terça-feira, 12 de julho de 2011

A Mediadora - Terra das Sombras - Meg Cabot Cap.8


Ele não precisou esperar muito. Para falar a verdade, foi logo depois do
almoço que ela veio atrás dele. Não que ele percebesse, claro. Fui eu que
imediatamente a vi no meu da multidão, quando todo mundo começou a se
encaminhar para os armários. Os fantasmas exalam uma luminosidade que
os diferencia dos vivos - felizmente, pois caso contrário muitas vezes eu
nem saberia a diferença.
Seja como for, lá estava ela fulminando -o com os olhares de ódio. Sem
saber que ela estava ali, as pessoas simplesmente passavam através dela.
Eu até os invejava. Preferia que os fantasmas fossem invisíveis para mim,
como são para todo mundo. Sei que se fosse assim eu não teria desfrutado
da companhia do meu pai durante esses últimos anos, mas também não
estaria ali agora sabendo que a Heather estava para fazer algo terrível.
Não que eu soubesse o que ela estava pretendendo fazer com ele. Os
fantasmas podem ser bem mauzinhos quando querem. Aquele lance do
Jesse com o espelho não era nada. Já houve casos que me atirarem obje tos
com tanta força que, se eu não tivesse me abaixado, também estaria hoje no
mundo dos espíritos. Já sofri concussões e ossos quebrados não sei quantas
vezes. Minha mãe acha que eu atraio acidentes. É isso aí, mãe. Isso
mesmo. Quebrei o pulso caindo da e scada. E caí da escada porque o
fantasma de um conquistador espanhol de trezentos anos me empurrou.
Mas bastou eu ver a Heather para entender que ela estava com intenções
nada boas. E eu não chegara a esta conclusão baseada no nosso encontro
prévio. Não, senhor. Apenas acompanhei o olhar da falecida e vi que não
era exatamente para Bryce que ela estava olhando. O que atraía sua atenção
fora um caibros da parte da galeria por onde o Bryce estava passando. E
dali onde estava, eu vi que a madeira estava começa ndo a tremer. Mas não
em toda a extensão da galeria, claro que não. Era só uma peça que estava
tremendo, daquelas bem pesadas. Exatamente a peça que se encontrava
acima da cabeça do Bryce.
Eu agi sem pensar. Joguei -me contra o Bryce com toda força e
ambos voamos juntos. O que veio exatamente a calhar. Pois ainda
estávamos rolando no chão quando eu ouvi uma enorme explosão. Abaixei
a cabeça para proteger os olhos, de modo que não pude ver quando a peça
de madeira explodiu. Mas ouvi. Eu também senti. As lasca s de madeira
doeram à beça. Ainda bem que eu estava usando calças de lã.
O Bryce estava tão quietinho debaixo de mim que eu pensei que um
pedaço mais pesado da madeira podia tê -lo atingido entre os lobos frontais
ou algo assim. Mas quando afastei meu rosto do seu peito eu vi que ele
estava bem - estava apenas de olho grudado, aterrorizado, na tábua de mais
de 25 centímetros de largura e quase 70 centímetros de comprimento que
viera aterrissar a poucos metros de nós dois. Por toda parte ao nosso redor
estavam espalhados pedaços de madeira. Provavelmente o Bryce estava se
dando conta de que, se aquela prancha tivesse atingido seu crânio, também
haveria agora pedacinhos de Bryce espalhados por aí.
- Dá licença, dá licença - disse a voz assustada do padre Domini c, que logo
vi abrindo caminho pela multidão apavorada que se juntava ali. Ele ficou
congelado quando vi aquele pedação de madeira, mas ao dar com Bryce e
comigo voltou à ação: - Deus do céu! - exclamou, acorrendo a nós. - Você
estão bem, crianças? Suzannah, você se feriu? Bryce?
