segunda-feira, 18 de julho de 2011

A Mediadora - O Arcano Nove - Meg Cabot - Capitulo 15


Largada com quase tanta cerimônia quanto um jornal enrolado numa manhã de
domingo, subi a entrada de veículos. Tinha sentido um pouco de medo de Marcus
mudar de idéia quanto a não fazer uma denúncia que nossa casa estivesse cercada de policiais que viriam me pegar por ter agredido o Sr. B eaumont.
Mas ninguém pulou em cima de mim saindo de trás dos arbustos com a arma
apontada, o que era bom sinal.
Assim que entrei, minha mãe partiu para cima, querendo saber como tinha sido
na casa dos Beaumont. O que tínhamos comido no jantar? Como era a decoração?
Tad tinha me convidado ao baile de formatura?
Eu me declarei com sono demais para falar e fui direto para o quarto. Só
conseguia pensar em como, diabos, provaria ao mundo que Red Beaumont era um assassino de sangue frio.
Bem, certo, talvez não de sangue frio, já que evidentemente sentia remorso
pelo que tinha feito. Mas mesmo assim era um assassino.
Eu tinha esquecido, claro, de meu novo colega de quarto. Quando me
aproximei da porta, vi Max sentado na frente dela, com a língua enorme pendendo.
Havia marcas de arranhado em toda a porta, onde ele ha via tentado entrar a unhadas.
Acho que o fato de haver um gato lá dentro era mais forte do que o de haver também um fantasma.
- Cachorro mau! - falei quando vi os arranhões.
Instantaneamente a porta de Mestre, do outro lado do corredor, se abriu.
- Você está com um gato aí dentro? - perguntou, mas não como uma acusação.
Mais como se estivesse realmente interessado, de um ponto de vista científico.
- Hmm. Talvez.
-Ah. Eu estava pensando nisso. Porque geralmente Max, você sabe, fica longe
do seu quarto. Você sabe por quê.
Mestre arregalou os olhos significativamente. Quando me mudei para cá, ele
tinha se oferecido cheio de cavalheirismo para trocar de quarto comigo, já que o meu, pelo que ele observou, tinha um ponto frio nítido, indicação clara de que era cen tro de atividade paranormal. Mesmo optando por ficar com o quarto, fiquei impressionada com o sacrifício pessoal de Mestre. Seus dois irmãos mais velhos certamente não seriam tão generosos.
- É só por uma noite - garanti. - O gato, quero dizer.
- Ah. Bem, isso é bom. Porque você sabe que Brad sofre de uma reação
alérgica a caspa de gato. Os alergênicos, ou as substâncias que produzem alergia,
causam a liberação da histamina, um composto orgânico responsável pelos sintomas alérgicos. Há uma variedade de aler gênicos, como os de contato - como sumagre venenoso - ou os que são transportados pelo ar, como a sensibilidade de Brad a caspa de gato. O tratamento padrão, claro, é evitar, se possível, o alergênico.
Pisquei para ele.
- Vou lembrar disso.
Mestre sorriu.
- Ótimo. Bem, boa noite. Venha, Max.
Ele arrastou o cachorro para longe e eu entrei no meu quarto.
E descobri que o novo colega tinha fugido da cadeia. Spike tinha sumido e a
janela aberta indicava como ele havia escapado.
- Jesse - murmurei.
Jesse vivia abrindo e fechando minha janela. Eu a abria à noite e descobria de
manhã que estava fechada. Em geral eu apreciava isso, porque a névoa da manhã que vinha da baía costumava ser gélida.
Mas agora suas boas intenções tinham resultado na fuga de Spike.
Bem, eu não iria procurar aquele gato estúpido. Se ele quisesse voltar, sabia o
caminho. Se não, eu achei que tinha cumprido com meu dever, pelo menos com
relação a Timothy.
Tinha achado seu bichinho desgraçado e o trazido para a segurança. Se aquela
coisa estúpida se recusava a ficar, isso não era problema meu.
