Ahn - falei. - É.
Era difícil dizer, porque estava escuro demais no cômodo, mas o homem atrás
da mesa parecia ter mais ou menos a idade do meu padrasto. Uns quarenta e cinco.
Estava usando suéter sobre uma camisa abotoada, meio como Bill Gates sempre usa. Tinha cabelos castanhos obviamente ficando ralos. Cee Cee estava certa: sem dúvida ele não era ruivo.
E nem de longe tão bonito quanto o filho.
- Sente-se - disse o Sr. Beaumont. - Sente-se. É um prazer enorme vê-la. Tad
me falou muito sobre você.
É, certo. Imaginei o que ele diria se eu observasse que Tad nem sabia o meu
nome. Mas como eu ainda estava fazendo o papel da repórter concentra da, sorri
enquanto me acomodava na confortável poltrona de couro diante de sua mesa.
- Gostaria de tomar alguma coisa? - perguntou o Sr. Beaumont. - Chá? Limonada?
Ah, não, obrigada. - Era difícil não olhar para o aquário atrás dele. Era
montado na parede, quase preenchendo-a inteiramente, e estava cheio de todo tipo de peixe colorido que se possa imaginar. Havia luzes engastadas na areia do fundo, que lançavam um brilho estranho, aquático, na sala. O rosto do Sr. Beaumont, com aquela luz ondulada, parecia meio tipo Grand Moff Tarkin. Você sabe, na cena final da batalha pela Estrela da Morte.
Não quero dar trabalho para o senhor - falei em resposta à pergunta sobre a
bebida.
Ah, não é problema. Yoshi pode trazer para você. – O Sr. Beaumont pegou o
telefone no centro de sua gigantesca mesa de aparência vitoriana. - Posso pedir que ele traga alguma coisa?
Sério - falei. - Eu estou bem. - E então cruzei as pernas porque ainda estava
congelando de quando tinha ficado lá fora perto da guarita.
Ah, mas você está com frio - disse o Sr. Beaumont. - Aqui, deixe-me acender a
lareira.
-Não. Sério. Está tudo... bem...
Minha voz ficou no ar. O Sr. Beaumont não tinha se levantado, como Andy
teria feito, ido até a lareira, enfiado pedaços de jornal debaixo de alguns pedaços de lenha, acendido a coisa e depois passado a meia hora seguinte soprando e xingando.
Em vez disso levantou um controle remoto, apertou um botão e de repente
havia um fogo gostoso aceso na lareira de mármore preto. Eu senti o calor
imediatamente.
- Uau - falei. - Sem dúvida isso é... conveniente.
- Não é mesmo? - O Sr. Beaumont sorriu para mim. Por algum motivo ficou
olhando a cruz no meu pescoço. – Eu nunca gostei de acender lareiras. É uma
bagunça. Nunca fui um bom escoteiro.
- Ha, ha - falei. O único modo de isso ficar mais esquisito, pensei, seria ele ter
a cabeça da dona morta no gelo em algum lugar do porão, pronta para ser
transplantada no corpo de Cindy Crawford assim que ele se tornar disponível.
- Bem, se é que posso ir direto ao ponto, Sr. Beaumont...
- Claro. As dez pessoas mais influentes em Carmel, não é? E qual é o meu
número? O um, espero.
Ele sorriu ainda mais para mim. Eu sorri de volta. Odeio admitir, mas esta é
sempre minha parte predileta. Há definitivamente alguma coisa errada comigo.
- Na verdade, Sr. Beaumont, eu não estou aqui realmente para fazer uma
matéria para o jornal da escola. Estou porque alguém pediu para eu lhe dar uma
mensagem, e esse foi o único modo em que eu consegui pensar. O senhor é uma
pessoa muito difícil de contatar, sabe?
Seu sorriso não tinha hesitado enquanto eu disse que estava ali usando
argumentos falsos. Talvez ele tivesse apertado algum botão secreto debaixo da mesa, chamando a segurança. Mas se fez isso, eu não vi. Ele cruzou os dedos debaixo do queixo e, ainda olhando minha cruz de ouro, falou cheio de expectativa: - Sim?
- A mensagem - falei me empertigando - é de uma mulher (desculpe, eu não
peguei o nome dela) que por acaso está morta.
Não houve absolutamente qualquer mudança na expressão dele. Obviamente,
decidi, era um mestre em esconder as emoções.