Lentamente eu fui me sentando. Eu já tinha me acostumado a me apalpar
pra ver se algum osso estava quebrado, e acabei descobrindo, ao longo dos
anos, que quanto mais lentamente a gente se reerguer, mais chances terá de
descobrir o que está quebrado, e menos chances de apoiar o peso do corpo
nessas partes.
Mas daquela vez nada parecia estar quebrado. Fiquei então de pé.
- Deus de misericórdia! - dizia o padre Dom. - Têm certeza de que estão
bem?
- Estou bem - disse eu, me sacudindo toda. Estava coberta de
pedacinhos de madeira, por cima da minha melhor jaqueta Donna Karan.
Olhei em volta para ver se via a Heather: pode crer que se a tivesse visto
ali naquela hora eu a teria matado, realmente teria... só que ela já estava
morta, claro. Mas ela já tinha ido embora.
- Meu Deus! - exclamou Bryce, aproximando-se de mim. Ele não parecia
estar ferido, só um tanto abalado. Na verdade seria difícil ferir um grandlão
como ele, com seus metro e 80 de altura e aqueles ombros largos, um
verdadeiro Bardwin.
E era comigo que ele estava falando. Comigo!
- Caramba, você está bem? - quis saber. - Obrigado. Meu Deus! Acho que
você salvou a minha vida.
- Ora, não foi nada - disse eu, e não resisti a esticar a mão e pinçar uma
farpa de madeira do seu suéter . Caxemira. Exatamente como eu imaginara.
-O que está acontecendo aqui?
Um sujeito alto metido num monte de túnicas e com calota vermelha na
cabeça abria caminho na multidão. Quando viu aquela madeira toda no
chão e olhou para cima para avaliar o buraco qu e fora aberto, ele se virou
para o padre Dom e disse:
- Viu? Está vendo Dominic? É nisto que dá permitir que os seus lindos
passarinhos façam ninhos onde bem entendem! O sr. Ackerman nos avisou
que isto poderia acontecer; e agora veja só! Ele tinha razão! Alguém
poderia ter morrido!
Só podia mesmo ser monsenhor Constantine.
- Sinto muito, monsenhor, sinto muito mesmo - disse padre Dom. - Não sei
como uma coisa dessas foi acontecer. Graças a Deus ninguém ficou ferido
- e, voltando-se para Bryce e para mim: - Vocês dois estão bem mesmo?
Parece-me que a senhorita Simon está meio pálida. Vou levá -la para a
enfermeira, se não se importa, Suzannah. E vocês, crianças, voltem todas
para a sala de aula. Todos estão bem. Foi apenas um acidente. Agora vão
indo.
Incrivelmente, todo mundo obedeceu. Padre Dominic era assim mesmo. De
uma maneira ou de outra, você acabava fazendo o que ele dizia. Felizmente
ele usava seus poderes para o bem, e não para o mal!
Gostaria de poder dizer o mesmo sobre o monsenhor. Lá estava ele
de pá no corredor, que de repente ficara vazio, contemplando o enorme
pedaço de madeira. Qualquer um poderia dizer só de olhar que ele não
tinha nada de podre. Claro que a madeira não era nova, mas estava
perfeitamente seca.
- Vou mandar tirar daí esses ninhos, Dominic - disse monsenhor,
asperamente. - Todos eles. Nós simplesmente não podemos correr este tipo
de risco. E se um turista estivesse em pé aqui? E Deus me livre, o
arcebispo!... O arcebispo estará qui no mês que vem, como você sabe. E se
o arcebispo Rivera estivesse bem aqui e esta via caísse? E então, Dominic?
As feiras que haviam acorrido, ouvindo todo aquele fuzuê, lançavam
olhares de tamanha reprovação para o pobre padre Dominic que eu quase
disse alguma coisa. Cheguei até a abrir a boca, mas o padre Dominic
apertou mais o meu braço e começou a caminhar comigo para longe dali.
- Naturalmente - concordou. - Tem toda razão. Vou mandar o pessoal da
manutenção cuidar disso imediatamente, monsenhor. Imagine se o
arcebispo fosse ferido!... Nem pensar.