Estava me preparando para entrar na banheira quente, soltando fumaça - penso
melhor submersa em água com sabão - quando o telefone tocou. Não atendi, claro, porque o telefone quase nunca toca para mim. Em geral é Debbie Mancuso – apesar dos protestos de Dunga, de que os dois não estavam namorando - ou uma dentre a multidão de garotas cheias de risinhos que ligavam procurando Soneca... que nunca estava em casa devido à sua exaustiva programação de entregas d e pizza.
Mas dessa vez eu ouvi minha mãe gritar escada acima que era o padre Dominic,
para falar comigo. Mamãe, apesar do que você possa pensar, não considera nem um pouco estranho eu viver recebendo telefonemas do diretor da escola. Graças a eu ser vice-presidente da turma e chefe do comitê para a Restauração da Cabeça de Junipero Serra, na verdade há alguns motivos completamente inócuos para o diretor querer me ligar.
Mas o padre Dom nunca me liga para discutir qualquer coisa remotamente
relacionada à escola. Só telefona quando quer pegar no meu pé por causa de alguma coisa relativa à mediação.
Antes que eu atendesse pela extensão do meu quarto, me perguntei - irritada, já
que estava usando apenas uma toalha e suspeitava de que a água do banho estaria fria quando finalmente eu entrasse nela - o que tinha feito dessa vez.
E então, como se eu já tivesse entrado na banheira e descoberto que ela estava
gelada, arrepios subiram pelas minhas costas.
Jesse. Minha discussão apressada com Jesse antes de ir para a ca sa de Tad.
Jesse tinha ido procurar o padre Dominic.
Não, ele não teria feito isso. Eu disse para não fazer. A não ser que eu não
estivesse de volta até a meia-noite. E eu tinha chegado em casa às dez. Antes, até.
Quinze para as dez.
Não podia ser isso, disse a mim mesma. Não podia ser. O padre Dominic não
sabia sobre Jesse. Não sabia de nada.
Mesmo assim, quando falei alô, estava hesitante.
A voz do padre Dominic saiu calorosa.
- Ah, olá, Suzannah - falou num jorro. - Desculpe ligar tão tarde, só que eu
precisava discutir a reunião do conselho de estudantes de ontem com você...
- Tudo bem, padre Dom, mamãe desligou o telefone lá de baixo.
A voz do padre Dominic mudou completamente. Não era mais calorosa. Na
verdade era muito indignada.
- Suzannah! Por mais que eu aprecie saber que você está bem, gostaria de saber
quando você pretendia me contar sobre esse tal de Jesse, se é que ia contar.
Epa.
- Ele disse que está morando no seu quarto desde que você se mudou para a
Califórnia há várias semanas e que durante todo esse tempo você tinha perfeita
consciência desse fato.
Tive de afastar o telefone do ouvido. Eu sempre soubera, claro, que o padre
Dominic ficaria furioso ao descobrir sobre Jesse. Mas não imaginava que fosse pirar tanto.
- É a coisa mais ultrajante que eu já ouvi. - O padre Dom estava realmente
pegando pesado. - O que sua pobre mãe diria se soubesse? Simplesmente não sei o que vou fazer com você, Suzannah. Pensei que você e eu tínhamos estabelecido uma certa confiança no nosso relacionamento, mas este tempo todo você vinha mantendo o tal de Jesse em segredo...
Felizmente naquele momento o sinal de chamada em espera soou. Falei:
- Ah, dá pra esperar um minuto, padre Dom?
Enquanto apertava o botão para receber a chamada, ouvi - o dizer:
- Não me ponha na espera enquanto estou falando com você, mocinha...
Eu esperava que Debbie Mancuso estivesse na outra linha, mas, para minha
surpresa, era Cee Cee.
- Ei, Suze - disse ela. - Andei fazendo mais algumas pesquisas sobre o pai do
seu namorado...
- Ele não é meu namorado - falei automaticamente. Ainda mais agora.
