segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Mediadora - A Hora mais Sombria - cap 10

- Ah. - Ele piscou mais um pouco. - Sim. Claro. Bem, como eu dizia, estava
examinando as cartas que você me trouxe. Desde que você saiu da minha sala no outro
dia estive pensando no que você disse ... sobre Hector de Silva parece um tanto
improvável que um rapaz que escreveu de modo tão amoroso sobre a família
simplesmente fosse embora sem dizer uma palavra. E o fato de você ter encontrado as
cartas de Maria enterradas no quintal do que já foi uma pensão bem conhecida ... Bom,
devo dizer que, pensando mais, toda a coisa me pareceu extrem amente esquisita. Peguei
meu ditafone e estava fazendo algumas anotações para a sra. Lampbert digitar mais
tarde quando subitamente senti. .. bem, um arrepio. Como se alguém tivesse posto o ar -
condicionado no máximo. Mas posso garantir que a sra. Lampbert não faria isso.
Alguns dos nossos artefatos devem ser mantidos em climas atmosféricos altamente
controlados, e ela nunca ...
- Não era o ar -condicionado - falei em tom curto e grosso. Ele me olhou,
claramente espantado.
- Não. Não, não era. Porque um instante depois captei um cheiro levíssimo de
flor de laranjeira. E você sabe que Maria Diego era bem conhecida por usar água de
toalete com perfume de flor de laranjeira. Foi estranho demais. Porque um segundo
depois pude jurar que, por um momento ... - A expressão de seus olhos, por trás das
lentes grossas, ficou distante. - Bem, por um momento eu teria jurado que a vi. Só com
o canto do olho. Maria de Silva Diego ...
A expressão distante abandonou seus olhos. Quando me encarou em seguida o
olhar era afiado como laser.
- E então senti - disse ele numa voz muito controlada - uma dor lancinante,
subindo e descendo pelo braço. Eu sabia o que era, claro. Minha família sofre de doença
cardíaca congênita. Isso matou meu avo, você sabe, logo depois de ele ter seu livro
publicado. Mas, diferentemente dele, tenho sido extremamente diligente com a
alimentação e o regime de exercícios. Só podia ter sido o choque, você sabe, de ver ...
pelo menos de pensar ter visto ... algo que não era ... que não poderia ...
Ele parou, depois prosseguiu:
- Bem, tentei pegar o telefone para ligar imediatamente para 0911, mas ele ...
bem ... o telefone meio que ... pulou da minha mesa.
Só fiquei olhando-o. Precisava admitir que nesse ponto estava sentindo pena.
Quero dizer, ele fora assassinado, como o Jesse. E pela mesma mão. Bem, mais ou
menos.
- Não pude alcançá-lo - disse Clive com tristeza. - Quero dizer, o telefone. E
essa ... essa é a ultima coisa de que me lembro.Lambi os lábios.
- Clive, o que você estava dizendo? Ao telefone. Logo antes de vê -la. De ver
Maria de Silva?
- O que eu estava dizendo? Ah, claro. Estava dizendo que achava bom investigar
mais, parecia que o que você tinha sugerido, e aquilo em que meu avô sempre acreditou,
talvez pudesse ter algum mérito ...
Balancei a cabeça. Não dava para acreditar.
- Ela matou você - murmurei.
- Ah. - Clive não estava mais piscando nem repuxando a gravata -borboleta. Só
ficou ali parado, parecendo um espantalho de quem haviam arrancado o mastro. - É.
Acho que você poderia dizer isso. Mas só como uma figura de linguagem. Quero dizer,
afinal de contas, foi o choque. Mas não que ela...
- Para impedi-lo de contar a alguém o que eu falei. Apesar da dor de cabeça, eu
estava ficando furiosa outra vez. - E matou seu avô também, do mesmo modo.
Então Clive piscou, de modo interrogativo.