- Meu Deus, quanta besteira! - desabafei, assim que nos vimos dentro do
gabinete do diretor, com a porta fechada. - Ele só pode estar brincando,
pensar que um casal de passarinhos podia fazer tudo aquilo.
Padre Dominic tinha atravessado todo o gabinete dir eto para um armário
onde se encontravam alguns troféus e placas - prêmios de magistério, como
eu viria a descobrir. Antes de ser removido pela diocese para um cargo
administrativo, padre Dominic havia sido um professor de biologia muito
popular e estimado. Ele estendeu o braço por trás de um dos troféus e
apanhou um maço de cigarros.
- Receio que talvez seja um pouco sacrílego, Suzannah, dizer que um
monsenhor da Igreja Católica pensa besteiras - disse ele, de olhos baixos
sobre o maço vermelho e branco.
- Ainda bem então que eu não sou católica - disse eu. - E pode ficar à
vontade para fumar se quiser. Não vou dizer a ninguém.
Ele continuou contemplando o maço de cigarros sonhadoramente por
mais um minuto, deu um suspiro profundo e voltou a guardá -lo onde
estava.
- Não, muito obrigado, mas é melhor não - concluiu.
Minha nossa! Devia ser mesmo uma grande vantagem eu nunca ter me
viciado com essa história de cigarro. Achei melhor mudar de assunto e
então me debrucei para dar uma olhada nos troféus.
- 1964 - disse. - O senhor já está aqui há um certo tempo...
- Estou mesmo - reconheceu padre Dom, sentando -se em sua escrivaninha.
- Mas, Santo Deus, Suzannah, o que exatamente aconteceu lá?
- Ora - dei de ombros -, foi só a Heather. Acho que agora já sabemos por
que ela ainda está rondando por aí. Quer matar o Bryce Martinson.
Padre Dominic sacudiu a cabeça:
- Mas isto é terrível! Terrível mesmo. Eu nunca vi tanta... tanta violência
partindo de um espírito. Nunca em todos estes anos como mediador.
- É mesmo? - fiz eu, olhando pela janela. O gabinete do diretor não dava
para o mar, mas para as colinas onde eu morava. - Olha só - prossegui. -
Daqui se pode ver a minha casa!
- E era uma moça tão boa - continuou ele. - Nunca tivemos qualquer
problema disciplinar com Heather Chambers em todos os anos que ela
passou na Academia da Missão. Por que estaria sentindo tanto ódio de um
rapaz que dizia amar?
Eu olhei para ele de lado:
- O senhor está brincando comigo?
- Não, tudo bem, eu sei que eles tinham acabado o namoro... Mas emoções
tão violentas... essa fúria assassina a que ela se entregou... É tão inusitado...
Eu balancei a cabeça.
- Olha, eu sei que o senhor fez voto de castidade e tudo isso, mas o senhor
nunca se apaixonou? Não sabe como é? Aquele cara passou ela para tr ás.
Ela achava que eles iam se casar. Sei que parece bobagem, ainda mais que
ela só tinha - quantos anos mesmo? Dezesseis? Ainda assim, ele
simplesmente botou ela no chinelo. Se isso não é suficiente para levar uma
garota a um acesso de fúria assassina...
Ele me olhou pensativo.
- Você parece estar falando por experiência própria.
- Quem, eu? Absolutamente. Isto é, já gostei de uns caras e tal, mas
não posso dizer que algum deles tenha correspondido - o que lamento
muito. Ainda assim, posso imaginar como a Heather deve ter-se sentido
quando ele acabou com ela.
- Com vontade de se matar, suponho - disse padre Dominic.
- Exatamente. Mas se matar acabou não sendo suficiente. Ela não vai ficar
satisfeita enquanto não o levar com ela.
- Isto é terrível - disse padre Dominic. - Realmente terrível. Eu conversei
com ela até acabar a saliva, mas ela não ouve. E agora, no primeiro dia de
aula, acontece isso. Vou ter que recomendar que esse rapaz fique em casa
até que tudo seja resolvido.