- É, certo, seu futuro namorado, então. De qualquer modo, achei que você se
interessaria em saber que depois que a mulher dele, a mãe de Tad, morreu há dez
anos, as coisas realmente começaram a despenca r morro abaixo para o Sr. Beaumont.
Levantei as sobrancelhas.
- Morro abaixo? Tipo o quê? Não financeiramente. Quero dizer, se você visse
onde eles moram...
- Não, não financeiramente. Quero dizer que depois de ela ter morrido (câncer
no seio, diagnosticado tarde demais; não se preocupe, ninguém a matou) o Sr.
Beaumont meio que perdeu o interesse por todas as suas muitas empresas e começou a se isolar.
Ahá. Provavelmente foi quando começou sua "desordem".
- Mas aqui está a parte realmente interessante - disse Cee Cee. Eu podia ouvi-la
batucando no teclado. - Foi mais ou menos nessa época que Red Beaumont repassou quase todas as responsabilidades para o irmão.
- Irmão?
- É. Marcus Beaumont.
Fiquei genuinamente surpresa. Marcus era irmão do Sr. Beaumont? Eu t inha
achado que ele era um mero lacaio. Mas não. Era o tio de Tad.
- É o que diz. O Sr. Beaumont, o pai de Tad, ainda é a figura de proa, mas esse
outro Sr. Beaumont é quem realmente comanda as coisas nos últimos dez anos.
Congelei.
Ah, meu Deus. Será que eu entendi errado?
Talvez não tivesse sido o Sr. Beaumont que matou a Sra. Fiske. Talvez tivesse
sido Marcus. O outro Sr. Beaumont.
O Sr. Beaumont matou a senhora? - foi o que eu perguntei à Sra. Fiske. E ela
disse que sim. Mas para ela o Sr. Beaumont poderia ter sido Marcus e não o coitado do aspirante a vampiro Red Beaumont.
Não, espera. O pai de Tad tinha me dito na bucha que lamentava ter matado
todas aquelas pessoas. Que sua motivação para me convidar tinha sido essa o tempo todo: ele esperava que eu o ajudasse a se comunicar com suas vítimas.
Mas o pai de Tad tinha claramente alguns parafusos a menos. Não acreditava
que ele pudesse ter matado uma barata, quanto mais um ser humano.
Não, quem quer que tivesse matado a Sra. Fiske e aquelas outras pessoas tinha
inteligência suficiente para cobrir os próprios rastros... e o pai de Tad não era nenhum Daniel Boone, vou lhe contar.
O irmão dele, por outro lado...
- Eu estou tendo uma sensação bem estranha com isso tudo - estava dizendo
Cee Cee. - Quero dizer, sei que nós não podemos provar nada. E, apesar do que
Adam diz, é muito improvável que qualquer contribuição de minha tia Pru seja
aceitável no tribunal. Mas acho que temos uma obrigação moral...
O sinal de ligação em espera soou de novo. O padre Dom. Eu tinha esquecido
do padre Dom. Ele havia desligado em fúria e estava ligando de volta.
- Cee Cee - falei, ainda me sentindo meio atordoada. - A gente fala amanhã
sobre isso na escola, certo?
- Certo. Mas só quero dizer, você sabe, Suze, acho que a gente esbarrou numa
coisa grande.
Grande? Experimente formidolosa. Mas não era o padre Dominic na outra
linha, como descobri depois de apertar o botão. Era Tad.
- Sue? - disse ele. Ainda parecia meio grogue.
E ainda parecia ter apenas uma leve idéia de qual era o me u nome.
- Hmm, oi, Tad.
- Sue, eu sinto muito. - Tonteira à parte, ele parecia sincero. - Não sei o que
aconteceu. Acho que eu estava mais cansado do que pensei. Você sabe, nos treinos eles pegam muito pesado com a gente e algumas noites eu apago antes dos outros...
É, disse comigo mesma. Aposto que sim.