- Ela pediu para eu dizer - continuei - que o senhor não a matou. Ela não o
culpa. E quer que o senhor pare de se culpar.
Isso provocou uma reação. Ele descruzou rapidamente os dedos, depois pôs as
mãos chapadas sobre a mesa e me encarou com um olhar de fascínio absoluto.
- Ela disse isso? - perguntou ele ansioso. - Uma morta?
Encarei-o inquieta. Essa não era bem a reação à qual eu estava acostumada
quando dava mensagens como a que tinha acabado de dar. Algumas lágrim as seriam uma coisa boa. Um ofegar de perplexidade. Mas não esse - vamos encarar os fatos - tipo de interesse doentio.
- É - falei me levantando.
Não era só que o Sr. Beaumont e seu olhar amedrontador estivessem-me
deixando pirada. E não era o aviso de papai ressoando nos ouvidos. Meus instintos de mediadora estavam dizendo para dar no pé. Agora. E quando meus instintos dizem para fazer alguma coisa, em geral eu obedeço. Por longa experiência, sei que isso é benéfico para a minha saúde.
- Certo - falei. - Tchau.
Virei-me e voltei para o elevador. Mas quando puxei a maçaneta, ela não se
mexeu.
- Onde você viu essa mulher? - a voz do Sr. Beaumont, atrás de mim, estava
cheia de curiosidade. - Essa defunta.
- Eu tive um sonho com ela, certo? - falei, continuando a puxar inutilmente a
porta. - Ela apareceu num sonho. Para ela era realmente importante que o senhor
soubesse que ela não o considera responsável por nada. E agora que cumpri com meu dever, o senhor se incomodaria se eu fosse embora?
Falei com minha mãe que estaria em casa por volta das nove.
Mas o Sr. Beaumont não soltou a porta do elevador. Em vez disso falou numa
voz meditativa:
- Você sonhou com ela? Os mortos falam com você nos sonhos? Você é
paranormal?
Droga, falei comigo mesma. Eu deveria saber.
Esse cara era um daqueles da Nova Era. Provavelmente tinha um tanque de
privação sensorial no quarto e queimava velas de aromaterapia no banheiro e tinha um pequeno cômodo secreto dedicado ao estudo de extraterrestres em algum lugar da casa.
- É - falei, uma vez que já tinha cavado o buraco. Achei que podia muito bem
entrar nele agora. - É, eu sou paranormal.
Faça com que ele continue falando, disse a mim mesma. Faça com que ele
continue falando enquanto você acha outra saída. Comecei a ir para uma das janelas escondidas atrás das vastas cortinas de veludo.
- Mas olha, eu não posso dizer mais nada, certo? Eu só tive um sonho. Com
alguém que parece ter sido uma dona muito boa. É uma pena ela estar morta e coisa e tal. Quem ela era, afinal de contas? Sua... hmm... mulher?
Na palavra mulher eu abri a cortina, esperando achar uma janela através da
qual eu pudesse passar o pé e depois pular para a segurança. Não é grande coisa.
Tinha feito isso cem vezes antes.
E havia uma janela, certo. Uma janela de três metros e mei o com montes de
painéis de vidro, recuados uns trinta centímetros, pelo menos, num belo caixilho
trabalhado.
Mas alguém tinha fechado os postigos - você sabe, os que ficam do lado de
fora da casa e que em geral são principalmente decorativos. Bem fechado. Nem um raio de sol poderia penetrar naquelas coisas.
Deve ser tremendamente empolgante - estava dizendo o Sr. Beaumont atrás de
mim enquanto eu olhava para os postigos, imaginando se iriam se abrir caso eu os chutasse com força. Mas quem sabia que tipo de queda haveria abaixo deles?
Poderiam ser uns quinze metros, sei lá. Eu tinha dado alguns saltos perigosos na vida, mas em geral sabia onde estava pulando antes de ir com tudo.
Ser paranormal, quero dizer - continuou o pai de Tad.
- Será que você se incomodaria em fazer contato com outras pessoas falecidas
que eu conheço? Há alguns indivíduos com quem eu gostaria muito de falar.
A coisa não funciona assim. - Soltei aquelas cortinas e fui até a próxima janela.
A mesma coisa. A janela tinha postigos completamente fechados. Nem mesmo
uma fresta por onde a luz do sol pudesse passar. De fato eles pareciam quase
pregados.