Eu achei graça:
- E como é que o senhor vai fazer isso? Vai dizer a ele que sua namorada
morta está tentando matá-lo? Aposto que monsenhor adoraria...
- Em absoluto - respondeu padre Dom, abrindo uma gaveta e começando a
mexer nela. - Com um mínimo de engenhosidade, podemos conseguir um a
boa semana ou duas para ele em casa...
- Mas o que é isto?! - exclamei, lívida. - O senhor vai envenená-lo? Pensei
que o senhor fosse um padre! Esse tipo de coisa não é proibido?
- Envenenar? Não, não, Suzannah. Vou infestá -lo com lêndeas. A
enfermeira examina a cabeça dos alunos uma vez por semestre em busca
de piolhos. Apenas vou dar um jeito para que o jovem sr. Martison
apresente um caso bem adiantado de infestação...
- Oh Meu Deus! - berrei. - Que horror! O senhor não pode encher a cabeça
dele de piolhos!
Padre Dominic levantou os olhos da gaveta.
- E por que não? Servirá perfeitamente para o que precisamos. Mantê -lo
longe de perigo por tempo suficiente para que você e eu possamos
convencer a srta. Chambers e...
- O senhor não pode encher a cabeça del e de piolhos! repeti, talvez com
mais veemência que necessário. Nem sei por que eu estava tão contra a
idéia, só que... bem, ele tinha um cabelo tão bonito. Eu tinha dado uma
sacada legal quando estávamos lá jogados no chão juntos. Era um cabelo
macio e encaracolado, o tipo de cabelo bom para ficar passando os dedos.
A simples idéia de insetos rastejando por ali embrulhava meu
estômago. Como era mesmo aquela canção?...
Você me olhou nos olhos
E eu fui ficando.
Passei a mão nos seus cabelos
E um piolho mordeu meu dedo.
- Puxa vida - eu disse, sentando no tampo da escrivaninha. - Guarda os
piolhos, tá bem? Deixa que eu cuido da Heather. O senhor disse que está
falando com ela há quanto tempo? Uma semana?
- Desde o Ano Novo - respondeu padre Dominic. - Exatamente. Foi
quando ela apareceu aqui pela primeira vez. Agora entendo que ela só
estava esperando que Bryce voltasse.
- OK. Então deixa que eu cuido disso. Talvez ela só esteja precisando de
uma conversa entre garotas.
- Não sei... - fez o padre Dominic, olhando-me meio de soslaio. - Fico
achando que você tem uma certa tendência para... bem, para tentar resolver
as coisas um tanto... fisicamente. O mediador deve desempenhar um papel
não-violento, Suzannah. Você deve ser alguém que ajuda os espíritos
perturbados, em vez de machucá-los.
- Alô, alô! O senhor por acaso não estava lá fora ainda há pouquinho?
Acha que eu podia simplesmente ficar ali e convencer aquela viga a não
esmagar o crânio do Bryce?
- Claro que não. Só estou querendo dizer que, se você tentasse demonstrar
um pouco de compaixão...
- Caramba! Eu tenho muita compaixão, padre. Meu coração ficou partido
com a história dessa garota, realmente ficou. Mas este aqui é o meu
colégio, entende? O meu colégio. Não o dela. Não é mais. Ela tomou uma
decisão e agora tem que agüentar as conseqüências. E eu não vou permitir
que ela leve o Bryce ou quem quer que seja com ela.
Padre Dominic pareceu cético:
- Bem, se está tão segura assim...
- Estou segura, sim - respondi, quase saltando por cima da escrivaninha. -
Deixe comigo, está bem?
Padre Dominic concordou, mas sem muita convicção, deu para ver.
Precisei que ele me desse um passe por escrito, para poder voltar à sala de
aula sem ser interceptada no corredor por uma das freiras. Eu estava
esperando que uma delas, uma noviça de cara murcha, acabasse de
examinar o passe, para poder passar para o corredor, quando uma porta
lateral onde estava escrito ENFERMARIA se abriu e lá de dentro saiu o
Bryce com o seu próprio passe.