- Meu... meu avô? Você acha? Bem, devo dizer... bom, a morte dele foi bem
súbita, mas não houve sinal de... - Sua expressão mudou. - Ah. Ah. Sei. Você acha que
meu avô foi morto pelo fantasma d e Maria de Silva Diego para que ele não escrevesse
mais sobre sua teoria relativa ao desaparecimento do primo dela?
- É um modo de dizer. Ela não queria que ele contasse a verdade sobre o que aconteceu
com Jesse.
- Jesse? Quem é Jesse?
Nós dois quase pulamos ao ouvir uma batida na porta.
- Suze? - gritou meu padrasto. - Posso entrar? .
Numa lufada de agitação, Clive se desmaterializou Eu mandei entrar, e a porta se
abriu e Andy ficou ali parado, sem jeito. Ele nunca entra no meu quarto, a não ser,
ocasionalmente, para consertar coisas.
- Ah, Suze? Bem, você tem uma visita. O padre Dominic está ...
Andy não terminou porque o padre Dominic apareceu logo atrás dele.
Não posso realmente explicar por que fiz o que fiz. Não há outra explicação para
isso, além do simples fato de que, bem, nos seis meses em que o conheço, passei
realmente a sentir algo pelo velho.
De qualquer modo, ao vê-lo pulei do banco da janela, de modo totalmente
involuntário, e me joguei contra ele. O padre Dominic ficou um bocado surpres o com
essa demonstração explícita de emoção, já que normalmente sou um tanto reservada.
- Ah, padre D. - falei para a frente da camisa do padre Dominic. - Estou tão feliz
em ver o senhor.
E estava mesmo. Finalmente - finalmente - alguma normalidade retomava ao
meu mundo que parecia ter virado totalmente de cabeça para baixo nas ultimas 24
horas. O padre Dominic tinha voltado. O padre Dominic cuidaria de tudo. Sempre
cuidava. Só ficar ali abraçando -o e sentindo seu cheiro sacerdotal, que era de Woolite e,
mais levemente, do cigarro que tinha fumado escondido no carro, durante a vinda, senti
que tudo ia ficar bem.
- Ah - disse o padre Dominic. Dava para sentir sua voz reverberando dentro do
meu peito, junto com os pequenos ruídos que o estômago dele fazia a o digerir o que
quer que ele tivesse comido no café -da-manhã. - Minha nossa! - o padre Dominic me
deu tapinhas desajeitados no ombro.
Atrás de nós, ouvi Dunga dizer: - O que é que deu nela?
Andy mandou-o ticar quieto.- Ah, qual é - disse Dunga. - Ela não pode ainda estar perturbada por causa
daquele esqueleto estúpido que a gente achou. Quero dizer, esse tipo de coisa não
deveria incomodar a rainha do povo da noite.
Dunga interrompeu a frase com um grito de dor. Olhei em volta do ombro do
padre D. e vi Andy puxando o filho do meio pela orelha, corredor afora.
- Corta essa, pai! - berrava Dunga. - Ai! Pai, pára com isso!
Uma porta bateu. No fim do corredor, no quarto de Dunga, Andy estava citando
para ele a lei contra motins.
Soltei o padre D.
- O senhor andou fumando – falei.
- Só um pouquinho. - Ao ver minha expressão, ele deu de ombros, impotente. -
Bem, foi uma longa viagem dirigindo. E eu tinha certeza de que, quando chegasse aqui,
ia achar todos vocês assassinados nas camas. Você realmente tem o modo mais
alarmante de entrar em encrencas, Suzannah.
- Sei disso. - Suspirei e fui sentar no banco da janela, envolvendo um dos joelhos
com os braços. Estava com um agasalho de moletom e não tinha me incomodado em
passar maquiagem nem lavar o cabelo. D e que adiantaria?
O padre D. não pareceu notar minha aparência medonha.
Continuou, como se estivéssemos em sua sala, falando sobre levantamento de
verbas com o governo, para os alunos, ou algo completamente inócuo assim.
