemplar a meu salvador.

Não estava ali.

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