- Ei! - não pude impedir-me de gritar. - Que aconteceu? Ela por acaso..
quer dizer, aconteceu mais alguma coisa? Você está ferido?
Ele deu um sorriso algo tímido:
- Não. Só esta farpa desgraçada que me entrou debaixo da unha. Estava
tentando me livrar de todas aquelas farpas que se agarraram à minha c alça
e uma delas entrou ali, e... - e ele mostrou a mão direita, com uma enorme
bandagem envolvendo o polegar.
- Eca! - fiz eu.
- É isso aí - disse ele, todo injuriado. - E ainda por cima ela usou mercúrio
cromo. Odeio esse troço.
- Cara! - disse eu. - Foi mesmo um dia de cão para você...
- Nem tanto assim - respondeu ele, baixando o polegar. - Pelo menos não
foi tão ruim quanto teria sido se você não estivesse lá. Se não fosse você,
eu estaria morto.
Ele percebeu que eu havia saído da sala do diretor e per guntou:
- Algum problema?
- Não - respondi. - Padre Dominic só queria que eu preenchesse uns
formulários. Sou nova aqui, você sabe.
- E como a aluna nova - interrompeu a noviça com severidade - deve ficar
sabendo que não é permitido ficar perambulando pelo s corredores. É
melhor vocês dois irem para suas salas.
Eu me desculpei e apanhei de volta o meu passe. Muito
cavalheirescamente, Bryce se ofereceu para me mostrar onde seria minha
próxima aula, e a noviça se afastou, aparentemente satisfeita. Quando já se
havia distanciado o bastante para não poder mais ouvir o que dizíamos,
Bryce disse:
- Você é a Suze, certo? O Jake me falou de você. Você é a meia -irmã dele
que chegou de Nova York.
- Exatamente - respondi. - E você é o Bryce Martinson.
- Ah, o Jake falou de mim?
Eu quase dei uma risada só de pensar no Soneca falando alguma coisa. E
expliquei:
- Não, não foi o Jake.
Ele fez um "Oh" tão decepcionado que quase senti pena dele.
- Aposto que as pessoas devem estar falando de mim, não?
- Um pouco - arrisquei. - Sinto muito pelo que aconteceu com a sua
namorada.
- Eu também, pode acreditar - disse ele, sem aparentar ter ficado
aborrecido porque eu mencionara o assunto. - Eu nem queria voltar
depois... você sabe. Tentei me transferir, mas não tinha vaga. Nem a esc ola
pública quis me receber. É muito difícil conseguir transferência faltando só
um semestre. Eu não teria voltado de jeito nenhum, só que... bem, você
sabe. As faculdades só aceitam quando você já concluiu o segundo grau.
Eu achei graça.
- Já ouvi falar.
- Seja como for...
Bryce percebeu que eu estava segurando meu casaco. E realmente eu o
estivera carregando o dia inteiro, já que não consegui usar o meu armário,
cuja porta não se abria por ter ficado muito amassada com o impacto do
corpo astral da Heather. Então ele perguntou:
- Quer que eu leve para você?
Fique tão apatetada com tanta gentileza que, sem nem pensar, fui dizendo
que sim e entregando o casaco. Ele o apanhou dobrado num dos braços e
disse:
- Quer dizer então que todo mundo deve estar me culpa ndo pelo que
aconteceu... Pelo que aconteceu à Heather.
- Não creio - respondi. - No máximo, as pessoas estão culpando a Heather
pelo que aconteceu com ela.
- Sei - disse Bryce -, mas estou querendo dizer que fui eu que a levei a isto,
sabe? O problema é este. Se eu não tivesse rompido com ela...
- Você se tem mesmo em muito alta conta, não é?
Ele foi apanhado de surpresa.
- Como?
