terça-feira, 12 de julho de 2011

A Mediadora - Terra das Sombras - Meg Cabot Cap.1



Disseram que lá havia palmeiras.
Eu não acreditei, mas foi o que me disseram. Disseram que já do
avião eu poderia vê-las.
Eu sei perfeitamente que o sul da Califórnia há palmeiras. Não custa
lembrar que não sou uma pateta completa. Eu assistia Barrados no baile e
tudo. Mas era para o norte da Califórnia. Pois se a minha mãe tinha dito
para eu não dar os meus suéteres...
- Não, senhora - disse ela.- Você precisa deles. Das suas capas
também. Lá pode fazer frio. Talvez não como em Nova York, mas bem
friozinho.
Por isso é que eu estava usando minha jaqueta de couro preto no
avião. Provavelmente poderia tê -la mandado com o resto da minha
mudança, mas acho que eu me sentia melhor com ela no corpo.
De modo que lá estava eu naquele avião, com uma jaqueta de
motoqueira, vendo as palmeiras pela janela ao aterrissar. E pensei: genial.
Jaqueta de couro e palmeiras. Não podia estar acertando mais, exatamente
como achava que ia mesmo...
...Para não dizer o contrário.
Minha mãe não gosta muito da minha jaqueta de couro, mas eu juro
que não a vesti para deixá-la furiosa, ou algo assim. Não fiquei aborrecida
com o fato de ela ter decidido se casar com um sujeito que vive a 4.800
quilômetros de distância, me obrigando a sair do colégio no meio do
segundo ano; a abandonar a melhor - no fundo, a única- amiga que tive
desde o jardim de infância; a deixar a cidade onde vivi todos os meus 16
anos.
Não mesmo. Não fiquei nada aborrecida.
Pois o fato é que eu realmente gosto do Andy, meu novo padrasto.
Ele é bom para a minha mãe. Ele a deixa feliz. E é superbonzinho comigo.
Essa história de mudar para a Califórnia é que me deixou meio fora de
esquadro.
E acho até que ainda nem falei dos três filhos de Andy.
Estavam todos lá para me recebe r quando desci do avião. Minha
mãe, Andy e os três filhos dele. Soneca, Dunga e Mestre. É como eu os
chamo. São os meus novos meios -irmãos.
- Suze!
Mesmo se eu não tivesse ouvido minha mãe berrando meu nome
quando passei pelo portão, não tinha como deixar de vê-los - minha nova
família. Andy fazia os dois menores segurarem aquele enorme cartaz
dizendo “Seja bem-vinda Suzannah!”. Todos os passageiros que saiam do
aviao passavam por ali e ficavam dizendo ”Olha so que gracinha!” e
sorrindo para mim com aquele olhar enjoativo.
É isso aí. Não podia mesmo estar acertando mais. Estou acertando
horrores.
- Tudo bem - fui dizendo, enquanto me aproximava depressinha da minha
nova família.
- Agora podem abaixar isso aí.
Mas a minha mãe estava preocupada demais em me a braçar para prestar
atencao. Ficava me dizendo: “Minha Suzinha!” Eu odeio quando alguem
que não seja minha mãe me chama de Suzinha, de modo que fui logo
tratando de fulminar os garotos com um olhar bem malvado, para que não
alimentassem qualquer esperança. Eles ficavam só rindo para mim por
cima daquele cartaz imbecil, Dunga por ser boboca demais, Mestre
porque... bem, ele até que podia estar contente mesmo por me ver. O
Mestre tem dessas esquisitices. Soneca, o mais velho, ficava lá parado,
com ar de... de sono, ora.
- Como foi a viagem, guria?
Andy tirou a mochila do meu ombro e botou no dele. Visivelmente,
estranhou o peso:
- Uau! O que é que você está trazendo aqui? Não sabia que é considerado
crime contrabandear hidrantes de Nova York para outros estado s?
Eu sorri para ele. Andy é aquele tipo de pateta grandalhão, mas é um pateta