- Trouxe um pouco de água benta. Está no meu carro. Vou dizer a seu pai que
você me pediu para abençoar a casa, devido ... e ... à descoberta de ontem. Ele pode se
espantar por você estar subitamente abraçando a igreja, mas você terá de começar a
insistir em dar as graças na hora do janta r, ou talvez ate em freqüentar a missa de vez
em quando, para convencê-lo de sua sinceridade. Andei lendo um pouco sobre aqueles
dois, Maria de Silva e o tal de Diego, e eles eram bastante devotos. Assassinos, parece,
mas também carolas. Acho que ficarão b em relutantes em entrar numa casa que foi
santificada por um padre. - O padre Dominic me olhou, preocupado. - O que pode
acontecer quando você puser os pés fora desta casa é que me preocupa. No minuto em
que você ... santo Deus, Suzannah. - O padre Dominic parou e me olhou com
curiosidade. - O que aconteceu com sua testa?
Levantei a mão e toquei o hematoma sob o cabelo.
- Ah - falei, me encolhendo um pouco. O ferimento ainda estava dolorido. -
Nada. Olha, padre D ...
- Não diga que isso não é nada. - O padre Dominic deu um passo adiante e
depois respirou profundamente. - Suuzannah! Onde, em nome do céu, você conseguiu
esse machucado feio?
- Não é nada - falei, puxando o cabelo sobre os olhos. - É só uma pequena
demonstração da estima de Felix Diego.
- Esta marca não é bobagem - declarou o padre Dominic. - Suzannah, já lhe
ocorreu que você pode ter tido uma concussão? Deveríamos fazer um raio X
imediatamente.
- Padre Dominic ...
- Sem discussão, Suzannah. Calce um sapato. Vou conversar com seu padrasto,
depois vamos ao hospital de Carmel.
O telefone tocou, ruidoso. Eu lhe disse, isso aqui é a própria estação de trens.
Atendi, principalmente para me dar tempo de pensar numa desculpa para não ir ao
hospital. Uma ida à emergência exigiria uma historia sobr e como eu tinha obtido este
último ferimento, e, francamente, estava ficando sem boas histórias.
- Alô? - falei ao aparelho enquanto o padre D. me fazia um muxoxo.- Suze? - a familiar vozinha aguda. - Sou eu de novo. O Jack.
- Jack - falei cansada. - Olha, eu disse antes. Realmente não estou me sentindo
bem ...
- É isso aí. Fiquei pensando que você podia não ter ouvido. E então achei que
podia contar. Porque sei que você vai se sentir melhor quando souber.
- Souber o que, Jack?
- Como eu mediei aquele fantasma para você.
Deus, minha cabeça estava latejando. Não estava no clima para isso.
- Ah, é? Que fantasma, Jack?
- Você sabe. O cara que estava incomodando você. O tal de Hector.
Quase larguei o telefone. Na verdade larguei, mas estendi as mãos d epressa e o
peguei antes que caísse no chão. Então segurei de novo junto ao ouvido, com as duas
mãos, para ter certeza de que estava escutando direito. Fiz tudo isso com o padre
Dominic me olhando.
- Jack - falei, sentindo como se todo o ar tivesse escapa do de mim. - O que você
está falando?
- Aquele cara. - Seu tom infantil tinha ficado indignado. - Você sabe, o que não
queria deixar você em paz. Aquela moça, Maria, me disse...
- Maria? - Eu tinha esquecido tudo sobre a dor de cabeça, sobre o padre Dom.
Praticamente gritei ao telefone. - Jack, o que você está falando? Que Maria?
- Aquela fantasma da antiga - disse Jack, parecendo sem graça. - A boazinha,
que a gente viu o retrato na sala daquele careca. Ela disse que o tal de Hector, o da outra
pintura, a pequenina, estava incomodando você, e que se eu quisesse fazer uma bela
surpresa, deveria exer... deveria exor... deveria...
- Exorcizá-lo? - Os nós dos meus dedos tinham ficado brancos em volta do
aparelho. - Exorcizá-lo, Jack? Foi o que você fez?
- É - disse Jack, parecendo muito satisfeito consigo mesmo. - É, foi isso mesmo.
Eu exorcizei ele.

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