- Bem, o fato de você deduzir que ela se matou porque você rompeu com
ela... Não acho que ela tenha se matado por isto. Ela se m atou porque
estava doente. E você não tinha nada a ver com o fato de ela estar assim. O
fato de você ter terminado com ela pode ter sido a gota d'água para o
colapso final, mas podia perfeitamente ter sido outro o motivo - o divórcio
dos pais dela, o fato de ela não ter sido escolhida chefe da torcida, a morte
do gato... Qualquer coisa. Portanto, tente não ser tão duro consigo mesmo.
Tínhamos chegado à porta da minha sala: acho que era geometria, com
irmã Mary Catherine. Virei para ele e peguei de volta o m eu casaco.
- Bom, eu desço aqui. Obrigada.
Ele agarrou uma das mangas do meu casaco.
- Espera aí - disse, olhando-me firmemente. Era difícil ver seus olhos, pois
estava bem escuro na galeria, protegida como era do sol. Mas eu lembrava,
daquele momento em que havíamos caído juntos no chão, que seus olhos
eram azuis. De um azul muito lindo. - Espera um pouco - disse ele. -
Deixe-me levá-la para sair hoje à noite. Para agradecer por ter salvo a
minha vida e tudo mais.
- Obrigada - respondi, dando uma puxada no meu casaco - mas já tenho
planos para hoje à noite.
Eu só disse que meus planos envolviam sua pessoa de maneira bem íntima.
- Então amanhã à noite - insistiu ele, ainda agarrado ao meu casaco.
- Olha, eu não tenho permissão para sair à noite em dias de se mana - disse
eu.
Era a maior mentira. À parte o fato de ter sido levada para casa algumas
vezes pela polícia, estava implícito que minha mãe confiava em mim. Se
eu quisesse sair à noite num dia de semana, ela deixaria. O fato é que
nunca tínhamos falado desse assunto, pois nenhum cara tinha me
convidado para sair, fosse em dia de semana ou em qualquer outro.
Não que eu seja um horror ou algo assim. Posso não ser nenhuma Cindy
Crawford, mas também não sou um bagulho. Acho que no fundo o que
acontece é que eu sempre fui considerada meio esquisita em minha antiga
escola. É o que costuma acontecer com garotas que ficam falando sozinhas
e se metendo com a polícia.
Mas não me entendam mal. De vez em quando chegavam caras novos na
escola e eles mostravam interesse por mim... mas só até que alguém me
conhecesse passasse a eles as informações... Aí eles passavam a me evitar
como se eu fosse uma leprosa.
Garotos da Costa Leste. Não sabem de nada...
Mas agora eu tinha a oportunidade de começar tudo de novo, com toda
uma nova população de caras que não sabiam nada do meu passado - quer
dizer, exceto Soneca e Dunga, mas duvido que eles fossem dar com a
língua nos dentes, pois nenhum dos dois poderia ser considerado muito...
loquaz, por assim dizer.
Seja como for, o fato é que nenhum dos dois havia entrado em
contato com Bryce, pois logo em seguida ele insistiu:
- Então no fim de semana. O que você vai fazer no sábado à noite?
Eu não estava certa de que fosse lá uma idéia tão boa assim me envolver
com um cra cuja falecida namorada estava tentando matá-lo. E se ela
descobrisse e ficasse ressentida comigo? Eu podia apostar que o padre
Dominic não ia achar muito legal eu estar saindo com o Bryce
Mas por outro lado, quantas vezes uma garota como eu é convidada para
sair por um cara sensacional como Bryce Martinson?
- OK - concordei. - No sábado. Me pega às sete?
Ele deu um sorriso. Tinha dentes lindos, brancos e regulares.
- Às sete - confirmou, largando o meu casaco. - Até lá. Se não antes...
- Até lá, então - disse eu, com a mão na porta da classe de geometria da
irmã Mary Catherine. - Ah, sim, Bryce!
Ele já estava seguindo para sua sala pela galeria.
- Sim...
- Cuidado onde passa...
Acho que ele piscou para mim, mas era difícil dizer na sombra.

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