Mas isso era ridículo. Quem pregaria postigos sobre as janelas? Especialmente
com o tipo de vista para o mar que eu tinha certeza que a casa do Sr. Beaumont
possuía.
- Ah, mas sem dúvida, se você se concentrasse de verdade - a voz agradável do
Sr. Beaumont me acompanhou enquanto eu ia até a próxima janela - poderia se
comunicar só com mais alguns. Quero dizer, você já teve sucesso com uma. O que são mais alguns? Eu pagaria, claro.
Não pude acreditar. Cada uma das janelas estava com os postigos fechados.
- Hmm - falei enquanto chegava à última janela e descobria que também tinha
postigos fechados. - O senhor tem um pouco de agorafobia?
Finalmente o Sr. Beaumont pareceu ter notado o que eu estava fazendo, porque
disse casualmente.
- Ah, isso. É. Eu sou sensível à luz do sol. É ruim para a pele.
Ah, tudo bem. O cara era pirado mesmo.
Só havia uma outra porta na sala e ficava atrás do Sr. Beaumont, perto do
aquário. Eu não me sentia exatamente empolgada com a idéia de chegar perto do cara, por isso voltei à porta do elevador.
- Olha, por favor pode destrancar isso para eu ir para casa? - Puxei a maçaneta,
tentando não deixar o medo transparecer. - Minha mãe é muito rígida e, se eu perder o toque de recolher ela... ela pode bater em mim.
Sei que isso era pegar meio pesado - especialmente se por acaso ele assistisse
ao noticiário local e visse mamãe fazendo uma de suas apresentações. Ela não é do tipo agressivo. Mas o negócio é que havia alguma coisa esquisita nele, eu realmente só queria dar no pé e não me importava como. Teria dito qualquer coisa para sair.
- Você acha que, se eu ficasse muito quieto - quis saber o Sr. Beaumont -,
poderia invocar de novo o espírito dessa mulher para eu trocar uma palavra com ela?
- Não. Por favor, pode abrir esta porta?
- Você não imagina o que ela quis dizer? Bem, ela pediu para você me dizer para
não me culpar pela sua morte.
Como se, de algum modo, eu fosse responsável por matá -la. Isso não faz você
pensar um pouco, Srta. Simon? Quero dizer, sobre se eu poderia ou não ser um...
Nesse momento, para meu absoluto alívio, a maçaneta do elevador girou na
minha mão. Mas não porque o Sr. Beaumont a tivesse liberado. Não, por acaso que alguém estava saindo do elevador.
- Olá - disse um homem louro, muito mais novo do que o Sr. Beaumont e
vestido com terno e gravata. - O que temos aqui?
- Esta é a Srta. Simon, Marcus - disse o Sr. Beaumont, todo animado. - Ela é
paranormal.
Por algum motivo Marcus também ficou olhando para o meu colar. Não tanto
para o colar, mas para toda a área do pescoço.
- Paranormal, hein? - disse ele, com o olhar examinando a gola do meu suéter. -
- É isso que vocês dois estavam discutindo aqui? Yoshi disse alguma coisa so bre uma matéria de jornal...
- Ah, não. - O Sr. Beaumont balançou a mão como se quisesse descartar toda a
coisa do jornal. - Isso foi só uma coisa que ela inventou para que eu a recebesse e ela pudesse contar sobre o sonho. Um sonho bastante extraordinário, Marcus.
- Ela disse que sonhou que uma mulher lhe disse que eu não a matei. Não a
matei, Marcus. Não é interessante?
- Certamente. - Marcus segurou meu braço. - Bem, fico feliz por vocês dois
terem tido uma conversinha agradável.
- Agora acho que a Srta. Simon tem de ir.
- Ah, não - pela primeira vez o Sr. Beaumont se levantou atrás de sua mesa.
Notei que ele era bem alto. E estava usando calça de veludo cotelê verde. Verde!
Realmente, se você me perguntar, essa foi a coisa mais esquisita de todas.
- Nós só estávamos nos conhecendo - disse o Sr.Beaumont, em tom lamentoso.
- Eu disse a mamãe que chegaria em casa antes das nove - falei rapidamente a
Marcus.
Marcus não era idiota. Guiou-me direto para o elevador, dizendo ao Sr.
Beaumont: Teremos a Srta. Simon de volta em breve.
Espere. - O Sr. Beaumont começou a rodear sua mesa.
- Eu não tive chance de...
Mas Marcus pulou no elevador comigo e, me soltando, bateu a porta.
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