legal. Não podia ter a menor idéia do que é crime no estado de Nova York,
pois só esteve lá umas cinco vezes. E por sinal foi suficiente para
convencer minha mãe a se casar com ele.
- Não é um hidrante – eu disse. – É um paquímetro. E ainda tenho mais
quatro malas.
- Quatro? – Andy fingiu que estava espantado. – Você por acaso pensa que
está fazendo uma mudança?
Não sei se já disse que o Andy se acha o maior comediante? Só que nã o é.
Ele é carpinteiro.
- Suze – disse Mestre, todo entusiasmado. – Você reparou que na
aterrissagem a cauda do avião sacudiu um pouco? Foi uma corrente de ar
ascendente. Acontece quando uma massa de ar que se move em grande
velocidade vai de encontro a uma contracorrente de vento com velocidade
igual ou maior.
Mestre, o filho menor do Andy, tem 12 anos, mas parece que tem uns 40.
Na festa de casamento, ficou quase o tempo todo me falando de mutilação
de cabeças de gado importadas, e que a tal da Área 51 n ão passa de uma
grande farsa do governo americano, que não quer que a gente saiba que
“nao estamos sos” neste universo...
- Puxa, Suzinha – minha mãe repetia. – Estou tão feliz por você ter vindo.
Você vai adorar a casa. No início não parecia que era a nos sa casa, mas
agora que você está aqui... E espere só até ver o seu quarto. Andy deixou -o
uma gracinha...
Antes de se casarem, Andy e minha mãe passaram semanas
procurando uma casa que tivesse pelo menos um quarto para cada filho.
Finalmente se decidiram por aquela enorme casa na colina de Carmel, que
só puderam comprar porque estava em um estado lamentável, e a firma de
construção para a qual o Andy costuma trabalhar a reformou por um preço
supercamarada. Há dias minha mãe vinha falando sobre o meu quarto, que
ela jura ser o mais bonito da casa.
- Que vista! – dizia ela a toda hora. – A sacada do seu quarto dá pra ver o
mar! Puxa, Suze, você vai adorar.
Eu sabia mesmo que ia adorar. Exatamente como adoraria trocar o bagel de
Nova York por brotos de alfafa, o metrô pelas pranchas de surfe e tudo o
mais.
Não sei bem como nem por que, mas Dunga conseguiu abrir aquela boca e
perguntou com aquela voz abobalhada:
- Gostou do cartaz?
Nem consigo acreditar que ele tem a mesma idade que eu. Mas não
dava mesmo para esperar outra coisa: ele está na equipe de luta livre. A
única coisa em que consegue pensar, pelo que pude perceber quando tive
que ficar sentada a seu lado na festa de casamento (fiquei sentada entre ele
e o Mestre, dá para sentir como a coisa fluiu), é em chaves-de-pescoço e
shakes de proteína para ganhar massa muscular.
- É mesmo, grande cartaz – respondi, arrancando-o das suas manoplas e
virando-o de cabeça para baixo para ninguém mais ler os dizeres.
– Podemos ir agora? Quero pegar minhas malas antes qu e alguém
tenha a mesma idéia.
- Claro, claro – disse minha mamãe, dando-me um último abraço.
– Puxa, estou tão contente de te ver! Você está tão bem...
Foi então que ela disse, embora estivesse na cara que não queria dizer, mas
disse mesmo assim, baixinho, para ninguém mais ouvir:
- Pensei que já tivesse falado com você sobre a jaqueta, Suze. Eu achei que
você tinha jogado esses jeans fora.
Eu estava usando meus jeans mais velhos, os que são furados nos joelhos.
Combinação dos jeans e botas com minha jaque ta preta de motoqueira e
minha mochila das forças armadas me faziam parecer uma adolescente
rebelde fugindo de casa num filme de TV.

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