- Não se preocupe - falei. Tad tinha muito mais coisas com que se preocupar do
que com cair no sono durante um encontro.
- Mas eu quero compensar - insistiu ele. - Por favor, deixa eu compensar. O
que você vai fazer no sábado à noite?
Sábado à noite? Esqueci tudo sobre esse cara ser parente de um possível
assassino em série. O que isso importava? Ele estava me convidando para sair. Um encontro. Um encontro de verdade. No sábado à noite. Visões de luz de vela e beijos de língua dançaram na minha cabeça. Eu mal podia falar, de tão lisonjeada.
- Eu tenho um jogo - continuou Tad - mas achei que você poderia me ver jogar,
e depois a gente poderia ir comer uma pizza com o resto dos caras ou alguma coisa assim.
Minha empolgação teve uma mortezinha rápida.
Será que ele estava brincando? Queria que eu fosse vê -lo jogar basquete?
Depois ir com ele e o resto do time? Comer pizza! Eu nem era digna de um
hambúrguer? Puxa, nesse ponto eu aceitaria até um croquete, cara.
- Sue - disse Tad quando eu não falei nada imediatamente. - Você não está com
raiva de mim, está? Quero dizer, eu realmente não pretendia dormir na sua frente.
O que eu estava pensando, afinal? A coisa nunca daria certo entre nós. Quero
dizer, eu sou uma mediadora. O pai dele é um vampiro. O tio dele um assassino. E se a gente se casasse? Imagine como nossos filhos iriam sair... Confusos. Muito confusos.
Meio tipo Tad.
- Não é que você estivesse me chateando nem nada - continuou ele. - Verdade.
Bem, quero dizer, aquela coisa que você estava falando era meio chata, o negócio da estátua com a cabeça que precisava ser colada de volta. A história, quero dizer. Mas você não. Você não é chata, Susan. Não foi por isso que eu caí no sono, juro.
- Tad - falei, irritada por quantas vezes ele tinha sentido necessidade de garantir
que eu não o havia chateado, sinal claro de que tinha sido chata a ponto de apagá -lo, e, claro, pelo fato de que ele não conseguia lembrar meu nome. - Cresça.
- O que você quer dizer?
- Quero dizer que você não caiu no sono, certo? Você apagou porque seu pai
colocou Seconal ou alguma coisa assim no seu café.
Certo, talvez esse não fosse o modo mais diplomático de dizer ao cara que o
pai dele precisava aumentar a potência dos remédios. Mas, epa, ni nguém vai ficar me acusando de ser chata. Ninguém.
Além disso, você não acha que ele tinha o direito de saber?
- Sue - disse ele depois de um momento. A dor latejava em sua voz. - Por que
você está dizendo uma coisa assim?
- Quero dizer, como é que você pode ao menos pensar isso?
Acho que eu não podia culpar o pobre coitado. Era bem difícil acreditar. A não
ser que você tivesse visto do modo íntimo e pessoal como eu vi.
- Tad. Estou falando sério. Seu velho... o phaser dele parece ajustado
permanentemente em "atordoar", se é que você está me sacando.
- Não - disse Tad meio carrancudo (pelo menos eu achei). - Não sei o que você
está falando.
- Tad... Qual é? O cara acha que é vampiro.
- Não acha! - Eu percebi que Tad estava enfiado até as axilas numa tremenda
negação. - Você está doida!
Decidi mostrar a Tad até que ponto eu estava doida.
- Sem ofender, meu chapa, mas na próxima vez em que você estiver colocando
um desses seus cordões de ouro, pode se perguntar de onde veio o dinheiro para
pagar por ele. Ou melhor ainda, por que não pergunta ao seu tio Marcus?
- Talvez eu pergunte.
- Talvez você devesse mesmo.
- Então vou perguntar.
- Ótimo, então faça isso.
Bati o telefone. Depois fiquei ali sentada, olhando para ele.
Que diabos eu tinha acabado de fazer?

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